SEMIÓTICA APLICADA AOS TEXTOS VERBAIS E NÃO-VERBAIS
Ilma Nogueira Motta
Semiótica é a teoria geral dos modos de produção,
funcionamento e recepção dos diferentes sistemas de signos
que permitem a comunicação entre indivíduos e/ou coletividade
de indivíduos (Larousse cultural-enciclopédia).
Embora a semiótica retome o projeto de Ferdinand Saussure
e defina seu objeto de estudo nos signos, diferentemente da semiologia
de Saussure, ela não se subordina ao campo da língua e da
sociedade. A semiótica procura inventariar os sistemas de signos
existentes e dar-lhes uma teoria geral.
A semiótica moderna tem seu primeiro destaque com Charles Sanders
Pierce, que a denominou “doutrina dos signos”. Na sua teoria, o signo é
um produto secundário e a linguagem, um sistema como outro qualquer.
A partir de 1980, a semiótica tende a prescindir do signo lingüístico
e de suas sistematizações, além de incorporar modelos
lógicos e matemáticos. Muitos diagramas não se assemelham,
de modo algum, com seus objetos, quanto à aparência: a semelhança
entre eles consiste apenas quanto à relação entre
suas partes. Assim podemos indicar a relação entre as diferentes
espécies de signos através de uma chave:
signos {ícones, índices, símbolos. Isso é
ícone. Mas o único aspecto pelo qual se assemelha a seu objeto
e que a chave mostra as classes de ícones, índices e símbolos
estão relacionadas uma com as outras e com a classe geral dos signos,
como de fato estão, de um modo geral (Pierce: “Semiótica”).
Uma expressão algébrica, por exemplo, é um ícone
quando através dos signos algébricos demonstra as relações
das quantidades em questão. Um índice se caracteriza por
um segundo individual e se todo individual deve ter caracteres, um índice
genuíno pode conter uma primeiridade, e portanto um ícone,
como sua parte constituinte.
Tudo que nos atrai, que nos chama a atençào é
um índice. Uma expressão algébrica, por exemplo, é
um índice quando através dos signos algébricos há
uma indicação de que a disciplina que os estuda é
a Matemática. Um símbolo caracteriza-se por ser uma regra
que determinará seu interpretante. Os signos convencionais são
símbolos. Um símbolo surge a partir de outro símbolo.
Um símbolo é uma lei do futuro indefinido. Um constituinte
de um símbolo pode ser um índice e o outro constituinte pode
ser um ícone. A expressão dos números pares da relação
entre eles. É um índice quando indica através dos
signos algébricos a seleção indicativa da representação
de dois a dois, ou seja em pares. É símbolo quando através
do signo algébrico demonstra a convencionalidade e uma lei desse
mesmo signo. Ele indica uma espécie de coisa e uma espécie
de si mesmo. Um signo é um ícone, um índice ou um
símbolo.
A semiótica visa o relacionamente entre a estrutura do texto
e a interpretação extensional do mundo, o mundo possível
ou o complexo de mundo, que é trabalhado em forma de texto, implicando,
assim, elementos con-textuais, ou seja, externos ao texto e co-textuais,
ou seja, internos ao texto. É um estudo que se volta à questão
da compreensão e produçõa de textos.
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos
70, a lingüística segue dois caminhos que se relacionam entre
si. Por um lado há um desenvolvimento de uma lingüística
textual que procura estudar a parte interna do texto e por outro lado,
aparece a pragmática que procura estudar os princípios da
linguagem em uso para que seja determinada a interpretação
lingüística. Os dois caminhos, no entanto, trabalham com a
linguagem no plano discursivo, não mais com o fonema, o morfema
ou o sintagma. Os estudos não consistem em apenas focalizar uma
sucessão de afirmações, mas em estudar os parágrafos
que significam mais do que a estruturação de uma afirmação
após outra sem um todo significativo. Nesse estudo o texto é
visto como uma unidade básica de manifestação da linguagem
visto que é objeto de comunicação entre os homens.
Por mais diferentes que sejam as línguas do mundo, a constituição
é a mesma: as palavras são arrumadas de determinada maneira
e se relacionam entre si.
Harman (1980) exemplifica vários tipos de motivação
icônica. Por exemplo, a ordem dos constituintes pode ser iconicamente
motivada, ou a complexidade morfológica aumentada num sistema que
pode relacionar-se iconicamente através da semântica crescente.
Nessa questão aprofunda-se o estudo e chega-se à conclusão
de que há uma relação marcada entre a presença/iconicidade
e a ausência/economia. Logo, a iconicidade e a economia seriam elementos
de explicação para as tendências das línguas
no processo de introdução e apagamento de elementos.
Num estudo histórico no âmbito da ciência semiótica,
a motivação icônica é mostrada como pode atuar
no processo de gramaticalização dos elementos lingüísticos.
A linguagem verbal, arte, arquitetura, poesia são sistemas de signos
como produto de processos de produção cultural e conseqüentemente
de práticas que o homem cria, reproduz e transforma. A leitura do
produto sígnico realiza-se hermeticamente, ou seja, sem chaves estabelecidads
anteriormente no que se refere à relação produto cultural/formação
social.
Uma prática semiótica pode ser realizada em caráter
organizador do ponto de vista transformacional. Exige um pensamento especificamente
desenvolvido em relação à complexidade de códigos
e mensagens e luta pela transformaçõa e evolução
dos sentidos humanos.
A ciência semiótica ocupa um lugar de destaque no século
XX por apresentar condições para a leitura das práticas
de linguagem desde os mais simples às mais complexas. Pode-se entender
que ao longo de um processo de gramaticalização de determinado
signo, podem ocorrer mudanças tanto semântica, como fonética,
aliada ao processo de variabilidade pragmática, que é a de
usar outros signos ou a de simplesmente emiti-lo, proporcionando assim
um novo mecanismo lingüístico que estaria relacionado
à noção de iconocidade, através de uma re-análise.
O termo “iconicidade diagramática” refere-se ao princípio
icônico que indica motivação relativa entre signos
de uma determinada língua e que só faz sentido numa perspectiva
de sistemas relacionados entre si. A língua só existe como
soma de múltiplos atos lingüísticos individuais, porém
nesses atos cada homem se serve de elementos lingüísticos que
recebem da sociedade em que vive. Sob esse aspecto o texto é sempre
um ato social, mesmo quando é construído sem qualquer objetivo
de intercâmbio social de idéias.
A semiótica não se ocupa com o estudo de um particular
tipo de objeto, mas com objetos comuns. Ela visa o relacionamento entre
a estrutura e a interpretação do texto. Tem como objeto a
investigação, não só do elemento lingüístico
em particular, mas também de toda a manifestação da
linguagem como um todo significativo que representa a comunicação
entre os homens. Há elementos lingüísticos que só
podem ser explicados no interior do texto e a única maneira de comunicar
uma idéia é através de um ícone.
Para explicarmos melhor esse processo, tomaremos um texto com base
para estudarmos esses fenômenos:
“Tudo, hoje, é rápido, acelerado. As coisas vão
mudando tnato e tão depressa que muita gente nem consegue acompanhar.
Nem pode. Cada hora nos traz informações novas capazes de
encher um volume grosso assim.”
(Pedro Bloch, ARIGATÔ, Ed. Moderna)
A locução verbal “vão mudando” mostra evidência
a favor da motivação semântica e dá margens
à discussão sobre a presença de forças opostas
como o inserir e o omitir na articulação da língua.
A presença ou a ausência da locução verbal é
proporcional à sua funcionalidade semântico/estilístico.
As locuções verbais podem ser inseridas para facilitar a
comunicação, pois permitem variar o estilo, evitando repetições
e também a função de amortecer a crueza de certos
verbos simples. A locução verbal “vão mudando” é
menos brusca e menos fria do que tempo simples “mudam”.
Toda mudança lingüística é entendida como
altamente icônica. A necessidade de imprimir dinamismo ao momento
da narração fez o autor optar pela locução
verbal, motivado pelo valor da substância semântica como também
pela sonorização. A linguagem viva zomba da lógica,
porque nela constantemente se exercem as forças da imaginação
e do sentimento, que constituem os elementos primordiais do nosso ser.
A locução ver bal imprime um sugestivo movimento dinâmico
da expressão no contexto narrativo e recupera a idéia de
movimento gradual de velocidade expressa pelos adjetivos “rápido”
e “acelerado”. O emprego da locuçõa verbal também
está correlacionado ao princípio da não economia lingüística
própria da língua viva.
A motivação icônica atua no proceso de gramaticalização
dos referidos elementos como conseqüência de um mecanismo de
interação sintático/semântico dentro do paradigma
lingüístico.
A expressão adverbial “tanto e tão depressa” evidencia
e dá força à idéia de velocidade. O autor encontra
na expressão uma representação da idéia de
velocidade que deseja passar para o leitor/ouvinte. Observem que os signos
dançam num ritmo e melodia próprios do contexto que tem po
objetivo a representação da idéia de velocidade. A
expressão é uma associação com força
atuante na emergência de imprimir a velocidade que o autor deseja
passar para o leitor/ouvinte. Assegura-se a relevância de processos
associativos envolvendo a inserção dos advérbios pressupondo
uma estrutura sintática possível na articulação
da língua. Assim o processo é pertinente ao favorecimento
da expressão adverbial, pois do ponto de vista mecânico traz
possibilidade de evidência entre o elemento nuclear “as coisas” e
o elemento “muita gente”.
Com a inserção do grupo adverbial numa proposição
intercalada, surge como elemento de brilho e intensidade sentencional para
recuperar a noção de velocidade como força atuante
no período anterior. Com a distância, a força da subordinação
que irradia do conectivo, fica diminuída e a expressão adverbial
surge para reforçar o marcador de velocidade “rápido, acelerado”.
A presença do material interveniente é evidente para o princípio
da distância relativa, que propõe “tanto e tão” como
ícone: estratégia de adverbialidade de intensa proposta pelo
narrador em relação ao conteúdo proposicional. A expressão
“tanto e tão” materializa iconicamente o propósito de velocidade
proposta pelo narrador, servindo para evidenciar o grau de assertividade
do enunciado. Enunciados pesados dificultam o entendimento das conexões
e a expressão adverbial se introduz como elemento facilitador do
processo. É uma estratégia auxiliar à codificação
e decodificação do fluxo informacional da língua em
sua articulação. A iconicidade se comprova na medida em que
a expressão “tanto e tão” correlaciona-se à idéia
de velocidade anunciada anteriormente. O emprego da expressão adverbial
intercalada fica explicado como estratégia icônica e simbólica
de velocidade intensa. É um mecanismo que deve ser considerado como
recurso icônico que aumenta o grau de intensidade da proposição.
A idéia de velocidade continua a ser representada através
dos ícones. Podemos observar que o autor representa a idéia
de sujeito com a expressão “Cada hora”, numa tentativa de colocar
o dinamismo acelerado da velocidade no signo que representa o movimento
que desencadeia a sucessão de movimentos. É como se o narrador
quisesse assegurar a proposta de velocidade contida no texto, marcada pela
expressào indicadora de tempo. Esse processo leva o leitor/ouvinte
a usar seus poderes de observação estabelecendo dessa maneira
uma conexão entre “informações novas” e “cada hora”.
O pronome indefinido “cada” aliado ao substantivo “hora2 estabelece uma
conexão desejada que é a de marcar um tempo não estático,
mas um tempo dinâmico. Portanto, o pronome indefinido “cada” é
o índice no momento em que reflete a marcação de tempo
dinâmico e reverte a atenção para o signo que denota
a coisa em movimento “hora”.
A disposição do advérbio “assim” nos remete a
uma idéia de que o autor não só quisesse mostrar um
modo, uma maneira de ser do objeto proposto “o volume”, mas também
mostrar uma idéia de espessura reforçada pelo adjetivo “grosso”.
O autor parece propor uma dinâmica capaz de aproximar o leitor/ouvinte
do narrador através de um processo induzido ao contexto virtual.
É como se o autor quisesse o leitor/ouvinte transportado para o
mundo do escritor e tentasse ver através de um gesto a espessura
do objeto em questão.
O efeito do signo “assim” designa aquilo sobre o qual está se
falando. Uma simples descrição do objeto “volume” deixaria
o leitor/ouvinte não muito certo em relação à
proposta contida na expressão. Talvez o contexto sem a representação
proposta pelo advérbio “assim” não tivesse o efeito desejado.
É a representação sígnica deficiente que expressada
de um modo especial propõe uma tentativa de aproximação
escritor/leitor/ouvinte. É o significado que ele exerce na sentença
e não só em si mesmo e isso justifica a pretensão
do emprego da palavra com a idéia proposta anteriormente.
Há na língua uma força interna, imanente do sistema
e uma externa, de fora do sistema. Assim arbitrariedade do signo lingüístico
passa a ser rediscutida, pois admite-se que haja uma relação
entre língua e realidade externa, e que certa função
pragmática pode influir sobre o processo de gramaticalização.
As estruturas sintáticas obedecem e refletem os princípios
da realidade ou não. Assim também é relativa
a situação da presença ou não do princípio
da iconicidade nas línguas naturais.
A presença ou ausência de marcas pode igualmente ser iconicamente
motivada, na medida em que as categorias são marcadas morfologicamente,
sintaticamente e semanticamente, na medida em que se admite o efeito de
forças internas e externas interagindo em competição.
Vejamos esse efeito no texto de Lygia Fagundes Telles:
“Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma
ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, “fico exausta
no calor...” Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz
dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira
de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã”.
(As Cerejas - “Oito Contos de Amor” - Ática - 1996)
O substantivo “calor2 atua como uma informação dada e
“Marcelo” é a informação nova. A explicitação
da relação “calor/Marcelo” não em palavras, mas em
reticências, marca a iconicidade no texto. O substantivo calor desperta
na narradora uma lembrança muito grata que leva qualquer leitor/ouvinte
percepção do fato pela simples disposição do
verbo “lembrar” no contexto posterior. O verbo “lembrar” é importante
pois refere-se à lembrança pelo “calor” e refere-se a não
lembrança pela “voz”. A inferência das reticências marca
a relação não explicitada entre o substantivo “calor”
e o substantivo “Marcelo”. Isso é possível devido ao conhecimento
de mundo possuído pelo leitor/ouvinte, permitindo compreender e
interpretar essa relação existente entre os dois elementos
do texto, ou seja, a informação dada anteriormente “calor”
e a informação nova “Marcelo”.
Essa inferência é um recurso icônico da lingüística
usado para que os textos não sejam excessivamente longos sem comprometer
integral. Na verdade, podem perceber que o explicitado no texto é
apenas uma parte daquilo que fica implícito. É importante
que o leitor/ouvinte seja capaz de detectar o implícito a fim de
alcançar uma compreensão mais aprofundada do texto. É
preciso, no entanto, que o produtor e o receptor de um texto possuam,
ao menos uma boa parcela de conhecimentos comuns. Quanto mairo for essa
parcela, menor será a necessidade de se explicitar no texto a proposição,
pois o leitor/ouvinte será capaz de suprir as lacunas através
de inferências, por exemplo.
A informação dada “calor” se refere ao conhecimento partilhado
entre os interlocutores e todo elemento que for introduzido a partir dela
constituirá a informação nova “Marcelo”. É
preciso, no entanto, haver um equilíbrio entre a informação
dada a informação nova. A informação nova apenas
não dá ao leitor/ouvinte o suporte básico para a inteligibilidade
do texto e por outro lado, se o texto contivesse apenas a informaçõa
dada poderia ocorrer uma redundância, sem propósito comunicativo.
O tempo verbal no presente “fico exauta...” em meio a uma narração
tem o propósito de trazer para o presente um fato intacto do passado.
É um recurso usado pela autora para tentar trazer o fato e vivê-lo
intensamente como foi vivido no passado. Às vezes a imaginação
e o sentimento procuram referir-se a tudo no tempo presente. Talvez por
desejar que esse fato do passado fique mais próximo.
A frase interrogativa intercalada “por que não me lembro da
voz dele?” é um marcador icônico. A intencionalidade da autora
é revelada pelo uso do verbo “lembrar” que é um mecanismo
utilizado para fornecer pistas ao leitor/ouvinte para a construção
do sentido desejado. A frase produz uma tensão, pois o discurso
todo é narrado na forma nominal do gerúndio que é
o tempo revelador de ações continuadas e marca uma construção
mais leve, menos direta e mais doce. O presente, ao contrário, é
mais objetivo, mais direto, revela um fato certo, sem dúvidas. Na
articulação da língua, raramente se deixa o certo
pelo duvidoso. O emprego do gerúndio na narração carrega-se
de misteriosa doçura e transmite uma impressão de coisa interminável.
O gerúndio e o presente se misturam no fragmento, dando ao leitor/ouvinte
a idéia de que a autora instalou-se no passado, partilhando seus
sentimentos, mas sem quebrar por completo as ligações com
o presente. Uma vez no passado, as lembranças fizeram perder a consciência
dos dois tempos e tudo foi considerado atual. Há sempre uma tendência
do narrador em reduzir o passado e transformar a dúvida em certeza.
Há um objetivo em manter vivo o relacionamento narrador/leitor/ouvinte
e uma não disfarçada intenção de levar o leitor/ouvinte
a partilhar das opiniões do narrador e até mesmo o de modificar
seu comportamento.
Uma das qualidades específicas do homem é a de criar
textos. Não como uma simples superposição de sentenças,
mas com uma disposição de componentes do universo textual
configurando uma continuidade de sentido resultando numa complexa rede
de fatores de ordem lingüística. Na verdade, parece não
haver dúvidas quanto a maior ou menor extensão do texto.
Importa, sim, que possuam um todo significativo. É importante que
haja um processo de seqüência para que fique assegurada uma
ligação lingüística significativa entre os elementos
que ocorrem na superfície textual. A legibilidade do texto se consegue
através do uso de elementos coesivos, tornando explícitos
as relações estabelecidas entre os elementos lingüísticos
que o compõem.
Vejamos esse processo no poema de Manuel Bandeira:
NEOLOGISMO
Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar
Intransitivo
Teadoro, Teodora
A construção poética inicia um discurso narrado
e emprega um verbo claro e objetivo no tempo presente. A forma verbal revela
uma tensão: o leitor/ouvinte fica alerta para o que vem a seguir,
uma vez que o verbo beijar traz um significado de carinho, de emoção.
O aspecto narrativo vai mudando com a inserção do advérbio
“pouco” pois é uma indicação expressiva de intensidade
menor. A tensão localizada na primeira oração continua
na segunda oração com a disposição do verbo
falar. O verbo falar é um verbo discendi mas o autor o coloca
no mesmo plano do verbo beijar, que é um verbo que transmite emoção.
É um plano quase comparativo. Podemos encontrar uma explicação
no fato de que cada ato de fala está envolvido, no mínimo,
por sensações de natureza auditiva, visual, tátil
e olfativa. Assim, a emoção e fala estendem-se para além
do verbal, por isso produto e processo da elaboração sígnica
se põem num plano independente do código com que se está
operando.
O texto é uma perceptível e interpretável e o
leitor/ouvinte usa o seu conhecimento prévio para adquirir vivência
do contexto. A importância da semiótica no processo se faz
presente no roteiro para produção do texto, pois fornece
pistas de seqüência de ações para o leitor/ouvinte
se orientar na organização do raciocínio lógico,
refletido na orientação de recursos expressionais para resultar
uma eficiente comunicação.
O advérbio “pouco” marcado pela intensidade do verbo beijar
constitui a figura de linguagem “gradação” em relativo plano
emocional com a expressão “menos ainda” referente ao verbo
falar. Os verbos beijar e falar se misturam num contexto de intensidade
menor, numa tensão previamente planejada pelo autor na tentativa
de evidenciar o verbo “inventar” que aparece na seqüência posterior
com um valor expressivo maior.
A tensão se faz ainda presente com o surgimento da conjunçõa
adversativa “mas”. Ela prepara o leitor/ouvinte para uma nova situação,
que vem corrigir, ou melh9or, modificar a idéia de menos intensidade
do período anterior. A atenção é para o signo
lingüístico “palavras”. A conjunção “mas” apesar
de manter uma coordenação de fatos na sua função
adversativa prepara o leitor/ouvinte para o contexto que deverá
sofrer modificações em nome da forma verbal “inventar”.
É interessante notar que o autor faz valer um alto poder expressivo
ao signo “palavras”. Podemos lembrar que para o poeta o elemento importante
é a palavra. É com ela que ele trabalha que ele constrói
o texto. É um elemento importante na criação do poeta.
A oração adjetiva parece vir confirmar a importância
do signo lingüístico como elemento criativo, pois o poeta evidencia
a significação dos mesmos. Uma tradução
romântica pura e simples e bem caracterizada pela expressão
“mais funda”. A tensão surge no momento seguinte com a disposição
da conjunção aditiva “e” que evidencia um outro valor popular,
diário, comum diante do emprego do signo lingüístico
“cotidiana”. Assim, há um momento de mistura de valores do signo
“palavras” ao mesmo tempo que algumas são empregadas num valor profundo
algumas outras são empregadas no contexto do dia-a-dia.
Parece haver uma intenção velada por parte do poeta em
valorizar o signo “palavras”. Essa leitura semiótica é
um ato de recepção bem complexo. Para que esse processo se
realize é necessário que o signo lingüístico
provoque um valor expressivo no receptor. Nesse caso a exposição
do elemento sígnico deve estar orientada para uma interação
produtiva. A integração entre os elementos leva o receptor
a realizar associações necessárias para a interação
da mensagem que o poeta propõe transmitir ao longo da narrativa.
Pelo despertar da sensibilidade em relação à leitura
do texto, um processo de conhecimento emergente é detonado das relações
e das inferências com situações especiais profundas
e situações do cotidiano. Através da interpretação
que se chega ao conhecimento. A semiótica orienta e treina a percepção
visual a partir da interação intersignica. O leitor/ouvinte
é conduzido ao conhecimento de dados da cultura e à interpretação
de sinais que são utilizados para a manifestação e
proposição dos valores culturais e intelectuais num processo
mais dinâmico e mais produtivo.
O advérbio de intensidade “mais” nas expressões “mais
funda” e “mais cotidiana” marca a iconicidade. A retomada de referentes
textuais mais próprios da realidade e menos da fantasia, revelam
uma característica de sucessão de unidades de uma cadeia
de expressões que a tendência romântico/realista do
poeta propõe. Nesse caso a criação fica acima de tudo
e entra em jogo a reflexão a respeito da visão criativa.
A retomada do verbo “inventar” em outro tempo verbal, ou seja, no pretérito
perfeito, reflete uma ação no passado e traz como característica
o discurso comentado e uma novidade na construção do objeto,
pois é uma concretização do seu discurso textual:
uma palavra nova. A palavra nova, invenção do poeta está
caracterizada pelo elo estabelecido pelo pronome pessoal “te” e a forma
verbal “adorar”. É um recurso icônico gramaticalizado quando
recorre a formação de palavra que usa uma derivação
prefixal. Em seu discurso textual, o poeta faz questão de classificar
sua própria invenção - “intransitivo” - os verbos
intransitivos encerram dentro de si, todos elementos que definem a ação
sem precisar de complementos. A função metalingüística
da linguagem aqui empregada tem a função de mostrar que o
verbo intransitivo basta a si mesmo. Tem poder de sugestão e energia
expressiva. É a forma verbal preferida pelos poetas. A criação
do poeta se torna mais acentuada quando ele usa os elementos textuais que
formam palavras novas, com elementos referidos anteriormente.
Para o remate do poema, o poeta cria, ou melhor, retoma um substantivo
próprio existente com as características da forma verbal
inventada. Apenas o poeta usou o recurso de trocar os fonemas de posição
e assim encontrar numa mesma característica sonora um substantivo
e uma forma verbal “teadoro, Teodora”. Todo poeta conduz sua criação
a um só termo: a musa. A iconicidade aí se faz presente com
o símbolo do amor - o verbo adorar - e o índice é
a marca da invenção do poeta de uma forma verbal capaz de
traduzir o sentimento que dele se ocupa.
CONCLUSÃO
Os encadeadores de tipo discursivo são responsáveis pela
estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos
sucessivos sendo cada enunciado resultante de um ato de fala distinto.
O uso desses elementos facilitam a interpretação e a intencionalidade
do texto, pois possuem funções bem definidas e específicas.
Alguns desses elementos formam encadeamentos e outros formam referência
e encadeamentos. As formas de referência podem tornar-se suportes
de novas predicações, contribuindo para a progressão
do texto, o que possibilita a seqüência do texto.
Qualquer signo contém uma impressão qualitativa de sua
qualidade concreta, aliás qualquer coisa que se apresenta à
consciência é como simples qualidade do material de que a
coisa é formada. O ícone está mais perto de ser coisa
do que signo. O ícone está entre o ser ou não ser
signo. O ícone diz respeito à materialidade, ao material
enquanto qualidade de configuração. O ícone não
pode ser considerado como substituição, pois é sempre
criação e criação é sempre original.
É produto de um sentimento de qualidade com objetivo de uma força
de qualidade imprecisa, de uma forma impossível de se traduzir de
se discernir. Os ícones são grandes criações
e as grandes criações são como vida, nunca se repetem.
Os ícones podem representar forma e sentimento, mas é um
corpo sem diferença. É forma sensível que retém
e objetiva, num corpo materialmente organizado, a indeterminação
da qualidade de sentimento.
. Pós-graduada em língua portuguesa - UERJ - FFP - 1995
- Professora de língua portuguesa e literatura no Colégio
Estadual “Walter Orlandine”. SEE - RJ.