FUNDAMENTOS LINGÜÍSTICOS DA TERMINOLOGIA

Nelly Medeiro de Carvalho (UFPE)

 

A terminologia, não pode ser identificada apenas como nomenclatura técnico-científica, pois integra a descrição também da prática tecnológica, isto é, da ação sobre as coisas. Não se trata, portanto, de um aspecto puramente lingüístico C do signo isolado do referente, no aspecto histórico-conceitual, nem do conceito isolado do signo. A significação integra o processo de comunicação e supõe, segundo Schat, três elementos:

 

1 – dois interlocutores;

2 – o objeto, nomeado pelo signo;

3 – o signo, transmissor de informações.

 

Nesse esquema, aplicado à terminologia, os interlocutores são os especialistas, o objeto faz parte do domínio do conhecimento, e o signo é uma referência direta.

O procedimento de predicação transforma-se sempre em um sintagma, onde o determinante especifica o tipo e a qualidade do determinado: trem-bala; navegação-aérea.

Na forma de locução, ela é produto de uma relação predicativa, em que o sintagma é fruto de uma forma transformada da sintaxe do discurso: avião-a-jato; ogiva-nuclear.

A unidade-terminológica apresenta traços comuns com o vocabulário geral, com a predicação nominal e a verbal.

A homonímia ou a polissemia da unidade terminológica é desfeita pela predicação.

A fonte (palavra do vocabulário geral), conforme a predicação, pertence a áreas diversas. Por exemplo, fonte em “fonte-energética”.

Para Guilbert, o termo especializado neológico procede de um discurso que apresenta e descreve o objeto novo. Ex: aparelho de ar condicionado, ilha energética, avião a jato.

As normas de uso de descrição asseguram a melhor utilização possível dos termos para evitar qualquer ambigüidade na comunicação.

A sinonímia, através de perífrases e de paráfrases, é parte integrante do discurso técnico ou científico que utiliza descrições e aproximações sucessivas, antes de explicar a denominação.

Esse procedimento é a prática corrente enciclopédica dos dicionários técnicos.

O objeto ou a experiência serve de proposição de base, e a noção é transmitida de descritores, isto é, segmentos lingüísticos que a transmitem a nós. Quando o termo técnico a ser nomeado é importado de outra língua e cultura, surgem os problemas de tradução. Se o termo técnico corresponde, de uma maneira unívoca, a um referente conceptual ou real, pode haver dois tipos de solução:

· o termo da língua-fonte passa a ser indissociavelmente ligado ao objeto, ou seja, é intraduzível: vídeo-tape, hardware, software;

· a tradução é feita na língua com termos equivalentes em vista do princípio de univocidade. Ex: airplane / aeroplano; sleeper / dormentes; espaçonave / space ship.

 

Nem sempre, contudo, essa tradução resulta ideal e, por isso, não têm êxito no uso, uma vez que cada denominação é estreitamente ligada ao tipo de estrutura sintática da língua. Ex: decibilímetro.

 

 

ASPECTOS NEOLÓGICOS

 

Embora o pensamento dominante seja de que a ciência e a técnica são os domínios da objetividade, isto nem sempre é verdade. Ambas podem Ter, em sua raiz, um viés ideológico. Pesquisas são feitas sempre visando ao interesse dos países dominantes e, assim, os campos técnicos desenvolvidos são os que possam favorecer estes interesses. O levantamento das diversas funções da terminologia permitem a sua dimensão social.

A terminologia, denominando o objeto, segundo Guilbert desempenha as seguintes funções:

enumerativa – classificação e nomenclatura;

cognitiva – designação e comunicação;

documentária – enquadramento do termo em determinado domínio;

neológica – realização técnica e científica nova;

jurídica – apropriações e contratos;

publicitária – conquista de clientela;

comunitária – expressão coletiva de acordo com o sistema.

A terminologia, assim, não pode estar dissociada das forças produtivas associadas e, dessa forma, não é neutra, pois é elaborada por uma parte menor das forças produtivas: a classe social dominante, os tecnocratas.

O signo, isto é, o significante e a sua sintaxe, apoia-se em um conhecimento anterior do conteúdo a ser expresso. Os termos são formados pelos teóricos, utilizando raízes gregas e latinas já conhecidas e divulgadas no ramo do saber. O lingüista, geralmente, apenas analisa e aprova/desaprova a escolha, examinando as suas repercussões no sistema lingüístico.

Dessa forma a terminologia entra no domínio da política das línguas nacionais, para definir o limite de tolerância do sistema lingüístico e cultural, afim de que se adotem medidas regulamentares e que se evitem atitudes descabidas. A terminologia torna-se, assim, o campo da rivalidade e da dominação política e econômica.

Os grandes aliados da dominação são os executivos, pois, para eles, facilita bastante a adoção rápida de novos termos-empréstimos.

O uso generalizado de raízes greco-latinas corresponde ao desejo da universalidade na terminologia técnico-científica, porém há sempre a necessidade de tradução e de adaptação na língua-alvo, por mínima que seja.

 

 

ASPECTOS LEXICOGRÁFICOS

 

A análise das unidades terminológicas tem um carácter binário, isto é, ela se efetua do ponto de vista do significante (forma) e do significado (conceito), por isso inclui as relações palavras/frase/enunciado, língua/pensamento, língua/realidade extra-lingüística. Assim a terminologia está ligada às seguinte ramificações da lingüística:

· lexicografia e lexicologia;

· semântica;

· sociolingüística;

· lingüística aplicada.

 

Mas, como a terminologia é baseada essencialmente no léxico, criando o léxico especializado – a sua base é a lexicografia.

O termo técnico mantém uma ligação real e unívoca com o objeto e , por essa razão, não pode ser descrito e estudado da mesma forma que um termo da língua comum. Assim, a terminologia técnica faz parte do domínio da lexicografia, porém de uma lexicografia diferenciada – “técnica”, por assim dizer.

O termo dicionarizado constitui uma unidade léxica extraída do enunciado, podendo ser submetida a uma análise sintática e semântica no discurso onde é usada. Essa análise indica o nível sociolingüístico do eventual emprego.

Já o termo técnico é o suporte da noção que descreve e define na sua totalidade, e tal princípio acarreta conseqüências, por diferir da descrição do termo comum.

A classificação alfabética, usada na lexicografia da língua comum, não pode ser utilizada, pois não tem coerência e não favorece a aproximação de domínios específicos. A entrada não deve se basear no termo, mas no domínio de conhecimento.

A descrição do léxico terminológico não visa ao estudo da língua em si, ele é, por definição, especializado num domínio delimitado, cujos termos não podem ser polisêmicos e remeter a vários domínios. A entidade lexical terminológica pode ser constituída por um sintagma mais ou menos desenvolvido e não somente por um termo.

O termo técnico-científico – como signo – é acompanhado de uma descrição que tem o duplo aspecto de uma proposição ligada a um termo de compreensão mais ampla e de descrição do objeto com o uso da linguagem comum.

Assim, até no tratamento lexicográfico, o termo técnico científico exige uma técnica específica.

 

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS

 

Como já vimos, os métodos da terminologia e da lexocografia diferem em alguns pontos, sobretudo no objetivo e na óptica. Enquanto a lexicografia é descritiva, a terminologia é normativa. Na lexicografia terminológica, a tendência é de normatização em todos os aspectos do trabalho, havendo dois tipos de pesquisa: a temática e a pontual.

A terminologia pontual tem por fim fornecer respostas de qualidade a questão específicas.

A terminologia temática estabelece, de forma exaustiva, o conjunto de termos, noções ou denominações ligadas a um domínio.

Na pesquisa terminológica, temos como fases definidas a coleta, o tratamento de dados e a difusão dos termos.

Na metodologia da terminologia pontual, cumprem-se as seguintes etapas, fundadas numa terminologia bilíngüe.

1 – estabelecimento de um macro-contexto;

2 – estabelecimento de um micro-contexto;

3 – consulta a um banco de termos;

4 – delimitação mais precisa da noção por meio de análise documentária e consulta especialistas;

5 – estabelecimento de uma equivalência nacional na língua alvo;

6 – estabelecimento de uma equivalência de denominação.

 

Na metodologia da terminologia temática, há dois tipos de ação:

· a onomasiológica – que cria novas nomenclaturas;

· a semasiológica – que utiliza métodos lexicográficos e lexicológicos.

 

As etapas do trabalho terminológico temático são as seguintes:

· escolha do domínio da língua do trabalho

· consulta aos especialistas;

· coleta de informação;

· expansão da representação do domínio escolhido;

· estabelecimento dos limites da pesquisa;

· coleta e classificação de termos;

· verificação e classificação das duplas – noção/denominação;

· trabalhos de apresentação dos dados comprados.

 

Concluindo, fica estabelecido que a terminologia é, dessa forma, uma ciência de bases lingüísticas, com características próprias, com finalidades imediatas e práticas.

Por tais razões, constitui um ramo da Lingüística que, ligado à política da língua, só pode ser desenvolvida e aplicada com o apoio de organismos públicos que lhe concedem recursos financeiros às pesquisas e trabalhos terminológicos, respaldem e ratifiquem o uso, a implantação e a adoção dos termos levantados.