A INTEGRAÇÃO DAS ADJETIVAS
Mariangela Rios de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
INTRODUÇÃO
Segundo a perspectiva teórica que orienta as pesquisas de nossa comunidade acadêmica no Brasil – Grupo de Estudos Discurso & Gramática, a respeito do português em uso no continente americano, o processo de vinculação oracional configura-se como uma trajetória rumo à crescente integração semântico-sintática dos constituintes aí envolvidos, conforme se encontra em Hopper e Traugott (93), Givón (95) e Martelotta et alii (96). Nessa trajetória, orações pouco vinculadas (paratáticas) originariam orações de integração média (hipotáticas), que, por sua vez, derivariam orações mais encaixadas em conteúdo e expressão (subordinadas).
Em nossa atual pesquisa, desenvolvida no Instituto de Letras da UFF e na Faculdade de Letras da UFRJ, estamos dando continuidade à investigação desse continuum oracional. Cabe-nos, especificamente, expandir a análise do vínculo oracional adjetivo, desdobrado em seus distintos níveis de integração. Trata-se, funcionalmente, de testar a hipótese da mudança do domínio da atribuição (mais acessório e desvinculado) para o da definição (mais essencial e integrado).
Abordamos esses níveis numa perspectiva pancrônica, representada pela combinação de dados diacrônicos e sincrônicos, no entendimento de que os fatos lingüísticos tendem ao uniformitarismo (Labov, 95; Romaine, 82). Assim, para a investigação da trajetória cumprida pelas adjetivas em português, partimos de fontes representativas de distintas sincronias da língua, com ênfase nos estágios em que se encontra esse processo em uso atualmente no Brasil.
Para o trabalho ora apresentado, selecionamos dados dos seguintes corpora: Vita Christi, tradução portuguesa, de 1495, do original latino, de 1344; Crônicas de Dom Pedro, de Fernão Lopes, material editado em 1816; Inquérito D2 – nº 20, do Projeto NURC/RJ, diálogo gravado nos anos 70; Corpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita na cidade de Juiz de Fora, organizado na presente década; e editoriais publicados pelo Jornal do Brasil nos meses de agosto a setembro de 1997. Objetivamos, com essas fontes, atender à proposta pancrônica de nossa investigação.
A partir de análise empírica, estamos propondo e testando uma escala de integração de sentido e de forma desse tipo de arranjo sintático, com base em quatro variáveis: informatividade do SN atribuído, genericidade da adjetiva, presença de pausa entre o SN atribuído e a adjetiva e inserção de constituintes entre o SN atribuído e a adjetiva ou entre o relativo e a adjetiva. Como se trata tais variáveis de evidência de baixa integração, estamos pontuando cada uma delas com valor 1 (um), em caso de ocorrência, e com valor 0 (zero) quando da não ocorrência.
Desse modo, expandimos a clássica divisão das adjetivas em explicativas e restritivas para um continuum de integração com, pelo menos, cinco pontos de aglomeração, do menos para o mais integrado, respectivamente: grau 4 > grau 3 > grau 2 > grau 1 > grau 0. Consideramos as estruturas de grau 4 e 3 como estágios de menor vinculação oracional, representativos de modelos da fase inicial da trajetória de vinculação adjetiva, eminentemente hipotática; o grau 2 como espaço intercategorial, intermediário; e os graus 1 e 0 situados já no nível da subordinação, com alto índice de encaixamento.
ENFOQUE PANCRÔNICO
Em português, o termo mudança tem a ver com remoção, deslocamento, substituição, transferência, enfim, trata-se do desvio de um elemento de um ponto A para um ponto B. Em termos de análise funcional, mudança tem sido associada diretamente à teoria da gramaticalização, que representa um processo lingüístico unidirecional em que itens lexicais referem-se progressivamente a valores mais abstratos ou complexos, fixando posição e assumindo funções gramaticais, no nível da sintaxe, da morfologia ou da morfofonologia (Martelotta et alii, 96).
Em língua, mudança não significa algo cabal e absoluto; pelo contrário. Por se tratar a gramaticalização de um processo contínuo, composto por diversos estágios, a questão da mudança lingüística reveste-se de grande complexidade, uma vez que todo esse processo recebe influência de uma série de fatores.
Com o desenvolvimento dos estudos de gramaticalização, o conceito de mudança foi redimensionado. Além dos clássicos processos de convencionalização de itens lexicais em gramaticais – a gramaticalização stricto sensu, o escopo da gramaticalização passou a incluir a reanálise de padrões discursivos em gramaticais e trajetórias de estruturas já sistematizadas em outras de maior regularização – a gramaticalização lato sensu. Assim, a teoria funcionalista apresenta não uma, mas algumas possibilidades de motivação da mudança lingüística.
Hopper (91) aponta, com base em cinco princípios, os estágios caracterizadores da fase inicial da gramaticalização. Os princípios de Hopper assim de definem: a) camadas: emergência ou coexistência de formas mais antigas e recentes numa determinada sincronia com funções similares; b) divergência: pares de formas de etimologia comum e de funcionalidade diversa; c) especialização ou generificação: redução de variantes, com estreitamento de possibilidades combinatórias; d) persistência: tendência à manutenção de traços lexicais antigos em formas gramaticalizadas, que conduz à polissemia; e) decategorização: ao se gramaticalizarem, as formas tendem a perder os traços das categorias mais lexicais, ou plenas, e a assumir marcas de categorias secundárias.
Essa flexibilização do conceito de gramaticalização tem feito com que redimensionemos o fator tempo na pesquisa funcional. Adotamos, conforme Labov (95), o princípio do uniformitarismo lingüístico. Nesse sentido, entendemos que as mudanças ocorridas ao longo da trajetória histórica de uma língua são as mesmas encontradas em cada uma de suas sincronias e as mesmas que tenderão a continuar ocorrendo em fases subseqüentes. Procuramos, assim, superar a clássica dicotomia sausseriana diacronia x sincronia, no que temos denominado enfoque pancrônico da análise funcional. Nessa abordagem, conjugamos a investigação histórica dos fatos lingüísticos à descrição interpretativa sincrônica, numa interação que intenta analisar de forma mais global e densa os fenômenos de mudança nas línguas.
Dentre os fatores que nos conduziram à opção pela abordagem pancrônica, citamos, de acordo com Furtado da Cunha et alii (99): a) o resgate da diacronia, no entendimento de que interpretações funcionais e tendências naturais são mais adequadas à explicitação da mudança lingüística do que o excesso de formalismo, de leis fixas e rígidas; b) o aumento do poder explanatório da teoria lingüística; c) o destaque do dinamismo da análise lingüística, devido aos fatores de ordem comunicativa ou cognitiva subjacentes ao significado gramatical; d) a ênfase da não estabilidade dos sentidos ao longo da trajetória lingüística; e) a proposição de generalizações sobre rotas e trajetórias de sentido e de forma, num enfoque translingüístico.
Nessa perspectiva analítica, tempo passa a ser considerado como mais um fator, não único, envolvido nas questões de mudança. A seu lado, posicionam-se outros fatores relevantes, como aqueles relativos à esfera cognitiva (processos metafóricos e metonímicos, construção de espaços mentais, saliência perceptual) e à esfera pragmático-comunicativa (freqüência de uso, relevância informacional, adequação semântica, tipo de texto, modalidade). Assim, para a análise funcional, a complexidade da mudança lingüística já se configura a partir dessas três dimensões: tempo, cognição e discurso, cujos limites freqüentemente são pouco visíveis.
VINCULAÇÃO ORACIONAL ADJETIVA
Conforme preconiza a perspectiva funcional, o conteúdo motiva a expressão, a semântica se reflete na gramática, as formas lingüísticas são resultantes de significados que se cristalizam e ritualizam pelo uso no trato social, de acordo com Haiman, 94. Em termos de sintaxe oracional, a correlação icônica função-forma se evidencia sobretudo na observância dos níveis de encaixamento das orações: do menor ao maior nível de integração. Estabelece-se, nesses termos, o continuum crescente, conforme postulam Hopper e Traugott (93):
parataxe > hipotaxe > subordinação
- dependente + dependente + dependente
- encaixada - encaixada + encaixada
Configura-se, assim, um declive unidirecional no sentido de maior vinculação semântico-sintática, em que se acentuam combinatoriamente a dependência de conteúdo e a unidade gramatical.
Em relação às adjetivas, teria havido a derivação funcional atribuição > definição, acompanhada da derivação estrutural cláusula explicativa > cláusula restritiva. Essa mudança, que não anula a produtividade da forma originária, seria responsável pela distinção de freqüência e de funcionalidade de tais estruturas no estágio atual do português. Teríamos assim uma expressão categórica de origem mais antiga, menos integrada do ponto de vista semântico-sintático - a explicativa; e outra mais recente, derivada daquela, uma organização sintática subordinada ao SN a que se refere e de maior ocorrência - a restritiva. Em meio às duas expressões básicas, estaria situada uma série de construções no trânsito da mudança lingüística, em posição marginal.
A distinção dos domínios funcionais atribuição x definição corresponde ainda à alternância do papel do relativo nesse processo, do peso dessa partícula (Hawkins, 83). Combinações oracionais de menor elo semântico-sintático tendem a se organizar por intermédio de conectivos pesados, mais explícitos e de maior autonomia; já os arranjos de vinculação acentuada utilizam-se de elos leves, mais gramaticalizados, menos autônomos do ponto de vista conceitual e formal. Nesse sentido, o chamado pronome relativo, rótulo tradicional que informa sua dupla funcionalidade (refere-se ao antecedente e estabelece conexão), atua conforme o tipo de vinculação estruturada. Nas adjetivas menos integradas, seu papel é basicamente pronominal; nas cláusulas de maior integração, a função relacional prepondera.
Procuramos, assim, tratar o vínculo oracional adjetivo como um gradiente, um continuum cujos pontos extremos seriam, respectivamente, as orações menos integradas à principal, ou explicativas, que estariam no nível da hipotaxe, e as mais integradas à principal, ou restritivas, no nível da subordinação. Com tal proposta, esperamos superar a dicotomia explicação x restrição, observando esses grupos como categorias não-discretas, que possuem um eixo central, em que se situam os traços básicos de cada classe, e pontos intermediários e marginais, nos quais se encontram formas pouco categóricas, que fogem ou tangenciam o eixo central, situando-se no trânsito da mudança lingüística. O esquema seguinte representa a categorização referida:
A B
------------------------------------------------------------------------->
HIPOTAXE SUBORDINAÇÃO
A proposição das categorias adjetivas assim representadas pode dar conta de um processo contínuo de integração semântico-sintática cumpridor de trajetórias cujos pontos extremos podem se resumir nos seguintes:
HIPOTAXE ------------------------------- >SUBORDINAÇÃO
discurso ------------------------------------- >gramática
modo pragmático --------------------------- > modo sintático
aposição ---------------------------------- > encaixamento
explicação ------------------------------- > restrição
elo pronominal -------------------------- > elo relacional
Esse quadro de complexidade funcional e formal das adjetivas identifica-se com a proposta de Hopper (91), segundo a qual, nas etapas de gramaticalização, estão previstas contrastiva e complementarmente fases de persistência e de especialização das expressões lingüísticas. Tal configuração ratifica também a questão da não linearidade da mudança lingüística, justificando a abordagem pancrônica na investigação desse arranjo sintático.
VARIÁVEIS DO CONTINUUM ADJETIVO
Na proposta de uma escala de integração das adjetivas, adotamos aquelas variáveis que, no estágio atual de nossas pesquisas, têm se mostrado mais relevantes e produtivas. A ordem de apresentação das mesmas segue a seqüência: em primeiro lugar, as de ordem semântica (variáveis A e B), a seguir, prosódico-sintáticas (variáveis C e D).
A. Informatividade do SN antecedente
Quanto mais indefinido, genérico ou abstrato for o termo que recebe a atribuição, maior a tendência para o uso adjetivo encaixado ou restritivo. A informação veiculada pela adjetiva faz o recorte identificador do SN, num papel fundamental para a especificação do mesmo, portanto, mais integrado formalmente também – valor 0. Já o maior nível de informação do SN tende a tornar mais dispensável ou acessória a adjetiva, motivando, assim, a hipotaxe explicativa – valor 1.
Em termos formais, observamos que a informatividade maior tende a se relacionar a nome próprio (pessoa, região, instituição), no singular (mais individualizado, portanto), a que se podem acrescentar determinantes (atributo, dêitico, numeral, dentre outros). Por outro lado, a menor informatividade refere-se formalmente a substantivos de significação imprecisa (abstratos, coletivos, indefinidos), não raro no plural (o que reforça a generalização) e desacompanhados de maior determinação (em geral, apenas o artigo os antecede).
Valor 1 (presença de informatividade do SN):
(1) ... tomemos comêço na divinal geeraçom de Jesu Cristo, da qual o evangelista Sam Joan specialmente fala, porque... (Vita Christi)
(2) Camaçari e Uratu, onde fica o maior porto baiano, receberão as novas
fábricas das coreanas Asia Motors e Hyundai. (Editorial JB)
Valor 0 (ausência de informatividade do SN):
(3) Tem alguma coisa que separa a casa da rua? (Inquérito 20)
(4) ... os advogados... que é a minha classe... são/ é uma classe super desacreditada... entendeu? (Corpus Juiz de Fora)
B. Genericidade da adjetiva
Esta variável relaciona-se com a anterior e se refere à menor relevância do conteúdo da oração que funciona como atribuição. Nos casos de hipotaxe – valor 1, mais raros na grande maioria dos corpora até o momento pesquisados, a genericidade da adjetiva é maior - a informação é secundária e menos relevante, uma vez que o SN antecedente já se encontra mais recortado e definido. Temos comprovado evidências de motivação discursiva para a baixa informatividade da adjetiva, que tenderia a ocorrer como estratégia de argumentação, de convencimento.
Já na subordinação – valor 0, o significado da adjetiva torna-se mais fundamental e saliente, integrado que está ao conteúdo veiculado pelo termo antecedente, funcionando na compensação da generalidade, abstração ou indefinição do mesmo. Pela alta freqüência com que ocorre tal estrutura, entendemos ser esse o modelo regular e sistemático com que a comunidade lingüística brasileira articula a sintaxe adjetiva. Podemos, portanto, considerá-lo o modo gramatical da cláusula adjetiva.
Valor 1 (presença de genericidade da adjetiva):
(5) Em começo era o Verbo, scil., em êsse Deus, que de todos e havudo por primeiro princípio necessàriamente; (Vita Christi)
(6) Por trás de cada vândalo adolescente existe um responsável que tem de responder por ele. (Editorial JB)
Valor 0 (ausência de genericidade da adjetiva):
(7) Assi como este Dom Pedro era mador de trigosa justiça naqueles que achado era que o mereciam, ... (Fernão Lopes)
(8) O Brasil que recebeu as montadoras nos anos 50 era essencialmente agrícola, com 55% da população vivendo no campo. (Editorial JB)
A respeito de (8), é interessante notarmos como o encaixamento da adjetiva recorta e se integra ao SN O Brasil. Não se trata de atribuição genérica ao país como um todo; mas sim de um território numa época e em condições específicas (que recebeu as montadoras nos anos 50). Exemplos como esse, em que se combinam informatividade do SN (menor integração – valor 1) e relevância da adjetiva (maior integração – valor 0), evidenciam a importância do tratamento escalar, da combinação de variáveis, para a análise aqui proposta.
C. Pausa
De acordo com a orientação funcionalista, quanto mais unidos no plano conceitual estiverem dois termos, mais estarão próximos na ordem linear da expressão lingüística. Segundo esse princípio, uma das marcas formais da maior integração semântico-sintática no encaixamento de orações é a proximidade entre as estruturas oracionais envolvidas nesse processo. A pausa, representada na modalidade escrita geralmente pela vírgula, é um fator de quebra dessa unidade. Assim, a hipotática adjetiva, como organização sintática de menor integração, costuma estar margeada por pausa (valor 1), enquanto a subordinada, pelo vínculo mais estreito em relação ao SN antecedente, tende a se ligar a este diretamente, sem pausa, numa única seqüência (valor 0).
Os exemplos anteriores confirmam a estreita relação entre presença de pausa e quebra de vínculo. Em (1), (2) e (5), orações em que predominam traços de menor encaixamento, verifica-se a pausa como uma marca estrutural ratificadora da menor integração semântico-sintática. Já nas seqüências (3), (7) e (8), em que prevalece o maior encaixamento, não há pausa, o que confirma a maior proximidade de sentido e forma entre a principal e a adjetiva.
Como estamos propondo tratar as adjetivas como um continuum pancrônico de integração, é interessante a observação dos exemplos (4) e (6). No primeiro, a presença de pausa (valor 1) se combina com a pouca informatividade do SN (valor 0). Em (6), ao contrário, a ausência de pausa (valor 0) se articula à genericidade da adjetiva (valor 1). Estruturas como essas são entendidas como não categóricas, em posição marginal, desprovidas dos traços prototípicos da hipotaxe ou da subordinação.
D. Inserção
Esta variável refere-se também à questão da proximidade como fator de aferição do nível de vínculo da adjetiva. A presença de inserção (valor 1), assim como a pausa, interfere no processo de integração, comprometendo a subordinação. A ocorrência de termo(s) entre o SN e o relativo ou entre o relativo e a estrutura adjetiva diminui o elo semântico-sintático entre as orações, na medida em que altera a ordem linear que caracteriza o encaixamento prototípico, de cunho mais gramatical, que é substituído por arranjos de natureza discursiva, relativos a questões de ordem macrossintática, como tipo de texto e modalização, por exemplo. A presença formal da inserção representa o acréscimo de informações relacionadas a circunstâncias (de tempo, conformidade, intensidade, etc), a comentários avaliativos, a estratégias de convencimento ou de interação (marcadores conversacionais, operadores discursivos). A inserção causa distanciamento em dois níveis: no semântico, ao tornar o conteúdo da adjetiva menos essencial para o recorte definidor do antecedente; no sintático, ao afastar a adjetiva dos elementos a ela relacionados mais estritamente (SN ou relativo).
O exemplo (9) apresenta inserção de uma informação paralela entre o qual e a adjetiva:
(9) Esta foi figurada per a filha del-rei Astiage, o qual, segundo se diz na Stória Escolática, viu em visom que do ventre de sua filha nascia ua virgem mui fremosa... (Vita Christi)
Em (10), a inserção do marcador né? distancia o SN da adjetiva:
(10) ... você pode ser útil... ajudando muitas pessoas... principalmente pessoas carentes... né? que hoje tão sofridas aí com... a situação do país... (Corpus Juiz de Fora)
ÍNDICE DE INTEGRAÇÃO DAS ADJETIVAS - UMA PROPOSTA
Comentadas as variáveis e atribuídos seus valores correspondes - 1 ou 0, conforme, respectivamente, a presença ou a ausência do traço específico, passamos a apresentar, a título de demonstração, o quadro geral de pontuação, que afere o grau de integração semântico-sintática dessas adjetivas. Na vertical, situam-se as orações em análise, numeradas conforme são referidas na seção anterior, de 1 a 10; na horizontal, distribuem-se as variáveis também como são tratadas acima, em maiúsculas:
Distribuídas pelo continuum de vinculação proposto, teríamos essas orações localizadas nos seguintes pontos de aglomeração:
HIPOTAXE ------------------------------------------------- > SUBORDINAÇÃO
Grau 4 Þ Grau 3 Þ Grau 2 Þ Grau 1 Þ Grau 0
integração integração integração integração integração
mínima baixa média alta máxima
[9] [1][2][5][10] [4][6][8] [3][7]
A observação dos resultados a que chegamos enseja alguns comentários. O primeiro deles diz respeito à natureza escalar da organização oracional em estudo. Ao contrário do que sugere a tradição gramatical, constatamos que as adjetivas não se situam tão absoluta e completamente nas categorias explicativa ou restritiva, mas distribuem-se numa escala, com graus variados de vinculação à principal.
Por outro lado, o fato de não termos atribuído, nas estruturas aqui analisadas, o grau 2 (integração média), ilustra a tendência a uma certa polarização desse arranjo sintático. Em outras palavras, embora de forma não categórica, as adjetivas tendem a se situar em pontos de integração de maior visibilidade: mínima / baixa ou máxima / alta, conforme a distribuição aqui apresentada, evitando-se o grau 2, de natureza nitidamente intermediária.
Em termos de regularidade, poderíamos dizer que os graus 1 e 0, respectivamente, integração alta e máxima, são os mais encontrados nos corpora com que temos trabalhado, o que confirma ser esse o tipo de vinculação preferencial dentre os usuários do português na América, a forma não-marcada por intermédio da qual se articula a oração adjetiva. Desde a Carta de Caminha, conforme atesta Barreto (96), verifica-se em território brasileiro a grande ocorrência da subordinação face à hipotaxe. Ou seja, o modelo regular de uso oracional adjetivo transplantado para o Brasil já seria o de maior vinculação, o ponto de maior integração – a subordinação.
Em termos de freqüência, a variável D (presença de inserção) é a mais esporádica, ratificando a proximidade de sentido e de forma dos termos envolvidos nesse processo de vinculação. As variáveis A (informatividade do SN) e B (genericidade da adjetiva) tendem a atuar em conjunto – a presença de uma enseja a presença da outra e vice-versa; a não observância dessa correspondência, em geral, se deve à fatores de ordem discursivo-pragmática, que costumam afetar a subordinação adjetiva.
Os dados apontam ainda para a atuação pancrônica dos processos de vinculação adjetiva. Estruturas oracionais menos integradas, em princípio, representantes de estágios hipoteticamente iniciais de vinculação adjetiva, surgem também na sincronia atual. Nos dados em análise, é atribuído grau 3 (integração baixa) não só para as estruturas [1] e [5], extraídas de Vita Christi, como também para as de número [2] e [10], levantadas, respectivamente, de textos escritos e orais da comunidade lingüística brasileira nos anos 90. Em contrapartida, o exemplo [7], colhido em Fernão Lopes, obra representante de sincronia mais antiga, recebe o grau 0 (integração máxima), à semelhança de [3], estrutura do português em uso atualmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na constatação da pancronia que marca o fenômeno da vinculação adjetiva, perguntamo-nos: além da dimensão temporal, que outro fator poderia estar atuando na constante atualização da hipotaxe adjetiva? Se não se trata tão somente de questão histórica, o que motivaria esses usos tão atuais correspondentes a estágios mais primários de organização desse arranjo sintático? Por outro lado, como justificar a ocorrência acentuada da subordinação, considerada estágio mais tardio de integração oracional, em obras do português arcaico?
Temos encontrado resposta para essas inquietações quando observamos o componente discursivo, a interferência do contexto pragmático-comunicativo na configuração dessas estruturas. Em trabalho que obteve a primeira colocação na Jornada de Iniciação Científica de nossa universidade, Kenedy (99) analisa interpretativamente o vínculo oracional adjetivo, adotando como corpora Vita Christi e Fides et Ratio, a última carta encíclica de João Paulo II, de 98. O autor conclui que a distinção funcional do uso adjetivo tem a ver com a natureza argumentativa de cada um desses textos: o primeiro, basicamente doutrinário, fala aos hereges, com alta freqüência de hipotaxe; o segundo procura maior isenção, utilizando-se de artifícios lingüísticos mais neutros, articulado basicamente por intermédio da subordinação.
De fato, temos observado que os contextos favorecedores de menor integração semântico-sintática das adjetivas são aqueles em que prevalece a marca dissertativo-argumentativa. Para além da dimensão histórica, seqüências de opinião, de defesa de ponto de vista, de convencimento ou de persuasão configuram-se como ambientes propícios à articulação hipotática. Esse tem sido o objetivo atual de nossa pesquisa: investigar a interferência dos fatores discursivos na organização gramatical; verificar como e em que medida motivações pragmático-comunicativas concorrem para a sistematização lingüística.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, T. Construções relativas. IN: MATTOS E SILVA, R. (org) A carta de Caminha: testemunho lingüístico de 1500. Salvador: Ed. da UFBA, 1996.
FURTADO da CUNHA, M. et alii. A interação sincronia/diacronia no estudo da sintaxe. IN: D.E.L.T.A. vol. 5, nº 1. São Paulo: PUC/SP – UNICAMP, 1999.
GIVÓN, T. Functionalism and grammar. Amsterdam: Benjamins, 1995.
HAIMAN, J. Ritualization and the development of language. IN: Perspective on grammaticalization. Amsterdam: Benjamins, 1994.
HAWKINS, J. Word order universals. New York: Academic Press, 1983.
HOPPER, P. On some principles of grammaticalization. 2º vol. IN: TRAUGOTT, E. & HEINE, B. (org). Approaches to grammaticalization. Amsterdam: Benjamins, 1991.
HOPPER, P. & TRAUGOTT, E. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
KENEDY, E. O papel das orações adjetivas em textos argumentativos. Niterói: UFF. Inédito, 1999.
LABOV, W. Principles of linguistic change. Vol. 1: Internal factors. Cambridge: Blackwell, 1995.
MARTELOTTA, M. et alii (org) Gramaticalização no português do Brasil – uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.