SEMIÓTICA APLICADA AOS TEXTOS VERBAIS E NÃO-VERBAIS

Ilma Nogueira Motta

Semiótica é a teoria geral dos modos de produção, funcionamento e recepção dos diferentes sistemas de signos que permitem a comunicação entre indivíduos e/ou coletividade de indivíduos (Larousse cultural-enciclopédia).
Embora a semiótica retome  o projeto de Ferdinand Saussure e defina seu objeto de estudo nos signos, diferentemente da semiologia de Saussure, ela não se subordina ao campo da língua e da sociedade. A semiótica procura inventariar os sistemas de signos existentes e dar-lhes uma teoria geral.
A semiótica moderna tem seu primeiro destaque com Charles Sanders Pierce, que a denominou “doutrina dos signos”. Na sua teoria, o signo é um produto secundário e a linguagem, um sistema como outro qualquer.
A partir de 1980, a semiótica tende a prescindir do signo lingüístico e de suas sistematizações, além de incorporar modelos lógicos e matemáticos. Muitos diagramas não se assemelham, de modo algum, com seus objetos, quanto à aparência: a semelhança entre eles consiste apenas quanto à relação entre suas partes. Assim podemos indicar a relação entre as diferentes espécies de signos através de uma chave:
signos {ícones, índices, símbolos. Isso é ícone. Mas o único aspecto pelo qual se assemelha a seu objeto e que a chave mostra as classes de ícones, índices e símbolos estão relacionadas uma com as outras e com a classe geral dos signos, como de fato estão, de um modo geral (Pierce: “Semiótica”). Uma expressão algébrica, por exemplo, é um ícone quando através dos signos algébricos demonstra as relações das quantidades em questão. Um índice se caracteriza por um segundo individual e se todo individual deve ter caracteres, um índice genuíno pode conter uma primeiridade, e portanto um ícone, como sua parte constituinte.
Tudo que nos atrai, que nos chama a atençào é um índice. Uma expressão algébrica, por exemplo, é um índice quando através dos signos algébricos há uma indicação de que a disciplina que os estuda é a Matemática. Um símbolo caracteriza-se por ser uma regra que determinará seu interpretante. Os signos convencionais são símbolos. Um símbolo surge a partir de outro símbolo. Um símbolo é uma lei do futuro indefinido. Um constituinte de um símbolo pode ser um índice e o outro constituinte pode ser um ícone. A expressão dos números pares da relação entre eles. É um índice quando indica através dos signos algébricos a seleção indicativa da representação de dois a dois, ou seja em pares. É símbolo quando através do signo algébrico demonstra a convencionalidade e uma lei desse mesmo signo. Ele indica uma espécie de coisa e uma espécie de si mesmo. Um signo é um ícone, um índice ou um símbolo.
A semiótica visa o relacionamente entre a estrutura do texto e a interpretação extensional do mundo, o mundo possível ou o complexo de mundo, que é trabalhado em forma de texto, implicando, assim, elementos con-textuais, ou seja, externos ao texto e co-textuais, ou seja, internos ao texto. É um estudo que se volta à questão da compreensão e produçõa de textos.
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 70, a lingüística segue dois caminhos que se relacionam entre si. Por um lado há um desenvolvimento de uma lingüística textual que procura estudar a parte interna do texto e por outro lado, aparece a pragmática que procura estudar os princípios da linguagem em uso para que seja determinada a interpretação lingüística. Os dois caminhos, no entanto, trabalham com a linguagem no plano discursivo, não mais com o fonema, o morfema ou o sintagma. Os estudos não consistem em apenas focalizar uma sucessão de afirmações, mas em estudar os parágrafos que significam mais do que a estruturação de uma afirmação após outra sem um todo significativo. Nesse estudo o texto é visto como uma unidade básica de manifestação da linguagem visto que é objeto de comunicação entre os homens. Por mais diferentes que sejam as línguas do mundo, a constituição é a mesma: as palavras são arrumadas de determinada maneira e se relacionam entre si.
Harman (1980) exemplifica vários tipos de motivação icônica. Por exemplo, a ordem dos constituintes pode ser iconicamente motivada, ou a complexidade morfológica aumentada num sistema que pode relacionar-se iconicamente através da semântica crescente. Nessa questão aprofunda-se o estudo e chega-se à conclusão de que há uma relação marcada entre a presença/iconicidade e a ausência/economia. Logo, a iconicidade e a economia seriam elementos de explicação para as tendências das línguas no processo de introdução e apagamento de elementos.
Num estudo histórico no âmbito da ciência semiótica, a motivação icônica é mostrada como pode atuar no processo de gramaticalização dos elementos lingüísticos. A linguagem verbal, arte, arquitetura, poesia são sistemas de signos como produto de processos de produção cultural e conseqüentemente de práticas que o homem cria, reproduz e transforma. A leitura do produto sígnico realiza-se hermeticamente, ou seja, sem chaves estabelecidads anteriormente no que se refere à relação produto cultural/formação social.
Uma prática semiótica pode ser realizada em caráter organizador do ponto de vista transformacional. Exige um pensamento especificamente desenvolvido em relação à complexidade de códigos e mensagens e luta pela transformaçõa e evolução dos sentidos humanos.
A ciência semiótica ocupa um lugar de destaque no século XX por apresentar condições para a leitura das práticas de linguagem desde os mais simples às mais complexas. Pode-se entender que ao longo de um processo de gramaticalização de determinado signo, podem ocorrer mudanças tanto semântica, como fonética, aliada ao processo de variabilidade pragmática, que é a de usar outros signos ou a de simplesmente emiti-lo, proporcionando assim um  novo mecanismo lingüístico que estaria relacionado à noção de iconocidade, através de uma re-análise.
O termo “iconicidade diagramática” refere-se ao princípio icônico que indica motivação relativa entre signos de uma determinada língua e que só faz sentido numa perspectiva de sistemas relacionados entre si. A língua só existe como soma de múltiplos atos lingüísticos individuais, porém nesses atos cada homem se serve de elementos lingüísticos que recebem da sociedade em que vive. Sob esse aspecto o texto é sempre um ato social, mesmo quando é construído sem qualquer objetivo de intercâmbio social de idéias.
A semiótica não se ocupa com o estudo de um particular tipo de objeto, mas com objetos comuns. Ela visa o relacionamento entre a estrutura e a interpretação do texto. Tem como objeto a investigação, não só do elemento lingüístico em particular, mas também de toda a manifestação da linguagem como um todo significativo que representa a comunicação entre os homens. Há elementos lingüísticos que só podem ser explicados no interior do texto e a única maneira de comunicar uma idéia é através de um ícone.
Para explicarmos melhor esse processo, tomaremos um texto com base para estudarmos esses fenômenos:
“Tudo, hoje, é rápido, acelerado. As coisas vão mudando tnato e tão depressa que muita gente nem consegue acompanhar. Nem pode. Cada hora nos traz informações novas capazes de encher um volume grosso assim.”
(Pedro Bloch, ARIGATÔ, Ed. Moderna)
A locução verbal “vão mudando” mostra evidência a favor da motivação semântica e dá margens à discussão sobre a presença de forças opostas como o inserir e o omitir na articulação da língua. A presença ou a ausência da locução verbal é proporcional à sua funcionalidade semântico/estilístico. As locuções verbais podem ser inseridas para facilitar a comunicação, pois permitem variar o estilo, evitando repetições e também a função de amortecer a crueza de certos verbos simples. A locução verbal “vão mudando” é menos brusca e menos fria do que tempo simples “mudam”.
Toda mudança lingüística é entendida como altamente icônica. A necessidade de imprimir dinamismo ao momento da narração fez o autor optar pela locução verbal, motivado pelo valor da substância semântica como também pela sonorização. A linguagem viva zomba da lógica, porque nela constantemente se exercem as forças da imaginação e do sentimento, que constituem os elementos primordiais do nosso ser. A locução ver bal imprime um sugestivo movimento dinâmico da expressão no contexto narrativo e recupera a idéia de movimento gradual de velocidade expressa pelos adjetivos “rápido” e “acelerado”. O emprego da locuçõa verbal também está correlacionado ao princípio da não economia lingüística própria da língua viva.
A motivação icônica atua no proceso de gramaticalização dos referidos elementos como conseqüência de um mecanismo de interação sintático/semântico dentro do paradigma lingüístico.
A expressão adverbial “tanto e tão depressa” evidencia e dá força à idéia de velocidade. O autor encontra na expressão uma representação da idéia de velocidade que deseja passar para o leitor/ouvinte. Observem que os signos dançam num ritmo e melodia próprios do contexto que tem po objetivo a representação da idéia de velocidade. A expressão é uma associação com força atuante na emergência de imprimir a velocidade que o autor deseja passar para o leitor/ouvinte. Assegura-se a relevância de processos associativos envolvendo a inserção dos advérbios pressupondo uma estrutura sintática possível na articulação da língua.  Assim o processo é pertinente ao favorecimento da expressão adverbial, pois do ponto de vista mecânico traz possibilidade de evidência entre o elemento nuclear “as coisas” e o elemento “muita gente”.
Com a inserção do grupo adverbial numa proposição intercalada, surge como elemento de brilho e intensidade sentencional para recuperar a noção de velocidade como força atuante no período anterior. Com a distância, a força da subordinação que irradia do conectivo, fica diminuída e a expressão adverbial surge para reforçar o marcador de velocidade “rápido, acelerado”. A presença do material interveniente é evidente para o princípio da distância relativa, que propõe “tanto e tão” como ícone: estratégia de adverbialidade de intensa proposta pelo narrador em relação ao conteúdo proposicional. A expressão “tanto e tão” materializa iconicamente o propósito de velocidade proposta pelo narrador, servindo para evidenciar o grau de assertividade do enunciado. Enunciados pesados dificultam o entendimento das conexões  e a expressão adverbial se introduz como elemento facilitador do processo. É uma estratégia auxiliar à codificação e decodificação do fluxo informacional da língua em sua articulação. A iconicidade se comprova na medida em que a expressão “tanto e tão” correlaciona-se à idéia de velocidade anunciada anteriormente. O emprego da expressão adverbial intercalada fica explicado como estratégia icônica e simbólica de velocidade intensa. É um mecanismo que deve ser considerado como recurso icônico que aumenta o grau de intensidade da proposição.
A idéia de velocidade continua a ser representada através dos ícones. Podemos observar que o autor representa a idéia de sujeito com a expressão “Cada hora”, numa tentativa de colocar o dinamismo acelerado da velocidade no signo que representa o movimento que desencadeia a sucessão de movimentos. É como se o narrador quisesse assegurar a proposta de velocidade contida no texto, marcada pela expressào indicadora de tempo. Esse processo leva o leitor/ouvinte a usar seus poderes de observação estabelecendo dessa maneira uma conexão entre “informações novas” e “cada hora”. O pronome indefinido “cada” aliado ao substantivo “hora2 estabelece uma conexão desejada que é a de marcar um tempo não estático, mas um tempo dinâmico. Portanto, o pronome indefinido “cada” é o índice no momento em que reflete a marcação de tempo dinâmico e reverte a atenção para o signo que denota a coisa em movimento “hora”.
A disposição do advérbio “assim” nos remete a uma idéia de que o autor não só quisesse mostrar um modo, uma maneira de ser do objeto proposto “o volume”, mas também mostrar uma idéia de espessura reforçada pelo adjetivo “grosso”. O autor parece propor uma dinâmica capaz de aproximar o leitor/ouvinte do narrador através de um processo  induzido ao contexto virtual. É como se o autor quisesse o leitor/ouvinte transportado para o mundo do escritor e tentasse ver através de um gesto a espessura do objeto em questão.
O efeito do signo “assim” designa aquilo sobre o qual está se falando. Uma simples descrição do objeto “volume” deixaria o leitor/ouvinte não muito certo em relação à proposta contida na expressão. Talvez o contexto sem a representação proposta pelo advérbio “assim” não tivesse o efeito desejado. É a representação sígnica deficiente que expressada de um modo especial propõe uma tentativa de aproximação escritor/leitor/ouvinte. É o significado que ele exerce na sentença e não só em si mesmo e isso justifica a pretensão do emprego da palavra com a idéia proposta anteriormente.
Há na língua uma força interna, imanente do sistema e uma externa, de fora do sistema. Assim arbitrariedade do signo lingüístico passa a ser rediscutida, pois admite-se que haja uma relação entre língua e realidade externa, e que certa função pragmática pode influir sobre o processo de gramaticalização. As estruturas sintáticas obedecem e refletem os princípios da realidade ou não.  Assim também é relativa a situação da presença ou não do princípio da iconicidade nas línguas naturais.
A presença ou ausência de marcas pode igualmente ser iconicamente motivada, na medida em que as categorias são marcadas morfologicamente, sintaticamente e semanticamente, na medida em que se admite o efeito de forças internas e externas interagindo em competição.
Vejamos esse efeito no texto de Lygia Fagundes Telles:
“Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, “fico exausta no calor...” Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã”.
(As Cerejas - “Oito Contos de Amor” - Ática - 1996)
O substantivo “calor2 atua como uma informação dada e “Marcelo” é a informação nova. A explicitação da relação “calor/Marcelo” não em palavras, mas em reticências, marca a iconicidade no texto. O substantivo calor desperta na narradora uma lembrança muito grata que leva qualquer leitor/ouvinte percepção do fato pela simples disposição do verbo “lembrar” no contexto posterior. O verbo “lembrar” é importante pois refere-se à lembrança pelo “calor” e refere-se a não lembrança pela “voz”. A inferência das reticências marca a relação não explicitada entre o substantivo “calor” e o substantivo “Marcelo”. Isso é possível devido ao conhecimento de mundo possuído pelo leitor/ouvinte, permitindo compreender e interpretar essa relação existente entre os dois elementos do texto, ou seja, a informação dada anteriormente “calor” e a informação nova “Marcelo”.
Essa inferência é um recurso icônico da lingüística usado para que os textos não sejam excessivamente longos sem comprometer integral. Na verdade, podem perceber que o explicitado no texto é apenas uma parte daquilo que fica implícito. É importante que o leitor/ouvinte seja capaz de detectar o implícito a fim de alcançar uma compreensão mais aprofundada do texto. É preciso, no entanto,  que o produtor e o receptor de um texto possuam, ao menos uma boa parcela de conhecimentos comuns. Quanto mairo for essa parcela, menor será a necessidade de se explicitar no texto a proposição, pois o leitor/ouvinte será capaz de suprir as lacunas através de inferências, por exemplo.
A informação dada “calor” se refere ao conhecimento partilhado entre os interlocutores e todo elemento que for introduzido a partir dela constituirá a informação nova “Marcelo”. É preciso, no entanto, haver um equilíbrio entre a informação dada a informação nova. A informação nova apenas não dá ao leitor/ouvinte o suporte básico para a inteligibilidade do texto e por outro lado, se o texto contivesse apenas a informaçõa dada poderia ocorrer uma redundância, sem propósito comunicativo.
O tempo verbal no presente “fico exauta...” em meio a uma narração tem o propósito de trazer para o presente um fato intacto do passado. É um recurso usado pela autora para tentar trazer o fato e vivê-lo intensamente como foi vivido no passado. Às vezes a imaginação e o sentimento procuram referir-se a tudo no tempo presente. Talvez por desejar que esse fato do passado fique mais próximo.
A frase interrogativa intercalada “por que não me lembro da voz dele?” é um marcador icônico. A intencionalidade da autora é revelada pelo uso do verbo “lembrar” que é um mecanismo utilizado para fornecer pistas ao leitor/ouvinte para a construção do sentido desejado. A frase produz uma tensão, pois o discurso todo é narrado na forma nominal do gerúndio que é o tempo revelador de ações continuadas e marca uma construção mais leve, menos direta e mais doce. O presente, ao contrário, é mais objetivo, mais direto, revela um fato certo, sem dúvidas. Na articulação da língua, raramente se deixa o certo pelo duvidoso. O emprego do gerúndio na narração carrega-se de misteriosa doçura e transmite uma impressão de coisa interminável. O gerúndio e o presente se misturam no fragmento, dando ao leitor/ouvinte a idéia de que a autora instalou-se no passado, partilhando seus sentimentos, mas sem quebrar por completo as ligações com o presente. Uma vez no passado, as lembranças fizeram perder a consciência dos dois tempos e tudo foi considerado atual. Há sempre uma tendência do narrador em reduzir o passado e transformar a dúvida em certeza. Há um objetivo em manter vivo o relacionamento narrador/leitor/ouvinte e uma não disfarçada intenção de levar o leitor/ouvinte a partilhar das opiniões do narrador e até mesmo o de modificar seu comportamento.
Uma das qualidades específicas do homem é a de criar textos. Não como uma simples superposição de sentenças, mas com uma disposição de componentes do universo textual configurando uma continuidade de sentido resultando numa complexa rede de fatores de ordem lingüística. Na verdade, parece não haver dúvidas quanto a maior ou menor extensão do texto. Importa, sim, que possuam um todo significativo. É importante que haja um processo de seqüência para que fique assegurada uma ligação lingüística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual. A legibilidade do texto se consegue através do uso de elementos coesivos, tornando explícitos as relações estabelecidas entre os elementos lingüísticos que o compõem.
Vejamos esse processo no poema de Manuel Bandeira:

NEOLOGISMO

Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar
Intransitivo
Teadoro, Teodora
A construção poética inicia um discurso narrado e emprega um verbo claro e objetivo no tempo presente. A forma verbal revela uma tensão: o leitor/ouvinte fica alerta para o que vem a seguir, uma vez que o verbo beijar traz um significado de carinho, de emoção. O aspecto narrativo vai mudando com a inserção do advérbio “pouco” pois é uma indicação expressiva de intensidade menor. A tensão localizada na primeira oração continua na segunda oração com a disposição do verbo falar.  O verbo falar é um verbo discendi mas o autor o coloca no mesmo plano do verbo beijar, que é um verbo que transmite emoção. É um plano quase comparativo. Podemos encontrar uma explicação no fato de que cada ato de fala está envolvido, no mínimo, por sensações de natureza auditiva, visual, tátil e olfativa. Assim, a emoção e fala estendem-se para além do verbal, por isso produto e processo da elaboração sígnica se põem num plano independente do código com que se está operando.
O texto é uma perceptível e interpretável e o leitor/ouvinte usa o seu conhecimento prévio para adquirir vivência do contexto. A importância da semiótica no processo se faz presente no roteiro para produção do texto, pois fornece pistas de seqüência de ações para o leitor/ouvinte se orientar na organização do raciocínio lógico, refletido na orientação de recursos expressionais para resultar uma eficiente comunicação.
O advérbio “pouco” marcado pela intensidade do verbo beijar constitui a figura de linguagem “gradação” em relativo plano emocional com a expressão “menos ainda”  referente ao verbo falar. Os verbos beijar e falar se misturam num contexto de intensidade menor, numa tensão previamente planejada pelo autor na tentativa de evidenciar o verbo “inventar” que aparece na seqüência posterior com um valor expressivo maior.
A tensão se faz ainda presente com o surgimento da conjunçõa adversativa “mas”. Ela prepara o leitor/ouvinte para uma nova situação, que vem corrigir, ou melh9or, modificar a idéia de menos intensidade do período anterior. A atenção é para o signo lingüístico “palavras”. A conjunção “mas” apesar de manter uma coordenação de fatos na sua função adversativa prepara o leitor/ouvinte para o contexto que deverá sofrer modificações em nome da forma verbal  “inventar”. É interessante notar que o autor faz valer um alto poder expressivo ao signo “palavras”. Podemos lembrar que para o poeta o elemento importante é a palavra. É com ela que ele trabalha que ele constrói o texto. É um elemento importante na criação do poeta.
A oração adjetiva parece vir confirmar a importância do signo lingüístico como elemento criativo, pois o poeta evidencia a significação dos mesmos. Uma  tradução romântica pura e simples e bem caracterizada pela expressão “mais funda”. A tensão surge no momento seguinte com a disposição da conjunção aditiva “e” que evidencia um outro valor popular, diário, comum diante do emprego do signo lingüístico “cotidiana”. Assim, há um momento de mistura de valores do signo “palavras” ao mesmo tempo que algumas são empregadas num valor profundo algumas outras são empregadas no contexto do dia-a-dia.
Parece haver uma intenção velada por parte do poeta em valorizar o signo “palavras”. Essa  leitura semiótica é um ato de recepção bem complexo. Para que esse processo se realize é necessário que o signo lingüístico provoque um valor expressivo no receptor. Nesse caso a exposição do elemento sígnico deve estar orientada para uma interação produtiva. A integração entre os elementos leva o receptor a realizar associações necessárias para a interação da mensagem que o poeta propõe transmitir ao longo da narrativa.
Pelo despertar da sensibilidade em relação à leitura do texto, um processo de conhecimento emergente é detonado das relações e das inferências com situações especiais profundas e situações do cotidiano. Através da interpretação que se chega ao conhecimento. A semiótica orienta e treina a percepção visual a partir da interação intersignica. O leitor/ouvinte é conduzido ao conhecimento de dados da cultura e à interpretação de sinais que são utilizados para a manifestação e proposição dos valores culturais e intelectuais num processo mais dinâmico e mais produtivo.
O advérbio de intensidade “mais” nas expressões “mais funda” e “mais cotidiana” marca a iconicidade. A retomada de referentes textuais mais próprios da realidade e menos da fantasia, revelam uma característica de sucessão de unidades de uma cadeia de expressões que a tendência romântico/realista do poeta propõe. Nesse caso a criação fica acima de tudo e entra em jogo a reflexão a respeito da visão criativa.
A retomada do verbo “inventar” em outro tempo verbal, ou seja, no pretérito perfeito, reflete uma ação no passado e traz como característica o discurso comentado e uma novidade na construção do objeto,  pois é uma concretização do seu discurso textual: uma palavra nova. A palavra nova, invenção do poeta está caracterizada pelo elo estabelecido pelo pronome pessoal “te” e a forma verbal “adorar”. É um recurso icônico gramaticalizado quando recorre a formação de palavra que usa uma derivação prefixal. Em seu discurso textual, o poeta faz questão de classificar sua própria invenção - “intransitivo” - os verbos intransitivos encerram dentro de si, todos elementos que definem a ação sem precisar de complementos. A função metalingüística da linguagem aqui empregada tem a função de mostrar que o verbo intransitivo basta a si mesmo. Tem poder de sugestão e energia expressiva. É a forma verbal preferida pelos poetas. A criação do poeta se torna mais acentuada quando ele usa os elementos textuais que formam palavras novas, com elementos referidos anteriormente.
Para o remate do poema, o poeta cria, ou melhor, retoma um substantivo  próprio existente com as características da forma verbal inventada. Apenas o poeta usou o recurso de trocar os fonemas de posição e assim encontrar numa mesma característica sonora um substantivo e uma forma verbal “teadoro, Teodora”. Todo poeta conduz sua criação a um só termo: a musa. A iconicidade aí se faz presente com o símbolo do amor - o verbo adorar -  e o índice é a marca da invenção do poeta de uma forma verbal capaz de traduzir o sentimento que dele se ocupa.

CONCLUSÃO

Os encadeadores de tipo discursivo são responsáveis pela estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos sucessivos sendo cada enunciado resultante de um ato de fala distinto. O uso desses elementos facilitam a interpretação e a intencionalidade do texto, pois possuem funções bem definidas e específicas. Alguns desses elementos formam encadeamentos e outros formam referência e encadeamentos. As formas de referência podem tornar-se suportes de novas predicações, contribuindo para a progressão do texto, o que possibilita a seqüência do texto.
Qualquer signo contém uma impressão qualitativa de sua qualidade concreta, aliás qualquer coisa que se apresenta à consciência é como simples qualidade do material de que a coisa é formada. O ícone está mais perto de ser coisa do que signo. O ícone está entre o ser ou não ser signo. O ícone diz respeito à materialidade, ao material enquanto qualidade de configuração. O ícone não pode ser considerado como substituição, pois é sempre criação e criação é sempre original. É produto de um sentimento de qualidade com objetivo de uma força de qualidade imprecisa, de uma forma impossível de se traduzir de se discernir. Os ícones são grandes criações e as grandes criações são como vida, nunca se repetem. Os ícones podem representar forma e sentimento, mas é um corpo sem diferença. É forma sensível que retém e objetiva, num corpo materialmente organizado, a indeterminação da qualidade de sentimento.
. Pós-graduada em língua portuguesa - UERJ - FFP - 1995 - Professora de língua portuguesa e literatura no Colégio Estadual “Walter Orlandine”. SEE - RJ.