OS ANTROPÔNIMOS EM MACHADO DE ASSIS

UMA LEITURA MORFOSSINTÁTICA

Tânia Maria Nunes de Lima Câmara (UNAM)

Qualquer linguagem materializa-se por meio das unidades que a compõem. A essas unidades dá-se o nome de signos. Em se tratando da linguagem verbal, esta é formada por unidades denominadas signos lingüísticos, comuns a todos os membros de uma dada sociedade, impondo-se a estes como sistema. Apresenta-se, pois, como um todo organizado, formado por elementos interdependentes.

Desde os gregos, demonstra-se a preocupação de compreender, em termos lingüísticos, como se estabelece a relação entre o nome e o objeto; ou seja, que mecanismo existe entre o mundo e a sua representação por meio de palavras.

Em "Crátilo", Platão deixa explícito tal interesse, apresentando, num diálogo entre Hermógenes e Crátilo, aos quais se somava Sócrates, as duas correntes que se opunham na busca de respostas às questões surgidas: os naturalistas e os convencionalistas.

Segundo os naturalistas, havia uma ligação intrínseca entre a coisa e a forma como esta era nomeada, o som e o sentido. Para os convencio-nalistas, dava-se o caráter arbitrário de tal relação.

 

Hermógenes - Por minha parte, Sócrates, já conversei várias vezes a esse respeito ... sem que chegasse a convencer-me de que a justeza dos nomes se baseia em outra coisa que não seja a convenção e acordo. Para mim, seja qual for o nome que se dê a uma determinada coisa, esse é o seu nome certo...

Sócrates - Sem dúvida, há algum sentido no que dizes Hermógenes. Convém examinarmos o assunto.

(...)

Sócrates - (...) disseste que o autor dos nomes forçosamente tinha de ter conhecimento das coisas nomeadas. Ainda pensas do mesmo modo, ou não?

Crátilo: - Ainda.

 

A origem da linguagem e o problema da significação continuam a merecer considerações. No início do século XX, os estudos de Saussure mostram o signo lingüístico com entidade de duas faces: o significante - imagem acústica - e o significado - o conceito.

Na visão saussuriana, o signo lingüístico é arbitrário, ou seja, a relação que se estabelece entre as duas partes é convencional, ou por nunca ter havido uma associação natural entre elas, ou por esta haver deixado de ser sentida com o passar do tempo.

Ao lado do caráter arbitrário e convencional, é importante considerar, porém, o seguinte aspecto:

 

(...) Todos os idiomas contêm certas palavras arbitrárias e opacas, sem qualquer conexão entre o som e o sentido, e outras que, pelo menos, em certo grau, são motivadas e transparentes (...) A motivação pode residir quer nos próprios sons, quer na estrutura morfológica da palavra, que no seu fundo semântico.

 

A motivação constitui, portanto, um traço a ser considerado em relação ao signo lingüístico.

No campo específico da manifestação artística da linguagem, a poesia, por exemplo, explora virtualidades possíveis de se concretizar lingüisticamente: harmonias imitativas, ritmos, presentes nos signos.

O nome próprio, na condição de signo lingüístico, deve merecer o mesmo cuidado dispensado às demais unidades lingüísticas, especialmente no contexto literário.

Conceituado como elemento de individuação, o nome próprio designa um único objeto identificado num ato de fala. É a marca lingüística pela qual a sociedade toma conhecimento do indivíduo.

Tal função designativa aponta-o como elemento estritamente denotativo, característica esta que lhe é peculiar, no dizer de John Stuart Mill, segundo o qual somente os nomes comuns, além da denotação, podem conotar certos atributos e certas formas externas, o que os coloca em franca oposição aos nomes próprios.

Remetendo a Otto Jespersen, Ullmann (1964: p.154) destaca que Mill e seus seguidores evidenciam aquilo que pode ser chamado de valor dicionário do nome, desconsiderando o valor contextual, na situação particular em que é enunciado. Além disso, contrapõe-se a Mill sobre o caráter conotativo que somente os nomes comuns podem apresentar, dando como exemplo o fato corriqueiro de um nome próprio se tornar um nome comum, por meio metafórico ou metonímico. Sejam, respectivamente, os nomes cicerone e chauvinismo, advindos de Cícero e de Nicolas Chauvin e Rochefort.

Tal mudança só pode ser explicitada na medida em que se considere a conotação presente no nome próprio.

A esse caso, é possível acrescentar outro: quando um nome próprio se converte numa palavra vulgar, nem sempre se transforma em substantivo comum. Pode, por exemplo, aparecer como verbo, encerrando um tom elogioso ou depreciativo, em função das características do referente, elemento este que pertence à matéria extralingüística. Considere-se, por exemplo, o neologismo "malufar", em que o nome próprio Maluf foi transformado em verbo que aponta para ações de caráter negativo, desde que considerado o contexto político brasileiro.

Desse modo, não é possível considerar os nomes próprios simplesmente denotativos. Justamente pelo fato de conotarem atributos é que o estudo dos antropônimos torna-se capaz de esclarecer muitos aspectos da cultura de um povo.

Retomando Platão, no Diálogo anteriormente referido, Crátilo e Hermógenes discutem sobre a natureza do nome. Além de todo o conteúdo já desenvolvido anteriormente, deve-se levar em conta ainda que a argumentação de cada um dos envolvidos relaciona-se, diretamente, ao significado de seus respectivos nomes: Crátilo, do grego Krátylos, da raiz Krátos, "a Força personificada", relacionado, assim, ao caráter natural; Hermógenes, do grego Hermogénes, provém de Hermês, Hermes, e de génos, raça, ou seja, "gerado pelo mensageiro Hermes"; Hermes é "aquele que transmite toda a ciência secreta" (BRANDÃO: 1987, p.196), o código, daí o convencional.

Portanto, ao lado da função designativa, é possível atribuir ao antropônimo um caráter significativo, tratando-se, pois, de um signo lingüístico.

No campo da literatura, o nome próprio tem um papel importante a considerar. O artista nomeia os personagens da maneira como o faz ou por apresentar uma sensibilidade lingüística apurada, ou por proceder a um batismo, mais, ou menos, intencional. A percepção e a apreensão desse instrumento possibilitarão aquilo que se deve chamar de leitura sensível, podendo mesmo o leitor a desconfiar da gratuidade da presença de certas escolhas feitas pelo autor.

Em Machado de Assis, o antropônimo atribuído a um personagem desempenha uma função específica, não devendo ser visto como mero instrumento de identificação do ser. Na qualidade de signo lingüístico, mos-tra-se como meio de ratificar o rigor e a precisão vocabular, freqüentemente apontados como próprios da engenharia do autor. Em termos semânticos, são senemas formados por traços que compõem os personagens, ironicamente ou não; sob o ponto de vista da forma, lexemas e morfemas apresentam-se de modo a estabelecer relação com o conteúdo.

Mecanismos gramaticais, semânticos e estilísticos parecem ser minuciosamente aplicados no intuito de fazer dos nomes próprios peças importantes na estruturação textural.

Assim, nomear um personagem não é um procedimento aleatório no texto machadiano. A escolha do nome, ao contrário, faz-se, conscientemente ou não, em função do papel que o autor lhe destina. O nome próprio passa, então, a ser mais um ponto observado pelo leitor, cabendo a este perceber e decodificar as diversas intenções possíveis, de modo a processar, de forma adequada, as informações nele contidas.

No presente trabalho, a leitura será feita em três romances da segunda fase da prosa machadiana: "Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Quincas Borba" e "Dom Casmurro". Nosso intuito é demonstrar o papel do antropônimo na tessitura narrativa e comprovar o elo indissociável existente entre a língua e a literatura: aquela como instrumento da materialização estética; esta como manifestação plena da potencialidade lingüística.

Como sistema organizado de signos, a língua estabelece mecanismos pelos quais as unidades lingüísticas devem ser combinadas, de modo a serem devidamente compreendidas e interpretadas.

Estabelece-se, assim, um jogo de forma e conteúdo, a partir do qual mensagens envolvendo diferentes graus de complexidade são codificadas e, posteriormente, descodificadas.

Todo aquele que fala ou escreve leva em conta os instrumentos de que dispõe a fim de expressar, da forma mais fiel possível, aquilo que pensa, no sentido de fazer-se entender, de maneira mais, ou menos, objetiva conforme seja a sua intenção.

Consideradas as combinações que se estabelecem nas palavras isoladas ou nas palavras entre si, ou seja, relacionando-se os eixos paradigmático e sintagmático, acaba-se por estabelecer o campo da morfossintaxe, análise mais completa e abrangente, na medida em que analisa os mecanismos de seleção e de combinação.

Dentro dessa concepção, é possível relacionar, por exemplo, classe gramatical e função sintática. Assim, o substantivo, classificação paradigmática, desempenha função nuclear, numa visão sintagmática, sendo, pois, elemento determinado. Todas as demais classes que se ligam ao substantivo constituem elementos periféricos, funcionando, assim, como determinantes.

Assim, numa leitura morfossintática, é possível dividir os personagens dos romances em questão em dois grupos: nucleares e periféricos, levando em conta a posição de cada um deles nas diversas células que ser formam ao longo das diferentes narrativas.

São personagens nucleares aqueles que desempenham a função de determinado em relação a outros que lhes são periféricos, ou determinantes.

A função de determinado ou determinante liga-se à base a partir da qual se forma o nome. Se a origem for um substantivo, o nome será determinado; no caso der ser um adjetivo será determinante.

Daí, a relação paradigmática e sintagmática que se estabelece na ligação dos personagens entre si: dos subgrupos formados em função do espaço narrativo à formação de triângulos amorosos possíveis ou não, do ponto de vista morfossintático.

Nesse ponto, a palavra a ser empregada adquire importância capital. Os recursos lingüísticos utilizados são, assim, fundamentais na expressão de um conteúdo: o emprego de sufixos na formação de hipocorísticos, a conversão, transformando substantivos comuns em próprios; a anteposição de formas respeitosas de tratamento; as adições e as oposições encontradas na combinação de prenomes e sobrenomes, num processo explícito de coordenação; as funções de determinado e determinante desempenhadas pelos personagens, revelando a subordinação de uns em relação a outros.

Intenção e linguagem passam a estabelecer um forte elo, numa estreita relação entre conteúdo e forma. Apresentar o personagem só pelo prenome, só pelo sobrenome, pelo nome completo, pelo hipocorístico constitui traço revelador das intenções do autor.

Sejam, por exemplo, os personagens DONA TONICA, em "Memórias Póstuma de Brás Cubas", e MANDUCA em "Dom Casmurro".

O hipocorístico TONICA provém de Antônia, a partir de um processo braquissêmico de eliminação dos elementos silábicos anteriores à sílaba tônica, acrescido do sufixo -ICA ao restante do radical.

Ocorre que o referido sufixo empresta valor pejorativo ao nome ao qual se liga. Daí o tom jocoso que se observa no batismo do personagem em questão: o apelativo respeitoso DONA, acompanhado de um hipocorístico que traduz depreciação. É importante destacar que a jocosidade do nome não resulta da combinação do apelativo com o hipocorístico, já que, no Brasil, esta é fácil de ocorrer. Tem-se, como exemplos Dona Iaiá, Dona Mariquinha. O emprego do sufixo -ICA é que se torna responsável pelo efeito irônico.

O fato de Machado de Assis haver escolhido o hipocorístico em vez do nome de origem para batizar personagem revela o humor cáustico com que o autor o constrói e o desenvolve. Várias são as personagens em que predomina o tom pejorativo, chegando, algumas vezes, ao ridículo: "Todas as suas graças foram chamadas a postos, e obedeceram, ainda que murchas".

Sobre MANDUCA, personagem de "Dom Casmurro", é possível observar que a presença do sufixo -UCA conota um tom ao mesmo tempo jocoso e popularesco. Não privava o personagem da intimidade de Bentinho, razão talvez suficiente para justificar a escolha da forma com a qual aquele aparece batizado.

 

Não éramos amigos, nem nos conhecíamos de muito. Intimidade, que intimidade podia haver entre a doença dele e a minha saúde? Tivemos relações breves e distantes.

 

(...) Vivo era feio; morto pareceu-me horrível. Quando eu vi, estendido na cama... , fiquei apavorado e desviei os olhos.

 

No extremo oposto, estão aqueles apresentados por meio do nome completo, atitude que revela o prestígio social do nomeado. Pertencem a esse grupo DAMIÃO LOBO NEVES, JOAQUIM BORBA DOS SANTOS, PEDRO RUBIÃO DE ALVARENGA, CRISTIANO DE ALMEIDA E PALHA, PEDRO DE ALBUQUERQUE SANTIAGO, EZEQUIEL DE SOUZA ESCOBAR, EULÁLIA DAMASCENA DE BRITO, filha de Damasceno, personagem do romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas", pelo fato de não gozar de boa situação financeira, é mostrada com seu nome completo apenas em seu epitáfio.

Outro ponto a destacar na ótica da leitura morfossintática dos antropônimos machadianos é a possibilidade de construção de triângulos amorosos entre os personagens dos romances em questão.

Aqui, mais uma vez o jogo das relações morfossintáticas evidencia-se, tomando como apoio a base substantiva ou adjetiva a partir das quais são, etimologicamente, formados os nomes próprios, conforme já expusemos anteriormente.

Em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", temos a considerar os personagens Brás Cubas, Virgília e Lobo Neves como formadores de um sintagma.

BRÁS CUBAS tem seu prenome atribuído, segundo seu pai, Bento Cubas, em homenagem ao famoso capitão-mor Brás Cubas, fundador da vila de São Vicente. O antropônimo aparece, pois, com atributo, decorrente do fato de o pai querer ver no filho as nobres características do homenageado. A base é, desse modo, adjetiva; daí, a função determinante desempenhada pelo antropônimo.

O nome VIRGÍLIA, feminino de Virgílio, apresenta mais de uma hipótese sobre o seu étimo, todos levando à forma Vergilius. Ligando o nome a virgo, "virgem", as idéias de "candura", de "pureza", de "inocência" aparecem diretamente associadas. Assim, tem-se um determinado, dada a fase substantiva da origem.

Em LOBO NEVES, ocorre a apropriação pelo personagem dos atributos relativos ao significado de seus dois sobrenomes, formados pelo processo de conversão: "diabólico", "maligno", "feroz", por um lado; "frio", "calculista", por outro. A função desempenhada é assim, a de determinante, já que a base presente é, em ambos os casos, adjetiva.

Em suma, a relação Brás Cubas - Virgília - Lobo Neves estruturam-se, sintaticamente, da seguinte maneira: Virgília é o determinado em torno do qual, gravitam dois determinantes: Brás Cubas e Lobo Neves.

Tal triângulo amoroso, presente no romance, foi criado por ser possível de existir pelas relações morfossintáticas estabelecidas pela etimologia dos antropônimos.

No romance "Quincas Borba", Rubião, Sofia e Palha também organizam-se de forma tal que possibilitam a ocorrência de um triângulo amoroso.

O nome Rubião liga-se a Rubiães, possivelmente oriundo do genitivo *rubianis da forma rubens, que significa "ruivo, encarniçado". Aponta, pois, para uma base adjetiva, ou seja, um determinante.

Quanto a SOFIA, seu nome provém do grego sophia e significa "ciência, sabedoria divina". Apresenta, assim, base substantiva e, por isso, desempenha a função de determinado.

Sobre PALHA, a conversão de um nome comum a próprio guarda ainda o conteúdo de origem, mantendo o sentido de "sem valor", "ordinário", "reles", "ruim"; ou seja, base adjetiva, da qual resulta o papel de determinante.

Assim sendo, a relação revelada no romance entre Rubião, Sofia e Palha é possível do ponto de vista morfossintático: o vértice do triângulo é ocupado por Sofia, o nome determinado, ladeada por dois determinantes: Rubião e Palha.

Nesse mesmo romance, o narrador revela ao leitor o grande interesse de Sofia por Carlos Maria, "... um rapaz de vinte e quatro anos, que roía as primeiras apara dos bens da mãe". (6)

A justaposição dos dois nomes - Carlos e Maria - um masculino e outro feminino, deixa entrever, na estruturação do referido personagem, características próprias dos dois sexos. Além disso, o nome CARLOS significa "homem", enquanto MARIA remete a "mulher", ambos com base substantiva e, por isso, determinado.

Tal condição impede que o triângulo Sofia - Palha - Carlos Maria se forme pelo fato de não ser possível a relação sintagmática entre dois determinados e um determinante, já que não é possível a ocupação de uma mesma posição nuclear por dois elementos distintos, sem possibilidade de fechar a figura geométrica formada a partir das relações sentimentais entre os personagens em questão.

Ao nível da narrativa, o relacionamento entre Sofia e Carlos Maria não ultrapassou o limite do desejo daquela.

No que se refere a "Dom Casmurro", dois triângulos amorosos também podem ser analisados: Bentinho, Capitu e Escobar; Bentinho, Sancha e Escobar.

O personagem Bentinho tem seu nome formado pelo radical de BENTO, acrescido do sufixo -INHO, o qual revela a afetividade de todos os que o cercavam. BENTO, forma divergente de Benedito, significa "louvado", "elogiado". Apresenta, assim, base adjetiva na etimologia do seu nome, desempenhando a função de determinante.

CAPITU, por sua vez, é hipocorístico de Capitolina, forma feminina de Capitolino, do latim Capitolium, "relativa a Capitólio".

Capitólio, do latim Capitolium, é o nome dado à colina de Roma onde estava situado o templo de Júpiter, divindade grega pertencente ao conjunto de deuses soberanos, que, em oposição aos deuses guerreiros, dispõem de meios mais eficazes de governar, de administrar e de equilibrar o mundo, usando como recursos o dom da arte e da astúcia, a capacidade de cegar, de ensurdecer, de paralisar os adversários e de arrebatar toda e qualquer eficácia de suas armas.

A forma latina Capitolium, por sua vez, provém de caput, "cabeça". Daí, considerar-se a base substantiva de formação do nome do personagem em questão e, desse modo, seu papel de determinado.

O personagem Escobar tem seu nome formado por conversão do substantivo comum a próprio e significa "plantação de vassouras". Metaforicamente, o substantivo comum vassoura relaciona-se à pessoa que troca muito de amantes ou de namorados, ou seja, "amante", "volúvel", ou ainda àquele que ganha sempre, ou quase sempre, em jogos de azar ou em sorteios; daí, "jogador", "vencedor". Aponta-se, por isso, a base adjetiva na etimologia do referido nome.

Portanto, a traição, tida como real no pensamento de Bentinho, mostra-se sintaticamente possível, dado que o determinado Capitu apresenta-se acompanhado por dois determinantes: Bentinho e Escobar.

Considerando o personagem Sancha, este tem em seu nome a forma feminina de Sancho, nome místico que provém do latim Sanctu, "santo".

Desse modo, a distribuição existente entre Sancha, Bentinho e Escobar mostra a possibilidade de existir um triângulo amoroso: o determinado Sancha, ao lado dos determinantes Bentinho e Escobar. O personagem Sancha, no entanto, acabou preservado da acusação de adultério, já que uma ressaca tirou a vida de seu marido, Escobar, do mesmo modo que aniquilou qualquer possibilidade de dar seguimento ao clima romântico que estabelecera entre Sancha e Bentinho, na noite anterior à tragédia. Segundo Bentinho, a mesma ressaca que estava presente no olhar de Capitu, impedindo Escobar de também proteger-se desta.

Tanto Capitu quanto Sancha são personagens-núcleo (determinados) dentro do romance, ainda que hierarquicamente distintas.

A função de determinado, desempenhada nos triângulos amorosos analisados pelas personagens femininas, ocupando a posição nuclear, evidencia a importância da mulher na obra machadiana, avaliada por diferentes pontos de vista. De tudo quanto foi exposto, mostra-se bastante pertinente o estudo dos personagens dos romances em questão sob a ótica de uma leitura morfossintática de seus respectivos antropônimos, considerada a estrutura da narrativa à qual se ligam, bem como as recorrências existentes na organização textual, consideradas como traços característicos da literatura machadiana.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. Rio de Janeiro : Leviatã, 1994.

 

A PRIMA RICA E A PRIMA RIQUÍSSIMA

UM ESTUDO DA LÍNGUA

NUMA PERSPECTIVA SOCIOLINGÜÍSTICA

Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS)

 

Ao fazer, no título, uma analogia à história do “Primo rico e o primo pobre”, pretendemos demonstrar que a concepção que muitos têm da modalidade popular como sendo “pobre” ou “errada”, é, na verdade, desprovida de qualquer conhecimento lingüístico e carregada de grande preconceito social e regional.

“Uma das frases mais correntes sobre alunos ou outros cidadão pouco cultos é que falam tudo errado. Ela tem sido empregada tanto em relação a alunos quanto em relação a pessoas de certas classes sociais, ou de outras regiões do país. (...) Nós já sabemos que a idéia segundo a qual se fala errado (quando não se fala como falamos ou como gostaríamos que se falasse) é uma idéia cientificamente problemática, para dizer o mínimo. (Possenti, 1998, p. 41, 42).

 

Os usuários da modalidade popular são considerados destoantes, pois a norma padrão é vista como elemento de coesão social, como elo entre os falantes que pertencem a comunidade lingüística do poder, da classe privilegiada; logo os que não se adeqüam a essas exigências normativas, por possuir suas próprias normas, ou são marginalizados - tachados como aqueles que falam errado, ou muito merecem um eufemismo: “os deficitários lingüisticamente”; e são forçados a praticar um bidialetalismo (situação lingüística em que os falantes, de acordo com a situação comunicativa, fazem uso de dois dialetos sociais, por exemplo; na escola, os alunos de classes sociais desfavorecidas esforçam-se para utilizar a norma culta e a linguagem popular, em sua comunidade) neste mercado lingüístico, em que o valor da “moeda” passa a ser um instrumento de dominação.

Gostaríamos que ficasse claro aqui que não estamos discordado do papel da Escola enquanto instituição que é responsável pelo ensino da norma padrão, o que discordamos é a forma como, muitas vezes, isso acontece. A fim de valorizar (ou supervalorizar) a norma padrão veiculada na escola, há um total desrespeito por outros falares e um desconhecimento (ou pseudo desconhecimento) da diversidade lingüística do Brasil. O que se verifica, de fato, é que essa é mais uma questão de cunho político e social do que propriamente lingüística.

As forças lingüísticas, que se instauram nas salas de aulas, têm na figura do professor o instrumento autorizado para veicular a comunicação do poder, a linguagem legitimada pelo sistema, como aquele que decide que mensagens merecem ser ouvidas e aprendidas em sala de aula . A voz da criança é “silenciada” quando sua linguagem é identificada e avaliada como “escolarmente não rentável”, devendo ser esquecida e substituída pela linguagem ‘escolarmente rentável’ (norma padrão).

 

Segundo Pierre Bourdieu:

“Quando uma língua domina o mercado, é em relação a ela, tomada como norma, que definem, ao mesmo tempo, os preços atribuídos às outras expressões e o valor das diferentes competências. A língua dos gramáticos é um artefato que, universalmente imposto pelas instâncias de coerção lingüísticas, tem uma eficácia social na medida em que funciona como norma, através da qual se exerce a dominação de grupos.” (Apud Soares, 1993, 58).

É dessa linguagem ‘sem prestígio’, dessa linguagem ‘pobre’, desta linguagem ‘errada’, dessa linguagem ‘escolarmente não-rentável’, dessa ‘deficiência lingüística’, dessas ‘outras expressões’ que abordaremos neste texto a fim de provar o quanto esses rótulos são discriminativos e veiculam um conteúdo lingüisticamente enganoso. A nossa vida social supõe um problema de intercâmbio e comunicação que se realiza, fundamentalmente, pela língua. De acordo com o pensamento de Whorf (na hipótese Sapir-Whorf), cada língua apresenta a capacidade natural de recortar a realidade de um modo particular e por isso cada língua natural delimita aspectos de experiências vividas por cada povo. Vamos verificar diariamente que as experiências (com a língua) de um povo não coincidem, imperiosamente, de uma região para outra. As línguas apresentam cosmovisões da realidade e, por sua vez, o ‘mundo real’é construído inconscientemente segundo hábitos lingüísticos do grupo.

Então por que julgar que os pensamentos, os sentimentos e as emoções de meus compatriotas (e os direitos também), que falam uma variedade diferente da minha (contudo da mesma Língua Portuguesa), são menos profundos, menos nobres e menos fortes (e em menor número) que os meus?

Há riqueza na pluralidade de normas: culta, familiar, literária, popular, técnica etc. Nossa Língua Portuguesa seria muito pobre se apresentasse apenas uma forma para seu léxico, para sua sintaxe. Por que se aceita (impõe) a variedade culta, literária, científica e só se “escandalizam ‘com a popular? Isto é uma demonstração de verdadeiro desrespeito lingüístico.

A fim de dar conta dos aspectos que relacionam língua e sociedade, surge a partir de 1963, a disciplina Sociolingüística (veja que estamos nos referindo a disciplina, pois os estudos surgiram bem antes) que estuda a linguagem como parte da cultura e da sociedade. Em razão disso, essa disciplina abrange a estrutura e o uso da linguagem que dizem respeito às funções sociais e culturais. Identifica e analisa as variadas realizações lingüísticas de significados socioculturais.

Seus objetivos são: identificar alguns fatores sociais envolvidos na escolha que os usuários fazem da linguagem e mostrar como cada escolha se manifesta em termos de linguagem, dialeto, variedade, estilo, variante, etc. Traçando seu objeto de estudo, podemos afirmar que a Sociolingüística ocupa-se em descrever os problemas resultantes da interação lingüística dentro de grupos.

Entre os nomes de Emile Durkheim, Meillet, Gumpers, Lambert, Bernsteim e Labov; destaca-se o do último como sendo o iniciador do modelo - teórico metodológico que se propõe a descrever e interpretar os fenômenos lingüísticos no contexto social. Esse modelo é conhecido como Teoria da Variação, ou sócio quantitativa, por operar com números e tratar os dados estatisticamente.

Dois trabalhos de Labov são de relevância na determinação desse campo de estudo. Seu primeiro estudo (1963) foi sobre o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard, no Estado de Massachussetts (Estados Unidos), em que ressalta o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação lingüística. O segundo é de 1964, uma pesquisa sobre a estratificação social do inglês em New York.

 

Coube a Bernstein diferenciar os códigos restritos e elaborado, sendo eles resultados da diferença entre os processos de socialização que acontecem nas diversas sociais e de conseqüência relevante para a área da educação. Já Lambert apresenta dois tipos básicos de motivação de aprendizagem de língua: motivação integrativa (deseja-se uma identificação com a cultura dos falantes desta língua que se está aprendendo) e motivação instrumental (quando se visa à autoridade e ao poder que poderão advir juntamente com a língua). Gumpers trabalhou com a escolha da linguagem que o indivíduo faz de acordo com os fatores sociais: linguagem pessoal, transacional; linguagem do poder e da solidariedade etc. De Meillet, temos a proposta de fundar uma Lingüística Geral de base sociológica, para ele, a ‘História das línguas é inseparável da história da cultura e da sociedade, as línguas não existem fora dos sujeitos que a falam e de Emile Durkheim, a relação entre Sociologia e Lingüística.

Retomando a Labov, vamos verificar que, embora seu trabalho seja contemporâneo ao de Bernstein, ele desmistificou a lógica que relacionava privação lingüística às dificuldades de aprendizagem, na escola, das minorias étnicas desfavorecidas socialmente. Segundo sua visão, essas dificuldades são criadas tanto pela escola como pela sociedade em geral, e não pelo dialeto estigmatizado falado por essas minorias.

Consultando sobre os trabalhos produzidos com a metodologia sociolingüística aqui no Brasil, vamos encontrar o projeto realizado por Lemle e Naro nos idos anos de 1977 e de outros sociolingüistas que voltavam de seus doutorados no estrangeiro. A partir daí, há uma positiva influência em outros pesquisadores. Contudo não queremos esquecer o papel do primeiro atlas lingüístico regional brasileiro (fecundado na década de 50), o Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB). Após a sua publicação em 1963, o material também passou a ser utilizado em pesquisas sociolingüísticas. É o começo no Brasil da negação da tão cantada unidade lingüística do Brasil, acorda-se para a realidade de que a unidade do português brasileiro de há muito deu lugar ao reconhecimento da diversidade de usos.

O Atlas Lingüístico de Sergipe é lançado em 1987 por Ferreira, Carlota, Jacyra Mota, Judite Freitas, Nadja Andrade, Suzana Cardoso, Vera Rollemberg e Nelson Rossi. O projeto foi executado em parceria - UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Fundação Estadual de Cultura de Sergipe.

Os avanços dos estudos sociolingüísticos no Brasil, mesmo após três décadas, não apresentam, ainda, condições de permitir que se possa traçar um perfil da comunidade de fala brasileira na sua totalidade, diagnostica Suzana Cardoso.

Isso, talvez, ligue-se ao fato do Brasil ser um país não apenas multilíngue e multidialetal. “Ele é também uma sociedade multicultural - a quantidade e diversidade de subculturas agregadas em comunidade de fala devem ser vistas não como um problema, mas antes de tudo como um recurso, tão precioso quanto a biodiversidade o é a nível biológico.” Justifica Quental (1996, p. 235).

Contribuindo com trabalho nessa linha de pesquisa, gostaríamos de relatar, resumidamente, o levantamento que fizemos do falar dos municípios que formam o Pólo de Própria, região ribeirinha de Sergipe. Destacamos que o registro ocorreu de maneira informal, a partir do que os pesquisadores ouviram em casa, na rua, em feira-livre e em suas salas de aulas.

Os pesquisadores foram os alunos do Projeto de Qualificação de Docente (PQD). Este projeto é o resultado de uma parceria entre o Governo do Estado de Sergipe e a Universidade Federal de Sergipe (UFS), e tem o objetivo de cumprir as exigências da nova Lei de Diretrizes e Bases, ou seja, o de que todos os professores que trabalham a partir da Educação Infantil tenham concluído o 3o grau. O projeto é executado em cinco pólos, estrategicamente localizados, visando atender aos mais de 70 (setenta) municípios que formam o estado de Sergipe - Estância, Lagarto, Itabaiana, Própria, e Nossa Senhora da Glória.

Esta pesquisa informal serviu também de motivação para um projeto mais audacioso que é o de fazer o levantamento do Português Rural de Sergipe. Este projeto liga-se a um maior que constitui a linha de pesquisa do Doutorado interinstitucional entre a Universidade estadual de Campinas, Universidade Estadual de Feira de Santana e Universidade Estadual da Bahia.

 

PESQUISADORES: Alunos do PQD 2 (Projeto de Qualificação de Docentes, turmas de Letras -Português e Inglês).

MUNICÍPIOS : Pólo de Propriá-SE (Canhoba, Capela, Carmópolis, Cedro Divina Pastora, Gararu, General Maynard, Itabi, Japaratuba, Japoatã, Nossa Senhora de Lourdes, Pirambu, Propriá, São Francisco, Tomar do Geru)

ÉPOCA : O ano de 1999.

PESQUISA: Fazer uma amostragem do falar popular das áreas que formam o Pólo de Propriá.

OBJETIVO: conscientizar os professores que trabalham com a clientela deste pólo sobre a necessidade de não só respeitar a modalidade popular utilizada pelos alunos e sua comunidade (comunidade também da maioria dos professores) mas também identificar as riquezas deste registro como merecendo (ou melhor, tendo o direito de) ser trabalhado em sala de aula.

PARADOXO DO OBSERVADOR: Nesta pesquisa, o paradoxo do observador foi facilmente resolvido tendo em vista o pesquisador ser da mesma comunidade dos informantes e o registro ter sido feito informalmente.

 

Os dados coletados foram agrupados segundo alguns critérios: campos associativos; a riqueza de um código denominado restrito; expressões que merecem ser registradas; termos regionais, palavras que sofreram o processo de aférese, síncope e apócope. Nesta abordagem, iremos considerar apenas o segundo agrupamento para fazer jus ao que anunciamos no título do artigo.

 

Riquezas de um código denominado restrito

 

Tendo em vista nosso trabalho se pautar numa perspectiva sincrônica, estamos listando em ordem alfabética as palavras registradas no momento de fala, sem caracterizá-las se é um estrangeirismo, um arcaísmo ou simplesmente uma alteração fonética resultante do processo de um evolutivo.

Enquanto a norma culta, dita código elaborado, apresenta apenas uma forma para a maioria das palavras listadas abaixo, a modalidade popular apresenta duas e até três variantes:

 

A Agúia / gúia aprecata/ auprecata

adevogado/ adivogado antástica/ antágiga

Antonte/ ontonte

 

C craro/ quilaro culé/ cuié

 

F Flórum/ flóro(Fórum)

Falcudade/ faculidade Fosfi/ fofe/ frosco(fósforo)

 

L Lâmpida/ lampra

 

M mandubim/ midubim/ mudobim (ameduim)

Melencia/ melhencia muiê/ mulé

muitha/munta musga/musguia(música)

 

O Ocê/ cê (você) orêia/ urêia/ zureia

Oio/ zóio ômbus/ oimbus

 

P pió/ pelhor perfessora/ prefessor

Percurá / preucurá poxta/ posta/ poita (porta)

Poblema/ pobrema/probrema prumode/ pumode

Pruquê/ pusquê

 

S Suvaco/ subaco

 

T Tamém/ tomém/tombém taba / tauba

Tabaio/ trabaia troxe/ truxi

 

Z Zóio/Zôio/zolho zuvido/ uvido

 

Observamos que essas comunidades lingüísticas têm contribuído muitíssimo para a sua língua. O que ocorre é que os usuários da norma culta, orgulhosos do seu ‘bem-falar’, não têm interesse em reconhecer a variedade popular da língua; quando muito, aceitam as pesquisas sociolingüísticas que apontam a existência dessa ‘outra’ modalidade mas que não afetam em nada o status quo de sua norma padrão.

 

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