ESTRUTURAÇÃO DO CONCEPTUS, DOS CAMPOS CONCEPTUAIS E LEXICAIS, DOS CO-HIPÔNIMOS E DOS PARASSINÔNIMOS: SEMÂNTICA COGNITIVA E SEMÂNTICA LEXICAL

Maria Aparecida Barbosa (USP)

 

0. Introdução

 

Nós nos propusemos a examinar, neste trabalho, aspectos importantes dos níveis conceptual e lexemático do percurso gerativo da enunciação de codificação e de decodificação. O estudo das estruturas e funções das unidades-padrão do plano cognitivo e do plano semiótico tem grande relevância, no âmbito das pesquisas lexicológicas, semânticas e terminológicas. Analisamos, aqui, de um lado, a complexidade estrutural e funcional dos constructos de cada um desses níveis, com vistas à proposição de uma tipologia de campos conceituais e de campos lexicais; de outro, as diferentes redes de relações intra e interconjuntos conceptuais e lexicais.

Constatamos a diversidade organizacional do conceptus, com seus sucessivos conjuntos de traços caracterizadores - dos biológicos aos ideológicos -, bem como a existência do processo de neutralização, também no plano conceptual, de que resulta o arquiconceptus. Pudemos construir modelos que permitissem a descrição da estruturas dos campos conceptuais unitário e múltiplo, de seus respectivos arquiconceptus, como dos vários tipos de campos lexicais e dos correspondentes arquissememas e arquilexemas, numa perspectiva mono e plurilíngüe.

 

1. A organização dos patamares conceptual e lexical: tipos de campos conceptuais e lexicais

 

Propomo-nos, aqui, conforme apontamos na introdução deste trabalho, a descrever a organização dos diferentes tipos de campos conceptuais e de campos lexicais, bem como as relações que se estabelecem entre os elementos do conjunto dos primeiros e os do conjuntos dos últimos, buscando, por outro lado, mostrar as diferenças nocionais e estruturais entre campo conceptual, campo lexical, campo semântico e respectivas unidades-padrão: conceptus, lexemas/vocábulos/termos, sememas.

Essa questão insere-se no modelo do percurso gerativo de enunciação de codificação e de decodificação, pois cada um daqueles campos situa-se em diferentes patamares desse percurso: o campo conceptual, conjunto de conceptus, é resultado do processo de conceptualização do ‘saber sobre o mundo’ - pré-lingüístico, pré-semiótico, trans-semiótico; o campo lexical, conjunto de lexemas, lexias, vocábulos/termos que têm um núcleo sêmico comum, resulta do processo de lexemização - conversão da informação conceptualizada em significação lingüística; o campo semântico, em uma de suas acepções, constitui um conjunto de sememas e resulta da intersecção do significado das unidades lexicais de um campo lexical. As relações existentes entre os três campos não são simétricas, visto que um campo lexical pressupõe e contém necessariamente os seus correspondentes campo conceptual e campo semântico; entretanto, um campo conceptual pode não ter, ainda, os campos lexicais e semânticos que lhes corresponderiam. Constituem, pois, constructos não confundíveis, na medida em que pertencem a níveis de articulação e de análise distintos.

 

2. Estruturação do patamar conceptual

 

Um conceptus, em sentido amplo, constitui, conforme expusemos acima, um ‘modelo mental’ (Rastier, 1991), dialeticamente articulado a um recorte cultural ou designatum. É um conjunto de traços semânticos conceptuais que apresenta grande complexidade estrutural: um subconjunto de noemas (Pottier, 1992), biofísicos ou ‘universais’, conceptus stricto sensu; um subconjunto de traços semânticos conceptuais ideológicos, culturais, metaconceptus; um subconjunto de traços semânticos conceptuais ideológicos, intencionais, modalizadores, metametaconceptus. Neste último, o noema [intenção] é o mais importante, por oposição ao [ideológico] do subconjunto anterior, não tão marcado como o [intencional]. Esses três subconjuntos formam o conceptus lato sensu.

Julgamos importante ressaltar que, ao engendrar-se um conceptus, geram-se, simultânea e necessariamente, três outros conceptus: seu contrário e os contraditórios decorrentes, já que o raciocínio do homem funciona por oposições, dentre as quais, relações entre contrários e contraditórios:

Desse modo, ao criar-se o conceptus <<bem>>, por exemplo, concomitantemente engendra-se o seu contrário, <<mal>>, e seus respectivos contraditórios, <<~bem>> e <<~mal>>:

 

 


<<bem>> <<mal>>

 

 

 

 


<<~mal>> <<~bem>>

 

Figura 1

 

onde << >> = conjunto de traços semânticos conceptuais, ou semema conceptual.

 

Assim, um conceptus lato sensu é um campo conceptual, já que, implicitamente contém esses três outros conceptus. Chamaremos esse caso de campo conceptual unitário pleno, por oposição ao campo conceptual unitário vazio (Æ ).

Diferente é a organização do campo conceptual conjunto múltiplo, que contém vários conceptus lato sensu explicitados, com um núcleo sêmico comum, apresentando, cada um deles, implicitamente, seus conceptus contrários e contraditórios.

Retomando o subconjunto de noemas ‘universais’, que aqui denominamos conceptus stricto sensu, numa outra perspectiva - a da análise contrastiva, entre grupos socioculturais diferentes, e a da análise comparativa entre subgrupos de uma mesma cultura, chegamos à noção de arquiconceptus.

O conjunto de traços semânticos conceptuais de natureza ‘universal’ corresponde a um arquiconceptus (Béjoint e Thoiron, 1996), já que neutraliza as diferenças conceptuais entre línguas diferentes. Estaria relacionado ao protótipo (Dubois, 1991) e à intersecção do sentido recortado culturalmente ou formado de Hjelmslev (1975). Sustenta e viabiliza os processos de tradutibilidade interlingüística e intersemiótica.

Se compararmos o recorte conceptual de um ‘fato’ natural, de uma língua A e de uma língua B, diremos que os traços comuns constituem o seu arquiconceptus, que denominaremos arquiconceptus1 Logo:

arquiconceptus1 Ì conceptus1 de língua A, arquiconceptus1 Ì conceptus1 de língua B.

 

Segundo Béjoint e Thoiron, "l’archi-concept est vu ici comme une entité abstraite dont le statut, au plan philosophique, ne nous concerne pas. On reconnaitra seulement que l’archi-concept est en correspondance dans les diverses cultures, avec divers concepts. Le degré de similitude entre concepts, dits ici homologues, n’est pas préjugé (i.e. ni sous-estimé ni décrété a priori): il peut être grand ou faible(...) ceci permet de reconstruire, pour chacune de ces langues, un embrion de concept. La réunion de ces ensembles embrionnaires de traits conceptuels constituerait l’embrion d’un archi-concept... " (1996: 516-617).

A última parte da citação nos remete inclusive ao processo de passagem do sentido amorfo, estruturável, ao sentido formado, estruturado (Hjelmslev, 1975), porém comum, mutatis mutandis.

Diríamos, pois, que o processo de conceptualização, como percurso, é muito mais complexo do que a passagem do ‘sentido amorfo’ para o ‘sentido formado’, tal como o explica Hjelmslev. Há etapas teóricas constitutivas do processo de conceptualização, entre um e outro. Assim, entre o sentido estruturável e o sentido estruturado, há a formação de um protótipo conceptual biofísico, núcleo noêmico comum a todas as culturas, que corresponderia ao arquiconceptus, ou conceptus stricto sensu, primeiro nível de "formação", resultante das latências e salências (Pottier, 1992). Entretanto, no processo de pregnâncias, começam a ficar visíveis os noemas culturais, específicos de cada cultura, correspondentes ao metaconceptus, segundo nível de "formação", e, no interior de uma mesma cultura, os discursos ‘políticos’ eufóricos ou disfóricos sobre o mesmo fato engendram o metametaconceptus, sunconjunto dos traços semântico-conceptuais modalizadores. Esquematicamente, temos:

 

 

‘fato natural’ 1 - ‘sentido amorfo’

 

latências

 

saliências

 

protótipo correspondente a um arquiconceptus

 

pregnâncias

 


 


fato cultural 1´, fato cultural 1´´,..., fato cultural 1n

 

Figura 2 sentido formado

 

 

Julgamos relevante a aplicação que Pais (1999: 15-20) faz das noções de arquiconceptus, metaconceptus, metametaconceptus, quando analisa as oposições privilégio x restrição, tradição x modernidade, apontando os traços conceptuais comuns e diferentes, numa análise constrastiva das culturas e sociedades brasileiras e francesas, ou das culturas e sociedades brasileiras e cubanas (Pais, 2000). Dessa análise resultam, para cada uma das oposições, um arquiconceptus comum às duas culturas em causa, em cada caso, subconjunto dos traços sêmicos e semântico-conceptuais ‘universais’ que constituem a intersecção absoluta dos conjuntos dos dois conceptus lato sensu, dois metaconceptus, subconjuntos de traços culturais, caracterizadores de cada cultura, e dois metametaconceptus, subconjuntos dos traços modalizadores, manipulatórios, correspondentes a cada uma das culturas em questão, em discursos manifestados, particularmente no universo de discurso político. É o que acontece, por exemplo, no tocante ao acesso às Universidades públicas.

Assim, parece-nos que a noção de arquiconceptus é fundamental, quando da análise contrastiva de línguas e culturas e, também, no âmbito da mesma língua e cultura, no exame da variação conceptual do mesmo ‘fato’: assegura o rigor do estudo da variabilidade e das identidades conceptuais do mesmo ‘fato’, inter-culturas e inter-grupos.

Cremos que essa noção de arquiconceptus completa as formalizações já existentes, que descrevem as estruturas do patamar cognitivo. É de se ressaltar, ainda, o isomorfismo, ou identidade formal entre os processos de neutralização fonológica, morfológica, lexical, semântica, conceptual, mesmo textual e seus respectivos produtos: arquifonema, arquimorfema, arquilexema, arquissemema, arquiconceptus, arquitexto (Rastier, 2000), este último resultado da neutralização das diferenças existentes entre textos implicados num processo de intertextualdade.

As reflexões acima nos autorizam a propor uma tipologia de campos conceptuais (Cf. Barbosa, 2000), segundo o critério do número de elementos, da qualidade e quantidade de elementos que contêm: campo conceptual como conjunto unitário, campo conceptual como conjunto vazio, campo conceptual como conjunto múltiplo, este último, por sua vez, constitutivo de quatro tipos, o dos co-hipônimos da ‘semiótica natural’, o dos co-hipônimos culturais, o dos co-hipônimos modalizadores e o dos parassinônimos:

 

 

A. Campo conceptual como conjunto unitário: <<Deus>>

 

 


noemas ideológicos,

intencionais, modalizadores (III)

 

 


N noemas ideológicos, culturais (II)

111

 


N noemas ‘universais’ (I)

 

Figura 3

 

B. Campo conceptual como conjunto vazio (Æ ): <<~Deus>>

 

noemas ideológicos, intencionais,

 


modalizadores

 

 


Noe noemas ideológicos, culturais

 

 


No noemas ‘universais’

 

Figura 4

 

 

C. Campo conceptual como conjunto múltiplo:

 

C.1. Co-hipônimos da semiótica natural, com ênfase no subconjunto biológico: <<cão>>, <<gato>>

III

 

II

<<cão>>

I

 

 

 

<<gato>>

 

 

<<mamíferos>> (denotação)

<<cão>> Ç <<gato>> @ conceptus stricto sensu dos traços

biológicos @ arquiconceptus

Figura 5

 

 

 

 

 

 

 

C.2. Co-hipônimos da semiótica natural, com ênfase no subconjunto cultural: <<oliveira>>, <<palma>>, <<incenso>>:

 

III

 

II

 

 

 

 

 

 

 

 

 

<<oliveira>> Ç <<palma>> Ç <<incenso>> @ <<plantas místicas>> @ metaconceptus (traços culturais) Figura 6

 

C.3. Co-hipônimos da semiótica cultural, conjunto dos subconjuntos de traços culturais e intencionais, modalizadores: <<globalização>>, <<mundialização>>

 

III

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

<<globalização>> Ç <<mundialização>> @ metametaconceptus (traços intencionais, modalizadores, manipulatórios, intencionalidade)

Figura 7

 

C.4. Parassinônimos, da semiótica cultural, conjunto dos subconjuntos de traços culturais e intencionais, modalizadores: <<Presidente da República>> @ /Presidente da República/, /Primeiro Mandatário da Nação/, /Chefe de Estado/,...

 

III

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intersecção de traços culturais (o que significa Presidente da República na culturan Brasileira) @ metaconceptus

 

Intersecção de traços intencionais, modalizadores (atributos em discursos de diferentes segmentos políticos) @ metametaconceptus

<<Presidente da República>> @ /Presidente da República/, /Primeiro Mandatário da Nação/, /Chefe de Estado/,..

.Figura 8

Todos os tipos acima examinados compreendem o conceptus pleno, lato sensu, que, por sua vez, contém o arquiconceptus (conceptus stricto sensu), os metaconceptus, os metametaconceptus.

Assim, teremos, de modo geral, o esquema:

 

III

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intersecção correspondente ao arquiconceptus

 

Intersecção correspondente ao metaconceptus

 

Intersecção correspondente ao metametaconceptus

 

Figura 8

 

 

Observe-se que, no tipo C.4, ou seja, o dos parassinônimos, o campo conceptual é constituído de um conceptus stricto sensu, apenas, enquanto nos demais tipos (C.1, C.2, C.3}, há vários conceptus stricto sensu com intersecções. Em outras palavras, os co-hipônimos têm referência cognitiva e conotativa diferentes, já os parassinônimos têm o mesmo referente cognitivo, mas têm referentes conotativos diferentes. Cumpre observar, ainda, que esses diversos referentes conotativos podem privilegiar o metaconceptus, que subjaz às várias manifestações lexicais de um mesmo conceptus stricto sensu, e/ou o metametaconceptus. Logo, essas formas apresentam diferenças noêmicas e semêmicas, reveladoras de variação cultural/ideológica, de tempo, de lugar (dialetos), de camada social (socioletos), de níveis de língua (de idioletos), de universos de discurso (tecnoletos, por exemplo), ou, ainda, privilegiar o metametaconceptus, isto é, os atributos semelhantes ou diferentes, reveladores de intenções distintas: indivíduo do grupo 1 usa preferencialmente a forma lexical 1; indivíduo do grupo 2 usa preferencialmente a forma lexical 2,... cada qual demonstrando suas intenções modalizadoras na seleção de uma delas.

 

3. Um modelo de engendramento e estruturação de um conceptus lato sensu, <<transgênico>>

 

À guisa de ilustração, apresentamos a formação do conceptus de transgênico, na cultura brasileira:

Transgênico é um termo técnico de grande atualidade e, como adjetivo, serve para qualificar seres biológicos, modificados em sua estrutura genética, através de tecnologias desenvolvidas pela engenharia genética. No seu núcleo sêmico, temos os semas [+ser vivo], [+biologia], {+genética], [+estrutura], [+engenharia], [+tecnologia], [+mutação]. Aplica-se preferencialmente à produção de alimentos. Os atributos semêmicos e semântico-conceptuais, nesse nível, configurariam a intersecção de todos os seres vivos e produtos transgênicos, no nível biológico e técnico, ou seja, o seu arquiconceptus.

Contudo, essa inovação nas técnicas de produção e, conseqüentemente, nos hábitos de consumo, desencadeou, em nível mundial, e, particularmente, em nosso país, ampla discussão. De um lado, temos os áulicos da ‘modernidade’ que defendem a produção e consumo de alimentos transgênicos, acentuando os semas [+modernidade}, [+produtividade], [+fartura], [-preço]. De outro lado, temos biólogos, médicos e ecologistas, dentre outros, que apontam possíveis perigos da inovação e que realçam, por seu lado, os semas [+ser vivo], [+biologia}, [+alimento], [+natural], [+saudável]. [+seguro], [+preservação], [+meio ambiente], [+tradição] dos produtos alimentícios naturais, correspondentes, no nível cognitivo, ao metaconceptus.

A questão envolve problemas políticos, econômicos e sociais relevantes. Sucedem-se discursos favoráveis ou contrários, em tom sereno ou veemente, que compreendem semas intencionais, modalizadores, manipulatórios, como, por exemplo a oposição [+modernidade] / [+preservação], [+ lucro] / [+saúde pública], dentre outros, correspondentes, por sua vez, no nível cognitivo ou hiperprofundo aos conjuntos semântico-conceptuais dos metametaconceptus.

Na análise dos discursos sobre essa temática, é possível detectar, no patamar da semântica profunda - do percurso gerativo da enunciação de codificação e decodificação (Pais, 1998: 271-311) - as tensões e conflitos em jogo, de modo a formalizar os microssistemas de valores subjacentes a esses discursos. Num modelo semiótico dialético, temos:

 

 

t.d.

Qualidade x Produtividade

 

 

 


Biológico* Transgênico**

(Estrutura genética (Estrutura genética

original, evolução modificada por

das espécies) engenharia genética)

 

 

ALIMENTOS ALIMENTOS

SAUDÀVEIS PERIGOSOS

(baixa produção) (alta produção)

 

 

 


Natural Artificial

(Não modificado) (Não original,

fabricado pelo Homem)

 

 

Æ

Termo neutro, nem natural, nem artificial

(fora do sistema)

 

 

Figura 9

 

Biológico implica natural, transgênico implica natural. A combinação biológico x natural constitui a dêixis positiva alimentos saudáveis; a combinação transgênico x artificial connstitui a dêixis negativa alimentos perigosos.

Assim, tomando por base as unidades léxicas, designationes, que se manifestam em seus discursos, os semas que integram seus sememas lingüísticos, torna-se possível reconstituir o percurso do nível cognitivo ao nível semiótico, ou, noutras palavras, a passagem da conceptualização à lexemização, do conceptus à denominatio. Temos, então, uma reconstrução do conceptus <<transgênico>> e seus correspondentes metaconceptus e metametaconceptus.

 

Preliminarmente, retomamos o esquema inicial do conceptus lato sensu (Figura 3), aplicando-o ao conceptus <<transgênico>>:

 

 

 

noemas ‘universais’ (I) @ "ser vivo geneticamente modificado por tecnologias avançadas de engenharia genética"; "processo de engenharia genética, de modificação do patrimônio genético (DNA) de um ser vivo".

 

noemas ideológicos, culturais (II) @ "por exemplo, vegetais (sobretudo) e animais resistentes a doenças e pragas, de grande produtividade, mas com possíveis danos à saúde humana".

 

 



noemas ideológicos, intencionais, lato sensu modalizadores (III) @ por exemplo, no discurso político favorável à produção e consumo de alimentos transgênicos, "de alta produtividade", condição para "matar a fome do mundo", de economistas, da agro-indústria, do comércio internacional, etc.; ou no discurso político contrário, como, por exemplo, dos ecólogos, dos ambientalistas, dos responsáveis pela saúde pública, etc., que "consideram prematuro ou precipitado produzir e distribuir alimentos transgênicos, quando ainda não se conhecem com precisão os efeitos sobre o meio ambiente, ou sobre os seres humanos e os animais que os consomem".

 

 

Figura 10

 

 

É possível aplicar o modelo geral acima apresentado ao conceptus lato sensu <<transgênico>>, de modo a construir uma formalização mais rigorosa do campo conceptual como conjunto unitário: <<transgênico>>, apresentando sua estruturação e as relações que se estabelecem no interior do conceptus lato sensu <<transgênico>> e os subconjuntos de traços semântico-conceptuais, ou seja, os metaconceptus e os metametaconceptus que o compõem.

Temos, assim:

 

Campo conceptual como conjunto unitário: <<transgênico>>

 

III

 

 

II

 

 

I

 

 

 

 

 


onde: I = {[+biológico], [+estrutura genética], [+tecnologia],

[+mutação]} @ arquiconceptus <<transgênico>>

@ conjunto de traços ‘universais’

Zonas de

consenso II = {[+tecnologia], [+avanço], [+produtividade],

[+inovação], [+artificial]}


@ metaconceptus

@ conjunto de traços ideológicos, culturais.

 


III-1 = {[+modernidade], [+fartura], [+economia], [-preço],

Zona do @ conjunto de traços intencionais, modalizadores (do discurso avorável),

do embate

III-2 = {[+riscos], [-preservação], [-meio ambiente],

[-tradição], [-natural]} @ metametaconceptus2

 


@ conjunto de traços intencionais, modalizadores, manipulatórios (do discurso contrário).

 

e onde: <<....>> = conceptus e [...] = traço semântico conceptual

 

Figura 11

 

 

Observemos que o subconjunto de traços semântico-conceptuais da Zona I, ‘universais’, definem o arquiconceptus como um consenso, relativo a aspectos da semiótica natural e da modificação, pelo homem, da semiótica natural, um "saber sobre o mundo" compartilhado pela comunidade.

Da mesma forma, os subconjuntos de traços semântico-conceptuais, ideológicos, culturais, constitutivos do metaconceptus, definem certo consenso cultural, outra faceta do "saber sobre o mundo" compartilhado pela mesma comunidade.

Enfim, a Zona III se divide em dois subconjuntos de traços semântico-conceptuais, que constituem, respectivamente, o metametaconceptus1 e o metametaconceptus2 , enquanto conjuntos de traços intencionais, modalizadores, manipulatórios (dos discursos favorável e contrário).

Temos, então, a Zona III como a zona do embate, do confronto, particularmente no discurso político mas também nos discurso científico, tecnológico, econômico, etc.

Por outro lado, retomando o modelo semiótico acima construído, podemos opor <<biológico>> (@ "estrutura genética original, resultado da evolução das espécies" e <<transgênico>> (@ "estrutura- genética modificada, por tecnologias da engenharia genética"), a que correspondem, respectivamente, como vimos, os conceptus <<artificial>> e <<natural>>, como também os termos que os manifestam.

Temos, então, alimentos naturais x alimentos transgênicos como co-hipônimos da semiótica natural e cultural:

 

Alimentos naturais x alimentos transgênicos como co-hipônimos da semiótica natural e cultural:

III

 

II

MM1

M1

<biológico>>

I

A

<<transgênico>> M2

 

 


MM2

 

 

 


I =A = <<alimentos de origem biológica>> @ arquiconceptus1

 

II = M1 = <<alimentos biológicos não modificados>>

@ metaconceptus1

 

M2 = <<alimentos geneticamente modificados>>

@ metaconceptus2

 

III= MM1 = <<alimentos naturais>> @ metametaconceptus1

 

MM2 = <<alimentos transgênicos>>

@ metametaconceptus2

 

Figura 12

 

 

Ou, se preferirmos, de maneira mais específica, a formalização abaixo, que apresenta uma amostra não exaustiva mas, apenas, ilustrativa dos traços semântico-conceptuais extraídos de discursos favoráveis ou contrários aos alimentos transgênicos:

 

 

 

Conceptus1 – alimentos biológicos naturais

 


Conceptus2 – alimentos transgênicos

 

 


Metametaconceptus1

 


Metaconceptus 1 Metametaconceptus2

 



Arquiconceptus

[+saúde] [+natural] Metaconceptus2 [+fartura]

 


[+segurança] [+estrutura [+querer]


[+regularidade] [+preservação] genética [+crer] [+artificial] [-preservação]

[+tradição] original] [+dever] [-estrutura [-tradição]

[-risco] [-modificado] [+poder] genética [+risco]

[+confiabilidade] [-tecnológico] [+saber] original] [-confiabilidade]

 


[-produtividade] [-engenharia] [+fazer] [+modificado] [+produtividade]

[+biológico] [+tecnológico] [+lucratividade

[+alimentar] [+engenharia] [

 



[+nutrir]

 




 


Figura 13: <<biológico>> x <<transgênico>>, no nível da semântica cognitiva

 

4. Estruturação do patamar lexical

 

Do mesmo modo que os campos conceptuais apresentam diferentes estruturações, os campos lexicais compreendem tipos diversos, segundo a natureza dos elementos neles contidos. Assim, há campos lexicais unidimensionais, que contêm um conjunto de unidades lexicais, de modo a configurar uma gradação, como, por exemplo, gelado, frio, morno, quente, etc.; há campos lexicais bi e pluridimensionais, que contêm elementos que mantêm apenas uma relação semântica e/ou sintática como intersecção sêmica. No segundo tipo, enquadram-se os campos lexicais de sinônimos, de parassinônimos e de co-hipônimos próximos e distantes, com diferenças estruturais e relacionais expressivas.

Desse modo, consideram-se sinônimos apenas os elementos de um campo lexical que têm a mesma referência cognitiva e conotativa e, ainda, a mesma distribuição, isto é, formas lexicais comutáveis em todos os contextos; consideram-se parassinônimos as unidades lexicais de um campo que tenham a mesma referência cognitiva mas tenham referências conotativas diferentes, apresentando, além disso, quase a mesma distribuição; consideram-se co-hipônimos, as unidades lexicais de um campo que têm referências cognitivas e conotativas distintas, não têm a mesma distribuição e são dependentes de um hiperônimo mediato ou imediato.

 

5. Estrutura, funções e variabilidade da parassinonímia

 

Dessas relações, focalizamos, aqui, apenas a da parassinonímia, que, por sua vez, compreende, dentre outros, os seguintes tipos: parassinônimos parafrásticos culturais; parassinônimos diacrônicos, diatópicos, diastráticos, diafásicos; parassinônimos pragmáticos; parassinônimos técnico-científicos e seus correspondentes banais. Com efeito, em todos esses casos, verifica-se entre as formas lexicais relacionadas a existência de um mesmo suporte referencial cognitivo e a evidente diferença de referencialidade conotativa de cada uma dessas formas. Conseqüentemente, não há entre elas uma homossemia total e, sim, parcial, o que inviabiliza o uso de uma pela outra, sem que isso gere alteração de sentido. Logo, essas formas, como dissemos acima, não têm a mesma distribuição, ou seja, não são comutáveis entre si, em todos os contextos.

Por outro lado, é preciso ressaltar que a parassinonímia não tem um valor absoluto, já que todo valor é relativo, relacional. Assim, a intersecção semântica entre duas ou mais unidades lexicais não lhes confere a priori o estatuto de parassinônimos, uma vez que esse estatuto é determinado por fatores diversos. Isso nos autoriza a afirmar que a relação de significação de parassinoníma é uma função (Barbosa, 1996), no sentido Hjelmsleviano do termo, uma relação de dependência. Desse modo, a rede de relações da parassinonímia é reformulada e reestruturada em função do universo de discurso, da situação de enunciação, do contexto lingüístico e sociocultural. O mesmo vocábulo/termo (Barbosa, 1999a) remete a conceptus e a designata diversos, reorganizados os campos lexicais, entrando em redes conceptuais diferentes, em redes de remissivas distintas, nas obras dicionarísticas (Barbosa, 1999b).

A título de ilustração, vejamos o vocábulo/termo mestre, que, como todas as outras unidades lexicais, participa simultaneamente de vários microssistemas conceptuais e seus correspondentes campos léxico-semânticos. Assim, se o analisamos no campo lexical ao qual subjaz o conceptus <<filho de Deus>>, Mestre entra em rede parassinonímica com Senhor, Pai, Ele, Redentor da Humanidade, Salvador; examinando-o, porém, no campo lexical correspondente ao conceptus <<níveis de títulos acadêmicos>>, Mestre entra em rede de co-hiponímia com Doutor, Livre-docente, Titular; no campo lexical ao qual subjaz o conceptus <<modelo a ser seguido>>, liga-se a guia, paradigma, líder, modelo; no campo lexical correspondente ao conceptus <<aquele que ensina>>, relaciona-se a professor, docente, instrutor; no campo lexical ao qual subjaz o conceptus <<guia espiritual>>, entra em rede lexical com mentor, guia espiritual, guru, etc.

Constatam-se a relatividade e gradação dos tipos de relações que as unidades lexicais podem contrair: a) no sistema, nas normas, nos discursos-manifestados; b) numa perspectiva intra ou inter-universo de discurso; c) em microssistemas definidos por paradigmas sintáticos e semânticos diversos.

Por conseguinte, sinonímia e parassinoníma não são, como dissemos, estatutos inerentes à rede de relações entre unidades lexicais mas funções. Sua classificação depende da rede conceptual e lexical em que estiverem inseridas, dos universos de discurso, situações de discurso, situações de enunciação. Daí decorre o princípio da existência de uma variação de rede de remissivas, determinada pela natureza e funções dos diferentes tipos de dicionários.

 

6. Relações entre campos conceptuais e campos lexicais

 

Os conjuntos que constituem campos conceptuais e os conjuntos que configuram campos lexicais mantêm entre si diferentes tipos de relações. Assim, a um campo conceptual pode corresponder um e somente um campo lexical unitário; a um campo conceptual pode corresponder um campo lexical vazio (Æ ); a um campo conceptual pode corresponder um campo lexical múltiplo do tipo sinonímico; a um campo conceptual pode corresponder um campo lexical múltiplo do tipo parassinonímico; a um campo conceptual pode corresponder uma campo lexical múltiplo do tipo co-hiponímico. Esquematicamente temos:

 

 

Campo conceptual Campo lexical

 

 


O O unitário

 

 


O Æ vazio

 

 


O O múltiplo, tipo sinonímico

 

 


O O múltiplo, tipo parassinonímico

 

 


O O múltiplo, tipo co-hiponímico

 

Figura 14

 

 

7. Conclusão

 

À guisa de conclusão, diríamos que o processo de conceptualização, como percurso, é muito mais complexo do que a passagem do ‘sentido amorfo’ para o ‘sentido formado’, tal como o explica Hjelmslev. Há etapas teóricas constitutivas do processo de conceptualização, entre um e outro. Assim, entre o sentido estruturável e o sentido estruturado, há a formação de um protótipo conceptual biofísico, núcleo noêmico comum a todas as culturas, que corresponderia ao arquiconceptus.

A conceptualização compreenderia, pois, três níveis de traços semânticos conceptuais: as latências, da semiótica natural, as saliências, também da semiótica natural, e as pregnâncias, enquanto escolhas do sujeito enunciador/enunciatário, individual e/ou coletivo, que determinam os traços semântico-conceptuais específicos de uma cultura, o metaconceptus, e o conjunto de traços semântico-conceptuais modalizadores / manipulatórios / intencionais, o metametaconceptus.

Daí decorrem diferentes tipos de campos conceptuais e de campos lexicais, de co-hipônimos e de parassinônimos, bem como distintas relações entre elementos dos campos conceptuais e elementos dos campos lexicais e léxico´semânticos, conduzindo à constituição de complexa rede, configuradora de uma ‘visão do mundo’.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

BARBOSA, M. A. (1995) - "Léxico, semântica e produção da cultura". In: Confluência. Boletim do Departamento de Lingüística. Assis-UNESP. (Assis, UNESP, pág. 63-67).

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