CRIAÇÃO LEXICAL: TRADIÇÃO X INOVAÇÃO

 

Cristina Alves de Brito (CIFEFIL)

 

O presente trabalho objetivou obter informações acerca da reação dos falantes em relação ao uso de termos estrangeiros na língua.

O grupo alvo da pesquisa é formado por professores e alunos da Rede Pública de Ensino do Rio de Janeiro de 1º e 2º graus. Apresentou-se aos grupos a questão do uso do termo “impeachment”, recentemente usado em nossa língua. Ofereceu-se as seguintes alternativas aos grupos:

a) deve-se usar a palavra estrangeira sem qualquer alteração;

b) dever-se-ia criar uma palavra completamente nova;

c) deve-se usar os processos existentes na língua e fazer uma derivação.

Em uma primeira leitura da amostra o que se verifica é que 27,3% optaram pelo uso da palavra estrangeira e 72,7% escolheram as alternativas em que se privilegiam os processos existentes dentro da língua para formação de palavras.

No grupo de professores 60% optou pelo uso da palavra estrangeira irrestritamente; mas no que se referia a criar uma palavra completamente nova, apenas 22,5% apostam em tal possibilidade e somente 17,5% acreditam na derivação com o uso de afixos como mecanismo de não importação de vocábulos.

O rótulo de a mulher ser conservadora no que refere ao uso da língua, parece não se confirmar no grupo de professoras, pois quase 38,4% delas optou pelo uso da palavra estrangeira contra 20,5% dos professores na mesma opção.

Já entre os alunos, o fato inverte-se, apenas 20,3% opta pelo uso de palavra estrangeira, enquanto 36,3% fica com a criação de palavra nova e 43,3% com a utilização de processo de derivação; aqui as alunas desempenham papel marcante, dos 79,6% que optam pelo não uso de palavra estrangeira, 45,9% da escolha foi feita por mulheres.

Tem sido observado que não só o fator sócio-econômico mas também a escolaridade de uma pessoa têm direta relação com o seu desempenho lingüístico. Cabe aqui uma interrogação: esses fatores estariam atuando sobre a adoção ou não de empréstimos?

No dicionário do Aurélio aparece o vocábulo impedimento como: obstáculo, estorvo, impedição; estado de quem por doença, licença ou por outra causa, acha-se impossibilitado de exercer as suas funções.

Na Constituição Federal o termo que aparece com freqüência é suspensão dos direitos em situações de crime penal comum, infrações, crime de responsabilidade; em tais situações o Presidente terá apenas a suspensão do mandato e no caso de não haver julgamento no prazo de 180 dias, retorna ao posto; o termo impedimento aparece com freqüência em relação aos juízes que por motivo variado fica impossibilitado de exercer suas funções.

O Brasil passou, no início da década de 90, por uma experiência política inusitada, para a qual, em nosso vocabulário, o povo não encontrou termo adequado para expressar o seu desejo: nenhum dos significados da palavra impedimento possuía o sentido exato do que era o desejo de todos naquela hora.

Voltando um pouco mais no tempo, em 1974, o chefe do Governo americano renunciava por saber que o Congresso decretaria seu “impeachment” por seu envolvimento no caso Watergate.

Por outro lado, o povo brasileiro desejando o mesmo para o, então, chefe de Estado e não pretendendo renunciar, não encontrou na palavra do português impedimento a solução para o que queria, pois ela não designava exatamente o mesmo que a palavra do inglês “impeachment”, que significa impugnação, descrédito, denúncia e processo por infração dos deveres de seu cargo.

A idéia de temporário que permeia a palavra impedimento e estando o brasileiro ansioso por uma atitude definitiva, não querendo a possibilidade de um retorno de forma alguma, determinou o uso do termo inglês que possuía o valor semântico exato que todos queriam que acontecesse, a saída sem qualquer possibilidade de volta, para o, então, Presidente.

O que se verificou inicialmente é que entre aqueles com maior escolaridade, há aceitação com menos restrição ao termo estrangeiro; já entre os que têm escolaridade em processo, pelo resultado que obtivemos, constata-se uma maior resistência à incorporação de termos estrangeiros, fato que também permite uma indagação: se tal reação seria em função do desconhecimento do significado real da palavra, uma vez que boa parte dos informantes do grupo tem idade entre 16 e 30 anos, geralmente pouco preocupada com o significado real, exato das palavras.

No caso do termo “impeachment” na sociedade mais ampla o que se verificou foi uma quase unanimidade tanto na língua escrita quanto na oral.

Em contrapartida o que se verificou com o termo “impeachment” é bem diferente do que em muitas situações, na atualidade, encontramos quando pessoas usam termos estrangeiros somente para sentirem-se engajadas, enturmadas, inseridas num contexto, alegando que a língua não possui termos adequados para expressar muitas situações vivenciadas no dia-a-dia por determinados grupos.

Senão vejamos alguns termos pinçados em uma situação de escritório em texto de José Henrique Barreiro que muitos de nós ouvimos quando estamos atentos para palavras usadas.

“O problema pode ser no hard disk.” (disco rígido)

“Ele precisa do feedback da equipe para os contatos com o pessoal...” (retorno)

“- Verifiquei o seu laptop.” (micro portátil)

“O Hermínio (...) quer lançar um franchise e precisa que você escreva um paper sobre isso.” (franquia / papel (texto))

“Disse que adorou o approach e o design, mas acha que tem um problema de timing.” (desenvolvimento / desenho / tempo)

“O Fernando, (...), enviou e-mail solicitando...” (correio eletrônico)

“... durante o qual poderíamos conhecer, no show roomdo evento, os trabalhos vencedores...” (sala, salão de exposições)

“Ivan, (...), quer saber se dá para antecipar a apresentação do layout da newsletter.” (formato / nova carta (modelo))

“... porque o boy não veio trabalhar hoje.” (contínuo, menino)

A série acima é questionável quanto à ausência de termos para expressar sua idéia dentro da língua. Até o que sempre foi uma das marcantes características do povo brasileiro, adorar um cafezinho que implicitamente sempre equivaleu a hora de uma paradinha, transformar-se agora no :

“Nesse momento, o coordenador do seminário anunciou o início do coffee-break...”

As palavras acima relacionadas todas têm expressões, palavras perfeitas, em uso, dentro da língua, porém o que se sente mais é o nosso prosaico, insubstituível cafezinho que sempre nos caracterizou frente ao mundo. Será que para estar inserido no contexto mundial, teremos de perder uma de nossas mais pitorescas características?

Em um segundo momento, colocou-se para os pesquisados a seguinte situação: o que achavam sobre o uso de palavras ou expressões estrangeiras de forma geral dentro da língua; foram apresentadas as seguintes opções:

a) nunca devem ser usadas;

b) podem ser usadas em casos especiais;

c) devem ser usadas livremente.

 

No que se refere ao primeiro item: nunca devem ser usadas palavras estrangeiras, nenhum dos grupos apresentou alto índice, no total entre os pesquisados somente 11% foram veementes contra tal uso.

Quanto ao livre uso das palavras, novamente, aparece uma reação contra, onde 34% acreditam que as pessoas tenham livre arbítrio para dentro da língua lançar mão das expressões e palavras estrangeiras.

Porém um grupo expressivo de usuários aceita que, em casos especiais, termos estrangeiros possam ser usados; tal item apresentou os seguintes índices: entre os professores 77,5% admitem o uso em situações especiais; entre os alunos 50% também comungam com tal idéia; no levantamento geral entre todos os informantes, 54,2% concordam que expressões estrangeiras devam ser usadas quando não houver, na língua, palavra com carga semântica que expresse o que se deseja comunicar.

Apesar de a Língua Portuguesa ter a seu favor a capacidade de expressar a veemência das tormentas das grandes viagens, o jogo de palavras oblíquas ou de brincar com as palavras de todo dia em versos simples em uma linguagem direta e pessoal para expressar-se poeticamente na língua que faceiramente fala da partida, da batalha, do amor, das fugas e da saudade.

Sabe-se que a língua é, foi e continuará sendo um fator de interação entre os indivíduos quer na sociedade, quer na poesia, quer na linguagem cotidiana, exercendo um papel fundamental nas relações humanas. Assim a cada momento é perfeitamente aceitável a adoção de formas para uma língua por causa dos contatos com outra ou outras línguas; a interpenetração lingüística é praticamente inevitável, porque nenhum povo, na era da globalização, vive isolado; de modo geral o empréstimo decorre exatamente das relações políticas, comerciais ou culturais que acontecem.

Percebe-se a partir do grupo de informantes, usuários cotidianos da língua, um equilíbrio nos r? Segundo o professor, “as reações, porém, mesmo vindas de sisudos colunistas, eram temperadas com humor, reações bem mais suaves do que o raivoso ranger de dentes que usualmente atropela resultados iniciais da pesquisa, mas, de forma geral, uma conclusão primária que se pode tirar é a de que quando a língua não oferece meios de expressão, importe-se para que haja a comunicação e esta não fique prejudicada.