ESTILÍSTICA: ESTÉTICA E EMOÇÃO
Esther Cardoso Antunes (UERJ)
No trabalho artístico, poesia ou prosa, depois que o indivíduo sentiu o impulso interior da inspiração, procura a exteriorização do seu processo mental por meio de palavras, frases, períodos os mais aptos e capazes de transmitir ao leitor o estado emocional da criação literária. Quem escreve, quer fazer-se compreendido por outrem de determinada direção intelectual e estética do qual participa o autor.
1 - Sonoridade e temperamento:
O temperamento individual de dada escritor pode ser deduzido da escolha que fizer das palavras pelo seu elemento de sonoridade. Martins Fontes, temperamento exaltado e profundamente enamorado da agitação, das expansões barulhentas, das explosões exageradas de afetividade, revela-se todo conjunto luminoso, orquestral, de suas poesias. Martins Fontes serve-se do vocabulário comum, quase pobre, mas do seu conjunto sabe tirar belezas:
Velho Tema
Só a leve esperança, em toda vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim; mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Poemas e Canções)
2- O vocabulário português:
Ressaltando para o risco quanto a importância dos vocábulos: a reprodução das palavras ao sentido. Na medida exata do que se pensa e se sente com vigor e com clareza diz-se o necessário.
Com o passar do tempo, surgem e desaparecem palavras. Muitas perdem o sentido inicial e ganhando outro sentido. Por exemplo, pedagogo era o escravo que conduzia as crianças à escola: significou depois o professor.
Sinestesia de um poeta:
__Pois a alegria é loura? Tão alva e loura como a morte é pálida.
Ao que o escritor retorquiu imediatamente:
__ V. Exª é que me parece loura no caso ...
É necessário dizer que loura tinha , naquela época, o sentido de “parvo” , “palerma “ . (Poeta Filinto Elísio - séc.XVIII).
O resultado das impressões do vocabulário português de Valery-Larbaud, publicadas no Divertimento filológico:
1. só - o extremo da solidão e do abandono. Quando se lhe acrescenta o diminutivo -zinho, o sufixo não é apenas lógico , exprime ainda admiravelmente a atitude dobrado sobre si próprio, na solidão.
2. Rapariga - o escritor compara o vocábulo português aos correspondentes espanhol e italiano: rapaza, ragazza ; todos sugerem o ruído alegre de estudantes , saindo da escola, na rua , às gargalhadas : mas rapariga faz mais ruído que qualquer dessas palavras.
No português do Brasil , desde o século XVIII , ao que parece , o vocábulo foi tomando coloração pejorativa. Houve contudo resistência literária a essa deturpação. Como vemos em Lima Barreto - Clara dos Anjos , p.93 :
“(... )O seu ideal era Clara, pobre, meiga, simples, modesta, boa dona de casa, econômica que seria , para o pouco que viria a ganhar ...
De dia para dia, ela ganhava mais fortemente a confiança da rapariga. (...)
Vejamos algumas significações de alguns vocábulo s e termos atuais:
a) Cabeça :
1. Toda gente o louva é um grande cabeça - talentoso, inteligente , sensato
2. Sabia de cabeça toda a s regras de acentuação gráfica - de memória , de cor
3. Débora Rodrigues vinha à cabeça do movimento sem terra - à frente
4. Essa vila é a cabeça da comarca - capital
5. Schindler pagou cem dólares por cabeça - pessoa
6. Feriu-se na cabeça do dedo - extremidade , ponta
7. Tiradentes foi acusado de ser o cabeça da Inconfidência Mineira - pessoa principal, chefe
8. A história não tem pés nem cabeça - sentido claro
9. Deu-lhe agora na cabeça compor músicas - capricho
10. Cada cabeça , cada sentença - pessoa , homem, personalidade
11. Per deu por completo a cabeça - serenidade , a razão
13. É adolescente , mas quanto a isso é cabeça feita - ter um pensamento formado
14. Apesar de adulto é um cabeça de vento - distraído , distante da realidade
b) Extraído de : A Morte de D. J. Em Paris , Roberto Drummond , p.13, 40, 88, 93
1. O andar de farsa sempre suspeito em D. J. - representar
2. As dez Catherine D foram personagens de misteriosas ocorrências , sendo que uma morreu do coração , (...) a quarta tossindo os espinhos (...) - dor, amargura
3. Brasil é um nó na garganta (...) - difícil de ser solucionado
4. Esse cara tá engrossando - homem , indivíduo/ exagerando grosseiramente
c) Populares:
1. Pegar o bonde andando - entrar no meio de um assunto sem ter entendido
2. Estar fora do planeta - alheio ao assunto ou situação
d) Clichês; já, visto , banal batido, falsa elegância , fossilizado.
Obs: A substituição sinonímica anula o clichê.
3- Neologismo:
Por necessidade ou por gosto artístico, o escritor não tendo expressão idônea , vai buscá-la às línguas estrangeiras .
Curioso é o emprego da palavra FUGACE , de Lima Barreto: “Sentou-se e quis começar uma modinha sobre a Glória , essa coisa fugace, que se tem e se pensa que não se tem “ (p.66 Policarpo Quaresma ).
A forma fugace por fugaz , não se deve apenas por um propósito de latinização do vocábulo; é também evidente uma intenção rítmica .
4- Vestígios arcaicos:
Se a s locuções estereotipadas são uma herança do passado, necessariamente haverão de conter arcaísmo, quer de vocabulário quer de construção . Suponhamos este grupo - Estar de viseira caída - Percebemos muito o sentido geral da frase: “estar zangado, carrancudo” Na Idade Média , à época em que cavaleiros se vestiam de ferro e cobriam o rosto com a viseira. Quando a viseira estava caída, era sinal de que o guerreiro se aprontava para a luta , e não sorridente. Hoje, é mais comum dizer “estar trombudo.”
5- O artigo e os nomes;
Observe estas frases:
a) Jesus, Filho de Deus, morreu crucificado.
b) Jesus, O Filho de Deus, morreu crucificado.
As duas frases não tem valor igual. No primeiro exemplo, Filho de Deus é um pessoa a mais dos que são considerados filhos de Deus. No segundo exemplo, refere-se a um único, e não a uma soma da humanidade. Quando se diz “O Filho “ determina, enfatiza a proximidade, a estima e o respeito.
A indeterminação traduz, muitas vezes a intensidade obscura dos afetos.
6- Os pronomes :
O emprego dos pronomes chama vivamente a atenção para a perspectiva pessoa. É um processo enfático. Um indivíduo muito cheio de si empregará com mais freqüência o pronome eu. Desse fato, se derivam até os termos egoísmo, egocentrismo etc.
7- Voz ativa, passiva e reflexiva
Observe essas quatro maneiras de determinarmos uma ação;
a) A empregada abriu hoje as janelas.
Chamamos a atenção para o agente que é a empregada . Subentendemos este movimento de curiosidade; para que teria ela aberto as janelas?
b) As janelas foram abertas pela empregada.
O objeto da ação aparece em primeiro plano e o agente em plano secundário. Nos interessou naquele momento sobretudo as janelas abertas contrariamente ao costume. Por isso o objeto em primeiro lugar, construindo a frase na voz passiva.
c) Abriram-se as janelas da casa.
O que importa sobretudo é o ato de abrir . o sujeito é indeterminado, e a sua falta tem como resultado fortalecer a própria significação do verbo.
d) Abriram-se as janelas da casa.
A determinação entre o sujeito, o verbo e o objeto é já menos precisa. A oração pode admitir que;
1°) as janelas apareceram abertas por si, com ajuda de algum elemento , talvez o vento
(significação reflexa)
2°) as janelas foram abertas por alguém, que não é determinado (significação passiva)
8- A elipse do verbo;
Explica-se por três motivos principais;
1º) Expressão incompleta do pensamento; quando dizemos - “ Eu ia lá mas...” Procuramos preencher a lacuna e estabelecer a clareza do sentido.
2º) Brevidade para o menor esforço ; “Sente calor? “ “__Eu não, e você ? “
3º ) Um abalo sentimental afeta toda a frase e, por meio de uma entoação mais ou menos exclamativa; “__Tu, por aqui? “ É equivalente dizer “Estou admirada e contente de te ver por aqui! “ Tudo isso consegue a linguagem corrente, dispensando perfeitamente o verbo.
9- Conjunções;
Uma empregada, surpreendida, abre a porta e exclama; “ __O patrão a essa hora?!...E a senhora que saiu!...” Primeiro, exprime o espanto de ver o patrão em casa, a uma hora desacostumada; depois, sempre num grau altamente emotivo, a contrariedade de não estar a senhora.
“Professar uma doutrina E praticar outra é uma indignidade” O valor adversativo da conjunção nasce do contraste chocante das duas atitudes postas a par.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, Francisco. Estilística Brasileira. Editora Saraiva, 1964.
RIFFATERRE, Michael. Trad. Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo. Cultrix, 1973.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa
Companhia Editora Nacional, 1989.
LAPA, M. Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. Março/1988.