BREVES
CONSIDERAÇÕES
SOBRE A LÍNGUA ALEMÃ NA IDADE MÉDIA
REPERCUSSÕES NOS TEXTOS LITERÁRIOS
Álvaro Alfredo Bragança Júnior (UFRJ)
“behauptet soll allerdings werden, da? der Weg zur euro -päischen Moderne damals begonnen hat, welche dann über Renaissance/Humanismus und Aufklärung schlie?lich ins tecnische Zeitalter und in die Moderne geführt hat.”
I) INTRODUÇÃO
“Mittelhochdeutsche Lyrik und Epik werden, wie das gesamte Mittelalter,
als längere Zeit verschütteter, ja gerade zu verdrängter
Teil er eigenen kulturellen Vergangenheit wenigstens in Ansätzen
neu entdeckt, und zwar als Erinnerung an jene ferne Zeit, die einerseits
von der unsrigen sosehr verschieden ist, in der aber gleichwohl
unsere heutige Moderne ihre ers-ten Anfänge hatte.”
A partir desta afirmação de Müller e Weiss (1993:50) tencionamos discutir com os colegas aqui presentes alguns pontos sobre o trabalho com literatura em língua alemã, mais especificamente, sobre a produção lírica em althochdeutsch (antigo-alto-alemão) e mittelhochdetusch (médio-alto-alemão), na tentativa primeira de chamar a atenção dos colegas para a neces-sidade da revitalização dos estudos na área de medievística de língua alemã e, consequëntemente, ampliar espaços e canais para debates que tragam ao público moderno as tensões inerentes a praticamente seis séculos de cultura em alemão, mais próximas de nós e modernas do que podemos supor. Em virtude do tempo de exposição ao nosso dispor - vinte minutos - não nos alongaremos mais em palavras introdutórias! Nossa intenção é explorar o debate posterior, que almejamos seja profícuo.
II) DIAGNÓSTICO SUMÁRIO DA MEDIEVÍSTICA LITERÁRIA ALEMÃ NO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL
Em primeiro lugar, entendamos nosso conceito de medievística
lite-rária alemã como o conjunto de ciências que se
ocupa do estudo e melhor conhecimento da produção literária
da Idade Média em língua alemã. Nossa proposta de
definição deste termo prende-se ao ramo das disciplinas minis-tradas
nos currículos universitários brasileiros que se destinam
ao estudo das primeiras fases de formação da língua
e das literaturas de língua alemã. Em sua grande maioria,
os cursos de graduação em português-alemão apresen-tam
de maneira bastante sucinta (ou não apresentam) um curso específico
destinado a tal finalidade. Isso pode ser corroborado, de outro modo, através
da bibliografia em língua portuguesa dos compêndios sobre
história da lite-ratura em língua alemã , cuja
maior parte destina muito poucas folhas acer-ca do tema.
Após um estudo do currículo de boa parte das instituições
de ensino superior do Brasil na área do curso de Letras em português-alemão,
consta-tamos que a disciplina Fundamentos da Cultura Literária Alemã
(doravante denominada FUNDAL), oferecida pela Universidade Federal do Rio
de Ja-neiro para estudantes do terceiro semestre do curso de bacharelado
em por-tuguês-alemão com carga horária semanal de praticamente
duas horas, é a única que se dedica in toto à apresentação
e ao estudo do surgimento e des-envolvimento da literatura em alemão
até o século XV . Desde os primeiros contatos entre
romanos e germanos, passando pela tradução da Bíblia
para o gótico, através das inscrições rúnicas,
chegando ao século oitavo com a as-censão de Karl der Gro?e
e o surgimento de dicionários e glossários bilin-gües,
vislumbrando a produção quase que exclusivamente monacal
dos sé-culos nono e décimo para finalmente alcançarmos
o esplendor exuberante dos Minnesänger e a introspecção
contemplativa dos místicos, intenta-se fornecer ao aluno não
apenas as informações de cunho histórico, cultural,
social e político pertinentes à época em estudo, mas,
principalmente, estabe-lecer pontos de contato (e há muitos) entre
a Idade Média e a nossa tão de-cantada Modernidade!
III ) POR QUE QUASE NÃO SE ESTUDA LITERATURA ALEMÃ MEDIEVAL NO BRASIL? - POSSÍVEIS CAUSAS
O quadro que ora desenhamos é, de modo aparente, extremamente
sedutor para pesquisadores e estudiosos da língua e da literatura
em alemão. Entretanto, salta aos nossos olhos a falta quase que
total de trabalhos aca-dêmicos sobre o legado cultural dos textos
em antigo-alto-alemão e em mé-dio-alto-alemão. Nem
mesmo na Alemanha, onde a publicação de compên-dios
e obras referentes à literatura medieval é freqüente,
se foge a um certo “determinismo” nos estudos literários que valorizam
a produção post Luther. Hans Jürgen Koch (19761:22)
já advertia sobre a necessidade de retomada pelos alemães
do passado de seu próprio fazer literário:
“Aus Kenntnis der Vergangenheit lassen sich die Bedingungen und Bedingtheiten
der Gegenwart besser einschätzen. Das mag nicht son-derlich
progressiv oder aktuell klingen in einer geradezu ahistorisch sich gebenden
Gegenwart. Aber es bleibt die Frage, ob der Mensch ohne seine Geschichte
eine Zukunft, ob die Mittelalter-Germanistik ohne ei nen neuen Geschichtsbegriff
noch eine Chance hat, sich aus ihrer Erstarrung zu befreien.”
No campo brasileiro, pesquisadores como Erwin Theodor Rosen-thal e Wira
Selanski trabalharam com autores e temáticas medievais, mas atualmente,
percebe-se nas linhas de pesquisa dos docentes a falta de estudos medievísticos.
Indagamo-nos o porquê disso e somos de opinião que existiri-am
três possíveis respostas:
a) a inexistência ou quase ausência, no currículo
dos cursos de Letras, de disciplinas como Filologia Germânica;
b) a quase que absoluta falta de docentes qualificados na área
de Literatura Alemã da Idade Média;
c) a moderna visão acadêmica, por parte de docentes, que
não privilegia os estudos de ordem diacrônica de uma língua
estrangeira.
No que tange ao item a, entendemos Filologia Germânica como “lato
sensu, a ciência que estuda a cultura dos povos que falam línguas
ger-mânicas, isto é, o estudo da vida espiritual e intelectual
dos povos germâni-cos através de sua língua literatura,
arte, religião, usos e costumes, direito, etc.; stricto sensu, como
a ciência que estuda as línguas e literaturas germâ-nicas”,
atendo-nos à segunda definição e explicitando-a na
análise da língua e da literatura em textos de língua
alemã.
Quanto ao segundo ponto, um breve vislumbre das linhas de pes-quisa
dos docentes de Germanística do país já é suficiente
para observarmos a predileção dos colegas por temas a partir
da Idade Moderna.
A questão diacronia versus sincronia reflete-se no esvaziamento
e conseqüente fechamento da área de Filologia de diversos cursos
de Pós-Graduação no Brasil, pois um professor-filólogo
requer uma formação ex-tremamente ampla, fato hoje praticamente
impossível em nossa sociedade anti-humanista e compartimentalizadora
de saber. O antigo aqui contrapõe-se ao novo de forma negativa,
não o enriquece e a Sprachwissenschaft se impõe sobre a “amizade
ao saber”, perdendo-se aquilo que Rudolf Pfeiffer (apud Bunse, 1983) afirma
como sendo o cerne da philologia: “ A Filolo-gia não
é uma atividade fria de investigação. Traz no
seu próprio nome a ?????, o amor pelo logos, e o ato de ensinar
deve transferir esse calor e essa alegria para os que se preparam para
aprender.”
Sem criticar, de forma alguma, as opções de trabalho
acadêmico dos pares, apenas esboçamos sumariamente um retrato
do atual estado dos estudos sobre a produção da literatura
medieval em alemão antes de assu-mirmos a docência de uma
turma de FUNDAL na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
IV) EXPERIÊNCIAS DOCENTES
“Como auxiliar nossos alunos a reconhecer a cultura germânica,
em seus mais diferentes aspectos, cultura esta retratada nas fontes escritas
de que dispomos? Como possibilitar a eles noções fundamentais
dos estágios de desenvolvimento do alemão ... moderno? Como
resgatar toda uma história das idéias de anglos, saxões,
jutos, bávaros, alamanos, dentre outros po-vos?”
A partir destas indagações procuramos reestruturar o
conteúdo programático da disciplina FUNDAL, ampliando-o e
aproximando-o o mais possível do público estudantil de hoje
em dia. Como ponto de partida, orga-nizamos uma apostila em forma de antologia
contendo excertos dos princi-pais textos e documentos escritos em alt-
e mittelhochdeutsch, à qual foi acrescida uma nova com rudimentos
histórico-culturais para situar de forma mais precisa o homem e
a inter-ação na literatura e vice-versa .
Talvez a principal inovação deste trabalho tenha sido
a publicação dos fragmentos dos textos no estágio
lingüístico de sua confecção, o que nos levou
a pesquisar dicionários e Lesebücher com o intuito de, ao conhecer
mais profundamente a evolução da língua e da literatura
em alemão, traba-lhar com os textos fidedignos e fazer com que os
estudantes, através do tra-balho de comparação dos
mesmos com a versão em alemão moderno, pos-sam reconhecer
e formular algumas regras da gramática histórica do alemão
e os indicadores sociais de suas épocas históricas. À
guisa de ilustração to-maremos como exemplo dois textos representativos
da literatura em antigo-alto-alemão e médio-alto-alemão.
IV.1. Excerto de Das Wessobrunner Gebet - +/- 800 - althochdeutsch
Dat gafregin ih mit firahim
firiwizzo meista,
dat ero ni was noh ûfhimil,
noh paum (...) noh pereg ni wâs,
ni (...) nohkeinîg
noh sunna ni scein,
noh mâno ni liuhta, noh der mâreo
sêo.
Dô dâr ni was
enteo ni wenteo,
enti dô was der eino almahtîco
cot,
manno miltisto, enti
dâr wârun auh manake mit inan
cootlîhhe geista.
enti cot heilac (...)
Cot almahtico, dû himil enti erda gaworahtôs, enti dû mannun sô manac coot forgâpi, forgip mir in dîno ganâda rekta galaupa enti côtan willeon, wîstôm enti spâhida enti craft, tiuflun za widarstantanne enti arc za pwîsanne enti dînan willeon za gawurchanne.
Tradução em Neuhochdeutsch
Das erfuhr ich unter den Menschen als das grösste der Wunder, dass (einst) weder die Erde noch eben der Himmel war, noch Baum ... noch Berg, kein ... (Stern?) noch die Sonne schien, noch der Mond leuchtete noch die mächtige See.
Als da nichts war an allen Enden und Grenzen, (und) da war (doch) der eine allmächtige Gott, der Männer freundlichster; und da waren auch viele bei ihm herrliche Geister. Und der heilige Gott...
Allmächtiger Gott, (der) du Himmel und Erde geschaffen und den
Mens-chen so viel Gutes geschenkt hast, schenke mir rechten Glauben an
deine Gnade, guten Willen, Verständnis und Klugheit und Kraft, den
Teufeln zu widerstehen und das Böse zu vermeiden und deinen Willen
zu erfüllen.
IV.2. Proposta de abordagem
Um texto de evidente mensagem cristã fornece, a partir do próprio
vocabulário, subsídios para sua decodificação
em nível da linguagem e da interpretação. Em primeiro
lugar, procederíamos a um levantamento lexical dos termos em antigo-alto-alemão
correspondentes, na forma gráfica, aos vocábulos da versão
em alemão moderno. Teríamos, assim, um esquema, onde palavras
como ih, ni, ûfhiimil, noh, paum, pereg, keinig, sunna, scein, dentre
outras, teriam as formas ich, nicht, auf, Himmel, Baum, Berg, keines,
Sonne, schien (verbo scheinen). Termos como himil, Cot almahtico, erda,
e tiuflun (Himmel, Allmächtiger Gott, Erde e Teufel) ao lado de substantivos
abstratos como ganâda, galaupa, willeon e wîstôm (Gnade,
Glauben. Wille e Weisheit) confeririam ao texto uma mensagem de invocação
do suplicante ao Ser Criador, na qual a dicotomia expressa por côtan
(das Gute) X arc (das Übel) representaria a própria dualidade
existencial humana.
No plano eminentemente lingüístico, o conhecimento de outras
lín-guas estrangeiras contribui para o enriquecimento de estágios
anteriores da língua. Como exemplo, citam-se as palavras enti, miltisto,
mannun, forgâpi e wîstôm, as quais coresponderiam às
formas em inglês moderno and, mild, men, forgive e wisdom. Neste
ponto, uma abertura para a discussão sobre a família das
línguas germânicas e sobre o germânico como Ursprache
pro-porcionaria ao estudante, conforme acreditamos, mais parâmetros
para análi-se da própria língua que ele estuda, na
medida que, ao usar uma segunda lín-gua (no caso, o inglês)
como elemento mediador para conhecer o texto ori-ginal, ele interage com
ambas.
Um fator facilitador para o trabalho com textos em althochdeutsch é
a identificação rápida de palavras modernas do inglês,
pois, em linhas ge-rais, “mit dem Altsächsischen, Altniederfränkischen,
Altenglischen und Al-tfriesischen hat das Althochdeutsch viele Spracherscheinungen
gemeinsam, weshalb man früh eine ursprüngliche “westgermanische
Einheit” an-nahm,...”
Esta concisa apreciação do texto acima, sob as bases
ora apresenta-das, deve ser acrescida com dados de ordem cultural, sobre
o que discorre-remos no capítulo cinco de nosso trabalho.
IV.3. Poema Ich saz ûf eime steine de Walther von der Vogelweide
(+/- 1170-1230) - mittelhochdeutsch
Ich saz ûf eime steine,
und dahte bein mit beine:
dar ûf satzt ich den ellenbogen:
ich hete in mîne hand gesmogen
daz kinne und ein mîn wange.
dô dâhte ich mir vil ange,
wie man zer welte solte leben:
deheinen rât kond ich gegeben,
wie man driu dinc erwurbe,
der keines nit verdurbe.
diu zwei sint êre und varnde guot,
daz dicke ein ander schaden tuot:
daz dritte ist gottes hulde,
der zweier übergulde.
die wolte ich gerne in einen schrîn.
jâ leider desn mac niht gesîn,
daz guot und weltlich êre
und gotes hulde mêre
zesamene in ein herze komen.
stîg und wege sind in benomen:
untriuwe ist in der sâze,
gewalt vert ûf der strâze:
fride unde reht sint sêre wunt.
diu driu enhabent geleites niht,
diu zwei enwerdent ê gesunt.
Tradução em Neuhochdeutsch de Eugen Thurnher
Ich sa? auf einem Felsen,
die Beinen übereinandergeschlagen.
Darauf stützte ich den Ellenbogen.
In meine Hand hatte ich das Kinn
und eine meiner Wangen geschmiegt.
So überlegte ich mir angestrengt,
wie man Erden leben solle.
Ich wu?te mir keinen Rat,
wie man drei Dinge erwerben könne,
ohne da? eines von ihnen verloren ginge.
Die beiden ersten, die einander Eintrag tun
sind Ansehen und irdischer Besitz.
Doch höher als der Wert der beiden,
ist als drittes Gottes Huld.
Sie alle wollte ich gern in einem Schrein.
Aber leider, es ist unmöglich,
da? Besitz, weltliches Ansehen
und göttliche Gnade
dazu in ein Herz zusammenkommen.
Steg und Weg sind ihnen versperrt:
Untreue lauert im Hinterhalt.
Gewalttätigkeit kommt auf der Stra?e her.
Frieden und Recht sind tödlich verletzt.
Die drei haben keinen Schutz,
wenn die zwei nicht vorher gesunden
IV.4. Proposta de abordagem
No tocante ao médio-alto-alemão, partiríamos, do
mesmo modo, do léxico comparado como reconhecimento de peculiaridades
distintivas entre o uso lingüístico do alemão nos séculos
treze e vinte. Poderíamos arrolar, como exemplos, stein, bein, ellenbogen,
hand, kinne, wange, welte, leben, ( Stein, Bein, Ellenbogen, Hand, Kinn,
Wangen, Welt, leben) dentre inúmeros outros. O estudante imediatamente
com a ajuda do dicionário e aqui, excep-cionalmente, através
da conhecida gravura do Minnesänger sentado sobre uma pedra, teria
um excelente Einstiegspunkt dentro do poema.
O próprio levantamento vocabular permitiria a ele, sempre sob
a orientação do docente responsável, a tentativa de
formulação de algumas re-gras para a gramática do
mittelhochdeutsch, onde os traços fonéticos, morfológicos
e sintáticos do alemão moderno estão mais visíveis
do que no período lingüístico precedente. Guot e Gottes,
gesîn e ûf servem para mos-trar os radicais de Gut e Gott,
enquanto os dois últimos revelam a tendência da ditongação
da vogal longa, isto é, sein e auf.
Walther von der Vogelweide constitui-se no mais completo Min-nesänger
de língua alemã, tendo utilizado em seus poemas temas do
amor cortês estilizado do hohe minne, do vero sentimento com relação
às jovens simples do povo nos versos do niedere minne, para finalizar
refletindo so-bre o mundo que viu e sentiu com as Spruchgedichte. A vida
de Walther já traria consigo uma farta quantidade de elementos para
uma análise das rela-ções sociais na Baixa Idade Média
no ápice do sistema feudal. A questão da inassociabilidade
dos valores do mundo material com as riquezas de uma vida pautada pela
espiritualidade cristã é marcada no poema, revelando uma
cisão d’alma que desaguará no Renascimento de caráter
antropocêntrico e que, do ponto de vista da modernidade, como se
fosse um relato em forma de desabafo, mostra a crescente violência
decorrente da busca humana pela eternização através
do dinheiro, que fere os mais básicos princípios de con-vivência
humana de fundamento cristão como a paz e a justiça.
V) A MODERNIDADE DO ESTUDO DA MEDIEVÍSTICA LITERÁ-RIA EM ALEMÃO
De que modo estudar literatura em língua alemã da Idade
Média é moderno? Quais seriam as vertentes no campo da ciência
da literatura e da diacronia do alemão postas em evidência
através de trabalhos nesta área? A associação
da pesquisa lingüística com procedimentos hermenêuticos
é, em nosso entender, plenamente viável, como procuramos
demonstrar nos exem-plos acima. A língua como ponto de partida para
o texto literário proporcio-na todo o arcabouço indispensável
para o entendimento da realidade cultural da época. Este tipo de
premissa é hoje em dia objeto central da assim cha-mada “virada
antropológica na ciência da literatura”(antropologische Wen-de
in der Literaturwissenschaft).
Afinal de contas, o que vem a ser a antropologia cultural aplicada
aos textos literários? Doris Bachmann-Medick (1996:10) assim a caracteriza:
“Kultur als Text aufzufassen hei?t, ein gemeinsames Feld abzuste-cken,
das nur durch disziplinübergreifende Fragestellungen zu bearbei-ten
ist: Kultur ist ein Bereich, der ähnlich wie ein Text
- zu verschiede-nen Lesarten aufruft .Die Aufmerksamkeit richtet sich auf
die interpretie-renden Bedeutungsverdichtungen der kulturellen Darstellungsformen
selbst sowie auf die rethorischen Strategien bei der Darstellung
von Kulturen.”
A plurissignificação cultural dentro do mosaico medieval
abrangido pelos textos nas duas primeiras fases de desenvolvimento do idioma
alemão já é ele próprio um Leitmotiv para as
pesquisas. Dentro dos textos situam-se os elementos conflitantes formadores,
conformadores, reformadores e deformadores do edifício social do
medievo, que, muitas, vezes, passam des-percebidos ou ignorados por absoluta
falta de conhecimento lingüístico. No caso dos poemas em mittelhochdeutsch,
temas como o amor, a religião, moral, ética e política
muito se assemelham às suas contrapartes contempo-râneas.
Oswald von Wolkenstein situa-se na fronteira do moderno (apud Müller
e Weiss, 1993:41)! Walther von der Vogelweide é um filósofo
e o autor ou autores anônimo(s) da Canção dos Nibelungos
forjou mitos pre-sentes até os dias de hoje na alma alemã.
Para sumarizar o até aqui exposto, arrolamos três justificativas
a fa-vor da medievística, baseadas em nossa docência:
a) o conhecimento da língua em seus estágios primeiros
de formação podem facilitar a compreensão de suas
estruturas modernas. No caso do alemão, alt- e mittelhochdeutsch
revelam através de sua história os processos pelos quais
a língua passou até se gramaticalizar, guardando traços
fonéticos, sin-táticos, morfológicos e semântico
hoje desaparecidos, como, por exemplo, em hôchgezît, originalmente
significando “festividades” e em neuho-chdeutsch “casamento”, Hochzeit;
b) do ponto de vista literário, a própria evolução
de metros e estilos está eminentemente atrelada ao desenvolvimento
cultural europeu. Não devemos nos esquecer, dentre outras coisas,
que o sistema de acentuação intensiva, característico
dos poemas em médio-alto-alemão, seguiu a tendência
euro-péia da utilização da rima a partir da poesia
religiosa do século dez;
c) a ambiência cultural de base antropológica, completamente
moderna, teria a sua disposição um cabedal de informações
preciosas sobre o modus cogi-tandi e o modus faciendi do homem medieval.
Costumes, tradições, pre-conceitos, ritos e superstições
que normalmente são rapidamente menciona-dos a partir da leitura
de terceiros, poderiam agora ser discutidos e ilustrar os debates científicos
com os alunos e com pesquisadores após a leitura dos textos pelo
docente e estudantes, ocorrendo, assim, a tão propalada e dese-jada
interação professor-aluno.
VI) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estas pouquíssimas linhas, resultantes de observações, práticas e leituras desde 1993, tencionam suscitar a mudança (Wende) de perspectiva referente à “Idade das Trevas”. À Germanística como ciência aglutinadora das pesquisas na área de expressão cultural em língua e literaturas de língua alemã cabe a tarefa de explorar mais esse universo palpitante de vida que é a media aetas como um conjunto de manifestações de ordem cultural, não de forma setorizada. Como já bem definia Hans Jürgen Koch (19761:21), o an-tigo papel daquela ciência era desolador: “Die Mittelalter-Germanistik hat sich so lange und nahezu ausschlie?lich mit der Herstellung und Betrachtung ihrer Texte beschäftigt, sie als von Zeit und Wirklichkeit isolierte Phänomene betrachtet, da? sie heute nach au?en das Bild einer abgeschlossenen, einer hermetischen und deshalb toten Wissenschaften bietet.”
A contextualização dos dados contidos nos textos seria
o caminho primeiro para a justa avaliação desta época
vital para a nossa modernidade. Fazemos aqui nossas as palavras de Koch
(19762:23):
“Dissonanzen, Widespruüche, Kontraste - sie bestimmen auch die
Literatur der Zeit; neben Weltfreude steht Weltangst, neben derer Sinnlichkeit
in der Schwankdichtung die leidenschaftliche Gottsuche in der mystischen
Erbau ungsliteratur. ... Ob schlie?lich in solchem Wi-derspruchund
Wandel literarischer Formen und Themen unbedingt ein Verfall gro?er
Literatur gesehen werden mu? oder ob darin nicht ge-rade die Voraussetzungen
für einen befreienden Neubeginn im 15. Jahrhundert liegen, das festzustellen
bleibt noch immer Aufgabe der Forschung.”
Portanto, para finalizar, pensamos que a literatura em alemão
na Idade Média é e deve ser estudada nos currículos
universitários brasileiros de germanística como disciplina
obrigatória. Os textos deveriam ser apresenta-dos em suas versões
originais, para que tanto professores quanto alunos se familiarizassem
com as antigas construções das fases históricas do
alemão. A escolha dos textos para o trabalho acadêmico deve
seguir critérios determi-nados pelos docentes, que prezem a fidelidade
filológica ao texto, a possibi-lidade de estabelecimento de analogias
lingüísticas e a literariedade. Assim, quem sabe, resgatar-se-á
e trar-se-á à vida todo um mundo ainda em grande parte esquecido
em livros empoeirados em nossas bibliotecas das Faculdades de Letras!
VII) BIBLIOGRAFIA GERAL
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MARTINI, Fritz. Deutsche Literaturgeschichte. Stuttgart: Alfred Kröner
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Tübingen: Max Niemeyer, 1961.
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Berlin: Walter de Gruyter, 1953.
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BRAUNE, Wilhelm & EBBINGHAUS, Ernst. Althochdeutsche Grammatik.
14. Auflage: Tübingen: Max Niemeyer, 1987.
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1965.
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BOOR, Helmut de & WISNIEWSKI, Roswitha. Mittelhochdeutsche Grammatik.
Achte durchgesehene Auflage. Berlin, New York: Wal-ter de Gruyter, 1978.
LEXER, Mathias. Mittelhochdeutsches Taschenwörterbuch. 35. Auflage.
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