Algumas características da morfologia verbal nas Atas da Câmara
João Antonio de Santana Neto
Universidade do Estado da Bahia
Universidade Católica do Salvador
Faculdades Diplomata
O Projeto individual que ora se apresenta está sendo desenvolvido no âmbito NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM DOCUMENTOS – SALVADOR 450 (NIPED – S450), inserido no campo de pesquisa três do projeto coletivo DOCUMENTOS – SALVADOR 450 ANOS – Contribuição à Historiografia Soteropolitana e ao Estudo do Português do Brasil.
Propõe-se realizar um estudo histórico-descritivo, comparativo e quantitativo das realizações verbais (voz, modo, tempo e aspecto), tendo como corpus de pesquisa as Atas da Câmara de 1878 a 1830, atas que serão editadas semidiplomaticamente pelo grupo de pesquisa, e Atas da Câmara do século XX já impressas. Para tanto, apresenta os seguintes objetivos específicos:
§ discutir o conceito gramatical e lingüístico de verbo;
§ mostrar como eram definidos os verbos em gramáticas e dicionários da época (séc. XVIII e XIX);
§ realizar um levantamento com várias abonações que permitam sistematizar a utilização corrente das formas verbais (séc. XVIII e XIX);
§ verificar mudanças nos usos verbais do português entre as duas fases que servem de corpus de análise;
§ confrontar o sistema levantado com o sistema gramatical contemporâneo (Atas do século XX).
O interesse pelo estudo descritivo da morfologia verbal surgiu a partir da colaboração experimentada entre 1997 e 1998, ligada ao projeto de revisão paleográfica e publicação d’Os Autos de Devassa da Conspiração dos Alfaiates, do Arquivo Público do Estado da Bahia, em que estiveram envolvidos os Professores Dra Maria Helena Ochi Flexor (coordenação, orientação de leitura praleográfica e digitação), Dr. João Antonio de Santana Neto, Dra. Maria Conceição B. da Costa e Silva e Mestra Maria Vidal de Negreiros Camargo, quando, então, se observou certas peculiaridades morfológicas nas realizações verbais, como por exemplo:
§ conservação de escrita medieva: Fallos hão trabalhar mais tempo ...
§ emprego de estar + gerúndio: ..., e mais dous officiaes, que estavão trabalhando ...; ... os quais estiverão fallando em particular ...
§ uso de haver onde hoje utiliza-se ter: ... e depois de algumas palavras indifferentes, que houverão entre elle denunciante, e o dito João de Deos ...; ... e assinar cada hum dos que nella houvessem de entrar ...
§ oscilação entre o mais-que-perfeito simples e composto: ... e Lucas Dantas tinhão ficado de vir ...; ... Ao que replicára o dito João de Deos ...; ... como já tinha dito ...; ... huns papeis sediciozos, que tinhão apparecido nos lugares mais publicos ...; Dice que as medidas, que tinhão tomado já em parte elle ...
§ realização de concordância do particípio: E sendo lidas ao dito prezo por mim Escrivão de ordem do dito Ministro as perguntas ...
§ emprego da voz passiva onde hoje se usa o indicativo: Foi perguntado o dito prezo como era o seo nome ...
§ utilização do verbo entrar onde hoje se usa começar: ... e ontem de tarde entrou a gritar para o outro segredo, ...
§ uso de perífrase verbal em lugar do futuro do pretérito: ... e por isso confeçando vinha a estar em em ma figura: tornando a rogar ..; ... no sitio do dique para huma ceata, que ali havia de haver com outros mais ..., ... dique do Desterro, onde havia de concorrer o grande numero de pessoas ...
Esses fatos indicam a necessidade de se sistematizar a morfologia dos verbos utilizados em documentos produzidos no correr dos séculos XVIII e XIX comparando com o uso no século XX, como forma de contribuir para os estudos da História da Língua Portuguesa e da formação da Língua Portuguesa do Brasil.
Sabe-se que, no que tange aos verbos, o Português do Brasil (PB) caracteriza-se pelo emprego de determinadas formas que envolvem voz, modo, tempo e aspecto, diferentemente do Português de Portugal (PP). A título de exemplo, considerem-se os seguintes fatos:
a) há, no PB, maior emprego das formas analisadas como de voz passiva sintética sem apresentar concordância entre verbo e o suposto sujeito, permitindo uma análise de construções de indeterminação de sujeito: aluga-se casas;
b) uso do futuro do pretérito do indicativo (condicional) em contextos em que o PE utiliza o pretérito imperfeito do indicativo: eu gostaria de ir / eu gostava de ir;
c) emprego, no PB, de ter por haver nas construções existenciais: hoje tem aula;
d) construção dos verbos de movimento com a preposição em: vou na feira;
e) variação das formas de 2ª pessoa (singular e plural) do imperativo, oscilando entre o uso das formas derivadas do indicativo e daquelas oriundas do subjuntivo: venha pra Caixa você também / vem pra Caixa você também;
f) uso de estar + -ndo no PB, em correspondência ao uso de estar + a + -r no PP: estou falando / estou a falar;
g) no PB, observa-se, também, um maior uso das formas compostas em detrimento das formas simples, sobretudo no que se refere ao mais-que-perfeito, quase ausente no PB contemporâneo: tinha cantado / cantara;
h) utilização do verbo andar como auxiliar em substituição ao estar do PP: andam dizendo que você viajou / estão a dizer que você viajou;
i) pouco uso do infinitivo flexionado;
j) emprego de haver no plural quando sinônimo de existir: houveram muitas lágrimas;
k) construções inovadoras no PB, como as que envolvem estar + indo + infinitivo: já estou indo fazer.
Em resumo, pode-se dizer que são várias as diferenças observadas entre o PB e o PP no que diz respeito à morfologia verbal. Um estudo que procure rastrear e datar as mudanças internas ocorridas no PB torna-se necessário pelas razões abaixo apontadas.
Desde que fazer estudos históricos impõe, necessariamente, a análise de fontes escritas, não se pode esquecer de todos os viés que a escrita pode apresentar além do seu distanciamento do vernáculo. No caso desta pesquisa, a composição do corpus a partir das Atas da Câmara reveste-se de importância pelo fato do escrivão registar os atos da sociedade soteropolitana e, sobretudo, as atitudes dos representantes desse povo (vereadores e procurador), sendo todos eles veículos da forma da forma de expressão do povo.
Sabe-se que, nos séculos XVIII e XIX, o cargo de escrivão era vitalício; geralmente recebido por mercê; que se exigia dele o letramento, mas que não era obrigado possuir curso especial. Além disso, sabe-se que os escrivães aprendiam a profissão na prática e que registravam os fatos como ouviam ou sabiam. Assim, o controle de fatos não-lingüísticos como esses faz com que esses documentos se revelem bastante adequados ao estudo diacrônico, por, esperar-se, retratar usos lingüísticos mais próximos do PB. Portanto, pretende-se detectar se essas e outras características da morfologia verbal do PB já eram empregadas nos documentos que compõem o corpus de análise.
Além do estudo da morfologia verbal, pretende-se observar os conceitos e sistematizações sobre a categoria verbo, apresentadas em gramáticas do período, comparando os dados obtidos com o sistema utilizado no século XX, através de Atas da Câmara de Salvador. Tem-se como objetivo ver se os usos reais se conformam com as prescrições normativas.
Como se pretende que o estudo seja legível pelo menos ao público de Letras em geral, decidiu-se por três tipos de abordagens na apresentação da análise dos dados:
a) levantamento das formas verbais existente no corpus inicial, montagem de um glossário com significações e abonações;
b) sistematização das formas verbais encontradas e comparação com o sistema verbal do atual;
c) identificar as mudanças ocorridas entre os séculos XVIII, XIX e XX no sistema verbal do PB.
Propõe-se um estudo histórico-descritivo, comparativo e quantitativo da morfologia verbal utilizada nos séculos XVIII, XIX e XX em documentos escritos em Salvador, tomando como base os seguintes princípios: a) cabe ao lingüista o papel de descrever o modo como as pessoas falam (e escrevem) realmente sua língua; b) todas as línguas estão sujeitas a constantes transformações, visto que são sistemas eficientes e variáveis que servem a diferentes e variadas necessidades sociais das comunidades que as usam.
Sabe-se que André Martinet estabeleceu o princípio da dupla articulação da linguagem verbal, a primeira, que é a articulação das unidades significativas, ocorre no plano do conteúdo; a segunda, a articulação dos fonemas, situa-se no plano da expressão.
Deixando de lado os fonemas com seus traços distintivos, observa-se que o nível do conteúdo pode ser decomposto em cinco níveis:
1. morfema – menor unidade significativa que se articula com outro(s) morfema(s), criando uma unidade de segundo nível;
2. vocábulo – unidade construída de morfemas (um ou mais de um) que se articula com outros vocábulos;
3. lexia – pode ter a conformação de um vocábulo, mas o que nela se considera não é sua estrutura, e sim seu comportamento dentro de uma unidade maior, ou seja, a lexia é uma unidade de comportamento que pode também ser composta de dois ou mais vocábulos;
4. sintagma – em sentido restrito, sintagma é uma construção que se faz no plano das estruturações sintática, tendo lexias como constituintes. O elemento necessário, pressuposto para que ele se configure, é um substantivo ou um verbo;
5. oração - da articulação entre um sintagma nominal e um verbal, nasce a oração.
Pelo exposto acima, verifica-se que o interesse desse projeto recai sobre os três primeiros níveis anteriormente apontados no que tange aos verbos. A definição pós-bloomfieldiana de morfologia atribui a esta a estrutura gramatical interna, através do estudo dos morfemas, os quais são considerados como unidades básicas da citada estrutura. Por isso cabe estabelecer a diferença entre morfema e morfe. Atribui-se ao morfema a definição de unidade formal abstrata, provida de um (ou mais de um) valor semântico – referencial ou gramatical. Pode-se concluir que o morfema é uma abstração que envolve significados e possibilidades combinatórias. A dualidade abstrato-concreto mostrou a conveniência de uma designação específica para esse outro aspecto do morfema, o morfe, o qual segmenta as palavras, isto é, cada morfe representa um dado morfema, ou é seu expoente.
Quando se estuda os verbos percebe-se que o mesmo morfema concretiza-se algumas vezes em morfes diferentes: -is e –des para a 2a pessoa do plural. Estes dois segmentos constituem um caso de alomorfia, pois contêm os mesmo valores significativos. Sabe-se que, quando ocorre a alomorfia, a forma de mais alta freqüência deve ser considerada a forma-base; a outra é uma variante, seu alomorfe.
Retomando o primeiro princípio apontado anteriormente apontado, pretende-se, a partir das diferenças apresentadas atualmente entre o PB e o PP, descrever e quantificar o efetivo uso das formas verbais comparando-o com os conceitos e as sistematizações oferecidas pelas gramáticas da época, visto que, segundo Fávero (1996), a reforma do ensino promovida pelo Marquês de Pombal, através do Alvará Régio de 1759, transcorreu sob o impacto do Verdadeiro método de estudar, publicado em 1746 por Verney; da expulsão dos jesuítas e de sanada a resistência da Igreja.
Acredita-se que sob a égide desta reforma do ensino é que surgem as gramáticas do século XVIII, fortemente influenciadas por: Minerva seu de Latinae linguae causis et elegantia, de Francisco Sánchez de las Bronzas e publicada em 1587; Grammaire générale et raisonnée, de Antoine Arnauld e Claude Lancelot e publicada em 1660; Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, par une société de gens de lettres, ordenada e publicada em 1751 e 1772 por M. Diderot da Académie Royale des Sciences et Belles-Lettres de Prusse e por M. D’Alembert da Académie Française (na parte sobre matemática).
Entre as gramáticas portuguesas do século XVIII, destacam-se: Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina ou disposiçam para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza – obra de Jerônimo Contador de Argote, publicada em 1721 sob o pseudônimo de Caetano Maldonado da Gama; Arte da grammatica da lingua portugueza – obra de Antônio José dos Reis Lobato, publicada em 1770 e dedicada ao Conde de Oeiras (futuro Marquês de Pombal); Grammatica philosofica da lingua portugueza – obra de Jerônimo Soares Barbosa, publicada em 1822, mas escrita duas décadas antes.
Um estudo do tipo que se propõe com esse projeto exige um olhar detalhado sobre as relações sociedade/língua, considerando-as profundamente interdependentes. Visto que envolvem o problema de diversidade/uniformidade da Língua Portuguesa no Brasil, condicionada a fatores extralingüísticos. Tal posicionamento reconduz ao segundo princípio apontado no caput desse subitem.
Sabe-se hoje que a colonização do Brasil não apresentou homogeneidade fonética. Apesar de acreditar-se na maior procedência de colonizadores portugueses oriundos da região meridional, estudos comparativos recentes apontam para um número maior de coincidências de propriedades fonéticas entre o Português do Norte de Portugal e o Português do Brasil. Estudos também revelam a influência açoriana no povoamento de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Tais dados demonstram que o português que chegou ao Brasil já apresentava diversidade de origem e deve ter também diferenças ocasionadas pela época em que esses colonizadores chegaram.
Sabe-se que, no Brasil, os colonizadores portugueses encontraram-se em presença de populações indígenas (± 300 línguas diferentes), e logo depois vêem-se forçados, pelas exigências dos trabalhos, a importar escravos da África (± 18 milhões). Impunha-se a necessidade de assimilação destes indivíduos e de sua incorporação na cultura portuguesa. Logo, é natural o desenvolvimento entre índios, negros e mestiços uma linguagem rude de gente inculta.
Acredita-se que essa linguagem era influenciada pela língua geral e pelas línguas falares africanas. “Os primeiros textos atribuem aos africanos simplificações da morfologia nominal e verbal portuguesa que outros tantos textos atribuem igualmente aos indígenas” (Castilho, in: Ilari, 1992). Segundo Castro (1980), deve ter existido um “dialeto das senzalas”, espécie de linguagem comum entre negros e índios dada a complexidade lingüística dos africanos e ao hábito português de misturá-los aos índios para impedir revoltas. Sabe-se que era proibido o uso de suas língua maternas e que a grande diversidade de línguas, tanto indígenas quanto africanas, contribuía para o emprego da Língua Portuguesa como sabiam. Castro (1980) salienta que, com o aumento do aportuguesamento dos africanos e da entrada de africanismos no português, um “dialeto português rural” teria sucedido ao “dialeto das senzalas”.
Nas grandes vilas, graças à escola e à influência das altas classes esta linguagem foi sendo pouco a pouco eliminada em proveito duma linguagem mais culta e aperfeiçoada. Nas zonas rurais, entretanto, ela sobrevive ainda, sobretudo nos lugares mais isolados. Como estas vilas primeiro foram fundadas no litoral, como a Cidade de Salvador, é natural que haja diferenças marcantes entre a linguagem urbana e a rural.
Flexor (no prelo) atesta a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa através dos itens 6 a 8 de uma carta de 1759, enviada pelo Governo Português à Capitania de Pernambuco. Nesta carta há, em anexo, uma cartilha da Língua Portuguesa a ser ensinada no Brasil. Necessita-se verificar se tal cartilha está confeccionada sob a égide do Verdadeiro método de estudar, de Verney, conforme afirma Fávero (1996) para as gramáticas anteriormente citadas.
No item 6:
(fl. 3v) “Sempre foi maxima inalteravel entre as Nasçoens, que conquistarão novos dominios introduzir Logo nos Povos novamente Conquistados o seu proprio Idioma por ser indisputavel hum dos meyos mais efficazes para os apartar das Rusticas barbaridades de Seus antigos Costumes, e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que Se introduz nelle o uso da Lingoa do Principe, que os domina, Selhes radica tambem o afecto, veneração, e obediencia; observando pois todas as Nasçoens polidas do Orbe este prudente, e Solido Systema, nesta Conquista Sepracticou tanto pelo Contrario, que Só Cuidarão os primeyros conquistadores de estabelecer nella o uso da Lingoa a que chamão geral, invenção verdadeiramente diabólica para que privados os Indios de todos os meyos, que os podião Civilizar, permanecesem na Rustica, e barbara Sugeição em que até agora SeConservão”.
No item 7:
“Para desterrar este perniciozo abuzo, Serâ hum dos principaes cuidados dos Directores estabelecer nas Suas Respectivas Vilas ou Lugares uso da Lingoa portugueza, não consentindo de modo algum[1], que os meninos, e meninaz, que pertencerem as (fl. 4) Escollas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucção nesta materia, uzem da lingoa propria das Suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente da portugueza na forma que S. Magestade tem recommendado em Repetidas Ordens, que até agora se não observarão com total Ruyna espiritual e temporal do Estado”.
No item 8:
“E como esta determinação hê a baze fundamental, haverâ em todas as Villas, ou Lugares duas Escolas publicas, huá para Rapazes[2], e outra para Raparigas, nas quaes se insignarâ a Douctrina Christaá, Ler, escrever, e Contar na forma que Sepratica em todas as das Naçoens Civilizadas ensignandosse[3] nas Raparigas, aLem da Doutrina cristaã, a Ler, escrever, fiar, fazer renda, Costuras, e todos os mais menisterios proprios daquelle Sexo”.
No item 9:
“Para subsistencia das Sobreditas Escollas haverâ hum Mestre, e huã Mestra, que devem Ser pessoas dotadas de bons Costumes prudencia, (fl. 4v) e Capacidade, de Sorte, que possão desempenhar as Obrigaçoens dos Seus empregos, as quaes Se destinarâ o emolumento de meyo tustão por mês de Cada descipulo[4], e meyo alqueire de farinha por anno na occazião da Colheyta, pago pelos Pays dos mesmos Indios, ou pelas pessoas em cujo poder viverem Concorrendo Cada hum com a porção, que lheCompetir em dinheyro, ou effeitos, o que prezentemente Se Regula em attenção a grande mizeria e pobreza a que Seachão reduzidos: no Cazo porem de não haver nas Villas[5], ou Lugares pessoa alguá que possa Ser Mestra de meninas poderão estas ate a idade de nove annos ser instruidas na dos meninos, na qual se lhes ensignarâ o que a estes deyxo referido para que juntamente com as infaliveis verdades da nossa Sagrada Religião adquirirão com mayor felicidade o uso da lingoa portugueza”.
Ao combater, nos meados do século XVIII, a forma de comunicação utilizada pelos primeiros colonizadores no que tange ao emprego da chamada língua geral e estabelecer como obrigatório para todos o uso da Língua Portuguesa, verifica-se que o uso da língua geral ainda era corrente nesse período. Tal fato corrobora o fato que muito há por fazer no que toca à História do PB.
A depender do momento histórico, dos dados levantados sobre a colonização do Brasil em cada momento e do estágio dos estudos lingüísticos, vários pesquisadores refletiram sobre os vários períodos históricos do PB e apresentaram teorias diferentes sobre a mudança lingüística (cf. Castilho, in: Ilari, 1992):
a) a hipótese evolucionista defende a existência de uma “língua brasileira”. Elaborada durante o primeiro momento da Lingüística Histórica, a qual foi fortemente influenciada pela Biologia Evolucionista. Esta hipótese foi largamente debatida durante o Romantismo. Atenuada a febre nacionalista desencadeada pelo Romantismo, os argumentos, que se baseavam na forte influência do substrato indígena e no superstrato africano sobre o português, foram se esvaziando e sendo substituídos por outras explicações sobre as diferenças entre o PB e o PP;
b) a hipótese crioulista acentua a importância dos contactos lingüísticos no Brasil-Colônia, pois fundamenta-se na fase de bilingüismo dos primeiros tempos. A partir de uma uma forma simplificada de comunicação que objetivava o comércio - o pidgin -, evoluiu para uma forma mais elaborada dessa linguagem de emergência - o crioulo. A partir da segunda metade do século XVII, segundo Silva Neto (1951), começam a surgir as diferenças entre PB e PP. Como conseqüência, têm-se duas tendências antitéticas: inovadorismo devido à base crioula e conservadorismo devido aos falares rurais.
c) A hipótese internalista toma como ponto de partida a deriva, tendência própria dos sistemas a acomodarem-se, independentemente de continuarem em seu berço de origem ou serem transplantados para outros ambientes. Segundo Castilho (In: Ilari, 1992), “na fase atual dos estudos, há mais preocupações em documentar e descriver tanto os crioulos de base portuguesa quanto a problemática sociolingüística do país para melhor entender a mudança do PB”.
Sabe-se que grande parte dos estudos sobre o PB possui como corpus de análise textos oriundos da literatura e/ou documentos e cartas de altos funcionários. Tais textos, na sua grande maioria, pertencem a indivíduos que tiveram acesso a estudos na metrópole.
As Atas do Senado da Câmara não foram redigidas por altos funcionários, mas por escrivães que, como já foi explicitado anteriormente, eram letrados, mas não tinham obrigação de possuir curso especial; aprendiam a profissão na prática; registravam como ouviam ou sabiam, e não se propunham a escrever textos literários, mas transcrever as falas dos vereadores e procurador, todos eles veículos da forma da forma de expressão do povo.
Este estudo, portanto, pretende levantar subsídios que corroborem ou não com as hipóteses correntes, visto que através do levantamento dos verbos existente no corpus de análise, pretende-se verificar a forma como eram efetivamente empregados os verbos em textos não-literários, os quais, dadas às peculiaridades apontadas acima, estão mais próximos da oralidade. Não se propõe realizar um estudo explicativo dos fatos lingüísticos, mas histórico-descritivo, comparativo e quantitativo.
6. BIBLIOGRAFIA PRELIMINAR
CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1986.
CASTRO, Yvo P. Falares africanos na interação social do Brasil-Colônia. Salvador: UFBa, Publ. n. 89.
FARACO, Carlos Alberto. Lingüística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Ática, 1991.
FÁVERO, Leonor Lopes. As concepções lingüísticas no século XVIII: a gramática portuguesa. Campinas: EDUNICAMP, 1996.
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Aprender a ler, escrever e contar no Brasil do século XVIII. São Paulo: Humanistas, 2000. (no prelo)
ILARI, Rodolfo. Língüística românica. São Paulo: Ática, 1992.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. História da língua portuguesa – século XIX. São Paulo: Ática, 1988.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. O português arcaico: morfologia e sintaxe. São Paulo: Contexto; Salvador: EDUFBa, 1993.
MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Princípios de lingüística geral. 6 ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1980.
MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Dicionário de lingüística e gramática. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
PINTO, Rolando Morel. História da língua portuguesa – século XVIII. São Paulo: Ática, 1988.
PRETI, Dino. Sociolingüística: os níveis de fala. 8 ed. São Paulo: EDSP, 1997.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Presença; [Brasília]: INL, 1986.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. 2 ed. Trad. Celso Cunha. Lisboa: Sá da Costa, 1984.
[1] À margem esquerda: “Que não uzem de outro edioma que do Portuges (sic)”.
[2] À margem direita: “Duas escollas para os meninos”.
[3] Grafado com s caudado com som de ss.
[4] À margem esquerda: “A custa de Seus Pays”.
[5] À margem esquerda: “Havendo Só mestre, e não mestra, andarão tão bem as meninas athe a idade de nove annos”.