EMPRÉSTIMOS LEXICAIS RECENTES DO INGLÊS AO PORTUGUÊS DO BRASIL

 

Alfredo Maceira Rodríguez (UCB)

1. INTRODUÇÃO

Teoricamente uma língua de uma comunidade isolada que se bastasse a si própria para sua sobrevivência não precisaria de receber empréstimos externos, pois a própria língua local daria conta das necessidades de comunicação da comunidade. Se havia evolução cultural e, portanto, surgiam novas necessidades de comunicação, estas seriam supridas pela língua local. No entanto, esta situação dificilmente ocorrerá porque os grupos humanos têm tendido sempre a manter diversas formas de contato e de intercâmbio. A penetração de elementos de uma cultura em outra acarreta, por sua vez, os dos itens lexicais correspondentes. Ao ser incorporado à cultura de um povo um novo elemento, a denominação de que necessita pode incorporar-se de diversas formas à língua-objeto. Esta denominação pode ser totalmente estranha à língua receptora e, portanto, ser acrescentada a seu léxico como um novo sintagma, com pronúncia aproximada. Quando a fonética das duas línguas não se corresponde totalmente, pode ser traduzida por alguma designação que, de alguma forma, lembre o item agora assimilado.

O português, como as demais línguas ditas de cultura, sofreu no seu devir histórico interferência de outras línguas, assim como também contribuiu para enriquecer outras com as que em algum período histórico entrou em contato, porém, nos últimos séculos, algumas línguas, devido ao grande desenvolvimento científico e tecnológico que alcançaram os países de que são originárias, interferiram avassaladoramente em outras línguas e culturas, impondo seus valores e com eles os elementos lingüísticos que os acompanham. A grande penetração cultural e lingüística exercida pela França na português do século XIX, foi substituída pela do inglês americano. A expansão e progresso econômico dos países de fala inglesa, principalmente o dos Estados Unidos, interferiu também lingüisticamente no português, mas fez-se notar ainda mais no português do Brasil e cada vez com mais intensidade. Vejamos em que áreas essa influência se faz mais presente e como essa penetração se processa.

2. ADAPTAÇÕES AO PORTUGUÊS DO BRASIL

2.1. Empréstimos adaptados

Até mesmo à nossa vida cotidiana já vêm sendo incorporados numerosos termos originados no inglês. Assim já quase não percebemos que vieram desta língua palavras como teste (test) flerte (flirt), esnobe (snob), blefe (bluff), coquetel (cocktail), drinque (drink), lanche (lunch[i]), sanduíche (sandwich), estresse (stress), vagão (waggon), estoque (stock), estande (stand), clube (club), esporte (sport), futebol (football), time (team), gol (goal), basquete (basket), turfe (turf), surfe (surf), suspense (suspense), blecaute (black-out), locaute (lockout), nocaute (knock-out), trailer (trailer), estêncil (stencil) xérox (xerox)[ii] e muitos outros. A maneira como estes termos se comportam na língua portuguesa também varia muito. Muitos, como estes, introduzem um novo significado e utilizam fonemas do português para aproximar-se foneticamente à língua original. Posteriormente, ganham foros de naturalidade e acabam incorporados ao léxico português, sendo representados com grafemas da língua receptora. Os empréstimos que se incorporam por este processo trazem, geralmente, para a língua uma designação especializada. Por exemplo, no campo esportivo, ao qual o inglês desde há tempo vem contribuindo com inúmeras designações, devido, em grande parte, à divulgação e importação de diversas modalidades esportivas de países de fala inglesa. Assim, o substantivo basket, que em inglês denota cesto ou cesta, só penetrou no português com o significado especial da modalidade esportiva. O sentido geral do termo inglês não afetou seu correspondente português (cesto, cesta). O mesmo aconteceu com turf (gramado, relva), surf, (arrebentação, espuma das ondas), drink (bebida em geral).

2.2. Empréstimos (decalques)

Outro processo de entrada de empréstimos é o dos chamados decalques. Um sintagma, geralmente composto de mais de um elemento lexical, é traduzido literalmente, produzindo um novo sintagma, que, de início, causa estranheza porque possivelmente não se formasse assim na língua, não fosse a imitação do empréstimo. É o caso de sleeper (dormente)[iii], com a acepção de travessa usada nas ferrovias, hot-dog (cachorro-quente), loud-speaker (alto-falante), high technology ou high tech (alta tecnologia), supermarket (supermercado), credit card (cartão de crédito), convenience store (loja de conveniência), data processing (processamento de dados), sex symbol (símbolo sexual), e muitos outros.

2.3. Uso dos empréstimos pela mídia

Na escrita é norma tradicional grifar, geralmente com itálico, os termos que não pertencem à língua. Assim, até um empréstimo ser incorporado, deve ser escrito dessa forma para advertir o leitor de que não está dicionarizado, porém o que se vem observando cada vez mais é muita vacilação e ausência de critérios quanto a seu uso. Muitos empréstimos recentes do inglês estão sendo usados sem grifo pela mídia[iv], especializada ou não: boy, marketing, merchandising, rush, show, stress, surf e muitos outros.

Em alguns casos observa-se duplicidade de critérios: continua-se usando a forma importada, com a grafia original ou adapta-se ao português: franquia ou franchising, surfe ou surf, estêncil ou stencil, sítio ou site, etc., porém também se encontram os que, talvez por dificuldade de adaptação, continuam usando-se na forma original: best-seller, happy end, happy hour copyright, layout, impeachment, know how, marketing, performance, shopping market ou shopping, show-room, stablishmenmt etc.

2.4. Empréstimos mais recentes em diversas áreas

Estamos assistindo à incorporação de um grande números de empréstimos empregados de acordo com temas de moda nos Estados Unidos. Assim, na área de alimentação e bebidas, além dos já incorporados como sanduíche, drinque, coquetel, e outros, vêm ganhando terreno fast-food, com o sentido de refeição ligeira; no esporte, ginástica e atividades físicas em geral, entre outros, fitness (bom estado físico do corpo), look (aspecto, aparência), personal trainer (treinador individual), windsurf (modalidade de surfe praticado com a ajuda do vento), board surf (prancha para surfe), piercing (apliques de pequenas peças metálicas em diversas partes do corpo), peeling (determinado tratamento de pele),etc.

A economia e a política estão contribuindo com diversos termos, com os que já nos familiarizamos na mídia: pool (acordo entre empresas do mesmo ramo para formar uma caixa única ou um mercado comum para seus produtos), dumping (sistema de economia que lança no mercado internacional produtos abaixo do preço de mercado para eliminar a concorrência), lobby (pressão sobre os representantes do povo para induzi-los a votar projetos de lei favoráveis), staff (grupo qualificado de pessoas que assistem a um chefe de uma importante organização), background (fundo de uma cena, conjunto de fatos, conhecimentos de determinada situação, etc.).

A maior parte dos itens lexicais importados são substantivos ou verbos, porém alguns adjetivos estão firmando-se, apesar de serem muito diferentes gráfica e foneticamente. Entre eles diet, light e sexy.

2.5. Na informática

O rápido e surpreendente desenvolvimento que se vem processando no ramo das comunicações e, particularmente, na área da informática, desenvolvimento praticado originariamente, na sua imensa maioria, por falantes do inglês, fez que com a difusão dos novos avanços tecnológicos se exportassem as correspondentes denominações atribuídas na língua de origem a estes avanços. Às vezes, mesmo existindo termo vernáculo para o item importado, preferiu-se substituí-lo pelo lexema inglês, nem sempre com correção. Nas publicações que tratam das novas tecnologias, é tal a quantidade de palavras e expressões específicas que, se o leitor não estiver familiarizado com a área, terá dificuldade na plena compreensão do texto. Alguns desses termos, no entanto, devido a seu uso intenso, já fazem parte do vocabulário do leitor comum e muitas vezes são publicados sem qualquer tipo de grifo. Vejamos alguns desses novos empréstimos e seu comportamento no português do Brasil:

a) Alguns substantivos:

backup = arquivo que contém cópia de segurança de outro arquivo

bit bi(nary dig)it [dígito binário] = quantidade mínima de informação que pode ser transmitida por um sistema

boot = operação que inicializa o funcionamento

browser = navegador, programa de busca na Internet

byte = seqüência de 8 bits, considerada unidade básica

bug = erro ou mau funcionamento de um programa

chip = pastilha, placa minúscula de material de condução elétrica usada em circuitos integrados

drive = unidade de disco

driver = programa que gerencia a entrada e/ou saída de dados

electronic mail ou e-mail = correio eletrônico

game = jogo, particularmente jogo eletrônico

gate = portão, lugar de entrada de dados, etc.

hacker = gênio em computação que consegue penetrar em outros computadores ou sistemas

hard disk = disco rígido, disco duro

hardware = componentes físicos do computador

homepage = espaço reservado na Internet

joystick = dispositivo manual para operar alguns jogos eletrônicos

led = luzinha colorida no computador;

line = linha

link = ligação com outras homepages

modem mod(ulation)/dem(odulation) = dispositivo que converte dados eletrônicos nos sentidos de ida e volta

mouse (camundongo) = dispositivo para executar diversas operações com o computador

no-break (não-interrompe) = dispositivo para manter o fluxo de eletricidade

on-line = ligado (o aparelho), estar na linha

off-line = desligado (o aparelho), fora da Internet

output = produção, saída (de dados)

path = caminho (itinerário usado no processamento de dados)

site = sítio, espaço reservado na Internet

scanner = dispositivo para cópia de documentos

software = programas e dispositivos com os que opera o computador

web = rede, por antonomásia a Internet.

b) Alguns verbos:

attach = anexar (documento com dados)

delete = apagar, remover (material escrito em disco)

download = baixar (material da Internet)

reset = reiniciar (o computador)

 

c) Algumas siglas:

CD (Compact Disk) = disco compacto (contém material sonoro)

CD-ROM (Compact Disk Read Only Memory) = disco que também pode conter material visual (multimídia)

CPU (Central Process Unit) = Unidade central de processamento

HD (Hard Disk) = disco rígido, disco duro, whinchester

PC (Personal Computer) = computador pessoal, micro

URL (Universal Resource Locator) = localizador universal de recursos

WWW (World Wide Web) = rede de toda a teia de âmbito mundial, Internet

2.6. Comportamento dos empréstimos

O português do Brasil tem-se mostrado muito receptivo aos empréstimos da tecnologia, parecendo que são aceitos sem qualquer critério ou obediência a alguma norma, embora muitos deles não sejam necessários, como é o caso de attach (anexar), delete (apagar), game (jogo), gate (portão), link (ligação), reset (reiniciar), site (sítio), etc. Nota-se o esforço para pronunciar estes empréstimos da maneira mais próxima possível do original, embora a dificuldade da língua e a interferência do português ocasionem o aparecimento de muitos hibridismos fonéticos. As confusões semânticas e gramaticais também são muito freqüentes. Entre outras muitas impropriedades fonéticas, ouve-se até em programas promocionais de televisão pronunciar a sigla CD-ROM (Compact Disk- Read Only Memory) como [sede‘rum], pela confusão da sigla ROM com o substantivo inglês room (sala, quarto, espaço, etc.). No entanto, se na pronúncia há alguma preocupação com o termo original, o mesmo não acontece com a morfologia e com o comportamento gramatical do empréstimo na língua de origem, fato que parece ser totalmente ignorado. Assim, palavras como software e hardware, que não possuem plural em inglês, vemo-las adotando normalmente o morfema –s do plural do português: hardwares e softwares. Algo parecido ocorre com os verbos. O infinitivo dos verbos ingleses caracteriza-se pela anteposição do morfema to, indicador do infinitivo (to delete, to reset, to attach), mas no português informático esses verbos evoluem para deletar, atachar, resetar, etc., pelo modelo do português

O substantivo mouse (camundongo) só possui em inglês o plural irregular mice (camundongos), mas no português ganha um plural regular(mouses), mantendo o mesmo esquema fonético. Algo parecido ocorre com o chamado genitivo saxônico do inglês, representado nessa língua com o morfema –s: Bob’s, Fred’s, etc., mas que por aqui o vemos muitas vezes confundido com o plural, principalmente quando se trata de siglas: CD’s, HD’s, entre outros.

2.7. Influência do léxico da informática

Na mídia não especializada estão sendo incorporados diariamente itens lexicais provenientes da informática. Assim, já formam parte do léxico do cotidiano termos como micro, digitar, digitalizar, acessar, chat, clicar, deletar, documento, escanear, formatar, e-mail, monitor, disquete, drive, upgrade, e muitos outros. Embora muitos destes termos não sejam totalmente desconhecidos no português, por serem de origem grega ou latina, o significado que adquiriram na informática é novo e foi popularizado através do inglês. Assim temos micro, prefixo grego que entra em muitas composições do português para indicar pequenez,[v] termo que, de início, se aplicou a computador pequeno, mas logo passou por abreviação a sinônimo de computador. O próprio termo computador, do latim computatore (aquele que faz cálculos), entrou na informática através do inglês computer, porém apenas com o significado de máquina que faz cálculos. O verbo digitar ou digitalizar, do latim digitus (dedo), vêm sendo amplamente usado, até em substituição a datilografar. O substantivo acesso já pertencia ao português, o que não se conhecia porém era o verbo acessar, que foi moldado no inglês to access. O substantivo documento ampliou sua significação na informática, passando a denotar qualquer texto produzido no computador e conservado no disco rígido.

2.8. Influência da fonética inglesa no português

Vimos que o vocabulário do português vem de há tempo sendo enriquecido com a contribuição do inglês, máxime através da Informática. Vimos também que varia a maneira como estes empréstimos se comportam no português do Brasil: Alguns acomodam-se às normas morfológicas e fonológicas da língua receptora, a qual lhes dá um tratamento fonético o mais aproximado possível da língua de origem; outros permanecem com a grafia original, obrigando os falantes a uma ginástica oral com a intenção de pronunciar esses empréstimos com a fonética original, esforço quase sempre inútil pela não correspondência de muitos fonemas em ambas as línguas. Ocorre, porém, que muitos empréstimos, embora grafados diferentemente do português, possuem fonemas equivalentes a outros desta língua. É o caso de alguns ditongos senão vejamos o que ocorre com empréstimos geralmente aceitos e não adaptados ao português como game [‘geim], site [‘sait], light [‘lait] e outros em que os ditongos são grafados sem semivogal. Não poderá ocorrer interferência no ensino do português? Entre outras possíveis interferências ocasionadas por empréstimos, no nosso caso do inglês, à criança é-lhe ensinado que o ditongo é formado por uma vogal e uma semivogal, dando-lhe exemplos respectivos como pai, leite, etc., porém logo encontra site, light, game com os mesmos ditongos. Ao que parece, a possível interferência na aprendizagem da fonologia e da fonética do português pela pronúncia dos empréstimos recentes do inglês ainda não foi suficientemente considerada.

 

3. CONCLUSÃO

O recebimento de empréstimos é comum a todas as línguas e vem ocorrendo ao longo da história da civilização. O empréstimo, geralmente vocabular, tem a função de preencher a lacuna de um significante quando a comunidade lingüística recebe um novo significado. As línguas de países cultural e cientificamente mais desenvolvidos contribuem com maior número de empréstimos às demais línguas do mundo porque tais empréstimos acompanham os novos avanços atingidos nesses países e exportados ao resto do mundo.

A partir da década de quarenta, intensificaram-se as conquistas da ciência e da tecnologia, particularmente nos Estados Unidos, e, portanto, o inglês americano vem sendo a língua que mais contribui com empréstimos às outras línguas, na divulgação de suas realizações e na exportação de seus produtos.

A área que introduziu recentemente maior número de empréstimos foi a das comunicações, destacando-se nestas a ciência da computação, conhecida como processamento de dados e, mais recentemente, como informática. Este novo ramo da ciência desenvolveu-se com extrema rapidez nos Estados Unidos, razão por que a sua expansão internacional foi acompanhada da língua de origem. No Brasil, pela proximidade geográfica e pelo amplo relacionamento com o grande país da América do Norte, a penetração das novas descobertas foi rápida e facilmente assimilada.

O inglês, língua estrangeira mais estudada no Brasil, foi aceito com naturalidade pela comunidade informata, de início um pequeno grupo da elite cultural, para quem não causava grande obstáculo a língua inglesa, mas um contigente cada vez maior passou a interessar-se pela informática e, na sua maior parte têm pouca ou nenhuma familiaridade com o inglês. Logo foram aparecendo as traduções porém, ou por não haver palavras na língua que traduzissem corretamente o significado do novo item lexical ou por modismo, o léxico do português do Brasil se viu permeado de empréstimos estranhos à sua natureza. A adaptação da maioria destes empréstimos à nova língua não se vem dando de forma homogênea nem completa. Geralmente ficam a meio caminho entre a forma original e a que seria equivalente na língua portuguesa. O fluxo continua e parece que pode trazer complicações até para a aprendizagem da fonética do português.

4. BIBLIOGRAFIA E OUTRAS FONTES

CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985.

DICIONÁRIO AURÉLIO Eletrônico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998

DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO Multimídia. Rio de Janeiro: Globo, 1997

WEBSTER’S New Encyclopedic Dictionary. Cologne (Germany): Könemann, 1994

REVISTAS TÉCNICAS, SUPLEMENTOS DE INFORMÁTICA DE JORNAIS, GLOSSÁRIOS, MANUAIS, etc.

 

 

5. NOTAS



[i] lunch = almoço

[ii] Várias palavras como estêncil e xérox têm origem em marcas comerciais.

[iii] Existem também os termos sinônimos formados por aproximação fonética sulipa e chulipa.

[iv] Mídia é também um empréstimo do inglês que, por sua vez, é um plural latino (meios). A expressão mass media (meios de comunicação de massa) simplificou-se em português com a adaptação deste empréstimo.

[v] Literalmente micro em grego equivale a um milhão de vezes menor.