OS QUATRO ELEMENTOS NA ELEGIA TIBULIANA
Ruy Magalhães de Araujo
À Profa. Ruth Junqueira de Faria
In Memoriam
1. A Elegia: seu esplendor latino.
1.1. Ligeiras considerações sobre o gênero elegíaco.
As origens do gênero elegíaco encontram-se na Grécia.
A Poética de Aristóteles já lhe dava referências.
Sabido é que Calinos (considerado o mais antigo autor do gênero
– século VII a.C.) compunha certos versos elegíacos numa
temática voltada a feitos bélicos. Com temas impregnados
de melancolia e tristeza, Arquílogo também escreveu elegias.
A origem do vocábulo elegia ainda é desconhecida. Mesmo
assim, várias hipóteses têm sido formuladas para explicar-lhe
a procedência. Mais viável seria o seu relacionamento com
o étimo armênio elegn, cujo significado é bambu, flauta
de bambu, posto que tal instrumento musical acompanhava a voz da pessoa
que declamava um poema, à maneira de um canto. Daí a forma
grega ??????? (???), canto fúnebre, movendo à compaixão.
A elegia é caracterizada primordialmente pela métrica
com que se expressam os dísticos elegíacos, isto é,
um hexâmetro e um pentâmetro, cuja marcação pela
quantidade de breves e longas empresta a esse gênero decomposição
poética uma faceta de rara musicalidade. Desse modo, o fator determinante
para se classificar um poema como elegíaco não é o
conteúdo ou a temática, porém a forma.
Na Literatura Latina a elegia encontrou o seu esplendor, como comprovam
sobejamente as produções de muitos autores consagrados, mormente
na época de Augusto. Sua introdução em Roma atribui-se
a Catulo, mas, a despeito de ele ter sido autor de incontáveis poemas,
aliás belíssimos pela riqueza métrica, não
se considera um poeta elegíaco segundo alguns críticos, pois
escreveu reduzido números de elegias. Tibulo e Propércio
é que figuram como os maiores cultores do gênero e receberam
influências da escola alexandrina. Seguem-se outros poetas importantes,
sendo Ovídio, na elegia erótica, o último deles.
1.2. Tibulo: dados biográficos.
Biografar Álbio Tibulo é tarefa em que o risco de informações
obscuras torna-se uma constante. A data de seu nascimento, por exemplo,
tem provocado várias opiniões divergentes. Determinou-se
o ano de 54 a.C. como provável, tendo-se por base as datas do nascimento
de Galo (69 a.C.) e Propércio (47 a.C.) Outros estudiosos, como
Cartault, consideram aceitável o ano de 48, tendo em vista que em
31 Tibulo prestou o serviço militar, fato que ocorria após
a tomada da toga viril, aos 16 anos naquela época; em 31, por conseguinte,
Tibulo deveria estar com 17 anos, sendo bem mais provável que tenha
nascido no ano de 48.
Quanto à localidade do seu nascimento, do mesmo modo persistem
dúvidas. Por vezes, fazem-se referências a Roma, por outras,
a regiões limítrofes e vizinhas.
Sabe-se que pertencia a uma rica estirpe de cavaleiros, cujos bens
se foram dissipando com rapidez por ocasião das guerras civis, naquele
turbilhonado momento da vida política de Roma. Mesmo detestando
as guerras (era um amante da paz), acompanhou, por dever de solidariedade,
seu amigo Messala Corvino ao Oriente; a doença, porém,
impediu-o de prosseguir viagem, ficando em Corcira. Tempos depois, no ano
de 27, esteve com Messala numa expedição à Aquitânia.
Tibulo e Messala eram ligados por fortes laços de de amizade. O
poeta freqüentou o círculo desse ilustre patrício, donde
faziam parte muitos talentos jovens. Seu dileto amigo Messala merece lugar
de relevo nas elegias do poeta.
A informação de um epigrama permite determinar-se, com
relativa segurança, a morte de Tibulo nos derradeiros meses do ano
de 19, ou começo de 18.
Nas elegias tibulianas, duas mulheres, Délia e Nêmesis,
merecem destacado lugar. A primeira, identificada como Plânia, foi
exemplo de amor espiritual e puro; a segunda representou o amor sensual-epidérmico:
era uma reles cortesã, dilapidadora de bens alheios, ávida
de interesses materiais. De acordo com outros autores, entretanto,
o poeta representa ambas como infiéis.
1.3. O texto e o contexto.
Sua poesia expressou, quase com freqüência, temas
de amor, religião, exaltação da vida campestre, louvor
a conquistas romanas por Messala, espera por um futuro venturoso, além
de marcar uma constante melancolia, retratando a incompatibilidade do seu
próprio eu poético com a realidade do mundo exterior.
O “corpus tibulianum” é constituído por uma coleção
de poesias, ou seja, uma reunião de elegias, onde as composições
de Tibulo sobressaem, constando, ainda, a produção de outros
poetas que foram por ele influenciados, como Lígdano e a poetisa
Sulpícia.
A poesia de Tibulo compreende os dois primeiros livros, que abrangem
o total de 16 elegias. Entre as elegias do primeiro livro, cinco são
dedicadas a Délia, musa de inspiração, e que fora
muito relacionada como Plânia, uma mulher casada por quem o poeta
se apaixonara perdidamente. No segundo livro, sua paixão por Nêmenis
é cantada em três elegias. É interessante salientar
a forma com que Tibulo trata seus amores. Délia surge envolta num
clima de família, purificado pelo respeito, havendo constantes referências
à mãe e ao marido. Nêmesis é o protótipo
da cortesã ambiciosa, deixando antever um clima de lupanar, sem
referência a pessoas da família.
No primeiro livro, além dessas elegias dedicadas a Délia,
encontram-se algumas composições a Marato, um belo jovem,
as quais, de acordo com alguns críticos, referem-se a uma pessoal
real, ponto em que outros discordam, visto tratar-se de temática
usual de poetas alexandrinos.
Na quarta elegia desse primeiro livro, tem-se um diálogo entre
o poeta e Priapo, com características de profundo didatismo.
Nesse livro existe ainda uma elegia em comemoração ao
aniversário de Messala, destacadas dentre as outras por retratar
as conquistas empreendidas pelos romanos, adquirindo um caráter
épico. É de notar-se aqui a existência das divindades
cultuadas pelos romanos: Baco e Júpiter, com as divindades veneradas
pelos africanos, mais precisamente pelos egípcios: Osíris
e Nilo. O liame da relação entre os deuses Baco-Osíris
representa, de maneira extraordinária, na poesia tibuliana, a dimensão
do mito, tornando possível a união de duas civilizações
diametralmente opostas, ao menos em termos de localização
geográfica.
A décima elegia desse primeiro livro tem o campo como idéia
nuclear, tema que consubstancia o caráter e as peculiaridades mais
significativos da civilização romana em sua origem agrária
por excelência.
A primeira elegia do segundo volume abraça uma temática
religiosa e campestre, onde são mostrados, outra vez, os valores
rurais.
A quinta elegia do mesmo livro é dedicada ao filho mais velho
de Messala, M. Valério Messalino, para quem o poeta evoca a proteção
de Apolo, narra a lenda do Monte Palatino e as origens de Roma.
Eis aí, grosso modo, o que podemos extrair dessa produção
poética.
A exabundância dos riquíssimos aspectos de que se revestiu
a elegia em Roma reaviva-se, de modo flagrante, na obra de Tibulo.
2. Os quatro elementos.
No “corpus tibullianum” trataremos dos quatro elementos primordiais:
a terra, a água, o fogo, o ar, visando a enfocar-lhes os aspectos
referentes à sinonímia, à etimologia dos vocábulos
que lhe dizem respeito, à produtividade de que se poderá
obter de cada um desses mesmos elementos quanto às classes de palavras
do latim, bem assim do seu respectivo relacionamento com as outras línguas
românicas, para, finalmente, tecermos comentários de como
se situam dentro do texto e contexto das elegias tibulianas.
No tratamento lexicográfico propriamente dito dos vocábulos
pertinentes a esses quatro elementos, buscamos referência no saudoso
Professor Ernesto Faria, que nos propiciou ricos ensinamentos em seu Dicionário
Escolar Latino-Português, Rio de Janeiro, MEC/FENAME, 1975, do qual
procuramos interpretar o conteúdo dos registros respectivos.
2.1. A TERRA.
O elemento terra apresenta grande riqueza vocabular e larga sinonímia
com outras formas léxicas, podendo-se estabelecer sua relação
com este primeiro grupo consoante o seguinte esquema :
SOLUM
TERRA HUMUS
TELLUS
Assim podemos obter as seguintes informações, genericamente
consideradas:
a) trata-se de um elemento frio, em oposição ao sol (fonte
de calor, fogo);
b) é um elemento seco, opondo-se aos mares e aos rios (água);
c) estando em oposição mais inferior dentre todas as
coisas, forma o sustentáculo básico-fundamental de tudo.
Do latim terra, -ae. Formas derivadas: terrula, -ae, do baixo latim:
pequeno pedaço de terrra; terrenum, - i: terra, terreno, território;
terrenus,- a,- um: de terra, formado de terra, e faz pl. em terrena, -
orum; terrestris, - e: terrestre, da terra; Terraco v. Tarraco, - onis:
Tarracão, capital da Hispania Tarraconensis, hoje em dia Tarragona;
terraneola, - ae: nome de cotovia; territorium, - i: território;
terraqueus, do latim medieval: que tem terra e água, possui também
o sentido atual de habitante da terra, por oposição aos habitantes
de outros planetas; terrinu, do latim popular: terrina, vasilha feita de
barro, marmita. Ainda se registram: terreus, terrosus, terrulentus e territorialis,
-e, do latim tardio.
Também na Mitologia greco-romana, TERRA personificava uma divindade
conhecida por vários nomes. Era mulher de Uranos, mãe de
Oceano, dos Ciclopes, dos Titãs e dos Gigantes.
Algumas formas compostas: mediterraneus, - a, - um: mediterrâneo,
que se acha no meio de terras; subterraneus, - a, - um: subterrâneo,
que se acha debaixo da terra; terricola, - ae: habitante da terra; terrigena,
- ae: filho da terra, nascido na terra, o mesmo que terrígena. Também
existem as formas: terrifagus: pessoa que tem o hábito de comer
fragmentos de terra, e terraemotus: ‘movimento da terra’, deslocamento
de camadas do interior para fora da superfície terrestre.
Nas línguas neolatinas, a palavra tomou as seguintes formas:
português: terra, espanhol: tierra, francês; terre; italiano:
terra; romeno: tara (pemint).
Dentro do corpus tibullianum, o vacábulo possui um traço
comum que funciona como se fosse um verdadeiro arquilexema.
Rura ferunt messes, calidi cum sideris aestu
Deponit fauas annua terra comas.
(Tib., 2, 1 47-8)
Tradução: Os campos suportam as colheitas, com o tormento
do quente astro a terra de cada ano renova as favas cabeleiras
2. 2. A ÁGUA
Como substantância essencial e imprescindível à
formação da vida, a água compara-se à terra
e aos outros elementos.
Sob o ângulo semântico, tem–se um caráter genérico
em razão da universalidade do elememto água. Contudo, existem
palavras que apresentam um caráter mais específico, resultante
do estudo da generalidade contida no vocábulo. Vejam-se como exemplos
aqua e unda, cuja mobilidade desta última determina o traço
diferenciador, enquanto que o traço de diferenciação
aqua e lympha está ligado à pureza e a transparência
desta.
Por conseguinte, o vocábulo aqua, em virtude de sua generalidade
semântica, é possível de considerar-se como verdadeiro
arquilexema.
Guardando as mesmas proporções, ou seja, pela sua abrangência
de significação, vamos encontrar os vocábulos flumem
e mare.
Temos então, lato sensu:
FLUMEN
RIUUS
AQUA (Lympha) LACUS
PLUUIA
MARE
A seguir, stricto sensu:
RIUUS
I) FLUMEN (Amins) LACUS (Stagnum)
PLUUIA (Imber)
AEQUOR
OCEANUS
II) MARE
PONTUS
FRETUM
Como dizíamos, o vocábulo aqua funciona como verdadeiro
arquilexema, posto que os lugares cobertos por esse elemento recebem
as mais variadas denominações, e muitas vezes em decorrência
da maneira como eles se apresentam.
Outros dois vocábulos, flumen e mare, que em verdade são
dois semantemas, também assumem o papel de autênticos arquilexemas,
em face de seu caráter generalizante e também em virtude
do modo como se apresentam: constituem realidades aquáticas, isto
é, formam imensas superfícies cobertas de água.
Ambos preenchem extensões consideráveis do elemento telúrico
e por isso exercem função importantíssima, tanto no
contexto histórico, quanto no contexto da obra. Lançando-se
a elas, ora pelos rios, ora pelos mares, é que o navegante parte
em busca de riquezas ou lucros, da mesma forma que o agricultor lavra a
terra sem cessar.
Desses arquilexemas, temos ainda outros variados traços distintivos,
aos quais faremos alusão, procurando ressaltar-lhes as facetas principais.
Consideremos, então, o aspecto relativo à sinonímia.
Esta, ainda que se manifeste por meio daquelas duas realidades aquáticas,
também se evidencia pela condição umidade que a caracteriza.
Quanto aos traços distintivos, pensamos que o maior deles é
a condição determinante do elemento: água doce e água
salgada, respectivamente para os vocábulos flumen e mare. A quantidade
é mais outro fator determinante, ao lado da pureza, sintetizada
no vocábulo lympha.
Do latim, aqua, - ae, substantivo feminino da primeira declinação.
Sentido próprio: 1) água (Cíc. Verr. 4. 107). Daí:
2) água de rio, rio, lago, mar, água de chuva (Cíc.
Div. 2, 69); (Verr. 2, 86); água de chuva (Cíc. De Or. 3,
180). 3) No plural: águas termais, banhos (Cíc. Planc. 65).
Vejam-se as expressões: a) praebere aquam (Hor. Sát. 1, 4,
88), oferecer água para as ablusões antes das refeições,
e daí: convidar alguém: b) aquam dare (Plín. Ep. 6,
2, 7), fixar o tempo que um advogado possui para falar: c) aquam perdere
(Quint. 11, 3, 52) empregar mal o tempo que lhe é dado para falar:
d) mihi aqua haeret (Cíc. Q. Fr. 2, 6, 2) estou atrapalhado: e)
aquam et terram ab aliquo petere (T. Lív. 35, 17, 7) pedir água
e terra, i.e., pedir a submissão do inimigo. Havia um genitivo arcaico:
aquali (Lucr. 1, 284); (Verg. En. 7, 464), segundo Ernesto Faria.
Formas derivadas e compostas: aquaeductus ou aquae ductus, - us: aqueduto;
direito de conduzir águas para uma propriedade; aqualiculus, - i:
ventre, pança; aquarius, - a, - um: relativo à água;
aquarius, i: escravo que vai à agua, aguadeiro; Aquário (Signo
do Zodíaco); aquaticus, - a, - um: aquático; cheio de água,
aquoso; aquatilis, - e: adjetivo pejorativo para significar aquático;
no plural: aqualitiam – ium: animais aquáticos (Plín. H.
Nat. 31, 1); aquatio, - onis: aprovisionamento de água, aguada;
chuva; aquator, - oris: o que vai buscar água, aguadeiro.
Ernout registra as formas: aquifolium; *aquiducium; aquilex, - icis;
aquilicium, - i (aquaelicium); aquaemanale (aquiminale, aquaemanile, aquiminarium)
e aquagium, sinônimo jurídico de aquae ductus, além
de aqu(a)e mola (gloss.) Ainda são consignadas as formas:
*aquana, *aquatoria, supostamente aceitas, e também as formas modernas:
adaquari; inaquare; exaquare, bem assim: aquifuga; aquigenu-; aquilegiu-,
aquasitate-, e mais ainda: aquor, - aris, - ari, - atus sum, verbo depoente
intrasitivo com o sentido de: fazer aguada; o adjetivo aquosus, - a, -
um, com o sentido próprio de: aquoso, úmido, cheio de água;
com o sentido figurado de: límpido, claro; e o substantivo aquula,
- ae: fio de água.
Muito ligada ao vocábulo aqua, temos a palavra lympha, que resume
tudo o que se pode imaginar em termos de pureza desse elemento. Emprega-se
sobremaneira no plural e é sinônimo poético de água.
Na Mitologia, Lympha considerava-se a deusa das águas. Noutro
aspecto religioso, a água, juntamente com o sal e o fogo, constituía
um elemento catártico por excelência, fato que ainda ocorre
em algumas religiões.
A água, como elemento primacial da vida, tem sido, desde priscas
eras, de inenarrável utilidade para o homem. Embora em contraste
com a solidez do elemento terra, pode-se comprovar sua superioridade sobre
ele em muitas facetas.
Em português: água; em espanhol: agua; em italiano: acqua;
em francês: eau; em romeno: apa.
No corpus tibullianum:
Non seges est infra, non uinea culta, sede audax
Cerberus et Stygiae nauita turpis aquae
(Tib., 1,10 35–8)
Tradução: Não é inferior a terra semeada,
nem a vinha cultivada, o audaz Cérbero por seu domicílio
e aquele navegador da torpe agua do Inferno
2.3. O FOGO
Ao vocábulo FOCUS agregam-se duas características principais:
a luminosidade e o calor. Daí partindo, distinguimos a FLAMMA, que,
segundo a própria simbologia indica, é a alma do fogo, sendo,
também, a parte intrínseca do mesmo.
A palavra LUMEN possui um significado mais restrito, e é formada
pelo radical LU mais o sufixo intrumental MEN. LUX é mais abrangente,
mais genérica, sendo, por isso, um arquilexema.
O vocábulo fogo provém de focus, - i, substantivo da
2ª declinação, cuja causa, de acordo com a tradição,
é o atrito de dois pedaços de material duro (madeira, metal
etc) ressequido. A forma antiga era ignis, - is, ainda hoje encontrada
em textos eruditos, como igneo, por exemplo. O vocábulo focus, -
i, substituiu nas línguas românicas o substantivo ignis, -
is. De qualquer maneira, fogo representa a existência de diversas
fontes energéticas.
No terreno mitológico, os deuses Lares ou os Penates estavam
presentes no lugar reservado ao fogo. Da palavra Lares, tivemos a forma
lareira.
Ainda com relação aos aspectos semânticos, podemos
extrair do arquilexema LUX os semantemas: fax, fulmen, lucerna, sol..
FAX
LUX FULMEN
LUCERNA
SOL
Em português: luz; em espanhol: luz; em italiano: luce; em francês:
lumière; em romeno: lumina.
No Corpus tibullianum:
Luce sacra requiescat humus, requiescat orator,
Et graue suspenso uomere casset opus.
(Tib., 2, 1, 5-6)
Tradução: Descanse a terra da sacra luz, repouse o lavrador,e
cesse o árduo trabalho com o arado em descanso
.
2.4. O AR
A situação deste elemento não é igual à
dos outros já estudados. Seu papel, contudo, é bastante estrutural
e significativo. O vento terá aqui a sua definição
mais pura: a agitação do ar atmosférico.
Para melhor enfoque, consideraremos os seguintes espaços, em
consonância com o próprio texto poético.
O espaço das águas de início significava (na Idade
do Ouro) que as velas não haviam ainda sido tocadas pelos ventos
e por causa disso o mundo se encontrava restrito à sua própria
limitação territorial e ao mar impenetrável, sendo
as águas um marco natural de separação. Mais tarde,
lançaram-se as velas ao mar; impulsionados pelos ventos, elas iriam
alcançar outras regiões, novas terras, lugares diferentes
até então desconhecidos.
Poder–se–ia, em virtude disso, considerar os ventos como elemento integralizador
de espaços.
No Corpus tibullianum:
utque maris uastam prospectet turribus aequor
prima ratem uentis credere docta Tyros.
(Tib., 1,7, 19-20)
Tradução: Para que a superfície do mar possa contemplar
pelas torres o imenso barcoe a instruída cidade de Tiro possa crer
pela primeira vez nos ventos.
O espaço do campo mostra, igualmente, a presença dos
ventos através de uma duplicidade de aspectos ou de duas realidades:
uma concreta e outra abstrata. A primeira não se declara de modo
plenamente satisfatório; a segunda, entretanto, cobre todos esses
vazios e o poeta realiza-se em sua esplêndida integralidade, por
meio de um incomparável vôo onírico. Todavia, essa
realidade abstrata (ou sonhada) vai também se desfazer pela ação
dos ventos e o poeta toma consciência do quanto é enorme a
insignificância de si mesmo.
É mister considerar-se ainda o espaço contextual, notado
em função das tensões das duas realidades mencionadas
por último. Ele será mais globalizante, se considerado num
sentido mais amplo. O poeta exaltou também com muita ênfase
a própria natureza.
Deduz-se, portanto, que o ar desempenha uma duplicidade de ações,
permeando os dois níveis espaciais da poesia tibuliana.
Quanto aos dados mitológicos, Eurus ou Vulturnus (vento que
sopra de sudeste) e Notus ou Aster (vento do sul), juntamente com Boreas
ou Septentrio (vento do norte) e Zephyrus ou Favonius (vento que sopra
do ocidente, anunciando a primavera), eram filhos do titã Astraeus
e da deusa Aurora. Os Ventos viviam encarcerados numa caverna subterrânea,
sob a vigília de Aeolus, considerado o seu rei, que os soltava à
medida que considerava necessário. Por sua importância na
agricultura e navegação, foram cultuados fervorosamente.
Os governos romanos veneram-nos, também, como protetores das batalhas
navais.
Etimologicamente, em latim aer, - aeris, pelo grego ???, ?????,, substantivo
masculino da 3ª declinação. I – Sentido próprio:
1) ar (Cíc. Nat. 2, 42). II – Linguagem poética: 2) ar (atmosfera)
de determinada região: in crasso aere natus (Hor. Ep. 2,1, 244)
“nascido numa atmosfera pesada”. 3) cimo (Verg. G. 2, 123). 4) nuvem, nevoeiro
(Verg. En. 1, 411). Obs. acusativo singular mais usado:aera (Cíc.
Nat. 1, 10,26). Genitivo singular: aeros (Estác. Theb. 2, 693).
Ainda encontramos: aerius, - a, - um, adjetivo de 1ª classe. Sentido
próprio: 1) aéreo, do ar. Donde: 2) elevado, alto: aeria
quercus. (Verg. En. 3, 680) “carvalho elevado”, usado em geral na poesia.
Ernout também registra a forma aerinus.
Em português: ar; em espanhol: air; em italiano: aria; em francês:
air; em romeno: aer.
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, as elegias de Tibulo constituíram peça
valiosa a enriquecer a literatura latina, conferindo a esta um posicionamento
privilegiado no gênero elegíaco, que chegou a suplantar, por
vezes, a própria elegia grega, a despeito de as influências
da escola alexandrina se terem mostrado evidentes. A linguagem cristalina
e o rigor da perfeição métrica conferiram ao poeta
os méritos de ser um dos maiores nomes da elegia em Roma.
Os quatro elementos ressaltados acima constituíram os espaços-temporais
da obra tibuliana. A terra, todavia, representada pelo campo, simbolizou,
de fato, o mais importante, pois foi o mais propício para o desenvolvimento
e para a concretização da idéia medular dos textos
elegíacos. Além disso, foi na terra (campo) que se realizou
a presença dos outros elementos naturais: por ela passou a
água dos rios; encimando-a estava o ar; e da mesma foi que
emanou o fogo. Na terra (campo) foi que se verificou em verdade a participação
humana em todas as atividades relacionadas com os valores rurais; foi lá
que se demonstrou o caráter místico-mítico que resguardam
os padrões mais puros da religiosidade da alma latina; foi nela
que se comprovou o aparecimento de Cupido, em que o amor assentou suas
bases, fornecendo ao artista o espaço ideal e exato para realizá-lo,
porquanto tal sentimento guardou sua candidez e integridade de origem,
e por essa razão o poeta sentiu a visualização de
Délia como camponesa, com a qual sonhara envelhecer um dia.
A verdade histórica fundiu-se com a verdade mítica, numa
interligação bastante significativa. No espaço-campo,
o nível “real” e o nível “imaginário” atingiram o
ápice, projetando-se no texto propriamente dito.
No que diz respeito à filologia, mostraram-se multiformes aspectos
pelos quais os quatro elementos primordiais puderam apresentar-se. Do estudo
particularizado de cada um deles, abriu-se em leque a oferecer-nos farto
material de estudo morfológico, fonético, lexical e semântico,
donde as mais expressivas formas se conseguiram extrair, quer como nomes
substantivos e adjetivos, quer como verbos e advérbios, além
de outras explicitadas.
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