ASPECTOS
COMPARATIVOS
ENTRE O ESPANHOL E O PORTUGUÊS
Alfredo Maceira Rodríguez
1. INTRODUÇÃO
O espanhol e o português são duas línguas românicas
que têm muito em comum, além de sua proximidade geográfica
e de sua origem. O espanhol é, com exceção do galego,
que teve origem comum com o português, a língua que tem mais
afinidade com o português. Neste estudo assinalaremos ape-nas alguns
aspectos distintivos, do ponto de vista sincrônico, entre as duas
línguas na atualidade. Veremos em primeiro lugar algo da comparação
fonético-fonológica entre as duas línguas, assim como
algumas diferenças morfológicas e lexicais que nos pareceram
mais relevantes. Destacaremos também as principais diferenças
sintáticas que separam o espanhol do por-tuguês.
2. O QUADRO VOCÁLICO DO PORTUGUÊS
No português existem vogais orais e nasais. As orais [o] e [e],
em posição tônica, podem ser abertas ou fechadas. A
rigor classifica-se como aberta apenas o [a], a mais baixa das vogais.
O [i] e o [u] são fonemas vocálicos fechados e altos, o [e],
o [o], além de uma realização do a [???? mais comum
em Portugal -, são classificados como fonemas semifechados, nem
altos nem baixos, enquanto o [?? e o [?] baixos são considerados
semi-abertos. Vejamos o quadro:
Quadro das vogais orais do português em posição
tônica
Anteriores
ou
Palatais
Médias
ou
Centrais
Posteriores
ou
Velares
fechadas
[i]
[u]
+ altas
semifechadas
[e]
[?]
[o] - altas
- baixas
semi-abertas
_________
aberta
[?]
_________
_________
[a] [?]
_________
+ baixas
- recuadas
- arredonda-das
+ recuadas
- arredon-dadas
+ recuadas
+ arredondadas
As vogais orais em posição tônica correspondem a
sete fonemas no portu-guês do Brasil e a oito no português
de Portugal.
(No português europeu existe, entre outras diferenças
fonéticas, a realização de um a semifechado [?], nem
alto, nem baixo).
As vogais nasais correspondem a cinco fonemas, tanto no português
do Brasil como no de Portugal.
O quadro das vogais nasais do português é o seguinte:
Quadro das vogais nasais do português
Anteriores
ou
Palatais
Média
ou
Central
Posteriores
ou
Velares
fechadas
[ï]
[ü]
+ altas
semifecha-das
[ë]
[ä]
[ö]
- altas
- baixas
- recuadas
- arredonda-das
+ recuada
- arredondada
+ recuadas
+ arredonda-das
O quadro de vogais átonas do português fica reduzido a
cinco fonemas. No português do Brasil, em posição átona
não final, principalmente em posição pretônica,
anula-se a diferença entre o [?] semi-aberto e o [e] semifechado,
ficando apenas na série palatal o [e] semifechado e o [i]. Na série
posterior também se anula a distinção entre [?] semi-aberto
e [o] semifechado, fican-do apenas nesta série o [o] semifechado
e o [u].
O seguinte quadro apresenta a posição das vogais átonas:
Quadro das vogais átonas do português
Anteriores
ou
Palatais
Média
ou
Central
Posteriores
ou
Velares
fechadas
[i]
[u]
semifechadas
[e]
[o]
aberta
[a]
Em posição postônica final absoluta o quadro vocálico do português fica reduzido aos três fonemas do quadro seguinte:
Quadro vocálico do português em posição átona final
Anterior
ou
Palatal
Média
ou
Central
Posterior
ou
Velar
fechadas
[i]
[u]
aberta
[a]
No português de Portugal, em vez do [e] fechado em posição
átona não final, surgiu o fonema [?], médio ou central,
fechado [+ alto, + recuado, -arredondado, fonema estranho ao português
do Brasil.
3. O QUADRO VOCÁLICO DO ESPANHOL
O quadro vocálico do espanhol é muito simples. Consta
apenas de cinco fonemas:
[i]
[u]
[e]
[o]
[a]
Não existem no espanhol vogais abertas com distinção
fonológica, embora foneticamente haja realizações
com maior ou menor abertura vocálica. Os fonemas vocálicos
abertos provenientes do latim vulgar permaneceram em português, mas
ditongaram-se em espanhol: petram > pedra, esp. piedra; fortem >
forte, esp. fuerte.
O mesmo quadro vocálico mantém-se em qualquer posição
átona, pois não há elevação vocálica
nem mesmo em final átono.
A nasalização de vogais tampouco ocorre em espanhol,
ao menos com valor fonológico.
4. OS DITONGOS
Por um lado observa-se no espanhol grande número de ditongos
IE e EU, provenientes da ditongação das vogais E e O abertas
do latim vulgar: hier-ro, cielo, diente, rueda, cuerda, etc. Por outra
lado observam-se em portu-guês muitos ditongos em EI, provenientes
de vogal + iode e de ditongação de consoantes: primariu >
primairu > primeiro, esp. primero; lacte > laite > leite, esp. leche; basiu
> beijo, esp. beso.
O ditongo latino AU deu origem ao português OU, embora foneticamente
se tenha monotongado . Ocorre o mesmo com a ditongação do
L. Em espa-nhol, este ditongo logo se monotongou: tauru > touro, esp. toro;
alteru > outro, esp. otro; saltu > souto, esp. soto.
Como vemos, o quadro vocálico do português é muito
mais rico que o do espanhol, o que ajuda a explicar a propalada maior dificuldade
que têm os falantes do espanhol em compreender o português
falado, o que ocorre em menor grau na direção inversa.
5. O QUADRO CONSONANTAL
A realização fonética dos fonemas consonantais
coincide em grande parte nas duas línguas. Apontaremos apenas alguns
dos que mais se afastam:
Fonema [b].
Não existe em espanhol o fonema [v] do português. Este
fonema representa-se graficamente por B ou V. A permanência da diferença
gráfica obedece apenas a critérios etimológicos.
Fonema [t?] representado graficamente por CH
Em espanhol tem pronúncia africada [t???diferente da do fonema
fricati-vo palatal surdo [?] do português, que pode ser representado
graficamente pelo mesmo dígrafo. Exemplos:
Esp. muchacho [mu't?at?o], chino ['t?ino].
Port. chave ['?avi], xarope [?a'ropi].
Fonema [Š] do português.
Fricativo palatal sonoro. Não existe no espanhol. Exemplos:
hoje ['oŠi], mágico ['ma Šiku], jaca [' Šaka]
Fonemas [s] e [z]
Em português existem fonemas sibilantes fricativos surdos [s]
e sonoros [z]. Exemplos: passo ['pasu], maço ['masu] (surdos); casa
['kaza], zebra ['zebra] (sonoros).
No espanhol só se conhece o fonema equivalente surdo: casa ['kasa],
paso ['paso]
Fonemas [???e [Š]
Os fonemas fricativos palatais, surdo [?] chapa ['?apa] e sonoro [Š]
jato ['Šatu], não ocorrem no espanhol.
Fonema [?]
O fonema fricativo surdo dental [?] do espanhol: ciento ['?iento],
moza ['mo?a], não existe em português. Sua pronúncia
assemelha-se ao do TH do inglês em think, three. Nas zonas em que
se pratica o seseo , este fonema realiza-se como [s].
Fonema [x]
O fonema [x] consonantal fricativo velar surdo não existe no
português: caja ['kaxa], gitano [xi'tano], cojo ['koxo], gente ['xente].
A pronúncia deste fonema assemelha-se à do H aspirado do
inglês em house, horse.
Com relação ao quadro consonantal, verificamos que há
realizações dife-rentes em ambas as línguas, mas também
aqui o português é mais rico que o espanhol, embora não
cause tanta dificuldade para a compreensão, como ocorre com o quadro
vocálico.
No que tange à fonologia das duas línguas, podemos observar
que as seme-lhanças são em maior número que as diferenças.
As duas línguas possuem fonemas que não são comuns
a ambas, embora a fonologia portuguesa se apresente mais rica e, portanto,
mais complexa.
6. ALGUMAS DIFERENÇAS MORFOLÓGICAS
a) Nomes de árvores e seus frutos
Algumas árvores frutíferas são formadas em espanhol
apenas com a desi-nência de gênero : manzana - manzano, (maçã
- macieira), castaña - cas-taño. (castanha - castanheiro),
cereza - cerezo, (cereja - cerejeira), naranja - naranjo, (laranja - laranjeira),
etc., mas existem outros que formam o nome da árvore por meio de
sufixo, semelhante ao que ocorre no português: limón - limonero,
(limão - limoeiro), higo - higuera (figo - figueira), etc.
b) Nomes de letras
Os nomes das letras são femininos no espanhol e masculinos no
português: la pe, la equis, la hache, (o pê, o xis, o agá).
c) Nomes dos dias da semana
Os dias da semana, exceto sábado e domingo, têm formação
diferente em ambas as línguas: lunes (segunda-feira), martes (terça-feira),
miércoles (quarta-feira), jueves (quinta-feira) e viernes (sexta-feira).
Todos são mas-culinos em espanhol.
d) Formação do plural
A formação do plural é semelhante, mas no espanhol
é mais regular: ciuda-danos, catalanes, corazones. No entanto no
espanhol ocorre uma diferença gráfica nos plurais de nomes
em -z: luz - luces, audaz - audaces, etc. Os terminados em -i tônico
também diferem: iraní - iraníes, marroquí -
marro-quíes.
e) Numerais
Não há muitas diferenças entre os numerais de
ambas as línguas. Nos cardi-nais podemos citar o feminino de 2 (dois)
em português e sua invariabilida-de em espanhol: dos (dois, duas),
e a não correspondência entre billón e trillón
com bilião (ou bilhão) e trilião (ou trilhão).
Millón e milhão corres-pondem-se, mas em espanhol um billón
corresponde a um milhão de mi-lhões, enquanto em português
corresponde a mil milhões. O trilhão segue a mesma ordem.
f) Pronomes
Nos pronomes pessoais, quanto à forma, uma das diferenças
é constituída pelas formas do plural do espanhol: nosotros,
vosotros (nós, vós). Quanto ao uso do pronome no discurso,
o espanhol mantém a 2ª pessoa do singular, eqüivalendo
em português a tu, forma pouco usada, principalmente no Bra-sil,
onde se usa a 3ª pessoa gramatical também como 2ª pessoa
do discurso. Exemplos:
Tú eres estudiante (Tu es estudante, ou, preferentemente Você
é estudante). Vosotros sois estudiantes (Vós sois estudantes,
ou, preferentemente, Vocês são estudantes).
Em português o pronome você, vocês (pronome de tratamento)
predomina. Resumindo:
Português:
Espanhol
Singular -
Plural
Singular Plural
1ª pess. eu
nós
yo nosotros,
nosotras
2ª " tu
vós
tú
vosotros, vosotras
3ª " ele, ela
eles, elas él,
ella ellos, ellas
Pronomes de tratamento
2ª pess. você
vocês ---------
2ª pess. senhor, senhora senhores, senhoras usted
ustedes
Assim, no discurso, o você do português equivale ao tú
do espanhol e o senhor do português equivale ao usted do espanhol.
Vejamos:
Você comprou um livro novo. = Tú compraste un libro nuevo.
O senhor tem muitos amigos. = Usted tiene muchos amigos. Observe-se a concordância
do verbo.
g) Algumas diferenças de outros pronomes
O indefinido quem possui plural em espanhol: quien, quienes: ¿Quiénes
están ahí?
O indefinido a gente tem em espanhol o equivalente semântico
un, una.
Exemplos: A gente não sabe que cidade visitar: Uno (o una) no
sabe que ciudad visitar.
h) Contrações
O espanhol possui apenas duas contrações, porém
obrigatórias: a preposição a com o artigo el > al:
Vamos al teatro. Llegaron temprano al pueblo.
A outra contração é a da preposição
de com o artigo el > del: Viene del cine. Llegamos del congreso.
O português possui grande quantidade de contrações,
não sendo porém obrigatório seu uso.
i) Verbos
Os paradigmas verbais do espanhol são muito semelhantes aos
do portu-guês. As mudanças às vezes ocorrem apenas
na nomenclatura e em peque-nas alterações fonéticas,
principalmente prosódicas. A formação dos tempos compostos
se dá em espanhol com o verbo haber: Has estudiado; hemos leído,
etc., enquanto no português se emprega geralmente o verbo ter: Tens
estudado; temos lido. Há, porém, no português diferença
no aspecto verbal entre os tempos simples e os compostos, o que não
ocorre no espanhol, pois as duas formas estão em variação
livre: Há llegado = llegó; Habéis estudia-do = estudiasteis
O espanhol possui um grande número de verbos irregulares, chegando
a agrupá-los em vários tipos de irregularidades: irregularidad
común, além dos de irregularidad propia.
7. SINTAXE
A sintaxe do espanhol não difere muito da do português.
Uma das caracte-rísticas sintáticas mais marcantes do espanhol
em face ao português culto é o início de frase com
pronome oblíquo: Me dijo que vendría mañana. Le dieron
muchos regalos.
Outro aspecto sintático em que o espanhol se afasta do português
é o uso de ênclise aos futuros. Não se usa mesóclise
em espanhol: Darémosle algunos libros. Esperaríante hasta
las cuatro. Aqui também poder-se-ia empregar a próclise.
8. LÉXICO
As fontes do léxico do espanhol são, na sua grande maioria,
as mesmas do português, no entanto, a seleção do vocabulário
e a evolução semântica, fizeram com que na língua
do cotidiano exista um grande número de termos diferentes, assim
como muitos outros semelhantes na forma, mas diferentes no significado.
Citemos apenas alguns vocábulos, de campos do cotidiano, sem preocupar-nos
com a origem:
a) Escola
clase (aula), aula (sala de aula), maestro, maestra (professor, professora
- também profesor, profesora), encerado (quadro-negro), tiza (giz),
pupitre (carteira escolar), bolígrafo (caneta), goma (borracha),
pliego (folha de papel), renglón (linha, pauta), etc.
b) Escritório
oficina (escritório), escribiente (escriturário), mecanógrafo
(datilógrafo), carpeta (pasta de papéis), ordenador ou
computadora (computador).
c) Casa, residência
piso (andar), ventana (janela), pasillo (corredor), comedor (sala de
jantar), escalera (escada), peldaño (degrau), habitación
(quarto), grifo (torneira), cuarto de baño (banheiro), manúbrio
(maçaneta), basura (lixo).
d) Utensílios domésticos
anaquel (estante), cubierto (talher), cuchara (colher), tenedor (garfo),
cuchi-llo (faca), vaso (copo), copa (cálice), jícara ou pocillo
(xícara), platillo (pi-res), servilleta (guardanapo) mantel (toalha
de mesa), botella (garrafa), damajuana (garrafão).
e) Cidade
calle (rua), callejón (viela, beco), manzana (quarteirão)
acera (passeio, cal-çada), alumbrado (iluminação),
piso (andar), tienda, (loja), escaparate (vi-trina), mostrador (balcão),
dependiente (vendedor), kiosko (banca de jor-nais), autobús (ônibus),
coche (carro), tranvía (bonde).
f) Corpo humano
pelo (cabelo), melena (cabeleira), cejas (sobrancelhas), frente (testa,
fronte), mejillas (faces), mentón (queixo), muelas (dentes molares),
cuello (pesco-ço).
g) Roupa e calçado
falda (saia), bolsillo (bolso), bolso (sacola), maleta (mala), pantalón
(calça), chaqueta ou americana ou saco (paletó), chaleco,
(colete), medias (meias de mulher) calcetines (meias de homem), calzoncillo
(cueca), bragas (calci-nha), pendientes (brincos), paraguas (guarda-chuva),
cinturón (cinto), zapa-tillas (alpargatas), pulsera (relógio
de pulso).
h) Profissões
albañil (pedreiro ou ladrilheiro), fontanero (bombeiro hidráulico,
funileiro), peluquero ou barbero (barbeiro, cabeleireiro), basurero (gari),
sastre (alfai-ate), camarero (garçom), limpiabotas (engraxate),
panadero (padeiro), con-fitero (confeiteiro, doceiro), sirvienta (empregada
doméstica).
i) Comidas
bisté ou filé (bife), pescado (peixe), ensalada
(salada), lechuga (alface), pulpo (polvo), pastel (bolo), dulce (doce),
calamares (lulas), habichuelas ou porotos (feijão), lentejas (lentilhas),
mantequilla (manteiga), té (chá).
9) CONCLUSÃO
Verificamos muito sucintamente que o espanhol e o português,
embora tendo como tronco comum o latim ibérico, apresentam diferenças
em todos os seus aspectos, desde os fonético-fonológicos
até os lexicais, sem deixar de lado algumas diferenças morfológicas
e sintáticas. Não há dúvida de que para uma
simples compreensão, principalmente da língua escrita, a
seme-lhança pode ajudar, porém, para efeito de aprendizagem
como segunda língua, a facilidade pode ser mais aparente do que
real. Aqui apresentamos apenas algumas diferenças, como era nosso
propósito, embora as semelhan-ças sejam muito maiores, mas
há muitos aspectos que não consideramos como a organização
do discurso, as preferências vocabulares, etc. A aquisi-ção
de uma língua semelhante à língua materna requer tanto
estudo e dedi-cação como a de qualquer outra língua
estrangeira.
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