BUSCANDO DEFINIR FILOL0GIA
Bruno Fregni Bassetto (USP)
Não é novidade que ciências antigas costumam apresentar
uma história cheia de ocos, de avanços e recuos, por
vezes inexplicáveis. Seu âmbito de aplicação,
seus objetivos específicos e até mesmo seu conteúdo
significativo flutuam sob influência das correntes filosóficas
ou científicas.
Sob esse ponto de vista, a filologia tem uma história particularmente
atribulada, em grande parte devido à falta de definição.
Apesar de seus mais de dois milênios de existência, impressiona
a enorme divergência com que os autores procuram defini-la.
Ernest Renan, depois de dois longos capítulos que lhe dedica em
L’Avenir de la Science, conclui afirmando que “la philologie est, de toutes
les branches de la connaissance humaine, celle dont il est le plus difficile
de saisir le but et l’unité” (p.126) Daí que um ramo
do conhecimento humano, cujo objeto de estudo e cuja unidade não
são claros, só poderia mesmo ensejar divergências de
fato profundas em sua conceituação. Entre nós,
temos verificado a identificação de filologia com a edótica,
isto é, o trabalho de reconstituição crítica
de textos, com o estudo de textos antigos, sobretudo manuscritos em papiros
ou pergaminhos; ou reduzem-na à incômoda e mal definida posição
de disciplina “ancilar” da lingüística.
Nessas condições, é necessário
rastrear na história os dados da biografia do termo, segundo sugestão
de Kurt Baldinger. Nesse sentido, procedeu-se ao levantamento das
ocorrências de filólogo, filologia e filologar nos autores
gregos e latinos; mesmo sem pretender ser exaustivo, encontrei 56
ocorrências em autores como Platão, Aristóteles,
Isócrates, Cícero, Sêneca, Estrabão,
Arriano, Ateneu, Longinus, Plutarco, Stobeu, Suetônio, Sextus
Empiricus, Sinésio de Cirene, Proclus e Martianus Capella. Etimologicamente,
temos ?????? (“amigo”) e ???????(“palavra”, discurso”, “conhecimento”),
constituindo ???????????? que desde os primeiros textos qualifica aquele
que gosta da palavra como meio de aprendizagem, de aprimoramento intelectual.
Note-se que muito raramente o termo é empregado no sentido de “tagarela”,
“falador”, para o qual se encontram expressões como ???????????e??????????????????É
preciso ainda levar em conta a herança semântica do termo
??????? que os estóicos consideravam a expressão do ?????,
a “razão”, a “inteligência”. Por isso, o termo filólogo
é aplicado aos que estão ligados à cultura, ao conhecimento,
tanto aos que o detêm como aos que desejam adquiri-lo. Seria
quase?equivalente a “sábio”, o detentor de vastos e variados conhecimentos,
sendo aplicado também aos que desejam alcançar esses conhecimentos.
Esse é o sentido que aflora na quase totalidade das ocorrências
encontradas e analisadas.
Ilustrativo é o que escreve Gaius Suetonius Tranquillus,
historiador romano do tempo dos imperadores Trajano e Adriano (séc.
I-II d.C.), em De Grammaticis et Rhetoribus, parte da obra De Viris Illustribus,
a respeito de Eratóstenes de Cirene (275-194 a.C.), discípulo
de Calímaco e de Lisânias e sucessor de Apolonius Rhodius
como diretor da Biblioteca de Alexandria. Segundo Suetônio,
o auxiliar de Salústio na montagem do Breviarium Rerum Romanarum,
Lucius Ateius Praetextatus, atribuíra a si mesmo o epíteto
de philologus; e Suetônio esclarece a razão:
“Philologi adpellationem adsumpsisse videtur quia, sic ut Eratosthenes
qui primus hoc cognomen sibi vindicavit, multiplici variaque doctrina censebatur.
Quod sane ex commentariis eius adparet, quamquam paucissimi exstent: de
quorum tamen copia sic altera ad eundem Hermam epistula significat:
‘Hylen nostram memento commendare, quam omnis generis coegimus, uti
scis octingentos libros’. (De Reth. et Gram., 5-10)
Tanto Eratóstenes como Praetextatus consideram-se
filólogos por seus “múltiplos e variados conhecimentos”,
conceito equivalente ao que comumente entendemos por sábio, especificamente
aquele que transmite seus conhecimentos através da palavra falada
ou escrita, o que se infere dos termos doctrina e commentariis usados por
Suetônio. Nessa ordem de pensamento, estamos na linha etimológica
do termo filólogo.
Essa mesma caracterização do filólogo se
encontra também em Sêneca (Cartas, Livro XVIII, 30 ss.).
Esse texto é particularmente interessante, porque aí Sêneca
descreve os comentários a De Republica de Cícero, feitos
por um filósofo, por um filólogo e por um gramático,
três especialistas relativamente bem caracterizados entre os clássicos.
Enquanto o filósofo apenas “admiratur contra iustitiam dici tam
multa potuisse”, o gramático destaca expressões típicas
de Cícero, como expse e reapse, cita arcaísmos, como
calx por creta e fala de influências literárias, o filólogo
relaciona fatos, apresenta análises, deduções, conhecimento
dos livros de história, de arúspices e dos escritos
pontificais - índices de uma cultura ampla, própria do sábio
e do filólogo, como Eratóstenes e Ateius Praetextatus.
Considere-se o que diz Sêneca:
“Quando o filólogo chega a esse mesmo ponto, observa o seguinte:
Há dois reis romanos, um dos quais não tem pai e o outro
não tem mãe. Pois pairam dúvidas sobre a mãe
de Servus: não se conhece o pai de Ancius, sendo apenas considerado
neto de Numa. Nota ainda que aquele a quem chamamos ditador e lemos
que assim era denominado nas histórias, entre os antigos era designado
por mestre do povo. Ainda hoje consta nos livros de augúrios
e há prova de que, quem era designado por aquela expressão,
de fato era o mestre da cavalaria. Observa ainda que Rômulo
morreu durante um eclipse do sol; que houve provocação
contra o povo da parte também dos reis: assim está
nos (livros) pontificais e há alguns peritos que pensam assim, como
Fenestella.”
Sêneca deixa muito claro o campo do filólogo, que deve
esclarecer, explicar os textos sob todos os pontos de vista, o que supõe
“múltiplos e variados conhecimentos”. Tem, portanto, o mesmo
conceito de filólogo encontrado em Eratóstenes e em Ateius
Praetextatus.
Distinção semelhante, embora sob outro ponto de
vista, encontramos também em Cícero:
“Ergo illam???????????????? in qua homines nobiles illi quidem sed
nullo modo philologi minis acute loquuntur, ad Varronem transferamus.”
(Ad Atticum, XIII, 12,3)
No seleto meio da Academia, Cícero distingue os nobres,
que dela fazem parte talvez apenas por sua posição social,
mas não têm o refinamento característico do filólogo,
aquela postura própria do sábio, manifestada sobretudo pelo
modo de falar. A mesma caracterização do filólogo,
segundo a concepção de Cícero, encontra-se também
em Ad Familiares, XVI, 21, 4 e Ad Atticum XIII, 11,17.
?Conhecendo-se a grande influência grega sobre os romanos, pode-se
afirmar com segurança que o conceito grego de filólogo
foi adotado pelos autores latinos, devendo, portanto, ser idêntico.
Embora nos autores gregos o termo não apresente, em algumas passagens,
um conteúdo semântico específico, em outras percebe-se
que tendia a restringir-se semanticamente até passar a designar
o sábio, o detentor de vastos e variados conhecimentos,
como no seguinte da República de Platão:
???????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????e)
“Necessariamente - diz - tudo quanto o filósofo e o filólogo
aprovam é o mais verdadeiro.”
Platão distingue com clareza as especialidades do filósofo
e do filólogo, considerando-os suficientemente abalizados para opinar
sobre o que é verdadeiro ou não. Ora, para isso exige-se
conhecimento e não apenas o domínio da palavra; esse
tópico de Platão não deixa dúvida a respeito
do significado do termo, já bem mais específico que o etimológico
“amigo da palavra”.
O mesmo significado de filólogo, ainda que colocado em
outro contexto, encontra-se em Sextus Empiricus (cerca de 200 d.C.)
em Contra os Matemáticos, I, 235:
???????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
“E novamente, numa dissertação, tendo em vista os presentes,
procuraremos as expressões mais refinadas e mais sábias (filológicas)
e deixaremos de lado as expressões comuns, pois, como o uso culto
é ridicularizado pelos que só se guiam pelo comum, da mesma
forma o comum o é pelos do uso culto.”
Sextus Empiricus distingue com clareza aquilo que na lingüística
moderna se chama norma ou nível lingüístico. Segundo
ele, é preciso adequar o nível da linguagem à platéia,
a fim de evitar o ridículo. Interessa-nos particularmente
aqui o termo “filológico” atribuído ao nível culto,
mais refinado e estilizado, para o qual se exige conhecimento e dedicação.
Com isso, Empiricus mantém o conteúdo semântico
do termo filólogo que a tradição dos séculos
anteriores lhe havia transmitido; além disso, supõe
que o filólogo domine o idioma que usa, tendo condições
de adequá-lo ao nível daqueles a quem se dirige.
Aliás, Cícero, em Ad Atticum, XII, 13,3, já
havia feito, nesse sentido, uma avaliação filológica
de sua obra:
“Postea autem quam haec coepi ??????????????, iam Varro
mihi denuntiaverat magnam sane et gravem ?????????????”
Note-se primeiramente que Cícero não traduziu nem transliterou
o termo grego, mas o escreveu com caracteres gregos e na forma comparativa
grega, certamente por não encontrar no latim um termo suficientemente
adequado que o traduzisse. O que significaria para Cícero
??????????????
Certamente não deve ser referente à qualidade literária
de suas obras anteriores, todas do mais alto nível. Segundo
o conteúdo significativo de filólogo, levantado até
aqui, esse mais filológico parece sinalizar a abordagem
de outros ramos do conhecimento, como o da filosofia, o que o tornou mais
filólogo, ou seja, aquele cujos conhecimentos são múltiplos,
nos diversos campos da ciência. Não parece pertinente
interpretar o termo grego como “mais cuidadas literariamente”, uma
vez que é sobejamente conhecido o caráter altamente literário
de todas as suas obras, sobretudo os discursos.
Cícero, portanto, era escritor e também filólogo,
sem que isso implicasse qualquer tipo de contradição. Uma
distinção mais rigorosa havia entre filósofo e filólogo,
conforme se pode deduzir do relato de Porfírio (233-305 d.C.) em
????????????????????????”Sobre a Vida de Plotino”):
?????????????????????????????????????????????????????????????????????????
??????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
“Tendo-se lido para ele Sobre os Princípios e o
Amante de Antigüidades de Longino, diz ele: “Longino
é filólogo, mas filósofo, de modo algum.”
Plotino denominava suas aulas de “assembléias” (?????????????
nas quais se liam textos, comentados logo em seguida pelo mestre.
E o motivo de Plotino atribuir a Longino o qualificativo de
filólogo e não de filósofo é que Longino havia
analisado Platão sob o aspecto estilístico. A informação
é dada por Proclus (410/12-485) nos Comentários a Timeu
(de Platão), onde afirma que Longino destaca a preocupação
de Platão “em enfeitar e diversificar sua linguagem, referindo-se
às mesmas coisas ora de um modo e ora de outro. De fato, chamou
de velha (?????????? a façanha, de antigo (???????????o
texto, e de não-novo ????????????? o homem”.
São três expressões sinônimas, sem dúvida
intencionais, que dão ao texto platônico valor artístico
e literário sem diminuí-lo a qualquer título em seu
conteúdo filosófico. Contudo, grandes nomes, como Orígenes,
Aristóxenes, Jâmblico e o próprio Proclus não
aceitam esse tipo de análise de Platão; Proclus chega
mesmo a declarar que a única maneira de explicar o pensamento de
Platão é a filosófica, ????’??????????????????????????????????????????????“e
não o multiforme emprego de termos”. (Proclus, 87, 14-15)
Esse episódio mostra que os especialistas, pelo menos
desses séculos da era cristã, sabiam delimitar com bastante
precisão os diversos campos do conhecimento e não admitiam
intromissões. Cassius Longinus faz análise da linguagem
de Platão e por isso é considerado filólogo e não
filósofo, já que não se atém apenas a suas
idéias. Contudo, Eunapius (345-420 d.C.), em Vita Sophistarum,
chama Longinus de “biblioteca viva e museu ambulante”, o que o coloca no
seleto clube dos filólogos, doutos e sábios, como Eratóstenes
e Ateius Praetextatus.
Em resumo, através das ocorrências estudadas,
o termo filólogo vai se especificando lentamente: do etimológico
“amigo da palavra”, designativo daquele que gosta da palavra falada,
ouvida ou escrita, até assumir o significado de douto, sábio,
aquele que é senhor de múltiplos e variegados conhecimento.
Quando o cristianismo se impõe, o termo praticamente
desaparece. Não é encontrado em Santo Agostinho (354-430),
em Boécio (480-524), em Cassiodoro (490-583), nem mesmo em Izidoro
de Sevilha (602-634), cujas Etymologiae, quase enciclopédias,
nem sequer mencionam filólogo e filologia. Desse
período, destaca-se apenas Martianus Capella com De Nuptiis
Mercurii et Philologiae, da primeira metade do séc. V. Nessa
espécie de alegoria, a filologia, cercada ancilarmente pelas
sete artes, sobe ao céu para casar-se com o deus da eloqüência,
Mercúrio. Mesmo sendo uma compilação, o conceito
de filólogo em Capela é o já tradicional do possuidor
de amplos e variegados conhecimentos, com inclusão das artes em
geral e da literatura em particular.
Tudo indica, entretanto, que o termo filólogo
deixou de ser corrente a partir do séc. VI. A mentalidade
cristã trouxe outra visão do mundo, voltada sobretudo para
os problemas religiosos, buscando-se suprimir tudo que não fosse
cristianizável. Também a cultura greco-latina passou
por esse crivo; em geral, os textos clássicos eram copiados
por necessidade didática e serviam de modelo estilístico
no aprendizado do latim para um número relativamente pequeno de
aficcionados, principalmente da classe alta. Nesse contexto,
não havia como situar o ideal clássico do douto
e do sábio, ou seja, do filólogo.
Enquanto uma restrita intelectualidade ainda estudava o latim,
a língua e a literatura gregas foram praticamente esquecidas em
toda a Europa. Apenas com os primeiros albores do Renascimento é
que voltam a ser estudadas. Considera-se Emmanuel Chrysolora o reiniciador
dos estudos gregos na Europa, ao vir a Florença, em 1396, como professor
de grego, após de um hiato de 700 anos.
Nos séc. XV e XVI, surgem renomados humanistas e
a filologia ressurge com o estudo direto dos textos clássicos.
Nesse quadro, citam-se os nomes da trilogia constituída por
José Justo Escalígero (1540-1653), Cláudio de
Saumaise (1588-1653) e Isaac Casaubon (1559-1614). Ligado a esses
três e, de certo modo, seu guia, Júlio César Escalígero
(1484-1558) exerceu grande influência, tanto pela disputa mantida
com Erasmo de Roterdã, como por suas edições das obras
de Aristóteles e Teofrasto, a publicação de
De Causis Linguae Latinae, considerada a primeira proposta de uma gramática
latina científica. Como médico, poeta e humanista,
Júlio César Escalígero é o modelo renascentista
do sábio, do filólogo na acepção grega e latina.
O termo “filólogo” volta a qualificar os expoentes intelectuais,
e a filologia ressurge com destaque nas grades curriculares das universidades.
Nesse período, as modernas línguas nacionais
começam a se firmar e surgem gramáticas, manuais e dicionários
de todas elas. Uma das maiores preocupações é
a origem das línguas. Como não se tinha ainda conhecimento
do indo-europeu, os que então se denominavam filólogos formularam
teorias nem sempre lógicas e aceitáveis. Assim, G.
Postel, em De Originibus seu de Hebraicae Linguae et Gentis Antiquitate
(Paris, 1538), considera o hebraico como a língua primitiva,
sob influência da Bíblia. Desse modo, Lefèvre,
d’Étaples, Bibliander, Nebrija, Calepin, Dubois, Goropius, H. Estienne,
Francisco Sánchez entre outros são qualificados de filólogos
por se dedicarem a questões relacionadas com os idiomas e
problemas correlatos. O conceito distancia-se, portanto, do
“sábio de múltiplos e variados conhecimentos”, como
Eratóstenes, Ateius e Longinus, tendo havido uma restrição
semântica do antigo conteúdo do termo. Na prática,
diz-se filólogo aquele que se ocupa com o texto escrito, sobretudo
antigo. Não é indispensável ampla gama de conhecimentos,
embora se encontre quem os tenha; o recurso a outros ramos do
conhecimento humano, como geografia, história, filosofia,
mitologia, teodicéia e outras especialidades, é feito quando
o conteúdo específico do texto o exigir. Entretanto,
o conceito não é unívoco, não se encontrando
duas definições iguais de filólogo ou de filologia;
a maior dificuldade está na fixação da amplitude semântica
do termo, que vai desde o sábio tradicional até àquele
que estuda apenas a palavra escrita, confundindo-se novamente os graus
de litterator, litteratus, grammaticus e philologus entre os romanos
e ?????????????????????????????e ???????????entre os gregos. O elemento
comum é o trato com a palavra falada, ouvida e escrita, como meio
de transmissão de conhecimentos. Infere-se, pois, que
o campo enseja grande gradação na classificação
dos que nela militam. Não poucos qualificados de filólogos
desse período seriam apenas literatos ou gramáticos entre
os antigos, enquanto outros seriam verdadeiramente filólogos no
sentido greco-romano escrito.
Os séc. XVII e XVIII produziram estudos de fonética,
muitas tentativas de reformas ortográficas, pesquisas e teorias
sobre a origem das línguas, como a Scienza Nuova de Giambattista
Vico (1668-1744), questões estilísticas, como as famosas
Remarques de Vaugelas, abordagens filosóficas da linguagem (Hobbes,
Spinosa, Locke, Leibniz e Condillac), inter-relacionamento das línguas
e outros aspectos. Muito esparsas e pouco significativas, porém,
são as referências à filologia.
Com o descobrimento do sânscrito, desenvolveu-se
o comparatismo sobretudo com Franz Bopp (1791-1867)
, considerado o fundador da gramática comparada, e Freidrich
Schleicher (1821-1867) com a obra Über die Sprache und Weisheit der
Inder (“Sobre a Língua e a Sabedoria dos Indianos”). O método
comparativo foi aplicado também no campo da filologia clássica,
com resultados excepcionais, principalmente no trabalho filológico
da crítica textual, destacando-se Georg Curtius, que se considerava
filólogo por entender filologia como o estudo das línguas
e literaturas clássicas. Da mesma forma August Schlegel
considerava-se filólogo com Observations sur la langue et
la littérature provençales (1818), obra semelhante à
de Jakob Grimm sobre os poetas medievais alemães. Friedrich
Diez (1794-1876) aplica o método histórico-comparativo
em seus estudos sobre o provençal e depois em sua Grammatik der
romanischen Sprachen, tornando-se o fundador da filologia românica.;
foi seguido pelos grandes nomes da Romanística, como Meyer-Lübke,
Hugo Schuchardt, G. Körting, Ascoli, W. von Wartburg,
Matteo Bartoli, Menéndez Pidal, Amado Alonso entre tantos outros.
Nesse contexto, merece destaque especial Gustav Gröber com sua enciclopédica
Grundriss der romanischen Philologie (“Compêndio de Filologia Românica”),
além de fundar a Zeitschrift für romanische Philologie,
editada ininterruptamente desde 1877. Foi Gröber um dos responsáveis
pela fixação do nome Filologia Românica.
Por fim, considerando a grande aceitação
que teve o Cours de Linguitique Générale, convém
considerar o que diz Ferdinand de Saussure a respeito da filologia.
Ao traçar o esboço de uma história dos estudos da
linguagem, Saussure estabeleceu as seguintes etapas:
1 - “Grammaire, inaugurée par les grecs, continuée
principalement par les français - fondée sur la logique
et depourvue de toute vie scientifique et désintéressée
sur la langue elle-même.”
2 - “Ensuite parut la philologie. Il existait déjà
à Alexandrie une école “philologique”, mais ce terme est
surtout attaché au mouvement scientifique créé par
Friedrich August Wolf à partir de 1777 et qui poursuit sous nos
yeux.”
3 - “Philologie comparative” ou “grammaire comparée”.
Commencement par l’orientaliste anglais W. Jones (+ 1794). En 1816,
Franz Bopp (Système de la conjugaison Sanscrit) étudie les
rapports qui unissent le sanscrit avec le germanique, le grec, le latin
etc. (Cours, pág. 13-15)
Na segunda etapa, Saussure refere-se a Friedrich August Wolf
(1759-1824) como o iniciador da filologia moderna. Ao matricular-se na
universidade de Göttingen, fez absoluta questão de fazê-lo
como studiosus philologiae e não studiosus theologiae, conforme
era costume na época. Queria a independência da filologia,
tanto que criou um novo método de interpretação dos
clássicos, como professor na universidade de Halle; exigia maior
rigor científico nos estudos filológicos e sua obra Prolegomena
ad Homerum (Halle, 1795) abalou os meios humanísticos de seu tempo.
Seu “manifesto” de 1807, conhecido como Darstellung e dedicado a
Goethe, contém as diretrizes da nova filologia, ainda corrente no
início do nosso século, segundo testemunho de Saussure.
Contudo, continua a polissemia dos termos “gramática” e “filologia”,
tanto que o próprio Saussure sente a necessidade de definir melhor
o objeto da filologia:
“La langue n’est pas l’unique objet de la philologie, qui veut avant
tout fixer, interpreter, commenter les textes; cette première étude
amène à s’occuper aussi de l’histoire littéraire,
des moeurs, des institutions etc.; partout elle use de sa méthode
propre, qui est la critique.” (Cours, pág.13)
Para Saussure, portanto, a filologia é a ciência que estuda
textos e tudo quanto for necessário para torná-los acessíveis:
a língua utilizada e todo o universo cultural que ela representa.
Isso implica o conhecimento de uma série considerável de
outras ciências, como já ficou assinalado. Por isso,
o filólogo “deve avere un’erudizione molto vasta”, resume
Carlo Tagliavini (Le Origini delle Lingue Neolatine, pág.56).
Destarte, voltamos ao conceito clássico de filologia de Eratóstenes,
Ateius e Longinus. Como defini-la afinal? Dentre as muitas
definições encontradas, duas, por serem praticamente idênticas,
merecem referência; a do filólogo e antropólogo
August Boeckh (1785-1867): “Philologie ist die Erkenntnis der Erkannten.”
(“Filologia é o conhecimento do conhecido”); e de Ernest Renan:
“La philologie est la science des produits de l’esprit humain.” (L’avenir
de la science, pág. 138) (“A filologia é a ciência
dos produtos do espírito humano.”)
E com esse conceito, aplicado ao campo românico, definimos
o que se deve entender por FILOLOGIA ROMÂNICA.
Bibliografia básica
BAILLY, A. - Dictionnaire Grec-Français. Paris, Hachette,
42e. éd.,1990
CÂMARA, J.M. - Dicionário de Filologia e Gramática.
Rio, Ozon Edit., 4ª ed.., 1970.
CÂMARA, J.M. - História da Lingüística.
Petrópolis, Edit.Vozes,1975
CORTE, F. - Dizionario degli scrittori greci e latini.
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Marzorati edit., 1988, 3 vols.
MOUNIN, G. - Historia de la Linguística. Madrid,
Edit. Gredos,1971.
RENAN, E. - L’Avenir de la science. Paris, Calmann-Lévy
éd., 1849.
SAUSSURE, F. - Cours de linguistique générale.
Paris, Payot éd.,1972.