EDIÇÃO CRÍTICA DOS SONETOS DE GREGÓRIO DE MATOS PREPARADA PELO PROF. FRANCISCO TOPA

José Pereira da Silva (UERJ)

Graças à velocidade que a informática vem proporcionando às atividades de pesquisa a partir dos últimos anos deste século, a edição crítica da obra de Gregório de Matos está prestes a deixar de ser um sonho e já começa a se tornar realidade.

O Prof. Dr. Francisco (José de Jesus) Topa, da Universidade do Porto (Portugal), reuniu 291 sonetos em 295 códices da obra poética de Gregório sendo 37 deles (contendo 48 volumes) caracterizados como principais, por trazerem apenas trabalhos a ele atribuídos ou por lhe consagrarem uma seção autônoma ou uma produção quantitativamente representativa, e 258 caracterizados como secundários, por se tratar de documentos soltos ou miscelâneas em que se encontram textos em número muito reduzido, a partir dos quais preparou sua edição crítica.

Para recordar, Gregório de Matos e Guerra nasceu na Bahia em 1636, de uma família portuguesa de senhores de engenho. Graduou-se aos 25 anos em Direito Canônico pela Universidade de Coimbra e ocupou diversos cargos na justiça portuguesa por mais de duas décadas, vindo para sua terra natal aos 46 anos, onde desenvolveu sua atividade poética, desentendendo-se diversas vezes com as autoridades por causa de suas impiedosas sátiras até ser degredado para Angola (1694). Retornando ao Brasil, viveu em Recife o último ano de sua vida. onde morreu em 1696.

EDIÇÃO CRÍTICA

DA OBRA POÉTICA DE GREGÓRIO DE MATOS

O trabalho de Francisco Topa merece todos os louvores e aplausos dos estudiosos da literatura brasileira e não se pode deixar de incentivar o corajoso pesquisador a continuar buscando soluções para essa teia tão emaranhada de dificuldades que é a obra de Gregório de Matos.

Encontrar defeitos na edição de Topa não será um trabalho que mereça louvores, porque são numerosas as suas falhas, quase todas justificadas plenamente pela carência de tempo e pessoal, dado ter sido elaborada como projeto de tese de doutorado. Encontrar ou sugerir soluções viáveis e seguras para os problemas mal resolvidos pelo editor de Maia é que será uma excelente contribuição para o desenvolvimento das pesquisas das letras lusofônicas no século que bate às nossas portas.

A primeira edição crítica de parte considerável da obra do “Boca do Inferno” traz delineados alguns problemas que precisam ser estudados e resolvidos: alguns, mal resolvidos; outros apenas lembrados e outros ainda, nem isso.

Nesta comunicação, nem mesmo pretendemos apresentar sugestões editoriais ao amigo Francisco, queremos apenas divulgar o seu trabalho para que os interessados busquem conhecê-lo e partir daí em busca das soluções almejadas por todos nós, historiadores, literatos e filólogos.

PROBLEMAS

DA EDIÇÃO DA OBRA DE GREGÓRIO DE MATOS

O Francisco Topa, quando registrou sua “Dissertação de Doutoramento em Literatura Brasileira apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto” com o título de Edição Crítica da Obra de Gregório de Matos, não acreditava, provavelmente, na informação que tinha relativamente às dificuldades envolvidas na tarefa a que se propôs. Esta é a hipótese mais provável, entre outras que se podem relacionar, sem contar com o seu depoimento pessoal, que apresentará no IV Congresso Nacional de Lingüística e Filologia, em agosto, quando falará sobre o assunto.

O título do projeto de Francisco Topa é sabidamente inexeqüível, consideradas as restrições que norteiam uma pesquisa de tese. E isto já prejudicou o projeto de EDIÇÃO DIPLOMÁTICA DOS CÓDICES ATRIBUÍDOS A GREGÓRIO DE MATOS, para o qual a FAPERJ recusou aprovação de auxílio, alegando que projeto idêntico estava sendo executado por Francisco Topa em Portugal e por Fernando da Rocha Peres na Bahia, e, talvez, o projeto de EDIÇÃO CRÍTICA DA OBRA ATRIBUÍDA A GREGÓRIO DE MATOS, aprovado pela Academia Brasileira de Letras, mas ainda sem a disponibilização dos recursos para implementação.

É claro que, se a assessoria da FAPERJ estivesse informada de que Topa só preparava a edição dos sonetos e de que Fernando Peres trata apenas do aspecto histórico da vida e obra de Gregório de Matos, a avaliação poderia ter sido outra.

Aqui no Brasil, um projeto de tese com esta proposta seria recusado, provavelmente, visto que uma das normas mais preliminares de um projeto é ser exeqüível.

Como um doutorando tem prazo máximo limitado a quatro anos e meio para concluir sua pesquisa e defender sua tese, nem mesmo a edição crítica de parte substancial da obra de Gregório de Matos, como é o caso dos sonetos, que equivalem a nove por cento da sua produção, poderia ser executada por um único pesquisador, sem uma séria limitação previsível.

DIFICULDADES NA CRÍTICA DE AUTORIA

QUE SE REFLETEM NA CRÍTICA TEXTUAL

Problema número 1 – A inexistência de manuscrito autógrafo ou edição em vida do autor

Problema número 2 – A quantidade e dispersividade dos manuscritos que reproduzem cópias de poesias a ele atribuídas

Problema número 3 – Os princípios da arte de sua época, que valorizavam a imitação dos modelos;

Daí, 1 – Gregório imitou e traduziu para o padrão de literatura brasileira os modelos europeus;

Daí, 2 – Os contemporâneos de Gregório imitaram-no, não só por tê-lo como modelo de arte literária, como por não terem a mesma disposição para enfrentar as autoridades com o mesmo tipo de sátiras;

Dai, 3 – Gregório imitava os seus críticos, reproduzindo-os poeticamente (como personagens-autores), para responder-lhes, criando ou desenvolvendo a técnica das “pelejas”, bastante desenvolvida hoje na literatura de cordel (principalmente no Nordeste).

O que passarei a apresentar-lhes é a Introdução que Francisco Topa escreveu para sua dissertação de doutoramento[1], para que se conheça sintética e objetivamente a proposta da edição apresentada e aprovada com louvor pela banca de exame de doutorado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

1. Já por várias vezes escrevemos que nos parece ser tarefa prioritária dos estudos literários brasileiros em Portugal a atenção à literatura do período colonial. E já tivemos também oportunidade de justificar esta convicção, apontando dois motivos principais: por razões difíceis de entender, os pesquisadores, ensaístas, críticos e historiadores brasileiros não se têm mostrado grandemente interessados no estudo sistemático dos autores desse período; tanto no que respeita à edição dos textos como ao seu estudo, Portugal está em melhores condições de cumprir essa tarefa, não só porque uma boa parte do material documental e bibliográfico está nas nossas bibliotecas e arquivos, mas também porque a literatura que se fazia no Brasil não pode deixar de ser perspectivada em função do ambiente literário da metrópole.

É movidos por essa convicção que desde 1994 nos vimos dedicando à edição e ao estudo de textos e autores brasileiros dos séculos XVII e XVIII. Nesse sentido, no momento em que, no final de 1995, tivemos de escolher o tema da nossa dissertação de doutoramento, não hesitamos muito em optar pela obra atribuída a Gregório de Matos. Quase desconhecido em Portugal, o poeta baiano é para os brasileiros um nome grande da fase de formação da sua literatura e o melhor representante da poesia barroca em língua portuguesa. Inédita durante quase dois séculos, a sua obra só lograria uma difusão massiva no nosso século, graças às duas tentativas de edição integral realizadas por Afrânio Peixoto[2] e James Amado[3]. Sobretudo a partir da última, multiplicaram-se os estudos sobre Gregório, muitos deles marcados pela pressão de modas e pela falta de serenidade, como notou João Adolfo Hansen:[4]

Interpretações mais recentes, muito difundidas por faculdades de Letras a partir principalmente da edição francesa e traduções brasileiras dos trabalhos de Milkail Bakthin sobre a sátira menipéia, o skaz e a paródia, têm hipostasiado a última como gênero supremo da sátira, com isso atribuindo outras virtudes a Gregório. Confundindo-se ‘paródia’ e ‘sátira menipéia’, desloca-se tanto Menipo de Gadara quanto Varrão, nos quais a sátira menipéia é simplesmente a mistura de prosa e verso, buscando-se à poesia do século XVII o que possa validar o desejo e o interesse atuais do intérprete. Pela generalização do valor ‘oposição crítica’ atribuído à paródia, costuma-se erigir Gregório de Matos como homem libertário dos textos sempre supostos paródicos, porque satíricos. Encarnando-se no século XVII como desejo do intérprete e reencarnando-se no século XX como autor barroco ‘progressista’, crítico das instituições dominantes, o espírito nacional-popular circula em metempsicoses piedosas.

Um Gregório de Matos cujo ‘furor intrépido imperava dominante na massa sanguínea’, interpretado pelos humores da arte de prudência barroca de Rabelo; um Gregório de Matos ‘iniciador da nossa poesia lírica de intuição étnica’, inconformista simbólico e desbocadíssimo crítico, uma vez que ‘o seu brasileiro não era o caboclo, nem o negro, nem o português; era já o filho do país, capaz de ridicularizar as pretensões separatistas das três raças’; um Gregório de Matos vagamente anarquista, misto de vanguarda do proletariado, de intelectual orgânico e de libertinagem intelectual e sexual, na paródia do estilo alto da cultura oficial; um Gregório de Matos concretista-oswaldiano, devorador do osso duro de Quevedo, da pedraria aguda de Gôngora e Camões, salpicando o moquém com o tempero dos localismos banto e tupi e o molho arcaizante de Garcia de Resende; um Gregório de Matos afro, à margem de facções do movimento negro; um Gregório de Matos famosíssimo, nunca lido, invisível e interdito, obsceno, pornográfico, impróprio; um Gregório de Matos sintético, das seletas para uso colegial, catolicíssimo e padresco (...)

Não admira pois que Antônio Dimas[5] tenha resumido a questão deste modo: “Mais que um poeta, Gregório de Matos é uma polêmica”. Estamos convictos de que uma parte importante do desencontro que tem envolvido a leitura da obra de Gregório resulta da circunstância de, mais de três séculos depois da sua morte, não dispormos ainda de uma edição crítica que tenha resolvido os numerosíssimos problemas autorais e textuais que rodeiam a obra que lhe anda atribuída.

2. Neste sentido, pareceu-nos que a melhor contribuição que de momento poderíamos dar para o estudo da poética gregoriana seria começar o projeto de edição crítica, insistentemente reclamada pelos estudiosos desde os anos 60. E, embora não sejamos particularmente sensíveis ao simbolismo das datas, pareceu-nos interessante que a sua primeira fase estivesse em condições de ser apresentada por altura da comemoração do 5º centenário da descoberta do Brasil e que a Guerra do Século de que falou Gilberto Mendonça Teles[6] não se arrastasse para lá de 2000.

Com base nas pesquisas preliminares que tínhamos efetuado, pensávamos que se trataria de uma tarefa complexa, mas exeqüível num período de tempo razoável. Contudo, pouco tempo depois de termos iniciado o levantamento sistemático dos testemunhos da obra poética de Gregório, verificamos que estávamos perante um trabalho demasiado gigantesco para ser enfrentado de uma só vez.

Como é sabido, Gregório de Matos não publicou em vida nenhum dos muitos textos que lhe andam atribuídos, pelo que a primeira preocupação da recensio deveria ser a identificação dos testemunhos manuscritos que preservaram a sua obra. Graças a uma pesquisa sistemática em numerosas bibliotecas e arquivos, logramos localizar 292 manuscritos que transmitem poemas atribuídos ao baiano. Esses documentos são de dois tipos: principais e secundários. Os primeiros são os códices integralmente dedicados à recolha da obra de Gregório e ainda as miscelâneas que lhe consagram uma seção autônoma e quantitativamente significativa; os segundos são as miscelâneas e os documentos soltos em que se encontram, geralmente em número muito reduzido, textos atribuídos ao poeta baiano. Para a primeira categoria, identificamos 34 manuscritos – que correspondem a um total de 48 volumes –, pertencentes a 13 bibliotecas, 6 delas estrangeiras. A maior parte destes documentos nunca tinha sido utilizada para fins editoriais e 7 deles foram descobertos por nós. Para a segunda, localizamos 258 documentos, pertencentes a 16 bibliotecas, 5 das quais fora de Portugal.

O terceiro tipo de fontes testemunhais corresponde aos impressos, divisão em que identificamos 40 documentos, do século XVI ao século XX. No total, a recensio conduziu-nos ao levantamento de 332 fontes testemunhais, correspondentes a mais de 20.000 páginas.

Terminada essa fase, cruzamos os dados obtidos para chegarmos a um inventário global dos poemas atribuídos a Gregório de Matos e dos respectivos testemunhos. Verificamos então que havia um total de 959 poemas em discussão – 107 inéditos que nós descobrimos –, distribuídos por 23 formas poemáticas. A partir de uma contagem meramente indicativa, ficamos também a saber que a obra atribuída a Gregório superava os 45.000 versos e que uma quantidade significativa de poemas era transmitida por um número muito elevado de testemunhos, que podia chegar aos 42.

3. Terminada a recensio, impunha-se que tomássemos uma decisão quanto ao caminho a seguir. Sem grande hesitação, decidimos correr o risco de contrariar a tradição acadêmica relativa às dissertações de doutoramento na área de letras. Isto é, decidimos que, em lugar de uma abordagem mais ou menos teórica dos problemas autorias e textuais que envolvem a obra atribuída a Gregório de Matos, iríamos apresentar um trabalho de pesquisa fundamentalmente aplicada que seria a primeira parte do nosso projeto de edição crítica.

E decidimos também que os dados colhidos na recensio deveriam ser parte integral – e não apendicular – da dissertação. E isto, sobretudo por duas razões. Em primeiro lugar, porque entendemos que a partilha de informações deste tipo é uma demonstração de seriedade intelectual e de espírito científico. Estamos bem cientes de que, quando retomarmos a atividade docente, dificilmente conseguiremos manter o ritmo de trabalho dos últimos três anos, pelo que a divulgação dos dados em causa pode levar alguém mais disponível – ou mais habilitado – que nós a dar continuidade ao projeto. Em segundo lugar, porque, pelo método em que assenta e pelos resultados alcançados, esta recensio nos parece verdadeiramente exemplar e incomparável, mesmo no universo de outras literaturas, e como tal merecedora de ser submetida ao julgamento subjacente a uma dissertação de doutoramento. Por isso, decidimos que os primeiros quatro capítulos do nosso trabalho lhe seriam dedicados, o que nos força a apresentar um monumental volume I, dividido em dois tomos.

Num segundo momento, era necessário escolher por onde começaríamos o trabalho da edição crítica propriamente dita. Pareceu-nos que o melhor caminho metodológico seria avançar por fases que coincidissem com cada uma das espécies poemáticas. Por um lado, porque muitos dos manuscritos principais revelam tendência para a arrumação dos textos por formas. Por outro, porque uma unidade desse tipo, ao colocar o editor perante problemas semelhantes, facilita imenso o trabalho de apuramento crítico dos textos. Perante esta conclusão, restava escolher a forma. E mais uma vez sem grande hesitação, acabamos por optar pelos sonetos.

A escolha ficou a dever-se a vários motivos ponderosos. Em primeiro lugar, à circunstância de se tratar de uma amostra bem representativa. De fato, com 291 exemplares (30,3% do total de textos [e 9% do total de versos] atribuídos a Gregório), é a segunda forma mais representada, logo atrás dos poemas em décimas heptassilábicas, que são 330. Em segundo lugar, o soneto é uma forma relativamente curta, o que nos dava alguma garantia de que poderíamos concluir o trabalho dentro dos prazos impostos pela dissertação de doutoramento. Por outro lado, constituindo uma modalidade que logrou grande circulação nas miscelâneas manuscritas da época, os sonetos são – do conjunto dos poemas atribuídos a Gregório – o grupo que, em média, tem maior número de testemunhos para cada exemplar e, por conseqüência, aquele em que os problemas de crítica textual e autoral são mais numerosos e de maior complexidade. Quanto à dimensão do primeiro tipo de problemas, o leitor julgará por si, mas quanto ao segundo podemos avançar dados objetivos bastante claros. De um total de 291, excluímos 59 (cerca de 20%) do cânone gregoriano e relegamos 14 (4,8%) para a categoria dos textos com insuficiente prova de autoria. Sobraram assim 218 sonetos. A opção por esta forma teve também a ver com o fato de se tratar de uma modalidade que Gregório de Matos tornou muito versátil e que exprime grande diversidade de tipos: temática (há sonetos religiosos, celebratórios, satíricos, burlescos, etc.); lingüística (dos sonetos que consideramos como sendo efetivamente de Gregório, 10 são em castelhano); lexical (o uso de arcaísmos, tupinismos, castelhanismos, é freqüente); formal (Gregório lança mão de todo o arsenal barroco, apresentando-nos sonetos de cabo roto, por ‘consoantes forçadas’, ‘pelos mesmos consoantes’, em agudos, contínuos, de rimas dobradas, estrambóticos, em labirinto, inteiros, partidos e retrógrados). Trata-se assim de uma forma que nos parece suficientemente capaz de fornecer uma idéia de conjunto bastante nítida da poética gregoriana.

O produto desta fase do nosso trabalho vem publicado no volume II, que abre com um capítulo introdutório em que expomos o modelo de edição crítica que concebemos. Segue-se a edição dos sonetos que integram o cânone gregoriano, arrumados em áreas temáticas. Vêm depois os poemas cuja prova de autoria consideramos insuficiente para poderem ser integrados na obra de Gregório, e o volume encerra com a bibliografia. Todos os sonetos excluídos são criticamente editados num anexo autônomo deste segundo volume.

4. Sabendo-se condenado – pelo menos na sua forma presente – a uma circulação muito restrita, resta-nos desejar que este trabalho seja discutido pelos especialistas e que dessa troca de opiniões possa beneficiar o projeto no seu conjunto. Apesar da seriedade e do empenho com que o realizamos, sabemos que uma edição crítica é uma mera proposta que só muito timidamente se pode esperar venha a ser definitiva. Por outro lado, temos a noção clara de que estamos a pisar terreno mais ou menos virgem, dado que a crítica textual portuguesa tem estado majoritariamente voltada para dois extremos cronológicos, a Idade Média e a contemporaneidade, e quase só por acidente os seus cultores se têm detido na literatura do período barroco. Além do mais, estamos cientes de que a especificidade e a complexidade do processo de transmissão da obra gregoriana nos levaram a opções de base que não são óbvias nem necessariamente pacíficas. Apesar disso, é com humilde confiança que submetemos este trabalho ao julgamento público.

Como foi dito inicialmente, não é necessário grande esforço para se encontrarem limitações evidentes no trabalho do Prof. Francisco Topa, mas não adianta procurar quem tenha feito trabalho melhor. Ele foi o primeiro a tentar uma edição crítica da obra de Gregório de Matos, ou melhor, de parte substancial de sua obra.

Com isto, grande parte dos problemas foi detectada, o que já é um primeiro passo importante.

A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa Piedade me despido,

Porque quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido,

Que a mesma culpa que vos há ofendido

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra história:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada;

Cobrai-me, e não queirais, Pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

TESTEMUNHOS MANUSCRITOS E IMPRESSOS[7]

Testemunhos manuscritos: BNRJ, 50.2.5, p. 101 = LC, P, 254, f. 15R = A/AC.I, p. 21-22 = A1/BADE, FM, 303, f. 57v = A2/BPMP, 1388, f. 24r-24v = A4/BADE, FM, 587, p. 131 = A5/BNL,3238, f. 6r = A6/TT,F,27, f. 16v = A7/BPMP, 1184, f. 139r = A8/BI,L.15-1, f. 2v = BA,50-i-2, p. 5 = A11/BNRJ,50.2.4, f. 4v = A12/BNRJ, 50.2.3, p. 250-251 = A14/BNL, 3576, f. 19v = A17/BI, L.15-2, I, p. 8 = A18.

Testemunhos manuscritos secundários: BGUC, 395, f. 208v (an.) = A3/BPMP, 1249, p. 512 (an.) = A9/BGUC, 395, f. 290r (an.) = A10/TT,L, 1070, f. 274r (an.) = A13.

Testemunhos impressos: JA, p. 69-70 = A1/AP,I, p. 91 = A15/ Costa e Silva, p. 187-188 = A16/Varnhagen, p. 159-160 = A19.

Aparato crítico:

Legenda. Ao mesmo assunto e na mesma ocasião A1 Ao mesmo A2 Confianças em Deus A3 Que fez o Autor em Ato de Contrição A4 Ato de contrição A5 A17 Arrependimento com confiança A6 A7 A8 A11 A12 Arrependimento em confiança a um crucifixo A9 Soneto a Cristo crucificado A10 A um arrependimento com confiança A13 A um arrependimento A14 Implorando de Cristo, um pecador contrito, perdão dos seus pecados A18 Estando para morrer A19 Falta em A16.

1. porque hei pecado ] por haver pecado A9

2. Da vossa piedade] De vossa piedade A3 A7 A9 A12 A17 Da vossa alta clemência A15 Da vossa Alta Piedade A18 A19

3. Porque quanto] Antes, quanto A18 A19

5. tanto um pecado] tanto pecado A4 A5 A6 A7 A8 A9 A15 A16 A17 A18 A19 um só pecado A10 qualquer pecado A11 A12 A13 A14

9. ovelha perdida e já] ovelha perdida, já A3 A4 A5 A6 A7 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A16 A18 A19 ovelha já perdida, já A8 ovelha, já A17

10. tal e prazer] tal, prazer A3

12. a ovelha] ovelha A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A16 A17 A18 A19

13. Cobrai-me] Cobrai-a A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19

2. Despido – Formas arcaicas deste tipo eram ainda correntes no século XVII, só mais tarde se impondo em definitivo a conjugação do verbo por analogia com pedir.

ABBA / ABBA / CDE / CDE

Embora domine o decassílabo heróico, é usado o pentâmetro iâmbico nos v. 1 e 14, ao passo que o v. 7 é sáfico.

ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES

Existe um soneto em castelhano do qual vagamente se aproxima o de Gregório de Matos, particularmente na quadra inicial. Começado por “Pequé, Señor, mas no porque he pecado”, figura sem indicação de autoria em BADE,FR2, Ar.I-29, II, p. 44, BGUC, 388, f. 250v, BGUC, 390, f. 250r, BGUC, 395, f. 55v-56r, BGUC, 526, f. 32$-32v, BGUC, 1636, p. 100, TT,L, 2160, [f. 109v] e {f. 157v]. Trata-se, com variantes, de um dos cinco sonetos descobertos por Teófilo Braga no fim do manuscrito do poema “A Egipcíaca Santa Maria”, de Sá de Miranda.

Editamo-lo aqui a partir de TT,L, 2160, [f.109v].

Pequé, Señor, mas no porque he pecado

De tú Amor y clemencia me despido;

Temo (según mis culpas) ser perdido,

Y espero en tu bondad ser perdonado.

Recelo-me (según me has esperado)

Ser por mi ingratitud aborrecido;

Y hace mi pecado más crecido

El ser tan digno tú de ser amado.

Sino fuera por ti, de mí que fuera?

Y a mí de mí, sin ti, quien me librara,

Si tu gracia la mano no me diera?

Mas ay! a no ser yo, quien no te amara?

Y si no fueras tú, quien me sufriera?

Y a ti, sin ti, mi Dios, quien me llevara?



[1] TOPA, Francisco [José de Jesus]. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. Porto : Edição do Autor, 1999, vol. I, t. 1, p. 19-23.

[2] PEIXOTO, Afrânio. Obras de Gregorio de Mattos: I – Sacras. Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1929. (II – Lyrica. Rio de Janeiro : Álvaro Pinto Editor, [s/d]; III – Gracioza; IV – Satirica, t. I. e II. Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1930 e V – Última. Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1933).

[3] AMADO, James (ed.). Gregório de Matos: obra poética. 3ª ed. Preparação e notas de Emmanuel Araújo. Rio de Janeiro : Record, [1992], 2 vol.

[4] HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho – Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo : Companhia das Letras / Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 21.

[5] DIMAS, Antônio. Gregório de Matos: Poesia e controvérsia. In PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, literatura e cultura. São Paulo : Memória; Campinas : UNICAMP, 1993, vol. I, p.337.

[6] TELES, Gilberto Mendonça. Gregório de Mattos: Se souberas falar também falara. (Antologia poética). Lisboa : Imprensa Nacional, 1989, p. 9.

[7] Abreviaturas usadas nas referências às fontes utilizadas: AC = Academia das Ciências de Lisboa; BADE, FM = Biblioteca e Arquivo Distrital de Évora, Fundo Manizola; BGUC = Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra; BI = Biblioteca do Itamarati (Biblioteca Histórica do Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro); BNL = Biblioteca Nacional de Lisboa; BNRJ = Biblioteca Nacional (do Rio de Janeiro); BPMP = Biblioteca Pública Municipal do Porto; LC, P = Library of Congress (Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos), Série Portuguese Manuscripts; TT,F = Torre do Tombo, Série Arquivo da Casa de Fronteira; TT,L = Torre do Tombo, Série Manuscritos da Livraria