DICIONÁRIO BRASILEIRO DE FRASEOLOGIA
Por: Letícia Miranda Medeiros (UERJ)
O Brasil é um país rico em todos os sentidos, é rico em terras, em cultura, o povo é uma mistura rica de raças e a própria Língua Portuguesa proporciona uma infinidade de possibilidades no falar e no escrever. É por isso que encontramos muitas expressões críticas, cômicas, peculiares a grupos específicos como funkeiros etc.
Eis alguns exemplos:
Suar a camisa. Pó de ouro. Entre funks, cocaína. “A rapaziada curte um pó de ouro” (JBSG).
Tia júlia. Entre homossexuais, polícia. “A tia júlia tá recolhendo todos os bichas na rua” (JBSG).
Este projeto visa reunir o maior número possível de expressões que são usadas em todo o território nacional, pois é possível notar que o povo brasileiro faz grande uso delas ao invés de preferir a Língua Culta, aprendida nas escolas. Este fato se dá porque grande parte da população não tem acesso à educação, mas podemos verificar também que até aqueles que tem ou tiveram o privilégio de estudar são usuários dessas mesmas expressões e frases feitas.
Este projeto, porém, não tem o objetivo de explicar essa preferência, mas apresentar ao público em geral o Dicionário Brasileiro de Fraseologia e assim deixar organizado de forma impressa ou de maneira virtual, através de CD-ROM e Internet, o modo de falar do povo brasileiro.
Diante desta realidade o Prof. José Pereira da Silva, orientador desta pesquisa, através da ajuda de bolsistas, resolveu reunir estas expressões e, assim, publicar o Dicionário Brasileiro de Fraseologia que será o maior trabalho específico de expressões e frases feitas impresso em língua portuguesa.
É importante ressaltar que este projeto faz parte do programa de trabalho com que seu autor conseguiu a bolsa de PROCIÊNCIA até julho de 2002.
A pesquisa vem sendo realizada desde 1995 e tem contado com o apoio de algumas bolsistas estudantes de Letras, que são: Andréa Virna Fernandes Pinheiro, Adriana Siqueira Monteiro, eu, Letícia Miranda Medeiros, atualmente trabalhando desde julho de 1997, Liliane da Mota Ribeiro e Viviane dos Santos Costa que começaram a trabalhar neste projeto recentemente.
Esta pesquisa será de grande relevância científica, pois estarão reunidos num só corpo o maior número possível de expressões que servirá de fonte de estudos para os alunos e como instrumento de trabalho para profissionais em geral e pesquisadores da área de Lingüística etc. Contribuirá também para a sociedade como um todo, pois este Dicionário servirá como apoio para turistas e migrantes que, consultando o Dicionário Brasileiro de Fraseologia, facilmente entenderão as expressões usadas pelo povo da região onde se encontram, quer seja região sul, sudeste, norte ou nordeste.
Nosso projeto não é feito através de entrevistas com a população, como é de costume de alguns autores de dicionários desta área específica de expressões. Recorremos, sim, a dicionários já publicados para fazer a pesquisa. Com isso, o nosso objetivo é conseguir o maior número possível de livros já existentes nesta área, pois assim o trabalho tende a ficar completo, já que a pesquisa atinge dicionários de todas as regiões do Brasil.
Completo e suficiente, temos certeza que o Dicionário não ficará, pois a cada dia surgem novas expressões que logo serão consagradas pelo povo e que possivelmente não serão encontradas no Dicionário Brasileiro de Fraseologia. Porém, o objetivo é reunir o maior montante de expressões já faladas pelo povo até a publicação do mesmo e registradas em trabalhos específicos do assunto.
Enfim, temos consciência de que esta pesquisa nunca terminará, pois a Língua Portuguesa é funcional (seu uso pode ser diferente, dependendo da região, do meio social, da situação da fala etc.) e o povo brasileiro é bastante criativo. Desta maneira, muitas expressões ainda estão por surgir. Só que um dia este projeto terá que ser concluído e algumas expressões ficarão de fora, principalmente as que forem consagradas após o término da pesquisa.
METODOLOGIA
A pesquisa tem sido feita com o apoio de dicionários, vocabulários etc. que contenham expressões e frases feitas (vide Bibliografia). Todo o trabalho está sendo organizado no Word 7.0, estilo: Normal, fonte: Times New Roman, tamanho 12 e segue os seguintes critérios de organização:
De posse de uma expressão, verificamos se ela contém algum substantivo. Se houver, registramos o primeiro substantivo que aparecer como um verbete que será destacado em caixa alta e em negrito e, assim, colocamos esta expressão em ordem alfabética, em negrito e em itálico; o seu significado vem logo ao lado, sem destaque algum. Se alguma expressão iniciar com a palavra equivalente ao verbete então esta vem logo abaixo deste em ordem alfabética e as outras expressões vêm depois. (Vide anexo).
No caso de aparecer alguma expressão sem substantivo fica valendo o primeiro verbo que aparecer na expressão, que será registrada da mesma forma: destaca-se o verbete em caixa alta e em negrito, e a expressão, em negrito e em itálico, sempre em ordem alfabética.
Não tendo nem substantivo nem verbo cumpre-se o mesmo procedimento, só que com o primeiro adjetivo que aparecer na expressão. Não havendo nenhum dos três (substantivo, verbo ou adjetivo), registra-se como verbete o primeiro advérbio da expressão e, logo após, a própria expressão e seu significado.
Depois de cada expressão e seu respectivo significado, registramos as iniciais do autor do livro em que estamos pesquisando em caixa alta e entre parênteses.
Ex.: o livro Dicionário de Sinônimos e Locuções da Língua Portuguesa[1], cujo autor é Agenor Costa, será registrado como (AC). (Para melhor visualização desta parte de organização, vide anexo).
Não fazemos seleção alguma dos livros que pesquisamos, pois todos os livros (dicionários, glossários e vocabulários) são extremamente importantes para esta pesquisa. Quanto mais livros pudermos pesquisar, melhor.
A dificuldade encontrada é em relação às fontes que pesquisamos, pois grande parte delas não segue a ordem de organização que o Dicionário Brasileiro de Fraseologia adotou. O trabalho torna-se então um pouco demorado, pois é necessário obedecer a ordem estabelecida e muitos dos dicionários que pesquisamos seguem outros critérios.
Um outro fator que faz com que o trabalho se torne longo, é quando o computador usado para o projeto dá algum problema. A pesquisa, então, tem que ser interrompida para a manutenção do mesmo. Aliás, para este tipo de trabalho é necessário o uso de apenas um computador, o que dificulta um pouco o adiantamento da pesquisa.
RESULTADOS
Neste primeiro semestre de 1999 incluímos a pesquisa bibliográfica. Não que se tenham esgotado todos os livros que possam ser pesquisados, e sim porque precisamos dar um fim na pesquisa para que o público possa ver o resultado deste trabalho e fazer bom uso dele.
Como resultado parcial, temos já impresso cinco (5) volumes do Dicionário Brasileiro de Fraseologia com mais de mil e oitocentos (1800) páginas preparadas em formato A4, fonte: Times New Roman, tamanho 12 e em espaçamento simples (com 49 linhas ou 4200 caracteres por página, em média). Uma parte do Dicionário já pode ser pesquisada na Internet, na Home page: www.filologia.org.br/textos.
Para o 2º semestre de 1999 projetamos a revisão do dicionário para que possamos viabilizar sua impressão, o que facilitará a vida de muitos pesquisadores interessados, curiosos e estudantes em geral.
PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Como exemplo da importância deste trabalho, cito a monografia requisitada pela Prof. ª Maria Antônia da Costa Lobo, da disciplina de Língua Portuguesa IV oferecida no 2º semestre de 1997, na Faculdade de Formação de Professores - UERJ, que foi apresentada por mim em parceria com algumas colegas. O trabalho intitulado: O Estudo de Expressões com as Palavras: Cabeça e Boca, tinha como fim demonstrar a pluralidade de significados de expressões com estas palavras. Utilizei como fonte principal do meu trabalho monográfico, algumas expressões com cabeça e boca contidas no Dicionário Brasileiro de Fraseologia.
Este mesmo trabalho também foi apresentado, juntamente com a colega Lígia Moraes de Matos, no II Congresso Nacional de Lingüística e Filologia, no começo de outubro de 1998, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, também foi apresentado no programa UERJ – Sem Muros, em novembro do mesmo ano, na Faculdade de Formação de Professores, em São Gonçalo, onde faço o meu curso.
Apresentei também oralmente o resultado parcial deste projeto (Dicionário Brasileiro de Fraseologia) em novembro do ano passado, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) por ocasião da 7ª Semana de Iniciação Científica.
Foram publicados os resumos em livros, tanto o da apresentação oral no UERJ – Sem Muros, quanto o da participação na 7ª SEMIC. E no caso do II Congresso Nacional de Lingüística e Filologia que participei, saiu a publicação no Anais.
CONCLUSÃO
Levando em conta que este projeto de pesquisa iniciou-se com o objetivo de ser o mais completo dicionário de expressões e frases feitas da língua portuguesa já encontrado no Brasil, podemos afirmar, mesmo antes da conclusão do trabalho, que o Dicionário Brasileiro de Fraseologia já atingiu este objetivo, uma vez que os resultados alcançados já comprovam esta verdade. Sem falar que nele é possível encontrar expressões que são faladas pelo povo de todas as regiões do Brasil, fato este de suma importância, pois faz jus ao nome que lhe foi dado.
Não é um trabalho fácil, pois organizar as expressões conforme a metodologia já explicada requer muita atenção; por outro lado, é gratificante, pois muita gente será beneficiada quando o Dicionário Brasileiro de Fraseologia for publicado em livro e em CD-ROM.
BIBLIOGRAFIA (pesquisada pela bolsista Letícia Miranda Medeiros)
CABRAL, Tomé. Novo dicionário de termos e expressões
populares. Fortaleza: UFC, 1982. (TC)
CALLAGE, Roque. Vocabulário Gaúcho Porto Alegre.
Globo, 1926. (RC)
COSTA, Agenor. Dicionário de Sinônimos e Locuções da
Língua Portuguesa. Suplemento. [s.e.] Rio de Janeiro:
[s.n.], 1952. (AC)
COSTA, Agenor. Dicionário de Sinônimos e Locuções da
Língua Portuguesa. 5 vol. 3.ed. Rio de Janeiro: [s.n.],
1967. (AC)
COSTA, F. A. Pereira da. Vocabulário Pernambucano.
Revista do Instituto Arqueólogo Histórico e Geográfico
Pernambucano. v. XXXIV. Recife:[s.n.], 1937. (FAPC)
GARCIA, Rodolpho. Dicionário de brasileirismos:
peculiaridades pernambucanas. [Rio de Janeiro. Imprensa
Nacional – 1915]. (RG)
GIRÃO, Raimundo. Vocabulário Popular Cearense.
Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1967. (RG)
GURGEL, J. B. Serra e. Dicionário de Gíria – Modismo
lingüístico: o equipamento falado do brasileiro. 4.ed.
Brasília: [s.n.],1996. (JBSG)
MACHADO FILHO, Aires da Mata. Dicionário Didático da
Língua Portuguesa. [s.e.]. Brasiliense [s.d.]. (AMMF)
MAGALHÃES Jr., Raimundo. Dicionário de Provérbios.
Locuções. Curiosidades Verbais. Frases Feitas.
Etimologias Pitorescas. Citações. Rio de Janeiro:
Ediouro, [s.d.]. (RMJ).
MIRANDA, Vicente Chermont de. Glossário paraense. In:
Coleção de vocábulos peculiares à Amazônia e
especialmente à Ilha do Marajó. Pará: livraria
Maranhense, 1905. (VCM)
MORAES, Luiz Carlos de. Vocabulário Sul – Rio-
grandense. Barcellos, Bertaso e Cia. Porto Alegre:
Globo, 1935. (CLM)
NUNES, Zeno Cardoso. Dicionário de Regionalismos do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1984.
(ZCN)
PUGLIESI, Márcio. Dicionário de expressões idiomáticas:
locuções usuais da língua portuguesa. [São Paulo]:
Parma [s.d.]. (MP)
SANTOS, Antônio Nogueira. Novos dicionários de
expressões idiomáticas. 1.ed. Lisboa, Portugal: João Sá
da Costa, 1990. (ANS)
SILVA, Deonísio da. De onde vem as palavras: frases e
curiosidades da língua portuguesa. 4.ed. São Paulo:
Mandarim, 1997. (DS)
SILVA, Deonísio da. De onde vem as palavras: frases e
curiosidades da língua portuguesa. v. II. São Paulo:
Mandarim, 1998 . (DS)
SILVA, Euclides Carneiro da. Dicionário da gíria brasileira.
Rio de Janeiro: Bloch, 1973. (ECS)
TESCHAVER, S. J. Carlos. Novo vocabulário nacional.
(IIIª série das apostilas ao dicionário de vocábulos
brasileiros): Barcelos, Bertaso e Cia. Porto Alegre:
Globo, 1923. (SJCT)
TORRES, João Nepomuceno. A giria brazileira: colleção de
annexins, adagios, rifões e locuções populares por JT.
Bahia: Diário da Bahia, 1899. (JT)
ANEXO
LETREIRO.
Letreiro na testa. “–Como podia adivinhar? Não tinha letreiro na testa!” Desculpa do tardio conhecimento nas relações imprudentes. Revelação do caráter de amigos fortuitos e dissimulados. Reminiscência do cartaz à testa ou ao peito dos condenados, denunciando-lhes a espécie criminosa. (LCC).
Anunciar em letreiros e alto-falantes. Dar pública forma; difundir uma notícia (MP).
Não trazer letreiro (bala). Acertar em quem estiver no trajeto.
Não trazer letreiro na testa (patife). Toda gente parece honesta. Sem indicação ou prevenção alguma (FAPC).
Ter um letreiro na testa. Mostrar claramente qual é seu caráter (MP).
LER.
Ler por cima. Ler sem soletrar ou ler depois de ter soletrado. “Na vila passou os quatro anos, onde aprendeu a ler por cima” (MOD 20). “Não pode ficar analfabeto. Aprenda ao menos a ler por cima” (JCA 69). “Lia apenas por cima” (NMC 58) (TC).
Ler por riba. Ler por cima (TC).
Estar a ler. Enganar-se, iludir-se, testemunhar ignorância; estar distraído (AC).
Lido e aprendido. Culto. “Homem lido e aprendido, sabia indicar toda sorte de remédio...” (JJM 89) (TC).
Lido e corrido (Ceará). Ter experiência e ciência.
Lido e treslido. Portador de boa cultura. “Aprendi bastante com ele. Cidadão lido e treslido...” (PDC 85) (TC).
LEGAL.
Legal paca. Ótimo. “Este negócio aqui tá legal paca” (JBSG).
Legal pra dedéu. Ótimo. “O pagode tá legal pra dedéu” (JBSG).
Curtir uma legal. Aproveitar um situação favorável. “Vou curtir um legal, vou barbarizar” (JBSG).
Numa legal. Em ótima situação. “Tô numa legal, gente” (JBSG).
Tudo legal. Certo. “Tá tudo legal pro amigo, pode ir em frente” (JBSG).
CEDO.
Com cedo. Cedo.“...Catarina...com cedo se desaviera da vontade do marido” (Camilo, A Queda de um anjo, p. 82). (ECS).
Nem cedo nem tarde. A tempo (AC).
[1] COSTA, Agenor. Dicionário de Sinônimos e Locuções da Língua Portuguesa.
5 vol. 3.ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1967.