ALGUMAS DIFICULDADES NA PÓS-GRADUAÇÃO
EM FILOLOGIA ROMÂNICA

Bruno Fregni Bassetto  (USP)

Os cursos de Pós-Graduação, segundo sua estruturação atual, foram iniciados na Universidade de São Paulo em abril de 1972.  Resultaram de uma Portaria da Reitoria, de 1970.  Em 1971 foi aprovado o regulamento respectivo, resultado do trabalho de uma comissão central e das comissões das unidades universitárias. A criação desses cursos visou à formação de professores para o magistério superior, em nível de mestrado e doutorado,  conforme orientação emanada do Ministério  da Educação.
Na USP,  essa formação era conseguida, até então, através de cursos de especialização, que foram relegados a um segundo plano com a implantação da pós-graduação stricto sensu,  apesar de alguns protestos  dos que pensavam na necessidade de aprimorar também os conhecimentos dos professores secundários, precisamente quando se democratizava o segundo grau.  Essa democratização, necessária e desejável sob muitos aspectos, teve, porém, como conseqüência um rebaixamento de nível, com sensíveis reflexos no ensino superior, cujos ingressantes se mostravam menos preparado, particularmente em relação à Filologia Românica.
O primeiro regulamento de Pós-Graduação da USP, constituído por sessenta artigos, não previu dotações nem determinados problemas, como a não ampliação das instalações e dos quadros docentes.  O Departamento de Letras foi inicialmente divido em três e Filologia Românica ficou junto ao de Lingüística e Línguas Orientais.  Posteriormente, Lingüística tornou-se um Departamento autônomo e Filologia Românica passou para o de Letras Clássicas e Vernáculas, mais de acordo com seu campo de estudo, e no qual permanece até o presente.
A situação atual da Filologia Românica, na Pós-Graduação, na USP não é das melhores.  Conta com apenas um docente, que deve também ministrar todas as aulas também na graduação.  Até um passado recente, a área sempre contou com três docentes;  dois se aposentaram e dificuldades financeiras da Universidade não permitiram a reposição dos claros.  Contudo, a área vem lutando por mais um docente pelo menos e há boas perspectivas de que em breve lhe seja contratado. A disciplina Filologia Românica vem sendo ministrada ininterruptamente na graduação desde 1939 e na pós-graduação, desde sua implantação, nos primeiros anos da década de 70.  Formou um número considerável de mestres e doutores, hoje trabalhando em universidades de todo o Brasil.   Apesar das dificuldades, a área de Filologia Românica conta no corrente ano três doutorandos e nove mestrandos, a maioria já em fase de elaboração do Relatório de Qualificação ou da  tese ou da dissertação. Por outro lado, os interessados em mestrado e doutorado em Filologia Românica são muitos; cerca de quinze interessados, em condições de serem admitidos, aguardam vaga.  São provenientes da graduação da própria USP, mas há candidatos do Acre, do Piauí, do Ceará, da Bahia, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de Santa Catarina. Visando a atender essa demanda, tenta-se uma reestruturação através da criação de uma área autônoma de Filologia Românica, com três titulares, dois livre-docentes e três doutores, junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Entretanto, há vários problemas a serem superados, a começar pela conceituação da própria disciplina. O responsável pela organização do curso de Pós-Graduação em Filologia Românica, o Prof. Isaac Nicolau Salum, de saudosa memória, nos idos de 1972, já havia reconhecido o problema:  "O termo Filologia é sabidamente muito elástico.  Podemos tomá-lo essencialmente como o estudo dos textos, quer do ponto de vista de seu estabelecimento, quer do ponto de vista de sua explicação histórico-literária." (Alfa, -Marília, 1972, n.º 18/19, pág.485)  De fato,  essa "elasticidade" do termo  não é benéfica sob nenhum aspecto;  pelo contrário, é causa de freqüentes confusões, discussões inúteis e até confrontos perniciosos. Certamente, seria restringir demais o conceito de Filologia identificando-a com a edótica, com lingüística histórica ou "estudo de todos os discursos que os homens pronunciam ou pronunciaram" (Lausberg, Lingüística Románica, vol. I, pág. 37). Considerando-se que  Filologia tem aproximadamente 2500 anos de existência, compreende-se que se tenha tornado um termo polissêmico, cuja história apresenta muitos ocos, altos e baixos.  Em vista disso, seria muito útil que o conceito de Filologia fosse debatido até que se chegasse a um conceito aceitável pelo menos pela maioria, com base na grande tradição dos estudos filológicos, em sua vasta bibliografia e nos eminentes vultos  que se dedicaram a esse campo no decurso dos séculos.
Com uma clara delimitação do campo da Filologia, seus objetivos e seus métodos,  seria mais fácil pleitear seu reconhecimento como uma área autônoma,  um campo específico do conhecimento humano, ainda que para nós seu campo ficasse restrito à Romanística.  Pois, Filologia Românica não consta como área específica em nenhuma relação dos institutos de fomento à pesquisa, como CNPq, CAPES, FAPESP etc.  Em conseqüência,  quem se especializa em Filologia Românica não se enquadra perfeitamente em nenhuma das áreas relacionadas, o que não deixa de causar certo desconforto e perplexidade.  O problema se torna mais sério, quando se pensa em pós-graduação. Um mestre ou doutor especificamente em Filologia Românica não recebe seu diploma nessa especialidade, mas na da área à qual esse disciplina está ligada,  precisamente por não constar como área autônoma.  Não seria absurdo atribuir o declínio dos estudos filológicos, em parte pelo menos, à ausência de reconhecimento oficial, do fato de não constar nessas relações dos campos de conhecimento.  Por isso, sugeriria a este egrégio Congresso que se exarasse um ofício, ou equivalente, sobretudo à CAPES e ao CNPq, pleiteando que se inserisse Filologia como uma área específica de Ciências Humanas. O fórum  desde Congresso constitui um meio e uma ocasião excelentes para tal encaminhamento. Pediria também o apoio e os préstimos dos laboriosos e competentes editores da Revista Philologus,  do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos para esta proposta.  O estabelecimento da Filologia como área autônoma será, sem dúvida, benéfico principalmente para a pós-graduação.
Senão, vejamos. Até 1996, Filologia Românica estava ligada à área de Letras Clássicas, como uma sub-área, na pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.  A razão dessa ligação é clara: a Romanística tem o latim, e especialmente o latim vulgar, como terminus a quo de suas investigações e as línguas e dialetos românicos como terminus ad quem.  Além disso, ninguém ignora que as línguas e dialetos românicos são derivações ou transformações do latim vulgar.  Nada mais lógico e coerente, portanto, que a Filologia Românica ficasse agregada à área, cujo campo é precisamente o terminus a quo da área daquela, uma vez que não se concebe a Filologia Românica, com seu caráter eminentemente diacrônico,  sem o latim. Por isso tudo, qual não foi o desencanto e, até mesmo certa revolta,  quando a avaliação da CAPES de 96, reiterada e olimpicamente, houve por bem determinar que Filologia Românica fosse alocada. Contudo, não se indicou onde se deveria alocá-la, nem foi dada nenhuma explicação sobre as razões dessa determinação.  Depois de várias tentativas de acerto, infrutíferas, optou-se por criar uma área autônoma, cujo processo está em andamento. Caso Filologia Românica  tivesse o status de área autônoma de conhecimento, tudo isso teria sido evitado.
Por outro lado, o Infocapes, vol. 5, n.º 4, pág. 43 informa serem poucos os pesquisadores na área de Filologia Românica..  Realmente, um levantamento da situação da área em universidades brasileiras revela um certo declínio. Poder-se-ia considerar esse declínio também como uma conseqüência da falta de uma caracterização mais precisa da própria área, da amplitude de seu campo de atuação, além da ausência de seu nome nas listas oficiais.  A experiência na Universidade de São Paulo, porém, mostra que não faltam absolutamente interessados em pesquisas românicas, tanto entre   membros do corpo docente como entre o alunado, quando o campo lhes é devidamente apresentado.  Verdade é que freqüentemente os candidatos não apresentam as condições ideais, faltando-lhe não raras vezes conhecimento do latim e de algumas línguas românicas, sem o que fica difícil dedicar-se com  proveito e sem traumas aos estudos românicos. Contudo, com uma adaptação e alguns estudos complementares, para os quais os interessados se têm mostrado prestativos, resolvem-se os problemas, conseqüências de uma formação anterior deficiente. Ao que tudo indica, tais dificuldades se fazem sentir também em outras áreas.  Dadas, porém, as características da Filologia Românica, que requer conhecimentos complementares (como história, geografia, epigrafia, hermenêutica, exegese, paleografia, edótica, literatura, teoria literária),  essas dificuldades se tornam maiores.