SITUAÇÃO ATUAL DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS
Bruno Fregni Bassetto (USP)
Gratificante é participar de um evento que trata de Filologia,
à qual não muitos se dedicam atualmente, de modo que iniciativas
como esta pre-cisam ser apoiadas e estimuladas. Por isso a Área
de Filologia Românica da Universidade de São Paulo se faz
presente com seu responsável e vários mestrandos e doutorandos.
Agradeço aos organizadores a honra de estar aqui e poder pronunciar
a conferência de abertura deste II Congresso Naci-onal de Filologia
e Lingüística, na qual procurarei tratar de alguns
aspec-tos da problemática atual das línguas românicas,
sobretudo na Europa.
Não será preciso abordar as mais em evidência que,
por serem lín-guas oficiais, já consagradas por literaturas
que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade, não
correm risco de cisão ou maiores percalços de caráter
político, mesmo nos termos da globalização atual.
Línguas como o português, o castelhano, o catalão,
o francês, o italiano e o romeno contam com um embasamento cultural,
social, político e espiritual, que permite vislumbrar ampla longevidade.
Dessas, apenas o catalão e, em menor es-cala, o romeno não
se disseminaram pelos cinco continentes, embora o ca-talão tinha
tido sua época de esplendor, que vai dos primórdios de sua
existência, mais precisamente desde que Carlos Magno reconquistou
Bar-celona aos árabes em 803, até o século XV, a chamada
fase nacional, quan-do tinha como concorrentes o latim medieval e o provençal
e não o caste-lhano. Nesse período, expandiu-se pelas Ilhas
Baleares (1235), Sicília (1282), Sardenha (1326) e Reino
de Nápoles (1458). Como conseqüência dessas conquistas,
em território hoje italiano, o catalão continua a ser fala-do
por cerca de 15.000 pessoas na região de Alghero, na costa
norte-ocidental da Sardenha, além se ter fixado em definitivo nas
Baleares, ainda que como uma variante própria. É falado ainda
no Roussillon, a antiga Septimania dos godos, região mais comumente
denominada Catalunya Francesa, e na pequenina República de Andorra,
da qual é língua oficial. Essa gloriosa história
e o profundo apego dos cerca de doze milhões de ca-talães
à sua língua e cultura afastam qualquer possibilidade de
que essa lín-gua românica venha a ser ameaçada de alguma
forma, apesar de ser a única dessa lista que não ostenta
o epíteto de língua nacional. Recente levanta-mento
da União Européia mostrou que o catalão é,
na atualidade, uma das línguas que “goza de melhor saúde”,
dentre as 38 ditas “minoritárias” fala-das em território
europeu. Essa vitalidade do catalão provém de séculos
de lutas por sua identidade lingüística, lutas intensificadas
pela perseguição do Generalíssimo Francisco Franco
(1939-1975), que suprimiu as instituições autônomas
da Catalunha e proibiu o uso oficial e público da língua
catalã. A nova Constituição Espanhola, de 1978, porém,
embora reafirmando “a unidade indissolúvel da nação
espanhola”, reconhece e garante “o direito das nacionalidades à
autonomia”. No campo lingüístico, o novo texto
jurí-dico outra vez declara o castelhano a língua oficial,
que “todos têm o dever de conhecer e o direito de usar”, mas
afirma também que “as outras línguas da Espanha (catalão,
galego e basco) são igualmente oficiais nas respectivas comunidades
autóctones” e que “elas serão objeto de uma consideração
e de uma proteção especiais”. No Estatuto de Autonomia
da Catalunha, aprovado em 1979, consagra-se que “a língua
própria da Catalunha é o ca-talão, sendo também
a língua oficial da Catalunha, da mesma forma que o castelhano
é a línguas oficial de todo o Estado Espanhol”. Com
essas ga-rantias constitucionais e seus reflexos em todos os ramos de atividade
e nas escolas, além do grande aferro e amor de seus falantes a suas
tradições, o catalão assegura sua perenidade.
O romeno, com os traços lingüísticos que a singularizam
no quadro das línguas românicas, tem a história
externa certamente mais fascinante entre todas as de suas irmãs.
O próprio nome do país, Romênia, é um
re-flexo da profunda romanidade daquele povo, que soube preservar suas
ori-gens e sua identidade latina através de muitos séculos
de opressões, imposi-ções e tiranias. Abandonada pela
administração e pelas legiões romanas em 271, sob
a pressão dos povos ditos bárbaros, a região permaneceu
no âm-bito da cultura bizantino-eslava, cuja língua oficial
e religiosa era inicial-mente o grego. Posteriormente, com a constituição
dos principados eslavos, passou-se a usar o eslavo antigo e o médio
búlgaro, também denominado paleoeslavo ou antigo eslavo eclesiástico,
escrito com o alfabeto cirílico. O Estado romeno começou
a se constituir, quando Ioni\a Asan foi coroado “rei dos búlgaros
e dos valacos”, em 1204. Enquanto os húngaros se apode-ravam da
Transilvânia, ao norte, a Valáquia e a Moldávia se
tornaram prin-cipados independentes (séc. XIV). A Valáquia,
que os nativos, fiéis mante-nedores da tradição latina,
chamavam |ar` Rom@neasc`, ocupava o territó-rio ao norte do
rio Danúbio até aos Montes Cárpatos. Cumpre destacar,
nes-se período, a figura de Besarab, voivoda de Arge], região
central da Romê-nia, que venceu os húngaros, sendo por isso
celebrado em poemas épicos como o Negru-Voda, o fundador da Valáquia.
A voivodia ou o principado da Moldávia foi fundado por Bogdan, de
Muramure], ao norte, libertando-se dos húngaros em 1359
No séc. XV, essas duas voivodias foram sub-metidas pelos turcos.
Só em 1859 conseguiram a independência e a união de
ambas formou a Romênia moderna, reconhecida internacionalmente em
1878. Tendo, portanto, permanecido sob o domínio de
povos de línguas diferentes, não puderam os romenos transformar
seu idioma em língua ofi-cial. Note-se, porém, que
apenas um ano depois de obter a independência política, em
1860, abandonaram o alfabeto cirílico, até então usado,
e ado-taram o alfabeto latino, com pequenas modificações
a fim de adaptá-lo a seu sistema fonológico.
Rasteando documentos, verifica-se que a língua oficial foi o
grego eclesiástico até o séc. IX, depois o paleoeslavo
e o médio búlgaro, que teve para o romeno o mesmo papel que
o latim medieval para as outras línguas românicas: o búlgaro
era a língua oficial, enquanto o romance era a do povo. Da
mesma forma que se encontram termos romances nos documen-tos do Ocidente,
nos escritos búlgaros da época aparecem palavras romenas
ou torneios sintáticos próprios da língua materna
dos copistas ou mesmo do autor. Nas regiões do norte, sobretudo
na Transilvânia que, embora inde-pendente, mantinha relações
de vassalagem com a coroa húngara, o latim era a língua da
cultura, das escolas, dos tribunais e da administração, desde
o séc. XI. A partir da metade do séc. XIV, por quase
dois séculos, o eslavo foi a língua oficial das chancelarias
e da Igreja nos territórios romenos, o que impediu o romeno de firmar-se
como língua escrita. Somente em 1521 aparece o primeiro documento
escrito em romeno, uma carta do boiardo Neac]u de Cîmpulung
ao juiz Benkner ainda assim com saudação e con-clusão
em eslavo. Os primeiros livros em romeno são traduções
de obras religiosas, sendo o catecismo de Coresi, impresso em Bra]ov no
ano de 1559, a mais antiga que se conservou. A grande relatinização
do romeno do século passado expurgou-o de muitos empréstimos
e traços eslavos, húngaros, turcos, albaneses e neogregos,
conferindo à língua uma feição mais latina.
Pelas circunstâncias históricas mencionadas, não causa
admira-ção que, a literatura romena só despontasse
com vigor no século XIX, mas desde então se mantém
pujante e produtiva até nossos dias.
Essa incursão pela história externa do romeno mostra
quão intensa e profunda foi a latinização da
antiga Dácia, o imenso orgulho que os rome-nos têm de serem
“descendentes dos dácios e dos romanos”, patenteia o grande amor
e aferro à língua e à cultura dos ancestrais que lhes
deu dispo-sição e coragem para enfrentar tantos séculos
de opressão cultural e lin-güística. Nenhuma outra
língua românica sofreu tantos percalços militares,
políticos e culturais. Mesmo assim, manteve-se fiel à tradição
latina, rejei-tando injunções mais profundas que pudessem
desfigurá-la, sobretudo nos séculos XVIII e XIX, através
da “lealdade de cultura”, nome pelo qual crí-ticos e historiadores
romenos denominam a reintegração de seu idioma com as línguas
de cultura na Europa moderna.
Ligado ao romeno está o problema do moldavo
A chamada “questão moldava” tem raízes históricas.
O principado da Moldávia, situa-do na parte norte oriental da antiga
Dácia, incluiu, do séc. XIV ao XIX, a Bassarábia,
cujo território se situa ao leste entre os rios Dniestre e
Prut, em que se desenvolveram variantes daco-romenas com características
molda-vas. Com o tratado de paz de Bucareste, em 1812, a Bessarábia
foi incor-porada à Rússia, à qual ficou unida até
ao fim da primeira guerra mundial em 1918, quando voltou a pertencer à
Romênia. Entretanto, em 1924, com alguns milhares de romenos,
que habitavam a região além do rio Dniestre, foi constituída
a República Socialista Soviética da Moldávia, unida
à Ucrâ-nia. Em agosto de 1940, a Bessarábia foi
separada da Romênia e incorpo-rada à República da Moldávia,
em mais uma manobra do “divide et impera” no império soviético.
Embora os soviéticos tivessem trazido para a Moldá-via um
número considerável de colonos de outras repúblicas
soviéticas de língua eslava, com claros objetivos políticos,
a conturbada história da regi-ão não apresenta, concretamente,
fatores importantes que pudessem acentu-ar as diferenças dialetais.
Na Moldávia, apenas não se acompanhou de perto a relatinização
do romeno no século passado, nem se passou a usar o alfabeto latino,
mas se continuou a usar o cirílico até 1905, quando se ado-tou
o alfabeto russo, parcialmente romenizado. O movimento separatista acentuou-se
a partir de 1924, quando os moldavos passaram a denominar seu idioma “limba
moldoveneasca?” e não mais “limba romaneasca?”. Os resultados
práticos, porém, foram inexpressivos, dada a exigüidade
de seu território de apenas 33.700 km com 4.381.000 habitantes,
segundo dados deste ano.
Lingüistas e filólogos soviéticos, por evidentes
razões políticas, em-penham-se em transformar o moldavo em
língua autônoma; haveria, assim, duas línguas
românicas no Oriente, o que é sustentado também por
alguns lingüistas romenos. Com o recente esfacelamento da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as tendências
separatistas atenuaram-se no campo lingüístico, ainda que a
Moldávia tenha preferido continuar politicamente independente.
Contudo, os defensores da autonomia do moldavo apresen-tam poucas
diferenças lingüísticas, insuficientes para fundar a
pretendida autonomia. Citam certas particularidades fonéticas
e léxicas, muitas das quais encontráveis também em
outras áreas do romeno, como por exemplo, o vocábulo ciolan,
“osso”. Na Literatura, a posição deles é ainda
mais in-coerente, pois consideram pertencentes à literatura moldava
autores como Ion Creanga? (1837-1889) e Mihail Eminescu (1850-1889), cuja
língua é in-discutivelmente o romeno. Especialistas, como
Tagliavini e Graur, afir-mam com segurança que o moldavo literário
é o romeno literário, com pe-quenas influências populares
moldavas, ainda assim não exclusivas; além disso, a
língua literária não é idêntica à
falada pelo povo. A falta de argu-mentos sólidos levou os
próprios lingüistas adeptos da independência mol-dava
a silenciar sobre o assunto, uma vez cessados os entusiasmos políticos.
A pujança da língua literária romena, com base na
variedade falada entre Tîrgovi]te e Bra]ov, além de
contribuir consideravelmente para a unifor-midade dos dialetos romenos,
sem dúvida vai evitar maiores diferenciações também
na Moldávia, embora politicamente independente.
Dados bem atualizados, colhidos na Internet ou fornecidos pela
União Latina, revelam que no campo internacional não
se reconhece o moldavo como língua nacional específica, pois
o romeno é dado como o idioma do país, havendo minorias de
fala russa e ucraina.
Para completar o panorama da situação românica
nos Bálcãs, falta mencionar o megleno-romeno, cujos
300.000 falantes se autodenominam vla]i e ocupam um território
ao norte da Grécia e ao sul da Macedônia e da Bulgária,
no vale do rio Meglena; o aromeno, também denominado má-cedo-romeno,
falado no norte da Grécia (50.000), na Albânia (10.000), na
Macedônia (50.000) e no sul da Bulgária (40.000).
Essas duas variantes sofrem , há décadas, forte influência
do grego e seus falantes são bilingües em sua quase totalidade.
Mais distante, no nordeste da Península da Ístria, em território
atualmente croata, o ístrio-romeno, com seus parcos 2.000 fa-lantes
no máximo, todos bilingües, é o dialeto romeno mais
ameaçado de extinção, segundo o Livro Vermelho das
Línguas Ameaçadas da UNESCO (1996).
Vindo em direção ao Ocidente e deixando de lado o dalmático,
a única língua românica morta, encontramos o
rético com sua problemática. Pode ser considerada razoavelmente
estável a situação dos três ramos, em que se
divide essa língua românica, de início denominada Schürwälsche
e não considerada língua por Friedrich Diez,
originando assim a questione ladina segundo expressão de romanistas
italianos,. Com o respeito pelas minorias lingüísticas,
surgido depois da segunda grande guerra, o estudo das variedades
réticas tem sido incrementado. No ramo ocidental, destaca-se
o trabalho da Lia Rumantscha (Ligia Romontscha), com sede em Chur
(Coira), que apoia, coordena, financia e edita trabalhos, pesquisas
e estudos do Romantsch Grischun, nome pelo qual passaram a denominar
sua varie-dade lingüística. Já em 1982, conseguiu
uniformizar a grafia e, de certo modo, também a língua, com
base nos cinco principais dialetos da Suíça (puter da Engadina
Alta, valáder da Engadiana Baixa, sobresselvano, sub-selvano
e sobremirano), todos com pretensão a tornar-se a base da língua
literária. Contudo, as linhas mestras foram fornecidas sobretudo
pelo so-bresselvano, devido ao número de falantes, acervo literário
e projeção. A idéia lembra a de Dante Alighieri do
“volgare illustre” Os resultados práti-cos, porém,
ainda são escassos, dado o grande apego dos escritores aos pró-prios
dialetos. Contudo, a iniciativa representa um bom começo,
do qual se esperam melhores frutos no futuro. Em relação
aos outros dois ramos do rético, o Romantsch Grischun está
em situação privilegiada por ser a quarta língua nacional
do país, desde 1938, e poder ser língua oficial nas regiões
onde é falado, o que não ocorre com os outros dois. Dados
mais recentes indicam apenas 0,8% de falantes, ou seja, cerca de 56.000,
do Romantsch Grischun em relação à população
total da Suíça, país em que, como é sabi-do,
tem como línguas oficiais também o alemão, o francês
e o italiano. Muitas crianças aprendem a língua na
escola, mas relativamente poucas a usarão correntemente. Entretanto,
tudo indica que o grau de perigo de ex-tinção vem diminuindo,
sobretudo se vingarem a bem elaborada norma lite-rária comum e o
acordo ortográfico, elementos perseguidos por tanto tempo e só
agora obtidos.
O rético central, também chamado dolomita ou ladino pelas
estudio-sos, é denominado ladin dolomitan pelos próprios
falantes. Encontra-se em território italiano, na região
dolomita ao norte, cujo centro é o maciço de Sella;
espalha-se por diversos vales (Fassa, Gardena, Badia, Marebbe, Livi-nallongo,
Ampezzo e Comélico), na província de Bolzano Sendo
o idioma de uma região tipicamente montanhosa, cortada por vales
muitas vezes pro-fundos, apresenta muitas variantes dialetais; as
regiões mais orientais, como grande parte do Cadore, conservam apenas
algumas características réticas. Sua literatura antiga
é bastante escassa e atesta influências da En-gadina
Baixa. A atenção e o respeito pelas minorias lingüísticas,
implan-tados atualmente em todo o Ocidente, têm beneficiado também
o ladin do-lomitan. No corrente ano de 1998, romanistas, escritores
e interessados, austríacos em sua maioria, chegaram a um acordo
no estabelecimento de uma norma ortográfica comum, mais simples,
da qual foram eliminados os numerosos sinais diacríticos usados
até agora, que mais confundiam que ajudavam. A responsável
foi a Chesa dl Ladins (“Casa dos Ladinos”), cor-respondente à Lia
Romantscha dos grisões. Com isso será facilitado
o aprendizado nas escolas, embora o ladino dolomita não seja ensinado
em todas. Quanto ao número de falantes, as estatísticas
oscilam entre 10.000 e 20.000, o que certamente indica a dificuldade de
delimitar com clareza as diversas variedades lingüísticas da
região. O recente Informe Comunitário da União
Européia, porém, calcula em 56.000 o número
de seus falantes, revelando notável vitalidade apesar da falta de
apoio oficial mais efetivo.
O terceiro ramo do rético, chamado rético oriental,
encontra-se também na Itália, na província de Udine
e em partes limítrofes das provín-cias de Gorizia e Veneza.
Sendo a região conhecida sob a denominação de Friul,
essa variedade denomina-se também friulano. Até
o século passado, era usado nas regiões de Trieste
e de Muggia. Hoje, o vêneto se lhe sobre-pôs, da mesma
forma que se infiltrou ao longo do vale do rio Piave, sepa-rando o ramo
oriental do central, como a infiltração de população
de língua alemã em grande parte dos vales dos rios Ádige
e Isarco havia quebrado a ligação entre as variedades central
e ocidental. Entretanto, ao contrário das duas outras variantes,
existe documentação consideravelmente antiga em friulano
e uma tradição literária ininterrupta, que nunca perdeu
o caráter vernáculo. Na poesia, o friulano conta com
uma das mais belas poesias lí-ricas populares da Itália,
além de muito rica, comparável às do galego.
Já no séc. XVI começou sua fase propriamente literária,
com grandes nomes nos séc. seguintes, como Ermes de Colloredo (1622-1692)
e Pietro Zorutti (1792-1867), e que continuou sem interrupção
até nossos dias. Quanto ao número de falantes do friulano,
as estatísticas variam bastante, indo de 350.000 a 720.000.
Por isso, compreende-se que as preocupações com o futuro
da língua tenham começado já em 1919, ano em que se
fundou a Società Filologica Friulana, em Gorizia, terra natal de
Graziadio Isaia Ascoli, cujo nome foi dado à Sociedade como
uma homenagem ao grande glotólogo. Em 1936 foi erigida em Ente Morale
por um decreto e em 1981, uma lei regional a reco-nheceu como “organismo
primeiro da tutela e valorização da cultura e da língua
friulana”, qualificação reafirmada pelo Conselho Regional
e pelo Governo em março de 1996.
Essas instituições de apoio às variedade do rético,
todas com respal-do oficial das autoridades governamentais, garantem-lhes
estabilidade e so-brevivência mais tranqüila, abrindo-lhes perspectivas
mais amplas no cam-po da literatura e dos estudos lingüísticos.
Mais para o ocidente, o franco-provençal encontra-se em
situação mais delicada. O Livro Vermelho da ONU, de 1996,
traz a verificação de que se encontra potencialmente em perigo
na Suíça Romanda e na Itália, no Vale d’Aosta com
ramificações até ao Piemonte, regiões em que
é ainda largamente falado, e em perigo nos territórios
franceses correspondentes às províncias históricas
da Savóia e Lyon, norte do Delfinado e do Franco-Condado. Como é
sabido, essa denominação foi dada por Ascoli, em Schi-zzi
Franco-Provenzali de 1878, enquanto outros romanistas o denominam
médio-rodanês ou ainda francês sul-oriental, nome
sob o qual aparece em recente Informe Comunitário, encomendado pela
União Européia, sobre a situação de 48 grupos
lingüísticos minoritários do Velho Continente.
His-toricamente, o franco-provençal teve seu período de maior
esplendor nos séc. XI e XII, quando a cidade de Lyon foi o centro
lingüístico e a capital da Gália. Depois, Lyon perdeu
importância política, com o conseqüente declínio
do prestígio de sua língua. Geograficamente prensado
entre lín-guas de grande expressão, o franco-provençal
se fragmentou; o francês tornou-se a língua oficial
da administração, da justiça e logo da literatura
e das escolas de Lyon. O mesmo aconteceu na Savóia e
na antiga Borgonha, atual Suíça Romanda. O franco-provençal
foi, durante certo tempo, a lín-gua oficial da antiga República
de Genebra; posteriormente abandonou es-pontaneamente seu idioma
em favor do francês, fato raro na história das línguas
românicas. Continuou, porém, a ser falado pela população,
princi-palmente, no campo, ainda que com grande variedade dialetal, podendo-se
dizer que cada vale dispõe de sua própria variedade dialetal.
Os dados mais recentes apontam cerca de 50.000 falantes em território
francês, 70.000 na Itália e 1.235.000 na Suíça,
geralmente bilingües. Ao contrário dos três ramos
do rético, o franco-provençal não conta com uma instituição
especificamente consagrada ao seu estudo e preservação.
Quase a metade do sul da França, limitada por uma zona
de frontei-ra lingüística que começa em Bordeaux, a
noroeste, sobe um pouco para o norte incluindo o Maciço Central,
desce depois em direção ao sul no vale do rio Ródano
e vai até aos limites da Suíça e da Itália,
continua a ser o domínio da língua tradicionalmente denominada
provençal entre nós. Mo-dernamente, tem se preferido denominá-la
de occitano, nome sob o qual aparece no recente Informe Comunitário
encomendado pela União Euro-péia sobre a situação
das minorias lingüísticas. Por outro lado, o Livro Vermelho
da UNESCO reserva o nome provençal à variante da província
histórica da Provença, do Delfinado e da região de
Nimes na França, e nos vales do Piemonte na Itália.
Em documentos do governo central, porém, occitano vem sendo
consagrado desde o século XIV, em que se encontram expressões
como lingua occitana, patria e respublica occitana, patria lin-guae
occitanae e se opõe lingua occitana a lingua gallica,
o francês.
De qualquer modo, trata-se da língua de tantas glórias
da escola lite-rária trovadoresca, cujos albores datam de 1100,
atingindo a fase de maior esplendor nos séculos XII e XIII, quando
chegou a contar em torno de qua-trocentos grandes poetas, tornando-se a
língua da poesia também na Ingla-terra, Alemanha, Espanha,
Portugal e Itália. Essa rica literatura tem atraída
a atenção de tantos estudiosos, destacando-se nesse sentido
Friedrich Diez, considerado o pai da Filologia Românica, no que foi
incentivado por Go-ethe. Lembre-se que o provençal foi o único
a ser considerado língua e não dialeto por Diez, apesar de
não ser língua oficial, precisamente por sua vasta literatura,
que ele tão bem conhecia. A uniformidade dessa língua lite-rária
maravilhou Dante Alighieri, que viu nela um “volgare illustre”, espé-cie
de síntese artística das variantes dialetais, o que o levou
a tentar consti-tuir algo semelhante com os dialetos italianos, sem êxito.
Conhecidos são os fatores que levaram essa língua e sua literatura
à decadência, destacan-do-se a guerra dos albigenses e suas
conseqüências, dentre as quais a quali-ficação
de “língua de hereges” dada pelo papa Inocêncio IV,
em 1245, com reflexos muito negativos no mundo medieval profundamente cristão;
as-sim, nos autos passou-se a usar o francês, sendo o provençal
empregado apenas pelos demônios. Contudo, aconteceram
vários “renascimentos”, sendo o mais importante o denominado “Felibrige”,
liderado por Frederico Mistral, prêmio Nobel de Literatura por suas
obras em provençal, conside-rado um dos maiores poetas modernos.
Os resultados desse movimento se fazem presentes até nossos dias.
Depois da morte de Mistral em 1914, vários eventos mostram
o in-teresse por essa língua românica, garantindo-lhe a perpetuidade,
apesar da constante influência e pressão do francês,
a língua oficial. Destacam-se a fundação da
Escòla Occitana, em 1919 e do Institut d’Études Occitanes,
em 1945, grande centro de pesquisa e de conservação
da tradição lingüísti-ca e literária.
Em 1955, foi realizado o Premier Congrès International de
Langue et Littérature du Midi de la France, evento que se
vem repetindo a cada três anos, com êxito considerável.
Em 1972, fundou-se a Universida-de Occitana de Verão e em
1981 constituiu-se a Association International d’Études Occitanes
(AIEO). Além disso, estudos gramaticais e dicioná-rios
de alto nível, como o de Louis Alibert, atlas lingüísticos
e estudos dia-letológicos estão dando vida nova a essa língua
românica não oficial, ga-rantindo-lhe a perenidade que sua
brilhante história e inestimável contribui-ção
cultural para a humanidade exigem.
Quanto ao número de falantes, o Informe Comunitário da
União Eu-ropéia indica 2.100.000 em território francês
e 42.000 em território italiano, nos vales do Piemonte, ao passo
que o Livro Vermelho da UNESCO enu-mera 100.000. Em muitos lugares
funcionam escolas bilingües para crian-ças de três a
onze anos e a televisão regional apresenta programas semanais em
occitano. Assim, enquanto alguns dialetos estão seriamente ameaçados
de extinção, segundo classificação da UNESCO,
o provençal ou occitano tem fortes âncoras que lhe garantem
a sobrevivência.
Mesmo em recentes estudos sobre os dialetos do sul da França,
o gascão é freqüentemente citado como um deles.
Entretanto, embora apa-rentado com os falares vizinhos, do ponto
de vista lingüístico é tão diferen-ciado que
não poucos romanistas consideram o gascão uma língua
autôno-ma. Ronjat o denomina, juntamente com o bearnês,
“aquitano”. É falado na província histórica
da Casconha, no sudeste da França, como também no Vale de
Aran, nos Pireneus, em território espanhol. O rio Garona é
o prin-cipal ponto de referência nos limites lingüísticos
entre o gascão e os demais dialetos da região.
Já os antigos provençais consideravam o gascão uma
línguas estrangeira, tão estrangeira quanto o francês,
o inglês, o castelhano e o lombardo, como se encontra nas Leys d’Amors
(II, 388). Muitas de suas características são
atribuídas ao substrato ibérico, próprio do território
sul-ocidental da antiga Gália, fato que aproxima o gascão
do aragonês, do castelhano e, sobretudo, do basco. No tempo de Júlio
César e no século I d.C., os aquitanos, que ocuparam toda
a vertente norte dos Pireneus, eram claramente distinguidos dos celtas
e de outras populações celtizadas, das quais eram separados
grosso modo pelo rio Garona, como aliás o diz clara-mente César
(De Bello Gallico, I): “Gallos ab Aquitanis Garumna flumen dividit.”
É sabido que a diversidade étnica era um dos fatores levados
em conta pelos romanos na determinação dos limites das províncias;
entende-se assim que a atual Gaconha tenha constituído inicialmente
uma província à parte, denominada Provincia Aquitaniea Tertia,
depois Novempopulania, a província dos nove povoados, que
na realidade eram onze, como costu-mam corrigir os próprios gascões.
Posteriormente, foi chamada Vasconia, do povo vascão,
de origem pirenaica, ancestral dos atuais gascões.
Os vascões eram numerosos, tanto que no séc. VI fizeram muitas
incursões pelo sudeste da Gália e mudaram até
o nome da região: Wasconia > Gas-conia > Gassconha.
Durante longos períodos da Idade Média, a Gasconha constituiu
um ducado, cuja característica mais marcante foi o isolamento, tanto
territorial como político, fator que favoreceu a conservação
de suas peculiaridades lingüísticas. Vários estudos
mostram que o latim vulgar, in-troduzido na antiga Aquitânia,
teve uma evolução bastante original, cujos limites, em relação
aos demais falares do sul da França, são definidos pelo rio
Garuna. A razão dessa originalidade está no substrato ibérico,
manifes-tado em um número considerável de empréstimos
léxicos, alguns morfoló-gicos e sintáticos, bem como
em tendências fonéticas bem definidas. No-tam-se também
correlações claras, em vários níveis, entre
o gascão e o ara-gonés, o catalão, o castelhano e
particularmente o basco, sem dúvida o con-tinuador do antigo ibérico.
Como os outros falares da região, o gascão vem sofrendo
a influên-cia da língua oficial, o francês, percebida
claramente já no séc. XVIII por Bernardau, ao responder um
questionário do conhecido Abbé Gregoire. Importante
é o testemunho de Montaigne, em Essais, II, 17, de 1580, em que
fala de um gascão puro, nas montanhas, “singularmente belo”.
Recu-ando ainda mais, encontramos o famoso descorte de Raimbaud de Vaquei-ras,
redigido em cinco línguas, entre as quais o gascão, ao lado
do proven-çal, do francês, do italiano e do português.
Modernamente, autores do porte de Carlo Tagliavini, B.E. Vidos, G.
Rohlfs e Pierre Bec, não hesitam em atribuir ao gascão o
status de língua, levando em conta principalmente suas características
lingüísticas, provenientes da ação do substrato
próprio favo-recida por circunstâncias históricas singulares.
Com a nova política em re-lação às minorias
lingüística do após-guerra, o gascão vem apresentando
uma notável floração de novos escritores, poetas e
estudiosos, que se dedi-cam ao estudo da língua em todos os seus
aspectos. Buscam fugir à influ-ência francesas, começando
por estabelecer uma ortografia mais consentâ-nea com seu sistema
fonológico e com a tradição latina. Já
se percebeu essa preocupação básica em outros ramos
das línguas românicas, uma vez que a uniformidade ortográfica
é um meio eficiente para se chegar a uma, pelo menos, relativa unidade
na diversidade dialetal Nesse sentido, desta-ca-se a revista
PER NOSTE, que vem publicando tanto escritos em geral, como gramáticas,
tratados de ortografia etc.
Em vista do exposto, o perigo que corre o gascão atualmente
parece bem menor do que faz supor o Livro Vermelho da UNESCO.
As crianças o aprendem nas escolas e as numerosas publicações
lhes fornecem cons-tantes subsídios para leitura e a conseqüente
prática usual da língua. O total de falantes ascende
a 250.000 em território francês e 4.800 em território
es-panhol. É estranho que o Informe Comunitário da
União Européia não cite o gascão; certamente
o motivo não está em não considerá-lo em perigo,
mas em incluí-lo no conjunto do occitano, como aliás
fazem muitos lin-güistas e dialetólogos que não o estudaram
mais detalhadamente.
Na Península Ibérica, além do catalão,
de que já falamos, destaca-se a situação do galego.
Segundo o Informe Comunitário, a situação do
gale-go é bastante satisfatória, somando vinte e um pontos
de um máximo possí-vel de vinte oito, relativos ao grau de
ameaça de extinção. Talvez seja por isso que não
consta entre as línguas em perigo na Europa no Livro Verme-lho da
UNESCO. A longa história da língua galega
e uma consideração serena de sua situação atual
no quadro das línguas ibéricas permitem um otimismo moderado
quanto à sua perenidade. Inicialmente, como se sabe, constituía
uma unidade com o português; o galego-português foi o
veículo de expressão literária dos cancioneiros desde
a primeira metade do século XIII. Posteriormente, porém,
vicissitudes políticas separaram em dois ra-mos a língua
comum. Enquanto o português acompanhava seus falantes em direção
ao sul e absorvia outras influências, como a do moçárabe,
o galego integrava um país, cuja língua oficial era o castelhano.
Desse modo, a lín-gua dos poetas da chamada Escola Gelego-Castelhana
e dos escritores em prosa do século XIV em diante já apresenta
diferenças consideráveis, que não mais se confunde
com o português, ainda seja de fato uma variedade dele. O fato
de ocupar um território, cuja língua nacional não
é a sua de origem, explica as inevitáveis influências
castelhanas. Enquanto os escrito-res, mais conscientes de seu próprio
idioma, evitavam cuidadosamente os castelhanismos desnecessários,
o povo os assimilava com facilidade. Como o catalão, o galego sofreu
restrições no decurso da História, sobretudo sob o
regime do Generalíssimo Franco, sendo-lhe impostas as mesmas
restrições, citadas acima, que ao catalão.
Entretanto, as resistências opostas pelos ga-legos a tais imposições
não foram tão fortes nem tão radicais quanto as dos
catalães, divididos aqueles como estavam e, de certo modo, ainda
estão, em duas correntes bem distintas. Enquanto uma procura aproximar-se
o mais possível do castelhano, outra, mais conservadora, quer revitalizar
suas raí-zes galego-portuguesas. Não é difícil
perceber que os primeiros encaram a questão de modo mais político,
enquanto os segundos contemplam mais os aspectos lingüísticos,
sob cujo ângulo está inseparável e estruturalmente
muito mais ligado ao português.
Atualmente, a imensa maioria dos habitantes da Galiza, composta pelas
províncias de A Coruña, Lugo, Orense e Pontevedra, bem como
nas zonas de fronteira lingüística com as províncias
vizinhas de Oviedo, León e Zamora, falam o galego. No campo, geralmente
se manteve o monolin-güismo galego; as cidades apresentam um
panorama mais castelhanizado, embora o galego seja o meio de comunicação
no âmbito privado, segundo ficou demonstrado pelo Mapa Sociolingüístico
Galego, elaborado desde 1991 pelo Seminário de Sociolingüística
da Real Academia Galega. Quanto ao número de falantes, divergem
os dados, mesmo os fornecidos pela Internet. Conforme o Mapa Sociolingüístico
Galego, de um total de 2.659.578 pessoas, entendem o galego 2.455.000
e 2.100.000 o falam. O Informe Comunitário da União
Européia dá apenas um total de 2.420.000 falantes, assinalando
ainda que “o fomento das línguas na Espanha, nos úl-timos
anos, tem sido muito grande”, só comparável ao observado
na Bélgi-ca e na Suíça, países que têm
mais de uma língua oficial em seu território.
Da mesma forma que o catalão, o galego foi reconhecido
como a língua oficial da Galiza pela Lei de Normalização
Lingüística, de 1983, como uma espécie de lei complementar
da Constituição Espanhola de 1978. Um legislação
bastante complexa detalha os direitos dos cidadãos de usar o galego
nas administrações locais, na justiça, nas escolas,
nos meios de co-municação de massa; destaque-se a obrigatoriedade
do ensino do galego e da literatura galega em todos os níveis de
ensino não universitários. Tudo aponta, portanto, pelo
menos do ponto de vista institucional, para uma nova era de florescimento
para essa língua românica tão próxima de nós.
Podem os castelhanos pressioná-la para que se aproxime deles na
ortografia e outros aspectos periféricos; genética e estruturalmente,
porém, o galego estará sempre muito mais perto do português.
Neste nosso giro pela situação atual das línguas
românicas, sobretu-do na Europa, é preciso não esquecer
o sardo. Embora não tenha nenhuma projeção maior,
nem mesmo nas regiões mais próximas da própria Itália,
sob o prisma lingüístico é um importante ponto de referência
nos estudos românicos, dado o caráter bastante arcaico de
sua estrutura, o que o torna a língua românica mais próxima
do latim vulgar. Historicamente, poucas línguas apresentam
tantas camadas de estratos superpostos como o sardo; apesar de tudo,
vem mantendo seu caráter latino através dos séculos,
so-bretudo o logudorês, a variante mais representativa da ilha.
Dentre as vári-as razões apontadas para essa vitalidade,
é preciso lembrar os conhecidos condaghi, documentos de questões
jurídicas, assentamentos ou conjuntos de assentamentos, que finalmente
constituíram um volgare illustre, cuja base é o logudorês
com o acréscimo de variedades regionais, embora haja também
alguns redigidos em campidanês. Levando-se em conta que tais
documentos começaram a surgir no século XII, ainda que não
tenham ca-ráter literário, de qualquer forma atestam
sua antigüidade e colocam o sar-do entre as primeiras línguas
românicas com documentação escrita. A di-versidade
de substratos e superstratos explica a diversidade dialetal, bas-tante
considerável para um território relativamente pequeno, enumerando-se
o logudorês, o sassarês, o campidanês, o galurês
e o anglonês, além de contar em seu território com
falantes do catalão em Alghero e do genovês nas ilhas de San
Pietro e San Antiocho. Por sua tradição e maior resistência
a influências externas, sobretudo do italiano, o logudorês
sem dúvida foi e continua sendo a variante mais representativa do
sardo.
O Livro Vermelho da UNESCO considera todas as variedades do sardo
em perigo. As crianças aprendem o sardo nas escolas, mas muitas
deixam de usá-lo. A mesma fonte calcula em cerca de 500.000
o número de falantes do logudorês, num total de 1.530.000
habitantes da ilha, dos quais cerca de 100.000 falam o galurês, 500.000
o campidanês e outros 100.000, o sassarês. Todos, porém,
falam também o italiano. Como tem acontecido com as variedades
românicas de outros países europeus, tam-bém a Sardenha
conta com seu Estatuto, promulgado pelo Conselho Regio-nal da Sardenha,
em 11 de setembro de 1997, com o sugestivo título Pro-mozione e
Valorizzazione della Cultura e della Lingua della Sardegna.
Em Princípios e Finalidades, declara essa Lei Regional que a “Região
Au-tônoma da Sardenha assume a identidade cultural do povo sardo,
como bem primário a ser valorizado e promovido, em sua evolução
e seu crescimento consagra o pressuposto fundamental de que toda intervenção
deve ser diri-gida no sentido de ativar o progresso pessoal e social, os
processos de des-envolvimento econômico e de integração
interna, e a edificação de uma Europa fundada na diversidade
cultural das culturas regionais”. (Tít. I, Art. I, 1)
São os princípios da União Européia,
agora aplicados também à Sar-denha. Tudo indica, portanto,
que as ameaças de extinção das minorias lin-güísticas
sardas, como de outras na Europa, estão sendo amenizadas, ainda
que possa haver distorções entre a teoria e a prática,
entre a lei e sua aplica-ção, como sabemos que existem
alhures, na Galiza, por exemplo.
Desse panorama da situação das línguas românicas
na Europa, parti-cularmente daquelas que não são línguas
nacionais, ainda que oficiais em seus respectivos territórios, segundo
a legislação mais recente e decorrente dos ideais da União
Européia, conclui-se que não existem mais, pelo menos oficialmente,
aquelas pressões sobre as variantes lingüísticas românicas
re-gionais. Como se lê nos documentos, a União Européia
quer a constituição de um bloco, baseado, contudo,
no respeito à diversidade cultural e lingüís-tica. Nessa
perspectiva, não cabem mais restrições, perseguições
ou tentati-vas de supressão, como no regime franquista na Espanha
contra o catalão e o galego, ou o edito Villers-Cotterêts
na França em detrimento sobretudo do provençal. Uma legislação
ampla, que leva em conta todas as esferas de uso da língua, principalmente
o ensino nas escolas e a fundação de institu-tos, dedicados
a dar apoio e a supervisionar a aplicação das leis
e ordena-ções em todos os níveis, permite prever e
esperar um grande florescimento das línguas ditas minoritárias
na Europa. Dessa nova visão e da política decorrente
espera-se, com bastante segurança, sejam afastados os perigos de
enfraquecimento ou de extinção dessas línguas.
Em várias delas, como o gascão, por exemplo, nota-se grande
efervescência com numerosas publi-cações de livros,
revistas, estudos gramaticais, provenientes sobretudo de jovens escritores,
fato sem dúvida altamente alvissareiro. Desse modo, o tom
pessimista do Livro Vermelho das Línguas em Perigo da UNESCO,
ao menos em relação às principais minorias lingüísticas
românicas euro-péias, não mais parece corresponder
à realidade objetiva. Caso sejam man-tidas e concretizadas
as determinações e orientações da União
Européia, aliás muito sensatas e realistas, não há
dúvida de que o futuro lhes será promissor. É
sabido que antigas rivalidades e velhos rancores ainda per-sistem em vários
pontos, mas a nova visão dos problemas raciais, culturais e lingüísticos,
consubstanciada em leis e disposições concretas. certamente
superará tais dificuldades pelo menos a médio prazo.
Fora de seu berço europeu, as línguas românicas,
umas mais outras menos, estão presentes em todos os quadrantes da
terra. Desde o século XV, o fluxo migratório da Europa
não cessou em direção a todos os conti-nentes, ainda
que com intensidades mui diversas. Como conseqüência,
um número considerável de países tem uma língua
românica como materna e oficial, o que ocorre nas Américas
do Sul e Central, além do Caribe, onde há apenas alguns enclaves
de línguas não românicas. Na América do Norte,
como se sabe, o México tem o castelhano como língua materna
e oficial e o Canadá é bilíngüe. Nos Estados
Unidos vivem, segundo dados da União Latina, vivem 24.400.000 falantes
do castelhano, especialmente nos Esta-dos do Texas, Novo México,
Arizona , Califórnia e Flórida, havendo neles algumas
regiões em que a população de fala ibérica
supera os 80% do total local. Além disso, 1.354.000
italianos e cerca de 1.300.000 franceses, 150.000 dos quais no Estado da
Luisiânia, vivem nesse país; cálculos não
oficiais indicam cerca de 400.000 brasileiros vivendo em território
ameri-cano e ao redor de 2.000.000 de patrícios nossos espalhados
pelo mundo.
Particularmente interessante é a situação das
línguas românicas na África. Dada a grande diversidade
lingüística e dialetal do Continente, an-tigas possessões
de países europeus adotaram o idioma dos ex-colonizadores como língua
oficial e do ensino: o português em Angola, Moçambique
e Guiné Bissau, além de falado em Mombaça, Melinde
e Quiloa; o francês em Madagascar, Zaire, Congo, Camarões,
República Central, Tchad, Niger, Benin, Mali, Costa do Marfim,
Guiné e Senegal. O francês é ainda a língua
não oficial, mas ensinada a todos desde o ciclo primário
na Tunísia, na Algéria e na Mauretânia. O castelhano
é oficial e de ensino na Guiné Equatorial e o italiano
marca sua presença na Somália e em Aismara na Eritréia.
No Oriente, a presença das línguas românicas
é menos sensível e em várias partes verifica-se
uma tendência à crioulização O português
é a língua oficial de Macau e o cantonês, a do comércio.
Em 1999, esse pe-queno território na foz do rio Cantão,
português desde 1557, será entregue à China;
a partir do próximo ano, o português de Macau certamente será
apenas um substrato, como aconteceu em Goa. Em outras antigas posses-sões
portuguesas, como Diu, Damão, Bombaim, Caul, Baçaim, Mangalor,
Cananor, Maé e Cochim na Península da Índia, a língua
crioulizou-se, da mesma forma que nas ilhas de Java, Singapura, Malaias
e Málaca; na ilha de Timor, fala-se português não crioulizado
na região norte-oriental, atual-mente ocupada ilegalmente pela Indonésia.
Nas Filipinas, o castelhano é ensinado nas escolas e falado por
uma parte da população, constituída por dezenas de
diferentes etnias, como uma espécie de língua geral.
Segundo a União Latina, no Vietnam e no Laos o francês
é a língua de uso, enquanto é oficial em grande número
de ilhas de possessão francesa, sobretudo na Polinésia.
A mesma fonte assinala importantes colônias italianas em Sidney e
Melbourne na Austrália.
Concluindo, as línguas românicas estão hoje
presentes em todos os continentes. Segundo previsões demográficas
da UNESCO para o ano 2.000, divulgados pela União Latina, a população
de Estados de língua ofi-cial latina será de 983.000.000.
Somando-se os falantes de uma língua ro-mânica espalhados
pelos quatro cantos do mundo, moradores em países de língua
oficial não latina, chega-se seguramente a um total aproximado
de um bilhão e cem milhões de usuários de uma língua
derivada do latim. Como se vê, trata-se de um acervo lingüístico
e cultural com o qual muito poucos podem se ombrear, do qual nos
orgulhamos de participar e, por ou-tro lado, para cujo desenvolvimento
e perenidade temos a obrigação de dar nossa contribuição.