Meios de comunicação (mídia) e ensino de línguas estrangeiras
Profa. Dra. Amarilis Gallo Coelho
UFRJ / Fac. Letras
RESUMO : Os meios de comunicação de massa representam fator essencial no desenvolvimento da sociedade contemporânea, em seus aspectos sócio-culturais e educativos em geral. No caso específico da Itália, o impacto educativo-informativo da mídia oral e escrita, principalmente a televisão e as info-vias, é um dos eventos determinantes na situação sociolingüística atual. Torna-se relevante, portanto, analisar a eficácia destes e de outros discursos, nos métodos de ensino-aprendizagem da língua italiana.
Este trabalho tem como objetivo fazer algumas considerações com relação ao material didático utilizado no ensino de italiano língua estrangeira, levando em conta minha própria experiência em sala de aula, assim como algumas conclusões que são resultado de outros estudos sobre as características do repertório lingüístico italiano atual e a convivência italiano uso médio – italiano uso televisivo.
A língua é veículo e manifestação da cultura de um povo e portanto, sua aquisição requer também o conhecimento dos traços culturais próprios da sociedade que a utiliza. Cada língua, como sistema autônomo de expressão e comunicação de uma comunidade, geográfica e historicamente definida, reflete suas estruturas sócio-culturais.
Portanto, se a língua está ligada profundamente a cada nível da existência individual e coletiva, um projeto de formação lingüística não pode deixar de levar em conta as situações nas quais esta realidade se manifesta, ou seja, o conjunto de elementos típicos de um determinado grupo social.
Estamos, em verdade, nos referindo ao exame detalhado do sistema lingüístico como veículo de civilização e ao estudo dos modelos de comportamento do povo estrangeiro, assim como à avaliação dos diversos “produtos” de sua cultura.
Contudo, não devemos perder de vista que a aquisição de habilidades orais e escritas nem sempre coincide com o uso apropriado da língua. Possuir uma adequada competência comunicativa significa, de fato, realizar naturalmente determinados atos da fala, como por exemplo: pedir uma cerveja, em um bar, na Alemanha, é diferente de pedir uma cerveja na Itália ou no Brasil, isto é, o uso apropriado da língua neste específico contexto, garantirá o sucesso da comunicação, se o conhecimento cultural ocorrer junto ao lingüístico.
Sabemos que existem diversos motivos para o aprendizado de uma língua estrangeira: simples sobrevivência, competência geral, competência avançada e competência profissional. Cada vez mais, portanto, deve o docente ter em mente os objetivos a serem alcançados, a partir das necessidades da classe e levando em conta a realidade do mundo atual, como as dificuldades do mercado de trabalho, principalmente.
Falando em realidade do mundo atual, não podemos deixar de pensar na mídia. Os meios de comunicação de massa representam fator essencial para o desenvolvimento da sociedade contemporânea, em seus aspectos sócio-culturais e educativos em geral. Por este motivo, reflexões sobre os mass media levam a conclusões práticas quanto a sua função na aquisição e divulgação do saber, como um todo, ressaltando-se cada vez mais seus aspectos didáticos.
Vejamos de que forma a mídia pode ser didática.
A maior parte dos estudantes de língua estrangeira se mostra extremamente atraída pelos aspectos da vida e pelos usos e costumes típicos de outras realidades. No caso dos estudantes de italiano, por exemplo, a moda e a cozinha, a música e a propaganda alimentam a curiosidade e a imaginação.
Mas estes elementos devem ser utilizados com seriedade pelo docente, pois a cultura deve ser parte integrante do ensino de língua, e não apenas um chamariz. O aluno precisa ter a compreensão de que língua e cultura são duas faces da mesma medalha. Isto só será definido a partir do bom uso do material escolhido e da finalidade a que é dirigido o uso de um simples recorte de jornal ou de um vídeo televisivo.
É interessante, com relação a este tema, centralizar a observação no caso específico da sociedade italiana, já tão complexa em sua formação lingüística, invadida principalmente pelos talk-shows e os chats , além de outros elementos que influenciam atualmente a composição de seu repertório lingüístico.
O docente de italiano língua estrangeira precisa mais do que tudo, ter consciência desta diversidade e utilizá-la como motivação, conduzindo gradualmente o aluno da língua ao conhecimento da civilização que a fala, segundo o crescente domínio do código lingüístico.
Existem, é claro, os vídeos didáticos, tradicionalmente construídos, apresentando fatos da língua escrita e sua representação na vida quotidiana: os traços da cultura são expostos em progressão, em unidades didáticas, levando em conta o nível de competência do aluno.
A apresentação da cultura italiana se articula em módulos de enfoque isolado ou vários enfoques tais como : indutivo, temático, descritivo, comparativo e ativo. Um enfoque temático e descritivo, por exemplo, será aquele que evidenciará sobretudo os traços específicos da vida e cultura italiana e os apresentará de modo organizado e coerente.
O docente, a partir do material utilizado, desde textos escritos às mais modernas técnicas de transmissão da informação e da imagem, deverá sempre motivar o aluno a pesquisar. Fatos da realidade italiana apresentada em sala poderão ser colocados em confronto com fatos que se verificam no seu próprio país. Ele se sentirá, assim, parte ativa do processo didático e terá estímulo para continuar a aprendizagem
Qualquer tipo de material, contudo, deve sofrer uma contínua atualização por parte dos docentes e dos produtores de material didático, para que não sejam oferecidas informações e imagens superadas pelo tempo e pelas circunstâncias.
A partir destas considerações , colocamos aqui uma pergunta: os materiais didáticos devem ser construídos ou autênticos?
As opiniões a este respeito são várias: há quem sustente que um conhecimento da cultura e da língua estrangeira só ocorre com materiais autênticos, que ofereçam aspectos da vida em sua real dimensão, não filtrados por uma outra cultura. Outros defendem a idéia de que uma didática baseada em materiais autênticos pressupõe recursos financeiros exorbitantes, principalmente pela necessidade da atualização. Outros ainda não valorizam nem um nem outro aspecto, pois não consideram a importância do material audio-visivo. Não levam em conta que o objetivo principal daqueles que procuram assimilar uma língua estrangeira, na maior parte das vezes, não é simplesmente o conhecimento das normas gramaticais e do léxico tradicionalmente empregado.
Contudo, para o docente, o problema não é simplesmente o de escolher entre material autêntico e material construído, mas o de selecionar algo que seja significativo, não só do ponto de vista cultural, mas lingüístico, e que atenda às necessidades de uma competência oral e escrita, em coerência com os módulos didáticos do programa a seguir.
Na verdade, através de materiais autênticos se colhem melhor os aspectos da realidade estrangeira, mas nem todos são adequados às habilidades lingüísticas dos alunos, principalmente se levarmos em conta a heterogeneidade das turmas.
Nos primeiros estágios de aprendizagem – crianças ou não – os materiais construídos poderão servir de base mais adequada ao curso, enquanto nos níveis mais avançados, a presença dos materiais autênticos ou parcialmente autênticos poderá predominar, devido à maior competência lingüístico-cultural dos alunos.
Perguntamos então: Como e quais materiais selecionar?
A escolha percorre vários caminhos, que vão dos textos literários de ontem e de hoje aos jornalísticos, das gravações rádio-televisivas às mensagens publicitárias. Por outro lado, diversos fatores devem ser levados em conta para a escolha.
O texto literário oferece modelos lingüísticos vários e deve integrar-se ao curso de língua propriamente dito, e tornar-se oportunidade de aproximação entre língua e cultura.
Os textos não literários – orais e escritos - também são importantes, pois são constituídos de materiais os mais diversos, tais como: artigos de cunho jornalístico, entrevistas, pesquisas e reportagens, prospectos turísticos, cardápios de restaurante, receitas e todos os materiais audio-visuais oferecidos pelo rádio, cinema e televisão. A seleção, principalmente destes materiais, deverá levar em conta o nível de competência lingüística e cognitiva dos alunos e as finalidades e objetivos do curso.
Este gênero de textos tem a vantagem de oferecer uma imagem mais imediata do país estrangeiro, motivando para um maior conhecimento da cultura italiana e incentivando ao estudo da língua, apresentada de maneira tão próxima e atual.
E o que dizer, especialmente, do uso didático da televisão italiana?
O italiano televisivo é hoje utilizado, sendo visto como espelho e modelo dos usos e das variedades presentes no repertório lingüístico contemporâneo, no ensino de italiano para estrangeiros. Isto vem ocorrendo, principalmente devido à ampliação dos campos de ação do meio televisivo, ou seja, a TV a cabo, à concorrência com outras redes televisivas e ao acesso aos vídeo-cassetes e videoclipes que invadem o mercado.
Se o docente opta pelo material televisivo, pode utilizar-se também das mensagens de códigos não verbais, tais como os ambientais, que analisados em termos denotativos e conotativos, revelam os diferentes conceitos que pode ter um italiano e um brasileiro, por exemplo, sobre coisas do dia-a-dia, tais como a escolha da marca do dentifrício ou do pão.
A observação dirigida e/ou orientada de um programa televisivo pode fornecer ao docente de língua um instrumento que esclareça, com mais objetividade, sobre a complexidade das relações língua-cultura-civilização na Itália: o modo de vestir dos interlocutores e os objetos presentes no espaço focalizado são indícios que reforçam ou substituem, muitas vezes, a mensagem propriamente lingüística.
A escolha do docente deverá seguir um plano de aula específico, como por exemplo: se deseja enfatizar aspectos sócio-econômicos e/ou sócio-culturais - amostras de publicidade ou telejornais ; se o objetivo é enfatizar elementos lingüísticos diversos da comunicação oral expontânea - um talk-show, um programa de variedades ou uma “câmera indiscreta”.
Em qualquer destes casos, uso do vídeo “expontâneo” na didática do italiano, deverá atender a objetivos como: favorecer a motivação dos estudantes `para a aprendizagem, lidando com modelos de língua diretamente ligados à realidade italiana contemporânea; garantir induções diversas, sobre as quais construir as unidades didáticas e desenvolver atividades orais e escritas; apresentar outras variedades lingüísticas, escolhidas entre aquelas do repertório, com as quais provavelmente os estudantes terão mais possibilidades de confronto na comunicação real.
A vantagem mais evidente do uso de materiais gravados é a possibilidade de analisar a língua em contexto, observando as escolhas lingüísticas em relação aos vários componentes situacionais, tais como: relações entre emissor e destinatário, funções comunicativas, temas e lugares.
No caso do repertório lingüístico italiano, tão heterogêneo em relação a diversos fatores de variação, a linguagem televisiva oferece além do mais uma imagem bastante fiel das variedades lingüísticas em uso na Itália contemporânea, apresentando vários modelos de língua oral: italiano standard e variedades regionais, registro formal e informal, língua comum e sub-códigos.
Isto permite, além do mais , ao docente, manter-se atualizado sobre os processos de “padronização” da língua, principalmente quando faltam oportunidades de contato mais direto com os contextos de uso da realidade italiana. Favorece também a análise junto aos estudantes, das diversidades de escolhas lingüísticas dos falantes nativos em relação à sua proveniência geográfica, idade e camada social.
A simples imagem desenvolve também um papel fundamental do ponto de vista pedagógico, no uso do vídeo para a didática, já que em certos casos a relação som/imagem favorece de imediato à compreensão das palavras, como ocorre, por exemplo, nos programas de culinária. Esta situação de contemporaneidade som/imagem não ocorre com freqüência na TV e é geralmente “produzida” nos vídeos didáticos.
O vídeo é, portanto um instrumento dotado de particular flexibilidade didática, pois através de uma cuidadosa seleção do material gravado, poderá ser utilizado de acordo com os destinatários e com as unidades didáticas, sejam quais forem os enfoques - gramatical, tradutivo ou simplesmente comunicativo.
Mas não existem só vantagens. O uso do vídeo televisivo requer sempre muito cuidado por parte do docente, ao elaborar as atividades didáticas, levando-se em conta até mesmo o campo das atividades cerebrais: o hemisfério direito e o hemisfério esquerdo do cérebro operam diversamente no tratamento das informações visuais (simultâneas e globais) e das lingüísticas ( sequenciais e analíticas).
Os media, entendidos como meios de comunicação e de instrução, não são apenas vias alternativas, mas definem a aquisição de conteúdos diversos, diferentemente organizados do ponto de vista cognitivo.
Cada “meio” deve ser observado em seu campo de ação, analisando-se as diversas capacidades mentais implicadas e desenvolvidas pela imprensa, pelo rádio, pela televisão, pelo computador e outros materiais. É importante destacar sempre a importância do modo e do contexto de utilização.
É evidente que o uso mal organizado de várias tecnologias no ensino de línguas estrangeiras leva à dispersão e a uma carga excessiva de estímulos que, ao invés de favorecerem a compreensão, criam obstáculos e “ruídos” à percepção.
Concluimos, então, que o uso da mídia em geral, e da televisão em particular, com fins didáticos, não deve ser por acumulação, mas por integração e valorização de conteúdos e códigos, em um inteligente, eficaz e coerente projeto didático.
De tudo que foi exposto, e com base em minha própria experiência, continuo questionando quantos de nós, docentes de língua estrangeira, temos condições, tendo em mente os mais diversos fatores que dificultam nossos objetivos, de desenvolvermos projetos tão trabalhosos e métodos tão atualizados.