O USO DOS SUFIXOS –INHO E –ZINHO NO DISCURSO DOS PESCADORES ARTESANAIS
Nelson Carlos Tavares Júnior (UFRJ)
INTRODUÇÃO
Alguns dos autores de Gramáticas Normativas ressaltam que o morfema indicador de grau diminutivo pode admitir diferentes valores. Rocha Lima afirma que “em regra, os diminutivos encerram idéias de carinho; (...) Há também alguns que funcionam como pejorativos, como em ‘livreco’”[1].
Entretanto, como lembra Celso Cunha, “... se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes mais vaga”[2].
O presente trabalho tem por objetivo, portanto, verificar quais são os possíveis valores semânticos dos sufixos –inho e –zinho, tradicionalmente classificados como diminutivos, em vocábulos da Língua comum dos pescadores artesanais do Norte Fluminense.
Delimitar-se-ão alguns fatores que possam apontar para alguma forma de sistematização do uso de tais morfemas, amenizando, de alguma maneira, a omissão com relação a questões semânticas que envolvem tais morfemas.
Para tanto, utilizou-se o corpus do Projeto APERJ — Atlas Etnolingüístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro —, constituído de entrevistas (gravadas in loco) com pescadores artesanais, de pouca ou nenhuma escolaridade.
METODOLOGIA
Foram selecionados, a partir da consulta ao corpus do Projeto APERJ, os itens que apresentaram os sufixos –inho e -zinho (e suas flexões) com valor semântico tanto de diminutivo como de perojatitivade, de afetividade e de intensidade, sendo, cada um deles, distribuídos por diferentes tabelas.
Os dados selecionados partiram de informantes de todas as faixas etárias em três ambiências, sendo duas localidades de pesca lacustre (SBE e PGF), duas de pesca marítima (BIT e ATA) e duas de pesca fluvial (ITO e SJB).
Durante a análise do corpus, os fatores que se mostraram mais eficientes para a formulação de algumas hipóteses foram a “localidade”, a “faixa etária” e o “campo semântico”. Também o aparecimento de determinados advérbios a que se juntaram tais afixos revelou-se fonte de cogitação sobre este assunto.
A classe gramatical, apontada por Rocha Lima como fator relevante para a determinação da afetividade — os adjetivos — não pareceu influenciar as escolhas dos informantes.
As hipóteses que orientam esta reflexão são a seguir elencadas:
· O campo semântico favorece a inserção de sufixos com determinada valoração semântica;
· A contigüidade de advérbio de intensidade favorece o aparecimento desse traço no sufixo empregado;
· A faixa etária tenderia a operar certo traço em detrimento de outros com certa significação;
· A inserção geográfica do falante permitiria prever a freqüência do traço semântico a compor o sufixo empregado.
Em expressões como “hoje o mar está mansinho” ou “aqui é muito fresquinho” fica difícil perceber o valor diminutivo do sufixo. Em outros contextos como “as praias aqui são de areias fininha” é possível perceber o valor diminutivo na palavra “fininha”, mas não se pode negar o valor intensificador atribuída à palavra por meio do sufixo em causa.
Como já fora mencionado, há bastante tempo alguns teóricos vêm ressaltando que, nem sempre, os morfemas de grau diminutivo exprimem noções muito exatas. Flávia Carone menciona que “semanticamente, é sabido que nem sempre tais sufixos exprimem grau (‘casinha’, ‘livreco’) e qual é o maior: o portão ou a porta?”
A autora observa, ainda, que o comportamento de articulação mútua entre diferentes afixos “fundamenta a asserção de que grau dimensivo e o grau intensivo dos nomes (...) não se excluem mutuamente”.
Esse processo, como lembra Greimas, consiste em um único elemento mórfico conter mais de um valor, expressando mais de uma noção gramatical em um único morfema. Há, portanto, o que se entende por cumulação, podendo ser observada em contexto como “essa é a única pracinha da cidade”, em que o sufixo –inho detém, por cumulação, tanto a noção de diminutivo quanto a de afetividade.
A análise do corpus deste trabalho apontou para o fato de que pelo menos mais três valores, além do diminutivo, associados ou não, poderiam ser atribuídos aos sufixos –inho e –zinho: afetividade, pejoratividade e intensificação.
Alguns contextos exemplificam tal afirmação:
VALOR SEMÂNTICO: “INTENSIDADE” |
Ah, lá fora o mar fica verde... fica azulzinho demais |
A guelra é boa quando está vermelhinha |
A rede tem que ficar bem esticadinha, as duas pontas |
Põe no sol para ele ficar bem sequinho |
Sardinha é gostozinha, é a mais saborosa |
VALOR SEMÂNTICO: “AFETIVIDADE” |
lá nos morro tem um velhinho que cuida da pesca |
O meu barco está encerradinho |
Tenho uma filhinha agora |
Tem uma escolinha ali na ilha |
Lavamos o barco todinho, já fica limpinho |
VALOR SEMÂNTICO: “PEJORATIVIDADE” |
Ninguém come ... é um peixinho ruim |
É fraquinha essa pesca. Quase ninguém explora |
A minguante traz uma marezinha bem baixa |
Eles são uns atravessadorezinhos, né? |
Só tem um manguezinho muito pouco |
Um fato interessante deve ser apontado em relação à variável “localidade”. A comunidade fluvial litorânea, São João da Barra, mostrou-se bastante idiossincrática em relação às demais: não apresentou, em dois informantes, nenhuma ocorrência do sufixo à qual não se atribuísse unicamente o valor diminutivo. Os demais informantes da mesma localidade apresentam valores baixíssimos desse sufixo com os três outros valores selecionados para esta análise, corroborando a tendência feral da localidade de usar tal morfema com valor essencialmente diminutivo.
A “faixa etária” é um fator que possibilita algumas reflexões: os informantes da faixa mais velha tendem a usar o sufixo com os significados pejorativo, afetivo e intensificador em detrimento do do valor diminutivo. O contrário ocorre com informantes mais jovens, que tendem a usar com maior freqüência o valor diminutivo para este sufixo. A faixa etária intermediária manteve-se como uma zona de transição, em que os valores estão, em geral, bastante equipados. O informante SJB 078 B, por exemplo, empregou cinco vezes o sufixo com valor diminutivo e seis vezes com os demais valores somados, confirmados a tendência descrita __ a preferência pelo diminutivo __ ainda que os valores considerados sejam reduzidos.
O “campo semântico” é um dos fatores de maior relevância para a determinação do valor que adquire o sufixo. Observou-se, em geral, que as lexias concernente aos campos semânticos ligados à “embarcação”, ao “bom tempo”, ao “mar propício para pescar” e aos “petrechos da embarcação” recebem o sufixo denotador de afetividade. Alguns exemplos são “o meu barco está enceradinho”, “o tempo, estando calminho, dá camarão” e “hoje o mar está calminho”. As lexias cujo sufixo tem valor de pejoratividade participam de um maior número de campos semânticos, dentre os quais os que se referem a função fora da pesca e a prejuízos que o pescador possa vir a sofrer, como os referentes à ação dos atravessadores, como em “eles são uns atravessadores ...”.
Em relação ao sufixo denotador de intensidade, verificou-se que é comum o aparecimento de um advérbio que o reitera, em contexto próximo, reforçasse valor. Por exemplo: “a areia é clarinha, muito clara”, meu pai pescava comigo muito novinho” ou “lá fora o mar fica azulzinho demais”.
Por vezes, em uma mesma palavra, coexistem mais de uma ocorrência dos sufixos:
Lexias |
Valores Semânticos |
É ilha pequena... ilhinhazinha pequena |
diminutivo/afetivo |
Esse é um passarinhozinho que canta aí |
diminutivo/afetivo |
É uma tábua purinhazinha |
intensidade/afetivo |
Aquele limo fininhozinho que junta na pedra |
intensidade/afetivo |
Nós fazemos um saquinhozinho de câmara de pneu |
diminutivo/pejorativo |
Bota o bambuzinhozinho mais ou menos aqui |
diminutivo/pejorativo |
Conclusão
A análise dos dados confirma as hipóteses levantadas de poder alguns fatores que influenciam a valorização de um sufixo de maneira pejorativa, afetiva ou mesmo intensiva, qual seja a adjunção de sufixos a itens de determinado campo semântico, a contigüidade de advérbios de intensidade, faixa etária e inserção geográfica, do informante.
A faixa etária acaba traduzindo um tipo de comportamento característico, em informante de idade mais velha, como a atribuição de valores positivos ( no caso da pejoratividade) expressa por meio do sufixo em uso. Os informantes mais jovens tendem a atribuir os mesmos valores por meio de morfemas livres como “mais”, “menos”, “bom”, “ruim”, etc.
Os informantes de São João da Barra, em todas as faixas, tenderam, a não realizar os sufixos em questão com valor que não fosse o de diminutivo. Esse fato precisa ser melhor investigados para verificar quais os fatores extralingüístico que determinam tal comportamento.
Um estudo mais aprofundado dos fatores que influenciam a composição sêmica do empregado pelo falante para um mesmo sufixos aponta, antes do mais, para o caráter polissêmico de tal morfema e traduz, sem dúvida, a riqueza de nuanças a serem consideradas em comunidades de qualquer índice de prestígio, tal como detectou-se nas dedicadas à pesca artesanal.
bibliografia
1. BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. São Paulo : Ática, 1991.
2. DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo : Cultrix, /1973/.
3. FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira.
4. ILARI, Rodolfo et alii. Semântica. 3. ed. São Paulo : Ática, /1987/.
5. LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1972.
6. MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à Semântica. 3. ed. Rio de Janeiro : Zahar, [1996].