O TEXTO DOS FORMANDOS DE LETRAS: UM ESTUDO SOBRE A COESÃO E A COERÊNCIA
*BRUHMER CESAR FORONE CANONICE
(Universidade Estadual de Maringá - UEM)RESUMO:
Os acadêmicos do Curso de Letras, ao encerrar a graduação, em sua maioria, apresentam uma produção textual muito aquém do esperado de um formando, segundo o julgamento de alguns professores que ministram aulas no Curso. Supõe-se que o acadêmico dessa área deveria ter a obrigação de se formar fazendo jus ao título de alguém que sai da Universidade sabendo escrever muito bem. Em nossa participação no Curso, enquanto acadêmico, sempre ouvíamos os professores, após fazerem correções dos trabalhos de suas disciplinas, reclamarem da falta de coesão e coerência dos textos - e isso ocorria até o último ano do Curso -, dizendo, ainda, que 'o aluno de Letras não sabe escrever!' O que mais nos chamava a atenção era que, mesmo diante de comentários como os que expusemos acima, os acadêmicos não se importavam muito com isso e mostravam-se totalmente indiferentes e alheios ao problema, dando a impressão de que tal fato não era relevante para a sua formação e que não seria preciso munirem-se de conhecimentos da área de produção escrita, como se isso um dia não fosse necessário, esquivando-se, então, do aperfeiçoamento dos recuros de que se valeriam na sua vida profissional. No entanto, não ocorria nenhuma discussão em torno do assunto que, a nosso ver, poderia, de certa forma, orientar os acadêmicos a tomar uma atitude de reflexão, levando-os a procurar uma solução para o problema. O objetivo da pesquisa foi investiga as dificuldades de composição de textos desses alunos."
Palavras-chave: produção textual, avaliações, coesão, coerência.
INTRODUÇÃO
Os acadêmicos do Curso de Letras, ao encerrar a graduação, em sua maioria, apresentam uma produção textual muito aquém do esperado de um formando, segundo o julgamento de alguns professores que ministram aulas no Curso. Supõe-se que o acadêmico dessa área deveria ter a obrigação de se formar fazendo jus ao título de alguém que sai da Universidade sabendo escrever muito bem.
Em nossa participação no Curso, como acadêmico, sempre ouvimos os professores, após fazerem correções dos trabalhos de suas disciplinas, reclamarem da falta de coesão e coerência dos textos - e isso ocorria até o último ano do Curso -, dizendo, ainda, que “o aluno de Letras não sabe escrever!”.
O que mais nos chamava a atenção era que, mesmo diante de comentários como os que expusemos acima, os acadêmicos não se importavam muito com isso e mostravam-se totalmente indiferentes e alheios ao problema, dando a impressão de que tal fato não era relevante para a sua formação e que não seria preciso munirem-se de conhecimentos da área de produção escrita, como se isso um dia não fosse necessário, esquivando-se, então, do aperfeiçoamento dos recursos de que se valeriam na sua vida profissional.
No entanto, não ocorria nenhuma discussão em torno do assunto que, a nosso ver, poderia, de certa forma, orientar os acadêmicos a tomar uma atitude de reflexão, levando-os a procurar uma solução para o problema. Isso fazia com que pensássemos, à luz de uma concepção de linguagem cultivada por lingüistas e professores até alguns anos atrás, que talvez o que lhes faltasse fosse um estudo mais profundo de regras gramaticais (!), que, supostamente, pudesse suprir essa deficiência e, de uma maneira equivocada - hoje podemos admitir esse equívoco -, questionava o currículo de Letras por não apresentar uma disciplina específica dessas regras gramaticais normativas logo no início do Curso. Obviamente, essa inquietação era advinda da formação no ensino fundamental e médio, que ainda insiste em ensinar uma gramática que certamente não subsidia os seus alunos para o domínio da linguagem escrita.
É pertinente observar que para haver uma melhoria da composição escrita não basta o aluno saber as maçantes regras gramaticais estudadas no ensino fundamental e médio; é preciso haver interesse pela leitura e, conseqüentemente, pela escrita. Em decorrência disso, o aluno passaria a perceber melhor as construções da língua apresentadas nos textos, sejam eles literários ou informativos. Assim, além de ter alargada sua visão de mundo, passaria a adquirir formas de interação para produzir textos adequadamente. Daí nossa reflexão sobre o estímulo que esse aluno deixou de ter de seus professores, quando, ainda, era um estudante colegial.
É necessário que o encaminhamento pedagógico da escola deixe de insistir no ensino tradicional ou tecnicista para tornar-se o espaço efetivo de constituição do sujeito. O aluno e o professor, interagindo um com o outro, teriam condições de produzir o conhecimento, fazendo da escola um espaço voltado para se viver o profissionalismo e a consciência crítica.
O objetivo da pesquisa foi investigar as dificuldades de composição de textos dos alunos do Curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá e, para isso, fizemos uso de métodos voltados à análise de trabalhos que esses alunos desenvolveram para seus professores na graduação; analisamos cinqüenta e nove avaliações da disciplina de Língua Portuguesa, do quarto e quinto períodos do Curso.
O TEXTO DOS ALUNOS
O corpus analisado é constituído por cinqüenta e nove textos escritos para avaliação dos alunos do quarto ano noturno e do quinto ano diurno e noturno do Curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá, no período que compreende o ano de 1997, da disciplina Língua Portuguesa IV.
A professora da disciplina “Língua Portuguesa IV” que nos forneceu as cinqüenta e nove avaliações dos alunos, com os quais mantivera contato no ano de 1997, teceu alguns comentários sobre suas turmas, no sentido de que a maioria dos alunos ,realmente, “não sabia escrever”, e que constataríamos esse fato tão logo iniciássemos nosso processo de análise dos dados.
É importante frisar que os textos das avaliações dos alunos do quarto e quinto anos do Curso de Letras da UEM foram produzidos em uma instituição de ensino, tendo como interlocutor o professor, numa situação em que havia alunos sendo observados e avaliados por alguém, o que pode ter gerado, certamente, um certo tipo de tensão por parte deles e que em muito pôde influenciar no seu desempenho na escrita.
Tivemos a intenção de utilizar as abordagens quantitativa e qualitativa no processo de investigação. Todavia, preocupamo-nos em evitar a escolha de apenas um desses dois gêneros (quantitativo-qualitativo) por acreditarmos que, embora nosso estudo se reportasse a um enfoque qualitativo, foi de extrema valia utilizarmos o gênero quantitativo para o levantamento das ocorrências do processo de coesão e coerência dos cinqüenta e nove textos analisados, porque esse procedimento nos proporcionou uma visão mais geral das ocorrências, o que nos ofereceu a confiabilidade necessária nos resultados obtidos durante a análise.
Embora tenhamos consciência de que a experiência direta representa “o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno” (cf. Lüdke & André, 1986), procedemos à análise de textos de avaliações produzidos à distância, ou seja, são textos produzidos em decorrência de avaliações entregues ao professor de uma disciplina. Entendemos que esse procedimento contribuiu para que os alunos não se sentissem ainda mais observados e investigados, o que influenciaria no momento da produção.
Vale notar que nosso estudo caracterizou-se como uma pesquisa com abordagem etnográfica por tratar-se da “descrição de um sistema de significados culturais de um determinado grupo.” (cf. Spradley, 1979), de membros de uma determinada comunidade de investigação: os alunos formandos da graduação do Curso de Letras. O processo de análise dos dados foi caracterizado pela observação e pelo levantamento dos registros de coesão e coerência da escrita desses alunos, por meio da elaboração de fichas específicas de cada mecanismo levantado.
ANÁLISE DOS TEXTOS DOS ALUNOS
Quanto aos mecanismos de coesão, destacamos o uso de: pronomes (demonstrativos, indefinidos, possessivos, pessoais, relativos, numerais ordinais e locativos); expressões que podem levar a uma seqüenciação de enunciados; marcadores de seqüenciação parafrástica ou recorrência semântica; elipses; recursos a expressões nominais pessoais, nominalizações, hiperônimos, hipônimos, sinônimos ou quase-sinônimos e repetições lexicais; inadequações verbais; artigos definidos; e formas remissivas livres não-referenciais. E quanto aos mecanismos da coerência, destacamos as ocorrências das quatro meta-regras: repetição, progressão, não-contradição e relação.
Em avaliação aplicada aos alunos da disciplina Língua Portuguesa IV, em uma das questões foi solicitada leitura do fragmento de entrevista com o pastor Ronaldo Didini (texto A), que comandava o programa “25ª Hora” e, em outra avaliação, que discorressem sobre o texto “O gato e a barata”, de Millôr Fernandes (texto B).
Também, por uma questão de espaço, limitamo-nos, aqui, a transcrever uma síntese da análise dos dados, podendo o leitor recorrer a nossa dissertação para ter acesso à análise, em sua íntegra.
TEXTO LIDO PELOS ALUNOS DO 4º ANO NOTURNO (A)
Veja:
Qual é a estratégia da Universal para garantir uma eleição?
Didini: Embora os fiéis da Universal sejam muito unidos e devotados, ninguém pode exatamente garantir uma eleição. Mas conseguimos algo muito próximo disso. No caso do deputado Wagner Salustiano, eu o levava para o altar durante o culto e o apresentava como um dos homens que a Igreja Universal escolheu para nos representar em Brasília. Aí perguntava alguma coisa assim: “Quem, voluntariamente, gostaria de conseguir votos em nome de nossa causa?” Uma centena de pessoas se aproximava do altar a cada culto e eu orava por elas. Em seguida, pedia que trouxessem uma lista com dez outros nomes de pessoas que votariam no candidato. Ao lado do nome, deveriam escrever o número do título de eleitor dessas pessoas. Prometia que oraria também por elas. Recebi milhares desses papéis.
(Revista Veja, 20/08/97, p. 10)
Após a leitura do texto, os alunos deveriam discorrer sobre os itens abaixo relacionados, que transcrevemos tal qual estão expostos na folha que lhes foi entregue:
sujeito manipulador e sujeito manipulado;
tipo de manipulação e explicação de como a mesma ocorre;
a performance que o sujeito manipulado terá que executar.
Em outra avaliação aplicada a alunos do quarto e quinto anos diurnos do Curso de Letras, da disciplina Língua Portuguesa IV, em uma das questões foi solicitada leitura do texto “O GATO E A BARATA”, de Millôr Fernandes, do qual analisamos o seguinte item:
Segundo Fiorin e Savioli (1992: 56), “Dentro da estrutura narrativa, os enunciados podem ser agrupados em quatro fases distintas: manipulação, competência, performance, sanção.”
O professor pede que o aluno responda à seguinte questão:
Determine essas fases no texto “O gato e a barata”, considerando o percurso do sujeito “gato”;
TEXTO LIDO PELOS ALUNOS DO 4º ANO DIURNO E 5º ANO DIURNO (B):
O GATO E A BARATA
Millôr Fernandes
A baratinha velha subiu pelo pé do copo que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, do alto do copo.
_ Gatinho, meu gatinho - pediu ela - me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair daqui eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.
_ Você deixa mesmo eu engolir você? - disse o gato.
_ Me saaalva! - implorou a baratinha. _ Eu prometo.
O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.
_ Que é isso? - perguntou o gato. _ Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixaria eu comer você inteira.
_ Ah, ah, ah - riu então a barata, sem poder se conter. _ E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral: Às vezes a autodepreciação nos livra do pelotão.
QUANTO AOS MECANISMOS DE COESÃO
Reflexões acerca dos mecanismos de coesão
Inicialmente, é importante observar que, quanto à função, os mecanismos de coesão caracterizam-se como recursos que contribuem para a clareza de um texto. Ao analisar as ocorrências de mecanismos de coesão nos textos dos alunos formandos do Curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá, podemos observar recursos que são mais e que são menos empregados. Observamos, também, aqueles em que os alunos apresentam mais problemas, mais dificuldades de manejo na hora de redigir os textos. Tal levantamento nos possibilitou mostrar como os alunos usam esses recursos, ou seja, se são empregados corretamente ou não.
1) Mecanismos mais freqüentes:
Quanto aos recursos de coesão empregados com mais freqüência, apontamos os seguintes: marcadores de seqüenciação parafrástica do tipo OU SEJA, com vinte ocorrências; utilização de ELIPSES, com trezentos e vinte ocorrências; recursos a expressões nominais, como HIPERÔNIMOS, com quarenta e cinco ocorrências; INADEQUAÇÕES VERBAIS, com trezentos e cinqüenta e sete ocorrências; e utilização de ARTIGOS DEFINIDOS, com mil, quinhentos e quarenta e seis ocorrências.
O emprego do marcador de seqüenciação parafrástica OU SEJA totaliza vinte ocorrências, um número até considerável, mas não excessivo se tomarmos como referência o número de cinqüenta e nove avaliações.
Quanto à utilização de ELIPSES, percebemos que ocorreu de maneira correta e verificamos que há uma grande incidência desse mecanismo (trezentos e vinte) no corpus analisado, o que nos leva a supor que a maioria dos alunos as emprega de forma consciente. Logo, se assim o fazem, contribuem para evitar repetições lexicais que tornariam o texto menos coeso.
Há, também, um número considerável (quarenta e cinco) de ocorrência de HIPERÔNIMOS. Esse recurso pode ser observado nos textos analisados quando ocorrem associações de termos a nomes correspondentes, o que lhes atribui características próprias, que se relacionam. São os casos dos muitos exemplos em que os alunos associam o sujeito manipulador à pessoa de Ronaldo Didini e a sua função de pastor da Igreja Universal.
Vale notar que esse mecanismo foi utilizado com maior freqüência nos textos referentes à questão do enunciado A. Pelo visto, sua ocorrência é condicionada a um número maior de personagens envolvidos na história, com um maior número de características próprias, o que já não ocorre significativamente (apenas três ocorrências) com os dois únicos personagens da questão do enunciado B.
Os artigos definidos O, A, OS, AS foram utilizados pelos alunos com bastante freqüência. Muitas dessas ocorrências, em início de texto, tiveram a função de fazer remissão à pergunta feita pelo professor, no enunciado da questão, partindo do princípio de que o leitor já tinha conhecimento da questão da prova.
2) Mecanismos em que os estudantes apresentam menos dificuldades:
Podemos apontar os seguintes mecanismos em que os alunos apresentam menos dificuldades: o uso de pronomes demonstrativos, como: ISTO, ESSA, NESSA; os pronomes indefinidos: MESMO e TUDO; pronomes possessivos, como: DELE, SEU, SUA, SEUS, SUAS; os pronomes relativos: QUE e O QUAL; pronomes ordinais numerais, como: PRIMEIRO, PRIMEIRA, SEGUNDO, TERCEIRO...; o pronome locativo: AQUI.
Há, também, o uso sem dificuldades de expressões que levam a uma seqüenciação de enunciados, do tipo: INICIALMENTE, EM SEGUIDA, AO FINAL DO TEXTO, ASSIM, DESSA(DESTA) FORMA, NESSE(NESTE) CASO, NO ENTANTO, PORTANTO, MESMO QUANDO, PRIMEIRAMENTE..., que muito colaboram para a organização da seqüência informacional dos textos; a utilização de ELIPSES, contribuindo para evitar a repetição de léxicos; recursos a expressões nominais, do tipo: NOMINALIZAÇÕES, EXPRESSÕES SINÔNIMAS ou QUASE-SINÔNIMAS, HIPERÔNIMOS; os artigos definidos: O, A, que promovem o encadeamento coesivo do texto ao fazerem remissão a elementos já mencionados anteriormente; e as formas remissivas livres não-referenciais, como: ISSO, AQUILO, O, muitas vezes acompanhadas com o verbo FAZER.
3) Mecanismos em que os estudantes apresentam mais dificuldades:
Dos mecanismos de coesão mais utilizados, podemos apontar as INADEQUAÇÕES VERBAIS como mais problemáticas nas redações dos alunos, com trezentos e cinqüenta e sete ocorrências, um número considerável e também preocupante. Vale notar que a maioria dos alunos (97%), com exceção dos autores dos textos nºs 13 e 15, não dominam a conjugação adequada dos tempos verbais.
É bastante freqüente iniciarem seus textos sem adotar qualquer tipo de critério que poderia possibilitar a escolha correta dos tempos que deveriam fazer parte do "mundo comentado", com verbos a serem conjugados no presente do indicativo, pretérito perfeito e futuro do presente, e do "mundo narrado", com verbos nos tempos: pretérito perfeito simples, pretérito mais-que-perfeito e futuro do pretérito do indicativo.
Há, ainda, um número considerável de pronomes pessoais do tipo: ELE, ELA, ELES, ELAS, O, A, OS, AS, empregados com mais dificuldades pelos alunos devido a sua utilização excessiva.
Também observamos uma certa dificuldade dos alunos ao empregarem o pronome adverbial locativo ONDE, pois há casos em que deveriam ter utilizado em seu lugar os pronomes relativos QUE ou O QUAL.
QUANTO AOS MECANISMOS DE COERÊNCIA
Dando continuidade a nossa análise, fizemos um levantamento dos mecanismos de coerência dos textos dos alunos, usando como critério as quatro meta-regras mencionadas por Charolles: repetição, progressão, não-contradição e relação. Restringimo-nos a essas quatro meta-regras porque abrangem conceitos dos fatores de coerência, como, por exemplo, as noções de informatividade que se encontram implícitas na meta-regra da progressão.
Reflexões acerca dos mecanismos de coerência
Ao fazermos um levantamento das ocorrências de repetição nos textos dos alunos, pudemos observar que todos (100%) apresentam esse mecanismo da coerência, pois, embora apareçam frases mal escritas, períodos confusos, os alunos mantiveram o tema proposto, sem cair na prática considerada bastante comum de se dispersarem para outras informações que não fossem pertinentes ao tema proposto pelo professor na questão.
Com relação ao levantamento da progressão, percebemos que quase todos os textos (com exceção de três: 24, 31 e 32) apresentam essa meta-regra da coerência. Em sua grande maioria (95%), houve ocorrência de adição de informações referentes ao tema proposto, mesmo que os textos apresentassem problemas de coesão, o que nos levou a confirmar a hipótese de que pode haver textos coerentes, porém escritos sem nenhuma coesão, como os casos dos textos 51 e 56, transcritos abaixo, que têm problemas de coesão por apresentarem muitas deficiências do tipo: falta de uma pontuação adequada e problemas sérios de concordância, porém com progressão das informações solicitadas no enunciado da questão.
Texto nº 51:
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 |
“Na estrutura narrativa do texto ‘O gato e a barata’ de Millôr Fernandes estão presentes as 4 fases distintas. Considerando o percurso do sujeito ‘gato’ temos a manipulação, que consiste em uma personagem induzir a outra personagem a fazer alguma coisa, que, neste caso, temos o manipulador sendo a barata que manipula o gato. A manipulação ocorrida é por tentação pois a barata oferece um objeto de valor, uma recompensa positiva, na troca que ocorrerá. ‘Me salva que assim que eu sair daqui eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.’ A competência é uma fase importante da narrativa, pois não basta agir, o querer e o dever mas também o saber e o poder. Neste caso, o gato tinha a competência do saber e o poder salvar a baratinha da morte e assim naquele momento teve essa competência. A performance é a ação que o sujeito executa. O gato executou a performance ao praticá-la. ‘O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu, com ele a baratinha...’ Neste (sic) fase há uma relação de perda e ganho entre as personagens. A sanção ocorre com o castigo do gato em qual não recebeu o seu ‘prêmio’. A baratinha engana o gato, fazendo-o acreditar e o pobre coitado tem a sua sanção.” (L.R.B. - 5º ano) |
Texto nº 56:
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 |
“Manipulação - o gato é manipulado pela barata, o manipulador (barata) propõe ao manipulado (gato) uma recompensa, ou seja, se o gato salvar a barata, ele poderá comê-la. Trata-se de uma manipulação por tentação. Competência - O gato sabe como salvar a barata, o sujeito do fazer adquire um saber. Performance - Nesta fase, o sujeito executa a ação de salvar a barata ‘... O gato então virou o copo com uma pata...’ Na performance, há uma relação de perda e ganho, a barata ganhou sua liberdade, foi salva e o gato perdeu sua comida, pois foi enganado. Sanção - O sujeito do fazer não recebe sua recompensa, recebe o castigo por ter sido imbecil ao ponto de acreditar numa barata velha e bêbada.” (L.G.C. - 5º ano) |
A meta-regra da não-contradição pode ser observada em quase todas as avaliações analisadas (98%), com uma única exceção, o texto nº 02, em que o aluno não expõe de maneira correta o conceito de manipulação por provação, pois lhe atribui características idênticas à manipulação por tentação, além de mencionar esta última, com as mesmas características, o que resultou em duplicidade de conceitos.
Texto nº 2:
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 |
“1. O sujeito manipulador no texto do exercício nº 1 é o pastor Ronaldo Didini, enquanto o sujeito manipulado são os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. As manipulações empregadas pelo pastor consistiam em duas de diferentes características e com o mesmo objetivo: angariar votos ao candidato Wagner Salustiano. A primeira era uma manipulação por provocação e pode ser identificada na seguinte fala do pastor: “Quem, voluntariamente, gostaria de conseguir votos em nome da nossa causa?” Trata-se de uma manipulação por provação (sic) a partir do momento em que a considerarmos como um apelo a um espírito coletivo, cuja força ideológica está canalizada em direção de uma causa. Assim, eleger um deputado que representa os evangélicos é um desejo, ou melhor, uma aspiração ideológica em nome da causa. A outra manipulação empregada é por tentação, pois parte do princípio de que o pastor oraria pelas pessoas que manifestaram o desejo de votar no candidato e que também oraria pelo nome dos indicados pelas pessoas por quem ele havia orado. Trata-se de uma tentação porque a promessa de oração é a troca de uma bênção pelos possíveis votos dos indicados. Uma vez que estes são, normalmente, pessoas bem quistas por aqueles que receberam a oração no momento em que o pastor apresentou o candidato..... O sujeito manipulado (fiéis da igreja) desempenhou a performance porque tinha o poder e o saber, pois, dentro do contexto de carência política, os eleitores se submetem à prática de muitas vezes vender o voto e para tal o nº do título é importante. O saber fica por conta de o devoto ter em seu círculo de amizade ou no seio familiar uma série de carências que assolam como doenças, desemprego etc. uma oração poderia ser o caminho para resolver um desses problemas. (D.C.C. - 4º ano) |
As informações referentes aos personagens, sejam os sujeitos manipuladores dos textos dos enunciados A e B (pastor Ronaldo Didini / barata), sejam os sujeitos manipulados (fiéis da Igreja Universal / gato), entre outros elementos que fazem parte das duas histórias, são, em sua grande maioria, apresentadas de modo não-contraditório e coerente.
Por último, analisamos a ocorrência da quarta meta-regra da coerência, a relação, e chegamos à conclusão de que 98% dos textos apresentam também esse mecanismo, embora haja muitas evidências de mau emprego de concordância verbal, nominal, regência verbal, entre outros. São textos que podem ser considerados coerentes, mas que, em sua grande maioria, apresentam outros sérios problemas de escrita.
SUGESTÕES
Nossa sugestão para contribuir para o sucesso do ensino de língua portuguesa no Curso de Letras das universidades é que se criem programas paralelos de aperfeiçoamento da escrita dos alunos, que poderiam, ainda, estender-se a todos os cursos da Universidade. Seriam projetos que pudessem prever ações concretas e planejassem atividades para serem aplicadas em sala de aula.
Nesses programas, o instrutor não se limitaria a ensinar as maçantes regras gramaticais que sempre foram e ainda são muito exploradas no ensino médio e fundamental, mas preocupar-se-ia em esclarecer melhor justamente as deficiências da escrita encontradas no dia-a-dia do acadêmico, ouvidas as sugestões e reclamações dos professores, em especial os do Curso de Letras, pois estes certamente saberiam apontar com maior facilidade as dificuldades mais freqüentes e graves de seus alunos.
Acreditamos que é possível elaborar uma proposta desse tipo, concreta, fundamentada em boas metodologias, que concederia aos alunos soluções reais. Essa atividade proporcionar-lhes-ia um melhor desempenho para uma redação mais consistente e possibilitaria, evidentemente, maior interação entre eles e os professores de ensino superior.
Hoje, o processo de avaliação tem se limitado à ação do professor em "corrigir" os textos dos alunos com o intuito de julgá-los e não de ajudar a melhorarem sua produção textual. Em nosso entender, o termo avaliação está sendo utilizado de forma inadequada, pois percebemos que o objetivo do professor, na hora da correção, tem sido o de avaliar os comportamentos dos alunos, sendo que a parte mais importante da avaliação deveria ser a que vem depois da nota, que é o retorno, ou seja, a ajuda do professor para melhorar a produção textual do aprendiz.
CONCLUSÃO
Muitas vezes, encontramos nas análises realizadas textos considerados coerentes, por não fugirem ao tema proposto (repetição), por adicionarem novas informações referentes ao tema (progressão), por não se contradizerem (não-contradição) e por relacionarem os fatos (relação) neles contidos.
Alguns textos, além de refletirem problemas de coerência, foram escritos sem uma organização estrutural, apresentando falhas lingüísticas gravíssimas, características que os impediam de se tornarem coesos.
Embora não tenha sido o foco principal de nossa análise, também encontramos aqueles escritos de maneira extremamente confusa, com informações que parecem mais um apanhado de palavras e frases desconexas e sem uma continuidade, como o seguinte texto:
Texto nº 12:
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 |
“Nesta entrevista, é clara a manipulação por parte da igreja Universal, representada na pessoa de Ronaldo Didini, porque ele quer e deve. Quanto ao sujeito manipulado também se percebe claramente que são os fiéis e o próprio candidato Wagner Salustiano. A manipulação utilizada para com os fiéis é por sedução e intimidação é a utilizada para o Candidato W.S. é por tentação. No primeiro caso por sedução porque ele pergunta de forma indireta quem está disposto a aliar-se à sua causa ‘que seria uma boa causa, causa nobre, recompensadora, e por intimidação quando anota o número do título daqueles que disseram que votariam. Já no segundo caso, considero manipulação por tentação porque oferece uma oportunidade de sobresair-se (sic) politicamente, tenta-o com a promeça (sic) de eleição (se eleger). Em relação à performance, que é a ação praticada, os fiéis deveriam votar e dar os números de seus títulos de eleitores e o candidato se submeter as ordens da igreja Universal.” (C.S.P.O - 4º ano) |
Acreditamos que o que marca muito o conceito que o professor tem da escrita do aluno é a obediência às normas gramaticais, principalmente erros que chamam mais a atenção, como: ortografia, concordância verbal e nominal, regência verbal, pontuação, organização da frase, etc.
Provavelmente o professor de ensino superior acredita que o aluno do Curso de Letras, ao ingressar na Universidade, já deveria ter aprendido a norma culta da língua para empregá-la corretamente no período em que estivesse cursando a graduação e que não é função da Universidade ensiná-lo a escrever corretamente, pois não há tempo hábil para essa finalidade. Tal pensamento seria até aceitável se não fosse utópico diante da realidade do nível de ensino de nossas escolas de ensino médio e fundamental.
Um dos motivos do insucesso dos resultados com a atividade de produção textual dos textos acadêmicos é a artificialidade dos temas propostos pelas escolas aos alunos; é o problema de se proporem produções de textos que não terão destinatários reais.
Em termos de preparo prévio para produção de textos, ocorre, ao longo de décadas, ou a completa ausência de qualquer preparação, em que os estudantes escrevem a partir de temas que, muitas vezes, nada querem dizer para eles, ou sobre temas especialmente construídos para um trabalho de produção em sala de aula, cujo destinatário é o próprio professor da disciplina de Língua Portuguesa. Os alunos escrevem somente para eles, que, por sua vez, lêem as redações como meros avaliadores, com o intuito de encontrar, muitas vezes, os erros gramaticais tão corriqueiros e que podem ser "solucionados" através de uma rápida consulta nos manuais de gramática.
Diante desse impasse é que apresentamos nossa sugestão em se criarem na Universidade programas que funcionem paralelamente às disciplinas do Curso de Letras (já que em seu currículo não existe tempo hábil para trabalhar-se com o ensino da língua portuguesa propriamente dito), com o intuito de aperfeiçoar os conhecimentos lingüísticos dos alunos que apresentarem dificuldades com o manejo da produção escrita. Certamente essas atividades proporcionar-lhes-ão um melhor desempenho para uma redação mais consistente e possibilitarão, evidentemente, maior interação entre eles e os professores do Curso de Letras. Seria a contribuição mais efetiva das novas concepções de linguagem para o ensino da língua portuguesa nos Cursos de Letras.
Vale observar, ainda, que os trabalhos sobre linguagem escrita desenvolvidos na Universidade Estadual de Maringá, pelos docentes e alunos da comunidade acadêmica de Letras, são de bom nível e já representam um avanço significativo no corpo de conhecimento do ensino/aprendizagem da escrita.
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