CHIAPAS E RETÓRICA

Tatiana Cristina Ferreira (CAPES/PET)
Haroldo Bruno

Chiapas e retórica é a parte integrante em uma pesquisa sobre análise e discurso, se ocupará da leitura de dois textos, “A Flor prometida “, do “Sub-comandante Marcos”, um dos líderes do Movimento Mexicano Zapatista, em tradução portuguesa de Clara Allain, e “ Chiapas, nome de dor e espe-rança”, do escritor português José Saramago, publicados ambos na Folha de São Paulo, em 02-04-95 e 07-06-98 respectivamente.
“A Flor prometida” é uma carta do subcomandante Marcos, respon-dendo a um grupo de intelectuais artistas e escritores espanhóis signatários do documento intitulado: “Uma saída política para o conflito de Chiapas”, carta dirigida ao diretor do “El País” e publicada pelo jornal espanhol, dia 21 de fevereiro de 1995. Também foi dirigida a todos os grupos ou indivíduos que manifestaram solidariedade à guerrilha.
O subcomandante Marcos, líder da guerrilha levada a efeito na região de Chiapas, México, procura explicar através da carta seu movimento contra o governo de seu país e contra os EUA.
Já, o texto “Chiapas, nome de dor e esperança” escrito por José Sara-mago é um texto jornalístico que vai considerar o conflito de Chiapas como mais um entre tantos outros.
Apesar de existir o espaço de alguns anos, entre um e outro texto, am-bos apresentam um mesmo centro de interesse, além de marcarem-se por uma intenção persuasiva comum, embora demonstrem perseguir objetivos diferentes.
Para alcançar a sua intenção persuasiva, os autores servem-se de pro-cedimentos retóricos, isto é, de procedimentos que visam ao convencimento do leitor.
No primeiro texto, verifica-se uma argumentação emotiva, a qual pode ser notada no início do depoimento do subcomandante o qual utiliza a técni-ca retórica da identificação, procurando mostrar que não há diferenças entre ele e o leitor.
Irmãos: há neste planeta chamado Terra, e no continente que chamam de americano, um país cujo rosto parece ter recebido uma grande mordi-da, pelo lado oriental, e que pelo lado ocidental firma um braço no Pacífi-co para que os furacões não o levem para longe de sua história. Sua histó-ria é uma longa batalha entre seu desejo de ser ele próprio e o desejo de estrangeiros de arrebatá-lo para outra bandeira. Esse país é o nosso. ( gri-fos nossos)

Nesse trecho, o subcomandante emprega o vocábulo “Irmãos” para igualar-se ao leitor  e juntos compartilharem as mesmas dores a fim de que todos atuem em comum, pois o país é de todos.
No trecho: “o desejo de estrangeiros de arrebatá-lo para outra bandei-ra”, há também a presença de nacionalismo, revelando-nos assim o porquê de existir o Movimento Mexicano Zapatista, pois eles lutam para não perder a identidade como cidadãos de um país dominado por outras culturas e ide-ais.
No texto de Saramago, nota-se uma argumentação jornalística já no início do seu artigo, o qual será introduzido pela questão do “ser persa” no roteiro histórico das relações entre os seres humanos.
... Mas, como é possível ser-se persa?” Vai já para trezentos anos que o barão de Montesquieu escreveu as suas famosas “Lettres Persanes”, e até agora ainda não conseguimos encontrar a maneira de elaborar uma resposta inteligente à mais essencial das questões que se contém no roteiro histórico das relações entre os seres humanos. (grifos nossos)

Logo após, o texto serve-se também da técnica retórica da identifica-ção, para mostrar que não há diferenças entre os “persas” de Chiapas e nós.
Para Saramago,
“Ser “persa” é ser o estranho, é ser o diferente, é, numa palavra, ser outro...
...Como é possível que vos fale, a vós “ocidentais” e “ocidentalizados” do Norte e do Sul, do Este e do Oeste, tão cultos, tão civilizados, tão per-feitos, o pouco de inteligência e de sensibilidade suficiente para compre-ender-nos, a nós, aos “persas” de Chiapas?...” (grifos nossos)

No trecho acima reproduzido  Saramago questiona a todos sobre “ser persa” para que se enxergue a realidade pela qual todos possam estar pas-sando ou já passaram.
Os dois textos apresentam um centro de interesse comum, isto é, bus-cam, intencionalmente, formar a opinião do leitor através da técnica retórica da identificação. É o que se nota, por exemplo, nos trechos abaixo:
Ou seja, nós que não temos rosto nem nome nem passado e so-mos indígenas na maioria, mas ultimamente já estão entrando mais irmãos, de outras terras e raças. Todos nós somos mexicanos.” Sub-comandante Marcos (grifos nossos)
...Também sobre abundam os “persas” na dolorida terra mexi-cana, que foi de onde a câmara interrogadora e rigorosa de Sebas-tião Salgado trouxe o estremecimento das comovedoras imagens que aqui frontalmente nos interpelam ... J. Saramago (grifos nossos)

No segundo trecho há também a substituição de elementos jornalísticos por elementos emotivos.
Percebe-se isso, com a expressão “dolorida” que é quando Saramago toma uma posição.
Os dois textos tentam assim, incutir o leitor de que todos somos ir-mãos, embora de outra nacionalidade, podemos ajudá-lo pois a questão é mundial.
Verifica-se, portanto, que a eficiência dos dois discursos está no uso de instrumentos retóricos de apelo como: emoção, humanidade, irmandade, com a finalidade de convencer o seu interlocutor sobre a luta pelo direito à igualdade e à liberdade.

BIBLIOGRAFIA:

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Marcos, subcomandante.”A flor prometida”. Folha de São Paulo. São Pau-lo: Empresa Folha da Manhã S.A. 02/04/95. p.1,6.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso. Uma crítica à afirmação do ób-vio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi, Lourenço Chacon, Manoel Luiz Goncçalves Correia e Silva Mabel Serrani. Campinas, Editora da Unicamp, 1998.
SARAMAGO, José. “Chiapas, nome de dor de esperança” .Folha de São Paulo. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S.A.  07/06/98. p.1, 15.