o mito do amor na literatura medieval portuguesa

Nadiá Paulo Ferreira
(UERJ e Corpo Freudiano do Rio de Janeiro)

 

Trovadorismo

No século XII, a França não apresentava uma unidade lingüística: a língua d’oil no norte e a língua d’oc no sul. Na região occitânica, território em que se falava o d’oc, floresce uma poesia, associada ao canto, que tem como tema o que se convencionou chamar de amor cortês.

Do final do século XII até a segunda metade do século XIV, em Portugal e na Galícia, surge uma poesia em galego-português que retoma o tema do amor, a partir de vários gêneros.

A famosa Cantiga da Guarvaia, de autoria de Paio Soares de Taveirós, é considerada por Carolina de Michaëlis o texto inaugural do trovadorismo galego-português. Leodegário A. de Azevedo Filho, com base nos estudos de textos não literários de Luís Filipe Lindley Cintra e do padre Avelino de Jesus Costa, que se fundamentam em argumentos codicológicos e paleográficos, discorda de Carolina de Michaëlis: Paio Soares de Taveirós viveu na primeira metade do século XIII e o autor mais antigo que se tem notícia é João Soares de Paiva, que teria nascido em 1141, portanto, dois anos após a batalha de Ourique.

Nessa época, fazer poesia era sinônimo de saber trovar. Segundo Rodrigues Lapa, a palavra trovar vem do latim tropare (fazer tropos) e não do verbo latino turbare (empregado na pesca com o sentido de turvar a água). Para ele, trobar é a forma arcaica do verbo trovar, que vem do grego trópos — figura retórica que indica desvio do sentido —, cuja variante do latim tardio é contropare, que significa fazer tropo. Assim teríamos: tropare > trobare > trovar.


 

Cancioneiros e a tradição manuscrita

Os textos manuscritos que reúnem o corpus poético dos trovadores galego-portugueses se encontram em códices apógrafos. Os principais e mais conhecidos desses códices são os seguintes manuscritos:

A = Cancioneiro da Ajuda, copiado em Portugal em fins do século XIII ou princípios do século XIV, encontra-se na biblioteca da Ajuda, em Lisboa. A maioria das cantigas são de amor.

V = Cancioneiro da Vaticana, copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI. Encontram-se cantigas de todos os gêneros.

B = Cancioneiro da Biblioteca Nacional, antigo Colocci-Brancuti, copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI, encontra-se, desde 1924, na Biblioteca Nacional de Lisboa. Há composições de todos os gêneros.

Pergaminho Vindel: com as 7 cantigas de amigo de Martin Codax, entre outros textos.

As Cantigas de Santa Maria: constituída por 4 códices do século XIII sob o nome de Afonso X, é quase certo que todas as cantigas não sejam da autoria do rei. Entretanto, não dúvida de que Afonso X coordenou pessoalmente a compilação destas cantigas.

Tavola Colocciana: uma lista com nomes dos poetas dos Cancioneiros, organizada pelo humanista Angelo Colocci.

 

Amor-cortês e amor-paixão

Nas Cantigas de Amor, o sujeito do discurso é um homem e o tema é o amor impossível. Em galego-português, o sofrimento causado pela não correspondência amorosa é chamado de coita e o objeto amado — a Dama — é nomeado pela palavra Senhor. A maioria dos medievalistas concorda que essas cantigas retomam o lirismo occitânico, sofrendo influências diretas da poesia provençal.

Nas Cantigas de Amigo, em vez de um amor impossível, temos o testemunho de mulheres apaixonadas. O poeta trovador, jogral ou menestrel[1], se coloca do lado das mulheres, falando como se fosse uma delas. Em galego-português, amigo é sinônimo de namorado, amado. No que diz respeito à origem dessas cantigas, vamos encontras três versões diferentes:

1- a poesia galego-portuguesa em seu conjunto é uma continuidade do trovadorismo occitânico, tendo como principal influência a escola provençal;

2- as cantigas de amigo são um fenômeno autóctone da cultura galego-portuguesa;

3- a poesia galego-portuguesa se inscreve na tradição trovadoresca medieval, apresentando algumas características específicas, que não se pode deixar de levar em consideração que a corte de Afonso X, o Sábio (avô de D. Dinis), era um importante centro cultural, freqüentado por vários poetas occitânicos.

As Cantigas de Amor e de Amigo colocam em cena dois gêneros líricos e duas modalidades de amor. Nas cantigas de amor, o amante se situa como homem, colocando-se a serviço de uma Dama, que, ao mesmo tempo em que o aceita como vassalo, recusa-se a dar-lhe o seu amor. Nas cantigas de amigo, o amante se inscreve no lugar das mulheres e o objeto amado é quem tem as insígnias fálicas. As cantigas de Pero Meogo[2], em que a imagem dos cervos simboliza a virilidade masculina (Cf. AZEVEDO FILHO, 1974), ilustram as características básicas desse gênero, onde algumas personagens domésticas participam dos conflitos da donzela, quando ela recebe um bilhete do namorado, convidando-a para um encontro. Sempre que a figura materna aparece nessas cantigas é para alertar a filha dos perigos da paixão, e, às vezes, essas donzelas burlam a vigilância materna para atender ao chamado dos seus amados.

Nas Cantigas de Amor, a privação do objeto amado tem como efeito a inibição do sexual. Nas Cantigas de Amigo, a inclusão do sexual está diretamente ligada a uma cena reincidente, onde a donzela apaixonada se entrega ao seu amado, engendrando uma versão que implica na conjunção entre amor e gozo e na colocação do amor como agente infrator de um código moral, como é o caso da poesia de Martin Codax[3].

O preconceito fez com que alguns estudiosos do trovadorismo galego-português, tais como D. Carolina de Michäelis de Vasconcelos, Aubrey Bell, Joaquim Nunes, Costa Pimpão e Rodrigues Lapa —  para citar alguns — identificassem uma certa “candura” nas cantigas de amigo. Ou seja: eles ignoraram a presença de um erotismo, onde o amor contracena com o gozo sexual para engendrar a promessa de Felicidade.  as leituras das cantigas de amigo, feitas por Leodegário A. de Azevedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo e O Poema Musical de Codax como Narrativa), por Celso Cunha (Amor e Ideologia na Lírica Trovadoresca) e por Romam Jakobson (A textura Poética de Martim Codax), entre outros, contribuíram para desmistificar o caráter angelical que até então era atribuído a essas cantigas.

Na tentativa de encontrar uma origem para o amor cortês, várias teses foram propostas para a origem da poesia em langue d'oc[4]. A tese arábica, que não é propriamente criação do romantismo, porque tinha sido formulada, no século XVI, pelo italiano G. Barbieri, sustenta-se na superioridade da cultura muçulmana em relação à cristã e na facilidade de comunicação entre as duas culturas pelas cruzadas. O amor cortês do lirismo occitânico teria sido derivado das poesias da corte muçulmana, que essas poesias exaltavam a mulher e o sofrimento amoroso. A grande contestação a essa tese, entre outras, é de que o lirismo trovadoresco das canções muçulmanas era geralmente dirigido a uma escrava e nunca a uma senhora casada, como é o caso das cantigas provençais.

Na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento dos estudos de filologia românica, aparece a tese folclórica, que se sustenta na permanência da tradição popular greco-latina, principalmente, as festas de Maio, onde o amor e a primavera eram celebrados.

No primeiro quartel do século XX, surge a tese médio-latinista, que irá identificar as origens dessa poesia na tradição erótica médio-latinista, tanto no seu aspecto popular, quanto goliardesco[5]. Nesse mesmo período, outra justificativa vem sustentada pela tese litúrgica, que acredita que as raízes desse lirismo se encontram na poesia latino-eclesiástica, que não oferecia um texto mais ou menos compreensível mas também uma melodia, o que facilitava a memorização.

Denis de Rougemont, em seu livro O amor e o ocidente, insistindo nessa questão da origem, retoma alguns pressupostos da tese arábica e se descarta das outras, acrescentando, entre outras influências, a heresia cátara. Para esse autor, a influência cátara aparece no amor cortês através do ascetismo, da louvação à morte e das virtudes corteses de humildade, lealdade, respeito e fidelidade.

Em primeiro lugar, não posso concordar com esse autor, porque isto implica considerar que o amor cortês é uma concepção mística e, como tal, reflexo de uma versão cristã, que condenava o exercício da sexualidade e identificava um perigo fantasmático de caráter fóbico nas mulheres.

Em segundo lugar, quando a mulher vai ao lugar de Dama para ser decantada em versos, em momento algum esse tratamento corresponde à conduta social dos homens em relação às mulheres. Trata-se de uma ficção tomada ao da letra. Guilherme, sétimo Conde de Poitiers e nono Duque da Aquitânia (1071-1127), o primeiro trovador provençal de que se tem notícia, um dos príncipes mais poderosos de sua época, por sua linhagem (bisavô de Ricardo Coração de Leão) e pela extensão de suas propriedades, foi um conquistador, que acabou sendo excomungado duas vezes por causa de sua ligação com a Viscondessa de Châtellerault, ou, mais provavelmente, por causa de suas disputas territoriais com a Igreja. Todavia, este homem, independente de sua conduta e do seu lugar social, quando representava o papel de amante, como trovador, jurava fidelidade a sua Dama em nome de um amor escrito. O trovador Bernart de Ventadorn (1150-1195?), também, ilustra bem essa defasagem de tratamento dado às mulheres. Como homem do seu tempo, apesar de se saber muito pouco de sua biografia, foi um conquistador e esteve envolvido em grandes aventurosas amorosas. Conta-se que foi amante da Viscondessa de Ventadorn, esposa do seu senhor, o visconde de Ventadorn, e de Alienor de Aquitânia, na época Duquesa da Normandia e depois rainha da Inglaterra.

É importante frisar a dicotomia entre o lugar e o tratamento que é dado à mulher na poesia e no social. Na Idade Média, as mulheres, reduzidas à função fálica, tinham lugar no social como mães. Uma das soluções encontradas pelos homens em relação às mulheres foi tapar as suas bocas. O depoimento do historiador Georges Duby, sobre as dificuldades encontradas por ele em sua pesquisa sobre as mulheres dessa época, ilustra bem esse fato:

Essa Idade Média é resolutamente masculina. Pois todos os relatos que chegam até mim e me informam vêm dos homens, convencidos da superioridade do seu sexo. as vozes deles chegam até mim. No entanto, eu os ouço falar antes de tudo de seu desejo e, conseqüentemente, das mulheres. Eles têm medo delas e, para se tranqüilizarem, eles as desprezam (DUBY, 1989, p.10.).

Na segunda metade do século XII, período de florescimento do amor cortês, no sul da França, o poder da Igreja invadia a privacidade dos homens, criando leis que regulamentavam as relações íntimas entre os casais. Os padres alertavam os homens para terem muito cuidado com as mulheres. Elas poderiam ser consideradas, em relação à força física, mais frágeis do que os homens, mas, em relação ao espírito, deviam ser temidas porque usavam a sedução e a mentira como armas para conduzir o homem ao pecado, à destruição e à morte.

Ninguém melhor do que a mulher para aparecer como uma das faces disfarçadas do Demônio. Em um dos episódios de A Demanda do Santo Graal, Percival, em suas andanças à procura do Santo Cálice, está passando pelo mar, quando uma tenda muito rica. Depois de atar o seu cavalo numa árvore e deixar encostado nela o seu escudo e sua espada, entra na tenda e encontra, dormindo em um leito, a donzela mais formosa que seus olhos até então tinham visto. Enlouquecido de paixão, esquece-se do compromisso em procurar o Graal e declara seu amor, pedindo a donzela em casamento. Eis que, nesse exato momento, a linda donzela se transforma na figura horripilante do Demo, fazendo com que o personagem se conta de que estava enfrentando mais uma prova de . Arrependido, Percival se ajoelha e pede perdão a Deus por ter caído em tentação[6].

Os fabliaux[7], em contraponto ao fin’amor das cantigas de amor, também nos oferece indicações precisas da concepção que os homens tinham sobre as mulheres nessa época. Nesses fabliaux, as mulheres “têm o espírito agudo” (FABLIAUX, 1997: 46) e usam uma série de ardis para seduzir os homens e para enganar os maridos, fazendo-os de bobos.

Enfim, criaturas demoníacas, perversas e devoradoras, incapazes de serem satisfeitas, eram as imagens que o cristianismo medieval construiu sobre as mulheres, o que sem dúvida isentava e justificava os atos de violência contra elas. As leis dos homens tinham, nessa época, um efeito apaziguador, na medida em que colocavam no lugar do Outro sexo o signo da maternidade. O perigo rondava as mulheres solitárias, ou seja, aquelas que não estavam sob o domínio dos homens. Então, a solução encontrada foi a criação de novos espaços para aprisioná-las: os mosteiros, as comunidades beguinas e os bordéis. Sob a insígnia da proteção, os homens encontravam artifícios para se prevenirem do insondável que vela o gozo feminino. Tratava-se, então, de uma estratégia para negar o ser sexuado dessas mulheres, cujo gozo suplementar não passa pelo corpo, mas sim pela fala. Uma idade dos homens[8], é como o historiador George Duby se refere a essa época em um dos seus livros. Mas, se nessa época o valor social da mulher era índice da potência do homem a quem estava subjugada, desde o nascimento até a morte, este valor se transformava radicalmente, quando a mulher, sob a pena do poeta, transfigura-se em a Dama, à qual ele iria dedicar seu amor em cantos, que são verdadeiros lamentos de dor.

Lacan, em 1972-73, no Seminário 20: mais, ainda, adverte que a tentativa de desvendar a origem histórica do amor cortês não deu conta do seu fenômeno. Mas antes mesmo de afirmar isto, em 1959-60, no Seminário 7: a ética da Psicanálise, ele se havia descartado dessa questão, ao estabelecer uma correspondência entre o amor cortês e o texto de Ovídio, A arte de Amar. O texto de Ovídio é um verdadeiro tratado para libertinos, mas Lacan irá encontrar nele uma identificação com o amor cortês pela via do significante. O amor deve ser regido pela arte (Arte regendus amor) e o amor é uma espécie de serviço militar (Militae species amor est) são as proposições de Ovídio, que foram tomadas ao da letra pelo amor cortês. que nele o amante se coloca a serviço da Dama para travar uma batalha cujas regras estabelecidas colocam-no na posição de vencido, antes mesmo da conquista. Mas, mesmo assim, é proibida a desistência, e o amante tem direito de ingressar nessa escola poética se se submeter às regras que determinam a maneira como se deve cortesmente amar.

Tal qual o amor grego, o amor cortês se sustenta na beleza do agalma e, ao contrário dele, exige que o amador renuncie à coisa amada. Em torno do objeto de amor se constrói uma organização do significante, cujas regras conduzem à inibição da sexualidade e à representação da mulher como enigma indecifrável. Essa representação do objeto feminino faz com que Lacan compare as técnicas do amor cortês com as técnicas dos pintores do final do século XVI e do início do século XVII[9]. Trata-se do recurso da anamorfose: a revelação de uma imagem enigmática, que, à primeira vista, não é perceptível e que aponta para alguma coisa da ordem do real. O que há de comum nessas representações é um modus operandi do significante.

O luto é a condição para que o homem ocupe o lugar de amante e possa dirigir sua demanda à Dama. O sofrimento, como um estado de luto permanente, correspondendo ao que se convencionou chamar, nos estudos literários, de morrer-de-amor, é o afeto dominante, na cantigaComo morreu quen nunca bem” de Pai Soares de Taveirós.

O objeto amado pode comparecer na estrutura da privação, porque se trata de um amor em que as relações entre sujeito e objeto se inscrevem na falta. A Dama é para o sujeito, na posição de amante, o que simbolizaria o objeto real do seu desejo. É lógico que essa metaforização é possível pela via do imaginário, que o que caracteriza a estrutura do desejo é a falta do objeto. É por lhe ter sido dado o sentido de um objeto precioso e, como tal, privilegiado, que a Dama se converte em símbolo da própria ausência do objeto do desejo. Justamente por isto, amar tem como condição renunciar não ao amor mas ao objeto amado.

Da estrutura da privação passa-se à frustração. É na posição de objeto real que a Dama é investida de onipotência, podendo, a partir daí, submeter o amante aos seus caprichos. O amante, por se encontrar inteiramente à deriva do desejo que está no Outro — na Dama —, pode se colocar como servo fiel e humilde que suplica ser amado.

A Dama, cindida em objeto real com valor de potência e objeto simbólico com valor de dom, se torna a fonte de todos os dissabores. Ou seja, como objeto de potência é divinizada e, justamente por isto, pode ser amada no regime de abstinência sexual, de devoção servil e de idolatria; como objeto simbólico se torna signo da recusa do amor como dom. É nesse sentido que o amor cortês se inscreve no regime da frustração[10]. O ciclo que se repete é sempre o mesmo. Alguns medievalistas, ao constatarem esse processo de repetição, consideram-no falta de criatividade, porque não se deram conta do que, verdadeiramente, se trata nessa concepção do amor.

O morrer-de-amor dos trovadores não corresponde nem ao desejo de morte da tragédia helênica e nem ao masoquismo moral romântico. O sofrimento é efeito de uma relação amorosa simbolizada que visa à não satisfação. A Dama é colocada no lugar de objeto amado para que outra coisa, que está para além das mulheres, seja desejada.

As regras corteses tornam o amor impossível para que uma prática de escrita se transforme em metáfora do amor. O real como impossível não é recalcado, simplesmente se desloca para que amar se torne sinônimo de renúncia e a insistência em continuar amando se transforme em mestria de um cantar com a função de sublimação.

Ao contrário do romantismo, o que comparece no lugar de um ideal é o próprio amor e não o objeto. Na literatura romântica, o objeto feminino é investido de uma imagem que substancializa a figura da mulher angelical ou da mulher satânica. As cantigas de amor dessubstancializam o objeto feminino, transformando-o numa função simbólica. A Dama, como portadora do agalma, é captada por um olhar, sem que haja qualquer particularidade que a singularize, quer do ponto de vista do amante, quer do ponto de vista de um estilo de época. A leitura das cantigas de amor provoca, inclusive, a sensação no leitor de que todas elas poderiam ter sido escritas para uma mesma mulher. A Dama é dessubjetivada para ser colocada aos olhos do amador como, inteiramente, arbitrária e onipotente. Justamente por isto, Ela não mede as exigências que impõe àquele que está ao seu serviço.

No amor cortês, como no amor grego, os lugares para amar estão bem demarcados: o de amante (erastes) e o de amado (erômenos). Quem ocupa o lugar discursivo do amante tem abatido sobre si os efeitos que o real provoca no simbólico, e, justamente por isto, se coloca no lugar de sujeito do desejo. Neste lugar, o trovador se oferece ao serviço de uma mulher. Aquela, que aceitou ser escolhida poderia, então, representar para o sujeito o que ele supõe que lhe falta? Não. O amor cortês é justamente aquele que traz a desarmonia do par amante-amado, explicitando que o que falta ao amante não é o que o amado tem. Não é isto que Lacan situa quando diz que amar é dar o que não se tem? Este paradoxo, que vige no regime do amor, é o que sustenta o amor cortês. É neste sentido que se deve ler a afirmação de Lacan, quando diz que o amor cortês é o único que expressa o verdadeiro amor. Se o desejo do homem é o desejo do Outro, o trovador deseja o amor da Dama porque Ela deseja ser amada por ele. Se o desejo se sustenta em uma falta radical, a súplica do trovador, dirigida à Dama, revela a constatação deceptiva que faz parte da estrutura de toda demanda: não é isto, é outra coisa... Esta Outra Coisa é a Dama que está ali para ser amada e não para obliterar o que falta ao amante. A Dama, como simulacro do objeto do desejo, pode ser demandada pelo trovador a partir da privação e da frustração. Justamente por isto, o que é colocado neste lugar é um objeto enlouquecedor, é um parceiro desumano.

A Dama tem então a mesma função que o espelho como a borda de um furo: estabelecer um limite que aponta para o que não se pode transpor. Algumas particularidades do amor cortês ilustram esta função do espelho:[11]

1- um amor que nasce da construção significante e que se apresenta dessimétrico com o papel social que a mulher exercia nesta época, amar cortesmente significa saber trovar;

2- todas as regras de cortesia se organizam em torno da inacessibilidade do objeto;

3- As forças maledicentes (os lausengiers) e a manutenção do segredo através do uso do senhal produzem uma série de equivocações.

As técnicas do amor cortês como erotismo são técnicas de retenção, de suspensão e de amor interruptus. Freud, no texto Três Ensaios para uma Teoria Sexual, 1905, afirma que tudo o que dificulta ou prolonga a finalidade do ato sexual favorece as tendências de permanecer nos prazeres preliminares, convertendo-os em novos fins sexuais. Lacan, em O seminário 7: a ética da psicanálise, afirma que essas técnicas preliminares correspondem aos estágios que o trovador tem que passar para que a Dama aceite ser homenageada por ele, possibilitando assim que ele receba o grau de amador. Esses estágios são:

1- Aspirante (Fenhedor) — o que se consome em suspiros;

2- Suplicante (Precador) — o que ousa pedir;

3- Amador (Drut).

Cumpridos esses estágios, se o amador for aceito como vassalo, a Dama aceitará seu amor, sua devoção e sua fidelidade. No ritual provençal, quando a Dama aceitava a corte do trovador, oferecia-lhe um anel de ouro e ordenava que se levantasse e lhe beijasse a fronte. Daí em diante os amantes estavam unidos pelas leis da cortesia: inibição do sexual, vassalagem e consagração do objeto amado.

Se esses estágios forem comparados com os prazeres preliminares, eles terão a mesma função que exercem no circuito pulsional, que é a retenção do gozo para o prolongamento desses prazeres. Essa retenção do gozo, para Freud, converte-se em perversão ou em sublimação. O amor cortês não faz outra coisa senão eternizar um amor cujas regras de cortesia impõem barreiras ao amor como exigência do próprio amor. O amor cortês apresenta, assim, uma forma de amar que coloca em cena um jogo e suas regras. Naquele tempo os trovadores sabiam jogar e, justamente por isto, sabiam amar. E não existe coisa que mais explicite uma invenção significante do que o jogo.

Lacan chama atenção para o paradoxo desses prazeres preliminares. Se por um lado sustentam o prazer, por outro são experimentados como desprazer, na medida em que aumentam o estado de tensão. É a partir dessa contradição que os prazeres preliminares são valorizados no ato sexual. No amor cortês esses prazeres se atualizam na medida em que a Dama se torna inacessível e seu corpo interditado. É no interior dessa interdição que o sexual se converte, através da sublimação, numa arte erótica, onde o impossível de um amor tem como função velar o impossível da relação sexual[12]. Diz Lacan: O amor cortês “é uma maneira inteiramente refinada de suprir a ausência de relação sexual, fingindo que somos nós que lhe pomos obstáculo. É verdadeiramente a coisa mais formidável que jamais se tentou” (LACAN, 1982, p. 94.).

O amor cortês inviabiliza de saída o acesso ao objeto para depois lhe outorgar um valor sublime. O agalma do objeto se transforma em aura, para que ele possa como metáfora vir no lugar do objeto que não há. O não-haver do objeto é substituído pela impossibilidade de tê-lo. É importante assinalar que não estou dizendo que a Dama vem ocupar a função do objeto causa do desejo, aquele que Lacan escreve com a letra a minúscula. A Dama, como metáfora, é a representação da estrutura de falta do objeto do desejo. É nesse sentido que ela se apresenta como impossível, deslocando-se para o lugar do Outro Absoluto. É a partir desse lugar que Ela é divinizada, adquirindo assim o valor de dom como Bem Supremo. Os estágios a serem ultrapassados para o grau de amador correspondem aos prazeres preliminares, porque têm como função colocar a Dama como signo do Outro barrado (). A Dama, tal qual o Outro barrado(), não tem face e sempre se apresenta como um enigma sem decifração. A Dama não é a representação imagética das mulheres e sim a representante d’ Mulher. Aquela que, como significante do Outro-Sexo, é coberta por um véu que encobre um enigma sem decifração. A indiferença da Dama adquire valor de mistério inviolável, porque Ela, a Dama, verdadeiramente, não tem nada para oferecer ao amante.

O amor cortês engendra uma construção ideal sobre o amor e o inscreve no regime da estrutura da falta do objeto, assinalando uma transformação histórica de eros. Não se pode negar que essa concepção de amor inaugurou uma tradição em que falar de amor significa falar do sofrimento de quem ama. O sofrimento é a via pela qual o amor se tornou um dos temas mais reincidentes da literatura ocidental.

Na passagem do amor cortês para o amor como sentimento da paixão, produz-se uma torção, a partir do momento em que o morrer-de-amor deixa de ser metáfora da impossibilidade do próprio amor para se transformar em símbolo da impotência do homem em relação às forçasinvencíveis” do mundo. A idealização objetal substituiu a sublimação, assim como a privação e a frustração cederam lugar à denegação do impossível.

No século XIX, o objeto é idealizado como se fosse a aparição da Coisa, para criar a ilusão de um amor primeiro, único e derradeiro... E se nada do que é esperado é encontrado, o álibi dos obstáculos intransponíveis vem dissimular a própria impossibilidade, que passa a ser denegada. A mulher pura e angelical se converte, pela via imaginária, em signo do objeto do desejo. Não importa se é pelos laços do matrimônio ou pela via do adultério, pois o que entra em cena é a procura de um objeto que viria tomar o lugar de objeto do desejo. Na transformação do amor cortês em amor paixão, nasce o mito da castidade. Não se trata mais de abstinência sexual do amador, mas de uma exigência moral que se abate sobre as mulheres. Qualquer semelhança com o romantismo e com o realismo não são meras coincidências. Na literatura do século XIX, o homem, fantasmaticamente dividido entre as mulheres que podem ser amadas e as que podem ser desejadas, tortura-se entre amar ou gozar. A punição surge então sob duas formas: o inferno da culpa para os homens e a morte para todas as heroínas que violam a lei da castidade.

Assim, o impossível se desloca do amor para os obstáculos, ora pela inviabilidade do casamento, ora pelo erro do adultério ou da prostituição. Os heróis passam de amantes a impotentes — ou como diria Camilo Castelo Branco: de felizes a desgraçados — e o morrer-de-amor, como representação máxima da denegação do impossível da relação sexual, transforma-se no fracasso de um sonho de amor...

O mito do amor, na literatura portuguesa, encontrará as suas origens no entrecruzamento entre as cantigas galego-portuguesas de amor e de amigo. Nas cantigas de amigo, vamos encontrar um amor que justifica os desvios de virtude das donzelas apaixonadas. Mentir por amor, dissimular para a mãe e se entregar como prova de amor são os comportamentos descritos pelas donzelas nas Cantigas de Amigo, com bem demonstra Leodegário A. de Azevedo Filho, no seu livro As Cantigas de Pero Meogo. Nessas cantigas, não lugar para o morrer-de-amor das Cantigas de Amor. Nestas últimas, a dor de morrer-de-amor revela-se para o imaginário do trovador como gozo, que, ao contrário das cantigas de amigo, não se inscreve pela via do sexual.

Nas cantigas de amigo, o trovador, ao usar a máscara de uma donzela apaixonada, não canta mais um amor impossível e sim as maravilhas do amor. São depoimentos líricos de "mulheres" que ora suspiram, ora se entregam ao amado como prova de amor. A conversão do amor impossível para o amor que se sustenta na Promessa de Felicidade é a primeira grande virada da concepção mítica do amor na literatura portuguesa. , nas páginas das cantigas de amigo, amor e gozo sexual se deparam com duas faces de um sonho sonhado sem os escombros da morte.

Esses dois gêneros líricos trovadorescos encontram-se, por sua vez, com a matéria da bretanha[13], que deu origem às novelas de cavalarias. Entende-se por novela de cavalaria o gênero narrativo, quer em verso, quer em prosa, que tem como característica fundamental apresentar uma sucessão de aventuras, onde os protagonistas principais são submetidos a provas, que têm como função inseri-los num modelo heróico, que saem delas sempre com êxito. Uma história com princípio, meio e fim se encaixa em outra e mais outra, tendo como fio condutor da narrativa uma trama central.

Nessas novelas de cavalaria, vamos encontrar o entrecruzamento das influências cristã e céltica. O predomínio da influência cristã na versão portuguesa de A Demanda do Santo Graal é muito maior do que em Amadis de Gaula. O maravilhoso dos mitos célticos (bruxas, gigantes, monstros etc), em Amadis de Gaula, é substituído, em A Demanda do Santo Graal, pelo maravilhoso cristão (vozes, sinais, aparições etc. como mensagens vindas do céu em Nome-de-Deus).

Num primeiro momento, tanto em uma novela quanto em outra, o que está em jogo é a renúncia ao gozo sexual. Nas cantigas de amor, é a partir de um sofrimento sem fim, em função da inacessibilidade do objeto, que se convoca o desejo de morrer (morrer-de-amor), encontrando-se um gozo onde o sexo não conta. Na Demanda, temos um herói, fruto do pecado de seus pais, virgem e o mais puro de todos os cavaleiros, que se mantém no eterno feminino, em nome de uma verdade que se sustenta na da palavra encarnada no Outro, cuja face é Deus-Pai-Todo-Poderoso. Em nome dessa , o herói aguarda a fruição de um gozo não sexual, que o narrador nos conta que foi experimentado, primeiro, pela contemplação da imagem do Graal, e, depois, quando sua alma e o santo cálice sobem ao céu pela mão de Deus.

No Amadis, podemos dividir a narrativa em dois momentos. Primeiro, Oriana está para Amadis, assim como a Dama está para o trovador. Se, nas Cantigas de Amor, a Dama é abordada como objeto inacessível e como corpo interditado, aqui, se estabelece uma diferença entre as cantigas de amor e esta narrativa. Não se trata mais de um amor não correspondido. Amadis e Oriana amam-se perdidamente. Este amor, que é mantido em segredo, porque as personagens coadjuvantes com função de confidentes de Amadis e de Oriana sabem dele, se torna impossível em função da submissão do herói ao código da cavalaria, que poderíamos sintetizar na obrigação de correr o mundo em busca de aventuras. Assim, as aventuras das armas têm como função reproduzir incessantemente os obstáculos inventados pelo amor cortês para que ele se torne um amor verdadeiramente impossível. Se a privação do objeto amado, segundo as regras corteses, exige fidelidade à Dama, o que implica abster-se de todas as mulheres, o gozo se inscreve, justamente aqui, articulando-se com o brilho das vitórias, que se reduplicam uma após outras, para serem oferecidas à amada como uma forma de homenageá-la à distância. A cada prova glorificante, o futuro profetizado para Amadis por Urganda se confirma, escravizando o herói a uma imagem tirânica. Amadis, o mais belo e mais valente entre todos os cavaleiros de seu tempo, irá ter o seu destino revirado por iniciativa de sua amada, aquela que lhe oferece o gozo sexual como saída de um destino terrível.

A lei que preside o código cortês do amor é violada para que tudo termine em happy end, o que faz com que esta novela inaugure na narrativa o que era anunciado nas cantigas de amigo, ou seja, a junção entre gozo e amor engenhando uma Promessa Fálica de Felicidade.

Nos textos inaugurais da literatura portuguesa, o mito do amor se associa ao sofrimento — exigindo a renúncia às mulheres, nas Cantigas de Amor e na Demanda do Santo Graal — e à Promessa de Felicidade, nas cantigas de amigo e em O Amadis de Gaula.

 

BIBLIOGRAFIA

A Demanda do Santo GRAAL. Ed. Irene Freire Nunes. Portugal: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1995.

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[1] Aproximadamente, no fim do século XII e início do século XIII, temos uma sociedade hierarquizada que se organiza em torno do rei e da pirâmide feudal que se divide em clérigos, senhores, vassalos, cavaleiros, servos e vilões. mais tarde, com o florescimento das cidades, aparecerá um novo grupo social: os burgueses. É lógico que segundo esses princípios de ordenação, os poetas também serão classificados, de acordo com a classe social, em jograis, trovadores ou menestréis. A origem do jogral remonta ao antigo ofício de divertir os reis, em seus castelos, e o público, nas ruas e nas praças, com mágicas, acrobacias, mímicas, música e canto. É, aproximadamente, a partir do século IX, que a nomeação de jogral passa a ser utilizada para se referir, especificamente, aos músicos-cantores que iam exercer os seus ofícios, nas expedições guerreiras, durante e depois dos banquetes, dados pelos reis e senhores feudais, nas grandes festas religiosas, realizadas nos mosteiros e nas igrejas. Dessa transformação nasce o poeta itinerante, que vai percorrendo as cortes, cantando quer como autor quer como intérprete. Poetas e plebeus, esses artistas de vida boêmia, que cantavam composições em língua vulgar, segundo os testemunhos da época, eram hostilizados pelos poetas clérigos, que escreviam em latim. Novos poetas, a partir do início do século XII, começam a surgir no seio da aristocracia, sendo nomeados trovadores. Alguns historiadores da literatura definem o trovador como o poeta completo, ou seja, aquele que interpreta as cantigas de sua autoria. Isto não é certo, porque saber trovar, violar e cantar não é o critério para alguém ser elevado à categoria de trovador. Para isto é preciso pertencer à nobreza. Alguns trovadores não dominavam a arte da viola ou não tinham uma boa voz, o que fazia com que estivessem sempre acompanhados de jograis para interpretarem suas composições. Outros, apesar de serem bons intérpretes, desejavam a divulgação de suas cantigas, que eram entregues aos jograis, que o fariam nas cortes  por onde passavam. Era muito comum, inclusive, os trovadores fazerem indicações para que esses jograis fossem bem recebidos nos castelos. Quanto aos menestréis, inicialmente, eles não se diferenciam dos jograis. A partir do século XIII, ao contrário destes, se transformam em espécies de criados fixos, acompanhando seus senhores e levando sempre consigo a viola para tocar, quando fossem solicitados. Formam-se, então, dois grupos de poetas plebeus, itinerantes (jograis) e sedentários (menestréis), que, inevitavelmente, irão competir, criando uma rivalidade, que se faz presente no uso das cores de suas vestimentas, no corte da barba e do cabelo e nos apelidos que passam a dar a si mesmos. Jograis e menestréis, apesar do ofício ou do serviço, também criaram as suas cantigas, embora fossem, às vezes, ridicularizados por essa ousadia. A partir do século XIV, quando a poesia se separa da música e a nomeação de jogral adquire um sentido pejorativo, a palavra menestrel passa a designar a função do músico das casas senhoriais e, posteriormente, na Espanha e em Portugal, o nome do instrumento que eles usavam.

[2] Carolina Michäelis de Vasconcelos, no seu artigoFragmentos etymológicos”, considera que houve um erro de grafia no sobrenome do poeta. Em vez de Meogo deveria ser Moogo. A partir dessa correção, considera que esse poeta teria sido um jogral que, a exemplo de alguns provençais, teria abandonado o convento. Leodegário de Azevedo Filho acha que “as notícias sobre Pero Meogo são, todas elas, puramente hipotéticas. O que há de certo é o teor popular de sua poesia, o que nos leva a admitir que tenha pertencido à classe dos jograis. Se foi monge ou não, isso jamais ficou provado. Mas parece que tenha vivido no século XIII” (AZEVEDO, 1974, p.18).

[3] Martin Codax ou Codaz, provavelmente, jogral galego-português que viveu na corte de Afonso III (1210 - 1279).

[4] V. o capítulo “O problema das origens líricas” do livro de Rodrigues Lapa. Lições de Literatura Portuguesa.

[5] A origem desse nome é incerta. Provavelmente está ligada ao gigante Golias (Golias, em latim, e Golyat, em hebraico), o inimigo de Deus, e devia significar, nessa época os “seguidores do diabo”. No século XII, os goliardos eram, na maioria, estudantes que freqüentavam as escolas catedrais e as universidades e que compunham poemas líricos profanos: paródias da liturgia e dos Evangelhos, celebração das estações do ano, dos prazeres da bebida, das festas e do amor. A maioria dessas composições não foi assinada, o que fez com que os seus autores permanecessem desconhecidos.

[6] V. «Quando se fala de amor, de que amor se fala? » em Ainda o amor. Rio de Janeiro, EdUERj, 1999. Col. Clepsidra 3.

[7]Fabliau, diminutivo de fable, é um gênero narrativo breve, em verso, baseado na unidade de acção. (...) A maior parte dos fabliaux são cômicos e comportam uma intenção paródica e irônica, mesmo os que (um bom terço) terminam por uma moral (FABLIAUX, 1997, p 56). Além dos fabliaux cômicos, “comparáveis às farsas do teatro cômico” temos os fabliaux eróticos (id. ibid., p. 7). 

[8] V. Idade Média, Idade dos Homens — do Amor e outros Ensaios de George Duby.

[9] V. o capítulo XI, “O amor cortês em anamorfose”, que se encontra em O seminário, livro 7, a ética da psicanálise,onde Lacan faz referência ao quadro de Holbein, Os Embaixadores.

[10] A frustração, “originalmente, (...) é pensável como a recusa do dom, na medida em que o dom é símbolo do amor” (LACAN, 1995: 184).

[11] O espelho, com função não especular, tem o mesmo estatuto topológico do significante: ocupar uma parte do vazio instaurado pela ocorrência do real no simbólico.

[12] O aforismo lacaniano de que a relação sexual é impossível se refere à natureza do gozo sexual, que se caracteriza por ser não todo. Ou seja, em toda experiência humana de gozo se inscreve uma falta-a-gozar, porque não há, por melhor que tenha sido, um gozo pleno. Até porque se houvesse, o sujeito nunca mais inistiria em querer gozar mais uma vez.

[13] Matéria da bretanha se refere ao ciclo cavaleiresco de influência bretã, e, justamente por isto, também chamado de ciclo bretão. Pertencem a esse ciclo o conjunto de obras que giram em torno da lenda do rei Artur e a novela Amadis de Gaula.

 

 

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