ROMANCES
DE
CAVALARIA E
CRÔNICAS
DE
REIS:
A
CONFIGURAÇÃO DO
REI-HERÓI
Maria do
Amparo
Tavares Maleval
(UERJ)
Em Portugal,
quando ao
primeiro cronista-mor do
reino, Fernão
Lopes, foi encomendada
por D. Duarte
ainda
Infante, no
século XV, a
elaboração da
história dos
reis
portugueses
até
seu
pai, D. João
I,
já eram
conhecidas as
lendas
celtas
recolhidas
nos
romances de
cavalaria. Estas giravam
em
torno do
rei Artur e
dos
seus
cavaleiros,
sendo
que a
versão
portuguesa dessa
matéria
enfatiza
principalmente
as
aventuras do
santo-cavaleiro, Galaaz,
em
busca do Graal
sagrado.
Dita
versão,
intitulada A
Demanda
do
Santo
Graal, é
obra de
fundamental
importância
para o
conhecimento
do
processo cultural do
Ocidente,
surgida
em uma
época
em
que na Europa
a
prosa
restringia-se à historiografia
ou a
textos
religiosos. A
Demanda
portuguesa
remonta ao
século XIII,
dela restando
um
único
manuscrito
completo, do
século XV
-
o
códice 2594
da
Biblioteca
Nacional
de Viena.
Insere-se num
vasto e
tardio
ciclo da
literatura bretã
ou arturiana,
conhecido
como
Pseudo-Boron,
ou,
mais
recentemente,
Post-Vulgata. Esta foi
composta
entre 1230 e
1240, integrando,
com
vistas à
composição de
um
conjunto
unificado,
vários
elementos de
procedência
diversas,
como o
tema do Graal,
a
lenda
arturiana, a
relação
Lancelote / Guenièvre, a
história de
Tristão e Palamades.
O
mais
antigo
texto
que se conhece
da
lenda
arturiana é a
anônima
Historia Britonum,
anterior ao
século
XI, na
qual Artur,
chefe
bretão do
Norte e
herói de
lutas
locais, tem a
sua
ação ampliada
para
toda a
Bretanha.
Esse
papel de Artur
como
herói
principal dos
bretões se
firma na
Historia Regum Britanniae de Geoffroy de Monmouth (séc. XII, 1135).
Antes,
também William
de Malmesbury,
por
volta de 1125,
defendera a
existência
histórica de
Artur na
sua
Historia regum anglorum. De
meados do séc.
XII é a Vita Merlini,
sobre Merlin e
as diversas
profecias
relacionadas aos
bretões. O
Brut de Wace,
tradução de
1155 da
obra de
Geoffrey, introduzirá a Távola
Redonda, daí
por
diante
inseparável da
figura de
Artur.
O
tema do Graal
aparece
pela
primeira
vez
em
Perceval le Gallois
ou
Le Conte du Graal, de Chrétien de Troyes (1135-1190),
autor de
sete
novelas
em
verso
sobre a
matéria de
Bretanha,
escritas
entre 1162 e
1182, e
responsável
pela
inclusão e
destacada
atuação de
Lancelote do
Lago na
corte arturiana.
Enquanto
que nas
demais
novelas os
episódios
amorosos
adquirem
relevo ao
lado da
valentia dos
cavaleiros,
nesta sobressai o
tema místico,
embora
não
cristianizado. O Graal apresenta-se
como
um
objeto
maravilhoso de
misteriosa
origem
guardado
por
um
rei mutilado
de
um
reino
estéril, o
Rei
Pescador.
Perceval, o
herói,
não alcança
libertar o
reino e o
rei de
seus
padecimentos,
pois
não consegue
decifrar os
acontecimentos
simbólicos
que presencia
no
castelo: o
cortejo
que acompanha
a
jovem de
branco,
condutora do Graal, a
lança
que sangra, as
três
gotas de
sangue
que caem
sobre a
neve, o
rei ferido à
espera da
cura, etc.;
por
ignorância e
discrição,
permanece
em
silêncio
diante do
Graal, ao
invés de
formular a
pergunta
que libertaria
o
reino da
maldição.
Os
textos
subseqüentes
cristianizaram a
lenda,
transformando o Graal,
recipiente
grato,
caldeirão
mágico,
vaso
ou
prato
nunca
claramente
definido
por Chrétien,
no
Santo
Vaso da
Última
Ceia
onde
fora recolhido
o
sangue de
Cristo.
Decisivo nesse
processo foi o Parzifal
do
alemão Wolfram von
Eschenbach,
escrito
provavelmente
entre 1200 e
1212,
que reelabora
e
completa o
texto do
escritor
francês.
Dentre os
acréscimos se
encontram: orientalismos,
explicáveis
pelas
Cruzadas
que
então
aconteciam; a
localização do
castelo do Graal no “Mont
Sauvage”; a
apresentação de Kiot, o
Provençal,
como o
portador do
manuscrito da
obra,
que
lhe é
entregue; a
substituição
do Graal,
que de
vaso
ou
prato
passa a
pedra,
mantendo as mesmas
características
milagrosas, etc..
Por
volta dessa
mesma
época, Robert de Boron,
autor da
trilogia
em
versos
li
livres
dou graal, - Joseph, Merlin,
Perceval
-
entre 1191 e
1212, explica a
origem do
Graal e o articula
com o
reinado de
Artur. No Joseph transforma o Graal no
vaso
sagrado
em
que José de
Arimatéia recolhera o
sangue de
Cristo,
transmitido
posteriormente
para o
seu
cunhado Bron,
cujo
neto, Perceval,
deveria
concluir as
aventuras
ligadas a
ele. No
Merlin relaciona o Graal ao
reinado de
Artur, mencionando a Távola
Redonda
com a
sua “seeda
perigosa” (acento
predestinado) tendo
como
modelo a
mesa do Graal;
estabelece a
intervenção de
Merlin na
relação
amorosa de
Uterpandragon e Ygerne, o nascimento de Artur,
criado
por Auctor, e
a
sua
coroação.
Em Perceval,
do
qual
apenas
restaram as
versões
em
prosa, chegam
ao
fim as
aventuras do
Graal e o
reino de Artur
é destruído.
Entre 1215 e
1235 surge
um
ciclo
em
prosa
amplificado, o Lancelote-Graal, unindo essas duas
tradições,
sendo
sua
versão
mais divulgada
conhecida
como a
Vulgata.
No
século XII,
também o
romance de
Tristan daria
origem a
um
ciclo
paralelo,
prosificado,
que
mistura a
história desse
cavaleiro
com as de
Artur e Lancelot e
com o
tema do Graal.
Alguns dos
seus
elementos
passariam a
integrar a remodelação da
Vulgata,
conhecida
como
Post-Vulgata
ou
Pseudo-Boron.
Carolina Michaëlis de Vasconcelos situou no
tempo de
Alfonso X, o
Sábio
(1250-1284) a
primeira
redação da
versão
portuguesa; seria a
terceira
parte de
um
ciclo
iniciado
pelo Josep Abarimatia,
sendo ao
que
tudo indica
uma refundição do
manuscrito do
século XIII
feita
nos
tempos
de D. Duarte (1391/1433-1438).
Este
rei,
inclusive, possuíra
em
sua
biblioteca
um
Livro
de Galaaz, desaparecido,
que,
intitulado
pelo
herói
principal da
Demanda,
bem
poderia
ser a
mesma; e o
seu
cronista-mor, Fernão Lopes, atesta na Crónica de D. João I, a
influência dos
heróis da
Demanda
na
educação dos
fidalgos,
principalmente
Nuno Alvarez
Pereira,
cujo
protótipo
teria sido Galaaz.
Dentre os
heróis
mais
paradigmáticos do
ciclo
bretão lembraríamos:
Galaaz,
por
ser a
expressão
máxima da
cavalaria
espiritual,
que alia à
coragem, lealdade e
honradez
exigidas do
cavaleiro uma
vida pautada
pelos
valores
religiosos,
sobressaindo a
castidade,
que o
liberta do
pecado
original e faz
com
que seja o
único a
alcançar o Graal;
Lancelote,
pai de Galaaz
e
campeão do
rei Artur,
que,
além do
seu
destemor e
destreza, se tornou o
modelo do
cavaleiro-amante, deixando-se
guiar
pela
paixão à
rainha,
traindo a
fidelidade
devida ao
seu
senhor; e o
próprio
rei Artur, do
qual
destacaríamos
sobretudo a
predestinação
para o
poder, encarnando o
mito do
soter,
unificador da
Grã-Bretanha.
Artur, na
perspectiva do
historiador Geoffrey de Monmouth (1160), teria sido
filho de Uther
Pendragon,
rei da
Inglaterra, e de Igraine,
viúva do
Duque da
Cornualha. Nessa
época os
invasores
saxões
hostilizavam os
celtas
britânicos,
pois,
com a
saída de
cena dos
romanos no
século V, a
Grã-Bretanha ficara praticamente
indefesa.
Artur teria sido coroado
rei aos quinze
anos, e
liderou os
valorosos
bretões na
vitoriosa
lutra
contra os
saxões,
reinando
em
paz
durante
cerca de
três
décadas.
Como sabemos,
inclusive
através das
modernas
versões
cinematográficas, várias
lendas
concorrem
para representá-lo
como
um
mito
soteriológico,
desde a
sua
concepção
miraculosa,
com a
ajuda do
druida Merlin.
Este, teria
possibilitado a Uther Pendragon
possuir Igraine assumindo
a
aparência do
marido desta,
que se
encontrava
em
batalha
contra as
forças desse
mesmo
rei Uther,
onde morre.
Em
troca, o
druida
leva a
criança, ao
nascer,
para
ser
criada a Sir
Ector.
Com a
morte do
rei,
muitos
nobres se
julgaram
com
direito ao
trono,
mas Merlin
procura o
arcebispo de
Canterbury e faz
com
que divulgue
que o
herdeiro seria revelado no
Natal,
por
um
fato
miraculoso,
em Londres.
Então,
após a
missa natalina
matinal,
surgiu no
pátio da
igreja uma
grande
pedra de
mármore na
qual estava
fincada uma
espada
em uma
bigorna e
onde se
lia
que
aquele
que
conseguisse sacá-la seria o
legítimo
rei de
toda
Inglaterra. Nesta
ocasião, Artur
era
escudeiro de
seu
irmão de
criação, Kei.
Como
este estivesse
sem
espada, Artur,
vendo a
espada do
padrão,
sem
saber o
que
significava, retirou-a e levou-a
para o
irmão. Sir
Ector, ao
saber do
fato,
desvela a
Artur a
sua
origem e
manda
que a
espada seja
recolocada
em
seu
lugar.
Então,
convocando o
Arcebispo
todos os
nobres,
após
suas
novas
tentativas
frustradas de
retirar a
espada da
pedra, vêem
que o
jovenzinho consegue fazê-lo
sem
nenhum
esforço. E
torna-se, dessa
forma, o
rei esperado.
Outras
lendas falam
do
modo
como a Artur
foi
entregue a
espada
Excalibur
pela
Dama do
Lago,
que o tornou
invencível nas
batalhas.
Dessa
forma, o
imaginário das
duas
culturas, a
celta e a
cristã, concorre
para
firmar a
sua
figura de
predestinado, de
salvador providencialista.
Na impossibilidade de neste
momento
nos
estendermos
sobre
outros
aspectos dos
romances de
cavalaria, vamos
passar às
crônicas
de Fernão Lopes,
mais
precisamente à
primeira
parte da
Crônica
de D. João I,
Mestre de Avis
e
fundador da
Dinastia
que daria
lugar à
gesta lusa dos
Descobrimentos.
Escrita
em 1443, se
atentarmos
para o
processo de
construção desse
mito
político
que
em
tal
obra se
desvela,
veremos
que incorpora
a
tradição
bíblica e arturiana,
sem
deixar de
ter o
seu
sabor de
atualidade
ainda
hoje.
A
localização
do
escritor
no
ano
de 1443 é fornecida
pelo
próprio,
no
capítulo
CLXIII,
que
fala
da "septima hidade
que
sse começou no
tempo
do Meestre",
idade
por
ele
invocada
ironicamente, "com
ousança de fallar,
como
quem
jogueta,
per
comparaçom",
para
denominar
os
novos
tempos
adventícios
da
Revolução
ocorrida de 1383 a 1385
em
Portugal e liderada
por
D. João de Avis. Nela "se levamtou
outro
mumdo
novo
e
nova
geeraçom de gemtes,
porque
filhos
d'home~es de tam
baixa
comdiçom
que
nom compre de
dizer,
per
seu
boom
serviço
e
trabalho,
neste
tempo
forom
feitos
cavalleiros"(LOPES, 1977: 308).
Esta
idade,
reconhecida
pelo
autor
enquanto
cousa
feita,
criada,
composta
-"fazemos
aqui
a septima hidade", diz
ele,
e utilizando-se dos procedimentos
retóricos
acima
mencionados - situa-se, deste
modo,
nos
domínios
da
ficção,
considerada
em
seu
étimo
latino
fictione,
que
possui,
dentre
outros,
os
significados
de
formação,
criação,
ato
de
fingir,
de
compor,
suposição,
hipótese
(MACHADO,
1989: III, 43). E dá
seqüência
às
épocas
determinadas nas
histórias
eclesiásticas, citados na
crônica
(LOPES, 1977: 307)
dois
dos
seus
principais
expoentes
- Eusébio de Cesaréia,
grego
do
século
IV e delas considerado o "pai",
e Beda,
autor
de uma
história
eclesiástica
da
nação
inglesa, no
século
VIII.
Ficção
à
parte,
localiza-se o
escritor
na
sexta
idade:
"a
sexta
em
que
ora
amdamos,
que
ha mill e
quatro
çemtos e quaremta e tres
que
dura"
e da
qual
"cuidã algu~us
que
fara
fim,
quamdo sse
acabar
o segre"(Ibidem,
p. 308). Localiza-se,
portanto,
no
ano
de 1443 da
era
de
Cristo,
que
tivera
por
antecessoras às de Adão, Noé, Abraão, David, e à do "trespassamento" de
Babilônia.
A
metáfora
criada
pelo
cronista
fala
de uma
escatologia,
que
põe
fim
aos
valores
nobiliárquico-feudais. De
tal
modo
os
seguidores
mal-nascidos de D. João de Avis "per
dignidades
e homrras e offiçios do rreino
em
que
os
este
Senhor
seemdo Meestre, e
depois
que
foi Rey, pos, montarom tamto ao deamte,
que
seus
deçemdemtes oje
em
dia
se chamam doões, e
som
theudos
em
gram comta" (Ibidem,
p. 308).
Mas
não
apenas
as "dignidades
e homrras e officios" mudaram de
mãos.
Também
a
religião
agora
é de
outra
ordem:
a do
interesse
por
bens
materiais.
E nela D. João faz o
papel
de Jesus
Cristo:
E assi
como
o
Filho
de Deos chamou os
seus
Apostollos, dizemdo
que
os faria
pescadores
dos home~es, assi
muitos
destes
que
o Meestre acreçemtou, pescarom tamtos pera ssi
per
seu
gramde e homrroso
estado,
que
taaes ouve hi
que
tragiam comthinuadamente comssigo viimte e trimta de cavallo; e na
guerra
que
sse seguio os acompanhavom trezemtas e quatrocemtas lamças e algu~us
fidalgos
de
linhagem
(Ibidem,
p. 308-309.).
À
parte
a
subversão
dos
valores
efetuada na
alegoria,
os
materiais
substituindo os
espirituais,
interessa-nos
agora
observar
como
o
mito
do soter é revivido na
representação
de D. João.
Como
lembra Raoul Girardet, "o
mito
político
jamais
deixa,
nós
o sabemos, de enraizar-se
em
uma
certa
forma
de
realidade
histórica"
(GIRARDET, 1987: 81). E, no
caso
que
analisamos, os
tempos
eram
para
ele
propícios:
no
interregno
ocasionado
pela
morte
de D. Fernando, observava-se
profundo
descontentamento
dos
populares
e de
muitos
nobres
para
com
a
viúva
regente,
Leonor Teles, a
que
se somava a
insatisfação
das
novas
forças
econômicas, burguesas,
que
almejavam o
poder
político
e o
fim
dos
privilégios
da fidalguia.
A
figura
messiânica do
bastardo
do
rei
D. Pedro,
filho
deste
com
uma
inexpressiva
Teresa Lourenço, da Galiza,
já
se
vinha
delineando
desde
a
Crônica
de
tal
soberano.
Aí,
o
popular
e
justiceiro
D. Pedro, ao
ser
procurado
por
D. Nuno Freire,
mestre
da
Ordem
de
Cristo
- a
poderosa
Ordem
remanescente
dos
antigos
Templários -,
para
solicitar-lhe o
Mestrado
de Avis
para
D. João, dá
pronto
acolhimento
ao
pedido,
muito
embora
este
seu
filho
contasse
então
com
apenas
sete
anos
de
idade.
Para
tal
gesto
predispusera o
rei
um
sonho
profético
que
tivera, no
qual,
narra
ele:
A
mim
parecia dormindo
que
eu
via
todo
Portugal a
arder
em
fogo,
de
guisa
que
todo
o
reino
parecia uma
fogueira.
E estando
assim
espantado vendo
tal
cousa,
vinha
este
meu
filho
João
com
uma
vara
na
mão
e
com
ela
apagava
aquele
fogo
todo
(LOPES, 1977b: 164).
A
interpretação
do
sonho,
feita
por
"alguns
que
razão
têm de
entender
em
tais
cousas",
era
a de
que
"não
podia
ser
salvo
que
alguns
grandes
feitos
lhe
haviam de
sair
de
entre
as
mãos"
(Ibidem,
p. 164).
Portanto,
o
caráter
providencial
do
Mestre
fora
desde
aí
indiciado, firmando-se
adiante
a
sua
condição
de
salvador.
E
não
sem
a
ajuda
dos
líderes
políticos
como
Álvaro Paes
que,
aproveitando-se da
indisposição
popular
para
com
a "aleivosa"
rainha,
amante
do
conde
de Andeiro,
que
deveria
ser
morto
por
D. João,
tornado
líder
da
conjuração
então
planejada
por
um
grupo
de
poderosos
do
reino,
tranforma o
Mestre
em
vítima,
incitando os "pequenos"
à
sua
defesa.
Antológico é o
trecho
abaixo,
que
repetimos,
por
considerá-lo
oportuno:
Soarom as
vozes
do arroido pella çidade ouvimdo
todos
braadar
que
matavom o Meestre; e assi
como
viuva
que
rei
nom tiinha, e
como
sse
lhe
este
ficara
em
logo
de
marido,
se moverom
todos
com
maão
armada,
corremdo a
pressa
hu deziam
que
sse
esto
fazia,
por
lhe
darem
vida
e
escusar
morte
(LOPES, 1977a: 21).
Através
do
admirável
símile,
que
exprime o
amor
do
povo
pelo
Mestre
de Avis, se estabelece
desde
já
o
noivado
da cidade-mulher,
metonímia
dos
seus
habitantes,
com
o
futuro
rei
D. João I.
Este,
teria sido escolhido
por
ser
filho
de
rei,
embora
bastardo,
qualidade
imprescindível
ao
pretendente
de
tal
"dama",
e
por
defender
os
interesses
nacionais.
Lembramos
que
a personificação de Lisboa
como
viúva
será
desenvolvida
em
capítulos
subseqüentes,
culminando
com
a
ladainha
alegórica
por
ela
enunciada,
com
a
provocação
do narrador
que
a interroga
nos
capítulos
CLX a CLXII,
já
no
epílogo
da
Crônica.
Bem
como
que
o
seu
"casamento"
com
o
Mestre
se oficializaria
em
Coimbra,
onde
é eleito o
fundador
da
Dinastia
de Avis. Lisboa é
tornada,
desse
modo,
similar
à bíblica cidade-santa, Jerusalém, representada
através
da
mesma
metáfora.
Não
caberia
nos
limites
deste
estudo
um
levantamento
de
todos
os
recursos
retóricos
que
marcam a
figura
do soter na
crônica
(Cf.
nossa
tese
de
doutoramento
A
Revolução
pelos
ornamentos:
Fernão Lopes.
São
Paulo: USP, 1982).
Mas
gostaríamos de
destacar
certas
imagens
que
concorrem de
forma
essencial
para
a afirmação do messianismo
histórico
que
aí
se coloca.
Tal
é a
que
segue: "quamtas
vezes
o Meestre cavallgava pella villa,
era
assi
acompanhado
do comu~u poboo,
como
se das
mãos
dele caissem
tesouros
que
todos
ouvessem dapanhar" (LOPES, 1977a, p. 38). O
bem
que
dele esperavam, acrescenta o cronista a
seguir,
era
... a
sua
liderança,
sinônimo
de
amparo:
E seguindoo as gemtes
com
gramde
prazer,
hu~us
lhe
travavam da rredea da
besta,
outros
das falldras da vestidura; e braadando
todos
deziam
altas
vozes,
que
os nom quisesse desemparar,
mas
ficasse no rregno
por
senhor
e regedor prometemdolhe
cada
hu~u das rriquezas e averes
que
tiinham, offereçemdo os
corpos
aa
morte
por
seu
serviço
(Idem,
ibidem).
D. João, o de poucas
palavras,
limitava-se
então
a
sorrir:
"e elle olhavoos rriindo do
que
deziam: e assi chegavoom cõ ell ataa homde o Meestre pousava, e desi tornavomsse"
(Ibidem,
p. 38.). Esta, a
qualidade
do
líder
dos
novos
tempos
- a
discrição,
que
unida à perseverança substituía muitas das
virtudes
típicas de
grande
cavaleiro,
que
na
verdade
ele
não
era,
como
demonstra o cronista
em
tantos
passos
da
sua
obra.
Por
exemplo,
no
próprio
episódio
do
assassinato
do Andeiro, demonstra
não
possuir
sequer
a
destreza
do
golpe
certeiro
que
se exige do
cavaleiro,
para
não
falar
da
covardia
do
ato,
uma
vez
que
a
vítima
se encontrava no
momento
indefesa,
ao
que
tudo
indica, desarmada (Ibidem,
p. 19.).
A
metáfora
do
Messias
corria
também
na
boca
dos
inimigos,
muito
embora
a
modo
de
escárnio:
"os gramdes aa
primeira
escarnecemdo dos
pequenos,
chamavõlhe poboo do Mexias de Lisboa,
que
cuidavom
que
os
avia
de
remir
da sogeiçõ delRei de Castella" (Ibidem,
p. 75). Zombavam, desta
forma,
os "grandes"
dos "pequenos",
acentuando-se o
caráter
revolucionário
do
movimento,
que
opunha a
maior
parte
da fidalguia à "arraia-miúda".
Mas
reduplicavam,
ainda
que
através
da aequivocatio, a
mensagem
evangélica,
valorizadora da
fé
- o
que
não
faltava à
plebe
em
relação
ao
seu
Mestre
- e da
humildade.
Passadas
as
agruras
do
cerco
de Lisboa
pelos
castelhanos
e portugueses "desnaturados"
que
a
eles
se uniram, o
sermão
de
Frei
Rodrigo de Cintra, reproduzido na
crônica,
vem
enfatizar
a
fé,
a
fidelidade,
dos portugueses "verdadeiros", o
seu
sofrimento
extremo
e a
complacência
divina,
através
da
imagem
purgadora do
fogo:
"seemdo esta çidade assi atribullada, e ardemdo o
fogo
da
sua
grã tribullaçom, na
força
da
sua
moor queentura,
que
era
aficamento de gramde çerco, e sofreemça de
muita
fame, ho apagou Deos
per
seu
partimento" (Ibidem,
p. 279).
D. João,
com
a
retirada
dos
castelhanos,
dono
de
um
poder
providencial
e/ou
forjado
pelos
políticos,
já
o vimos, demonstra-se
um
Senhor
magnífico,
que
regiamente
recompensa
os
seus
súditos:
Como
nobre
senhor
de rreal coraçom,
em
que
nom soomente avomdava
largueza
de gramdes doões,
mas
aimda sse podia dell
bem
dizer
que
era
hu~u corremte rrio, de
limpa
e
virtuosa
graadez;
com
firme
proposito,
sem
fazer
tardamça, pos
logo
em
sua
voomtade, de rregar os coraçoões delles, das
mui
doçes aguas do agradeçimento (Ibidem,
p. 286.).
Ressalte-se
mais
uma
vez
o
caráter
consciente
da
linguagem
figurada,
já
que
o
escritor
novamente
desvela
o
seu
procedimento
retórico
("sse podia dell
bem
dizer").
E,
sobretudo,
o
valor
simbólico da
metáfora
"corremte rrio", escolhida
para
representá-lo:
como
observam Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, "o
simbolismo
do
rio,
do
escoamento
das
águas,
é, ao
mesmo
tempo,
o da possibilidade
universal
e o da
passagem
das
formas,
o da
fertilidade,
da
morte
e do
recomeço"
(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1973: II, 331).
Portanto,
um
símbolo
mais
que
adequado
para
representar
o
fundador
da
fecunda
dinastia,
que
inaugura
em
Portugal uma "Sétima
Idade",
no
dizer
irônico
do cronista.
O
Mestre
seria
ainda
comparado a
Judas
Macabeu (LOPES, 1977a: 70) e a Moisés (Ibidem,
p. 387).
Mas
a
analogia
mais
insistente
na
obra
é
mesmo
a
que
se estabelece
entre
ele
e Jesus
Cristo
e,
em
decorrência,
entre
Lisboa,
esposa
do
Mestre,
"forte
esteo e collumpna" de Portugal, "vida
e coraçom deste rreino, purgada de todas fezes no
fogo
da lealldade" (Ibidem,
p. 302-306) -
eixo,
sustentáculo,
centro,
portanto
espaço
sacralizado -, e a
Igreja,
esposa
de
Cristo.
Bem
como
entre
Nun'Alvares,
fidalgo
braço-direito de D. João, e Pedro,
encarregado
que
fora
de
pregar
pelo
reino
o "Evangelho
Português",
revolucionário
e anti-cismático (Ibidem,
p. 299), tornando-se a
pedra/o
Pedro da "religião"
de Avis:
Porque
assi
como
o
Filho
de Deos
depois
da
morte
que
tomou
por
salvar
a humanall
linhagem,
mamdou pello mumdo os
seus
Apostollos preegar o
evangelho
a
toda
creatura (...): assi o Meestre,
depois
que
sse despos a
morrer
se comprisse,
por
salvaçom da
terra
que
seus
avoos ganharom, emviou NunAllvarez e
seus
companheiros
preegar pello rreino ho evamgelho portuguees (Ibidem,
p. 299-300).
Ampliam-se, desta
forma,
os
limites
da
Revolução,
tornada
uma "guerra
santa"
por
sua
relação
com
o
Cristianismo
e
por
incluir-se historicamente na
oposição
ao
Papa
de Avinhão, combatendo o
Grande
Cisma
do
Ocidente
que
então
acontecia. E ao
novo
Pedro se assegurava
também
o
poder
na
terra:
Mas
podemos b~e
dizer
e
apropriar,
que
assi
como
o
nosso
salvador
Jhesu Christo,
sobre
Pedro fumdou a
sua
egreja damdolhe
poderio
que
aquell
que
legasse e assolvesse na
terra,
seria
legado
e assolto
nos
ceeos; assi o Meestre
que
sobre
a bomdade e
esforço
de Nuno Allvarez fumdou a deffemssom daquella
comarca,
lhe
deu
livre
e isemto
poder
(Ibidem,
p. 301).
Voltando à simbologia do
rio,
que
também
ela
corrobora o
caráter
messiânico do
Mestre,
lembramos
que
Jesus
Cristo
é a "fonte
de
água
viva".
Mas
é
também,
já
observara Mircea Eliade,
um
mito
que
não
contraria a
História
(ELIADE, 1974: 182).
Muito
embora
relevemos
com
ele
que
"apesar
do
valor
concedido ao
tempo
e à
História,
o judeu-cristianismo
não
desemboca no
historicismo,
senão
em
uma
teologia
da
história"
(Ibidem,
p. 183).
Encarando-se a
obra
de Fernão Lopes
em
relação
ao
contexto
sócio-cultural de
onde
emerge, vê-se
que
tal
procedimento de mitificação é
corriqueiro
em
sua
época.
Também
Eliade concluíra
que
certos
movimentos
históricos
da
Idade
Média
ilustram de uma
maneira
particularmente
gritante
as
manifestações
mais
típicas do
pensamento
mítico. Pensamos nas
exaltações
milenaristas e
nos
mitos
escatológicos
que
aparecem nas
Cruzadas,
nos
movimentos
de
um
Tanchelm e Eudes de l'Etoile, na
elevação
de Frederico II à
categoria
de
Messias,
em
tantos
outros
fenômenos
coletivos
messiânicos, utópicos e pré-revolucionários (...). O
mito
de Frederico II
não
é
senão
um
exemplo
ilustre
de
um
fenômeno
muitíssimo difundido e
persistente.
As
influências
religiosas e a
função
escatológica dos
reis
se mantiveram na Europa,
até
o
século
XVII (ELIADE, 1975: 211-213).
Mas,
com
Mário Martins, gostaríamos de
salientar,
na
típica
ironia
do cronista - e entendemos
este
recurso
retórico
no
seu
sentido
original,
de
pôr
em
questionamento
o
fato
ou
pessoa
a
que
se refere -, o "perigo
de
desrespeito
para
com
o
sagrado"
(MARTINS, 1975, p. 254): os
pragmáticos
"pescadores",
diferentes
dos bíblicos, buscam
bens
materiais;
a nobreza,
adventícia
da
revolução,
é
falsa;
a
própria
insistência
com
que
D. João é chamado de
Mestre
se
nos
afigura
irônica.
Até
porque
desvelados
são
os procedimentos
políticos
de
criação
do
mito.
E neste
processo
de desmascaramento
não
pensamos
apenas
na transformação do
líder
em
mártir,
já
apontada
anteriormente.
Pensamos
ainda
em
outros
aspectos
denunciados
por
Fernão Lopes,
como
por
exemplo
na
profecia
de
um
santo
homem,
Frei
João da
Barroca.
Castelhano
de nascimento, vivera recluso
em
Jerusalém,
onde
tivera uma
revelação
que
o fizera
vir
para
Lisboa
em
tempos
de D. Fernando, emparedando-se. E
então
aconselhava aos
devotos
"também
sobre
negócios
deste
mundo
e
não
unicamente
sobre
caminhos
do
espírito",
como
observara Mário Martins (MARTINS, 1976: 4). Consultado
pelo
Mestre
quando
este
se encontrava
em
vias
de
abandonar
a
insurreição
e ir-se
para
a Inglaterra, aconselha-o a
permanecer
no
reino
e empenhar-se na
causa,
e
que
"pera
tomar
o castello da çidade fezesse hu~u artefiçio de
madeira,
a
que
chamom
gata,
e
que
logo
sem
muita
deteença seeria tomado
com
mui
poucas gemtes” (LOPES, 1977a: 43). O
conselho
foi seguido e a
predição
realizada.
Muito
embora
não
se escuse o cronista de
indiciar
haver
sido
ela
feita
de
encomenda,
documentando
que
esta falla dizem algu~us
que
foi a rrequerimento do
homem
boom,
com
o
qual
fallara Alvoro Paez, fazemdolhe
queixume
como
sse o Meestre queria
partir;
e
que
ell
lhe
disse
que
todavia
comselhasse ao Meestre
que
sse nom partisse, ca a Deos prazia de ell seer rregedor desta
terra
e
senhor
della (Ibidem,
p. 43).
Outro
fato
que
acarreta desconfiança
para
com
o
valor
da
profecia
é
que
o
Castelo
de Lisboa se
entrega
por
si
mesmo,
e a
gata
que
o emparedado mandara
construir
só
funcionaria
como
elemento
de
ameaça.
Tal
se depreende da
sátira
do
conde
João Afonso,
irmão
de Leonor Teles, endereçada ao
alcaide,
considerando o
cerco
"como
a rraposa
que
estava ao pee da arvor, e ameaçava
com
o rrabo o
corvo,
que
estava
em
çima
com
o
queijo
no
bico,
por
lho aver de
leixar"
(Ibidem,
p. 72).
Portanto,
se a
época
é
propícia
à
criação
de
mitos
soteriológicos, Fernão Lopes
não
apenas
se encarrega de documentá-lo
em
Portugal,
mas
de
pôr
em
evidência
o
trabalho
dos
políticos
na
construção
dos
mesmos.
Muito
embora
o
seu
dualismo
de
homem
medieval
-
ou
quem
sabe de "escritor
da
verdade",
como
se assume,
mas
trabalhando
para
a
Casa
de Avis -, faça
também
por
ressaltar,
de
outro
lado,
o providencialismo
que
cerca
a
causa
do
Mestre.
Isto
se percebe,
por
exemplo,
no
episódio
do
cerco
de Lisboa,
onde
a
peste
vitima
apenas
os
inimigos,
já
que
prougue aaquell
Senhor
que
he Primçipe das
hostes,
e Vençedor das
batalhas
que
nom ouvesse hi
outra
lide
nem
pelleja senom a
Sua;
e hordenou
que
o angio da
morte
estemdesse
mais
a
sua
maao e percudisse asperamente a multidom daquell poboo (Ibidem,
p. 272).
A
intervenção
do
sobrenatural
na
causa
de Avis é
ainda
atestada
por
outros
numerosos
milagres,
inclusive
pelo
lendário
poder
de
cura
das
moedas
mandadas
lavrar
pelo
Mestre:
"E dizem algu~us
em
suas
estorias,
que
estes
rreaaes
primeiros
que
o Meestre mandou
lavrar,
que
prestavom pera algu~uas
dores"
(Ibidem,
p. 88).
Finalmente,
lembraríamos
que
o
sentido
mítico da
Revolução
de Avis se corrobora
ainda
pelos
ornamentos
do
discurso
que
estabelecem
analogia
entre
os
reinos
humano,
animal,
vegetal
e
mineral.
Daí
que
os traidores do
Mestre
sejam apresentados
como
"exertos
tortos,
nados
dazambugeiro
bravo"
(Ibidem,
p. 302),
ou
como
"baçellos de boa
casta"
que
se desvirtuaram (Ibidem,
p. 304). Os
povos
que
acorreram a Lisboa, fugindo do
invasor,
são
tidos
por
"manadas"
em
direção
ao "curral"
(Ibidem,
p. 121), sendo os
soldados,
na
defesa
das
suas
galés,
"bravos
touros"
(Ibidem,
p. 245.), etc. Os
padecimentos
de Lisboa
são
metaforizados
em
"ondas
de
tempestades",
sendo "grande
a
tormenta
do rreino" (Ibidem,
p. 273) naquele "tempo
de
grandes
treevas" (Ibidem,
p. 278). As
imagens
do
fogo
purgador e do
rio
firmam a
dimensão
soteriológica de Lisboa e do
Mestre,
como
vimos.
Atribui-se, dessa
forma,
e muitas
vezes
através
da
prédica
religiosa
reproduzida na
obra,
como
também
da
ladainha
alegórica, aos
acontecimentos
um
caráter
cosmogônico
que
só
faz
por
firmar
a
passo
e
passo
o
caráter
redentor
da
Revolução
e do
seu
líder.
Mas
esse
mito
do soter,
como
vimos observando,
não
deixa
de
ser
colocado
por
vezes
em
questionamento
pela
aequivocatio -
com
o
que
se
salva
a
finalidade
do cronista, de
ser
o
escritor
da
verdade,
assim
relativizada.
Para
concluir,
fácil
é
observar
como
a historiografia
nos
fins
da
Idade
Média
ainda
se aproximava da
figura
histórica
de D. João I
são
representadas
em
perspectiva
providencialista. No
entanto,
o
fundador
da
Dinastia
de Avis mostra-se
com
defeitos
que
não
são
conhecidos
no
herói
bretão,
dono
de uma
espada
invencível.
Os
tempos
são
outros,
Maquiavel
bem
o demonstraria
com
O
príncipe.
A
argúcia
política
é
necessária
para
o
alcance
e
manutenção
do
poder
muito
mais
que
as
virtudes
tradicionais. Dessa
forma,
se pelas
virtudes
de
cavaleiro
Artur reinou
em
paz
por
cerca
de 30
anos,
D. João I reinaria
por
quase
cinqüenta
anos,
de 1385 a 1433, deixando ao
morrer
não
um
reino
novamente
destroçado
pela
guerra,
como
Artur,
mas
um
reino
com
as
bases
para
tornar-se,
em
poucas
décadas,
o
vasto
império
no
qual
o Brasil se incluíra.
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NUNES, Irene Freire.
Introdução a
A
Demanda
do
Santo
Graal. Lisboa: IN-CM, 19954.
Numerosos
foram os
especialistas
que
estudaram-na no
correr
dos
séculos,
muitos
dos
quais
alemães.
Mas
coube a
um
jesuíta
francês
radicado no
Rio
de
Janeiro,
Padre
Augusto
Magne,
a
glória
de
ter
sido o
autor
da
primeira
edição
completa
da
obra,
concluída
em
1944 e publicada no
Rio
de
Janeiro
pelo
Instituto
Nacional
do
Livro
em
2
volumes
de
texto
e 1
glossário.
É de louvar-lhe o
caráter
pioneiro,
embora
os
especialistas
apresentem
restrições
a essa
edição
(amputações
devidas a inúmeras
passagens
censuradas,
critérios
falhos
de
transcrição,
como
excessiva
modernização da
grafia,
pontuação
imprevisível,
correções
baseadas na
versão
castelhana),
que
o levaram a
elaborar
uma
nova
edição
da
obra,
publicada
em
1955
pelo
MEC/INL, acrescentando-lhe as
partes
anteriormente
censuradas e acompanhando-a de
um
fac-símile.
Devido
à
inacessibilidade
dessa
edição,
raríssima
até
mesmo
no Brasil,
outro
brasileiro,
Heitor Megale,
em
1988 publicou uma
edição
modernizada da
obra,
que
mereceu o
aval
de Segismundo Spina,
para
quem
“em
nada
(...) “prejudicou a
legitimidade
do
texto,
que
pode
ser
lido
agora
com
fluência,
sem
os
constantes
tropeços
de
sua
intelecção,
beneficiando-se
assim
aqueles
que
desejam
conhecer
uma das
narrativas
mais
fascinantres da
literatura
medieval”
(Megale 1988: XVI). No
mesmo
ano,
1988, publicava-se
em
Portugal a
edição
de Joseph Piel,
iniciada
em
1927 e
que
seria publicada na
Editora
da
Universidade
de Coimbra.
Com
o
fim
abrupto
desta, a publicação ficara
em
suspenso e pode
ser
concluída
com
a
colaboração
de Irene Freire Nunes,
que
reconstituiu-lhe a
parte
final.
Mais
recentemente,
também
em
Portugal,
nova
edição
completa
da
Demanda
foi publicada
por
essa
mesma
especialista,
Irene Freire Nunes,
em
1955
pela
Imprensa
Nacional
–
Casa
da
Moeda
(Lisboa 1955).
Não
despreza
a
contribuição
de Magne e de Piel,
mas
sequer
cita a de Heitor Megale,
cujo
trabalho
fora
reconhecido
também
por
Ivo Castro,
que
lhe
destaca a “sólida
investigação”
(p. 204).
Apresenta
cinco
partes:
1) Estoire del Saint Graal –
versão
bastante
aumentada do Joseph de Boron,
que
narra a
vinda
do Graal
para
a Bretanha, a
edificação
do
castelo
de Corbénic, as
conversões
efetivadas
pelo
herói
e
seus
companheiros
até
a
época
do
rei
Pelles,
avô
de Galaaz;2) Estoire de Merlin –
versão
prosificada do Merlin de Boron, acrescida de uma Continuation du
Merlín,
cuja
matéria
são
os
primeiros
anos
do
reinado
de Artur e os
amores
de Merlin;3) Lancelot du Lac – apresenta a
infância
de Lancelot, uma v ersão prosificada do Chevalier de la Charrette de
Chrétien de Troyes e a
história
de Agravaim fazendo a
transição
para
a
4) Queste del Saint Graal
– na
qual
Galaad, representante da
cavalaria
espiritual,
é o
herói
do Graal; 5) Mort Artu – narra a
decadência
de Artur: a
descoberta
do
amor
adulterino
entre
Lancelote e Guenièvre, a
divisão
dos
cavaleiros
da Távola
Redonda
e a
destruição
do
reino
de Logres. As duas primeiras
partes
pertencem a uma
etapa
posterior,
as
três
últimas a uma
etapa
inicial,
girando
em
torno
de Lancelot.
Este
novo
ciclo,
único,
que
se conservou
em
fragmentos
dispersos,
compôs-se de
três
partes:
!) Estoire del Saint
Graal -
sem
apresentar
diferenças
significativas da
Vulgata,
documenta-se na
Península
Ibérica
através
do
Livro
de Josep ab Arimatia.
2) Merlin –
versão
em
prosa
do Merlin de Boron,
seguida
de uma
adaptação
da Continuation da
Vulgata
mais
uma
série
de
aventuras
conhecida
como
Suite du Merlin. Na Espanha se
documenta
em
Baladro del sabio Merlin e
em
fragmentos
em
castelhano
e
em
galaico-português.
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de Estudos Filológicos e
Lingüísticos |