C. S.  LEWIS E A APOLOGÉTICA

  Nataniel dos Santos Gomes (UERJ/UFRJ)

C.S.  Lewis foi um renomado professor de literatura da Universida-des de Cambridge, falecido em 23 de novembro de 1963, no mesmo dia do assassinato de John Kennedy e da morte de Aldous Huxley.  Ele escreveu mais de 40 livros, vários destes livros refletindo sobre o Cristianismo, que havia sido tão marcante em sua vida. Seu interesse era de responder ques-tões existenciais através da fé.  Sua apologética, defesa, era uma profunda reflexão sobre o que o Cristianismo havia feito em sua vida.
Lendo e lecionando Literatura Medieval e Renascentista teve contato com pensadores e escritores que contribuíram para sua formação. Na ado-lescência foi ateu e acabou por  converteu-se a fé cristã após leituras de Ge-orge MacDonald.  Sua obra não trata somente do Cristianismo, mas com-preende também a crítica literária.
Boa parte de sua fama vem através de seus livros infantis, recheados de sua visão cristã, a série Crônicas de Nárnia é composta de sete volu-mes: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa; O príncipe Caspian; O navio da alvorada; A cadeira de prata; O sobrinho do mago; O cavalo e seu me-nino; A última batalha (todos relançados recentemente pela Editora Martins Fontes).   Este último recebeu a Medalha de Carnegie como melhor livro infantil. Estes livros são praticamente uma versão da Bíblia para crianças, tão popular hoje em dia, com o Gênesis (O sobrinho do mago), os evange-lhos (O leão, a feiticeira e o guarda-roupas), o Apocalipse (A última bata-lha) e os outros como a mais pura aventura do livro de Atos dos apostólos.
Uma outra série que ele produziu que obteve inúmero sucesso foi a Trilogia Espacial: Para além do planeta silencioso; Perelandra; Aquela força medonha (a série completa em português saiu pela Europa-América). Esta obra narra as aventuras de Ransom, um filólogo, que se envolve num drama universal ao descobrir que a Terra é o único planeta do Sistema Solar que está dominado pelo mal; no segundo volume, ele vai para Perelandra (Vênus) para evitar que o drama da Queda do Homem venha a se repetir naquele mundo; no último, e maior dos volumes da série, até Merlim apare-ce no século XX numa Universidade para ajudar a salvar o mundo.
Mas nosso objetivo é de fazer um breve comentário sobre um dos eventos mais marcantes de seu livro O leão, a feiticeira e o guarda-roupas e o Evangelho segundo S. João, mostrando algumas semelhanças.
A história começa quando uma criança entra num guarda-roupas que a leva ao mundo mágico de Nárnia: algo simples ao homem que se torna im-possível de ser descrito  se não for experimentado, ou seja, ele está desafi-ando os seus leitores a considerem suas vidas como algo mais do que o existir e a experimentarem novas oportunidades.
Uma outra criança acaba traindo o Leão Aslam, Filho do Grande Im-perador de Além Mar, e a feiticeira exige que ela seja sacrificada, em cum-primento da lei e para que uma profecia contra ela não possa ser cumprida. Aslam, para manter a lei, resolve se entregar para a morrer no lugar da cri-ança.
As figuras utilizadas nas suas obras são aparentemente incompatíveis com o cristianismo, extraídas do paganismo. Assim entramos num mundo imaginário forjando seres distintos dos reais: centauros, gnomos, bruxas, le-ões,  magos, faunos e uma infinidade de criaturas maravilhosas. Logica-mente no fragmento citado mais a frente só veremos criaturas más, mas elas possuem o correspondente do lado do bem. É quando ninguém mais acre-dita nestas fantasias que ele utiliza desse  material para o  reelaborar e colo-cá-lo a disposição dos leitores cansados do cotidiano.  De certa forma, Lewis usa dos menos artifícios de  Cervantes, o sonho, a loucura e a fala dos animais, para expressar as suas idéias. Logicamente ele não tem os proble-mas que Camões teve para publicar  Os Lusíadas.
Vejamos como é narrada a parte mais marcante de sua obra O leão, a feiticeira e o guarda-roupas. Usamos uma versão em língua portuguesa  traduzida por Paulo Mendes Campos, editora Martins Fontes (páginas 143-156):
No extremo oposto do acampamento, onde começavam as primeiras árvores, o Leão dirigia-se lentamente para o bosque. Sem trocar palavra, elas foram atrás.
Aslam afastou-se do vale e continuou a andar. Parecia seguir o mes-mo caminho que tinham percorrido durante o dia, quando vieram da Mesa de Pedra. Foi seguindo sempre, levando-as ora para lugares escuros ora para outros banhados de luar. Os pés das meninas estavam úmidos de orvalho. Aslam tinha uma aparência diferente. Cabeça baixa, cauda caída, caminhava devagar, como se estivesse muito cansado. Ao atravessarem uma clareira, onde não havia sombras nas quais pudessem esconder-se, as meninas viram-no parar e olhar em volta. Não adiantava fugir, então elas foram ao seu en-contro.
- Crianças, por que estão me seguindo?
- Não conseguimos dormir – disse Lúcia, sentindo que não era preci-so dizer mais nada.
- Por favor, deixe-nos ir com você, a qualquer lugar... – implorou Susana.
- Bem... – E Aslam pareceu refletir. – Vou gostar de ter amigos esta noite. Podem vir... desde que me prometam para quando eu lhes disser, e me deixem depois continuar sozinho.
- Obrigada, muito... Prometemos!
 A marcha prosseguiu: o Leão entre as duas meninas. Como andava devagar! A grande cabeça real ia tão baixa que o nariz quase roçava a relva. A certa altura tropeçou e deixou escapar um gemido.
- Aslam! Aslam querido! – disse Lúcia. – O que há? Por que não nos diz o que tem?
- Está doente, Aslam querido? Perguntou Susana.
- Não. Estou triste. Estou só. Ponham as mãos na minha juba, para que eu sinta que vocês estão aqui, e caminhemos assim.
Foi assim que as meninas fizeram o que, sem licença dele, jamais teri-am tido coragem de fazer; ainda que o desejassem ardentemente, desde o primeiro instante em que o viram... Enfiaram as mãos frias na juba farta, aca-riciando-a, e foram andando ao lado dele.
Repararam que subiam a encosta do monte sobre o qual estava a Mesa de Pedra. Chegaram a última árvore antes da clareira. Aslam parou e disse:
- Crianças, vocês ficam aqui. Aconteça o que acontecer, fiquem bem escondidas. Adeus!
As duas meninas choraram copiaosamente (embora mal soubessem o motivo), agarraram-se no Leão, deram-lhe beijos na juba, no nariz, nas pa-tas, nos grandes olhos tristes. Depois, ele se afastou e foi sozinho para o alto da colina. Escondidas nas últimas moitas, Susana e Lúcia ficaram espiando.
Vou lhe contar o que elas viram.
Uma imensa multidão estava reunida em torno da Mesa de Pedra. Embora o luar clareasse tudo, muitos traziam tochas, que ardiam com sinis-tras chamas vermelhas e fumo negro.
Que bicharada! Ogres de dentes monstruosos! Lobos! Homens com cabeças de touro! Espíritos de árvores más e de plantas venenosas! Não falo de outros seres porque, se fizesse isso, as pessoas adultas não o deixariam ler este livro: vulpinos, bruxas, íncubos, fúrias, horrores, espectros, sátiros, lobisomens... Estavam ali todos os que eram do partido da feiticeira, convo-cados pelo lobo. No centro, em pé junto da mesa, estava a própria feiticeira.
No momento em que viram o enorme Leão dirigir-se para elas,  aquelas criaturas soltavam uivos e grunhidos de terror. Até a feiticeira pare-ceu por um instante paralisada de medo. Mas dominou-se e deu uma selva-gem gargalhada.
- O louco! O louco está chegando! Amarrem bem o louco!
Lúcia e Susana pararam de respirar, aguardando o rugido de Aslam e o ataque ao inimigo. Mas nada! Quatro bruxas, rindo zombeteiras (a princí-pio, a uma certa distância, receosas de cumprir sua missão), aproximaram-se dele.
- Amarrem o louco, já disse!
As bruxas correram para ele com um uivo de triunfo, ao verem que não oferecia resistência. Anões e macacos malignos chegaram de todos os lados para ajudá-las. Deitaram o Leão de costas. Amarraram-lhe as quatro patas, gritando e dando vivas, como se tivessem cometido um ato de bravu-ra. Claro que, se o Leão quisesse, uma patada seria a morte para eles. Mas ficou quieto, mesmo quando os inimigos  rasgaram a sua carne de tanto esti-carem as cordas. Depois, começaram a arrastá-lo para o centro da mesa.
- Alto! – disse a feiticeira. – Primeiro, cortem-lhe a juba!
Uma gargalhada mesquinha ressoou quando um ogre, de tesoura na mão, avançou e se pôs de cócoras junto da cabeça do leão. Zip, zip, zip – a tesoura rangia, e montes de caracóis dourados tombavam ao chão. O ogre afastou-se, e, do esconderijo, as meninas puderam ver o rosto de Aslam, pe-quenino e tão diferente sem a juba! Os inimigos também notaram isso:
- Vejam: não passa de um gatão!
- E é disso que a gente tinha medo?
Rodearam Aslam, zombando dele a valer:
- Miau! Miau! Coitadinho do bichano! Quantos camundongos você papou hoje? Quer um pires de leite, bichinho?
- Que audácia! – disse Lúcia, com lágrimas correndo pelo rosto. – Perversos! Malvados!
Passada a primeira impressão, a cara tosquiada de Aslam parecia-lhe ainda mais valente, mais bela e mais resignada do que nunca.
- Amordacem-no! – gritou a feiticeira. Mesmo agora, quando pu-nham a focinheira, uma dentada dele bastaria para decepar, pelo menos, as mãos de dois ou três. Ao vê-lo, rodeado como estava por aquela horda in-fernal, que lhe batia, dava pontapés, cuspia-lhe em cima, insultava-o.
Por fim a turba ficou cansada. E o Leão, amarrado e amordaçado, foi arrastado para a Mesa de Pedra, puxado por uns, empurrado por outros. Era tão grande que, mesmo depois de o terem arrastado até lá, só com o esforço de todos foi possível içá-lo e colocá-lo em cima da mesa. Depois, amarra-ram-no e apertaram-lhe outra vez as cordas.
- Covardes! Covardões! – soluçava  Susana. – Será possível que ain-da tenham medo dele?
Logo que acabaram de amarrar Aslam à Mesa de Pedra (mas tão amarrado que mais parecia um novelo), fez-se silêncio. Quatro bruxas, aos quatro cantos da mesa, erguiam seus fachos. A feiticeira desnudou os bra-ços, como fizera na noite anterior com Edmundo. Depois, começou a afiar o facão. Quando o brilho do facho caiu sobre ele, Susana e Lúcia acharam que o facão era de pedra e não de aço, e tinha uma forma esquisita e nada agra-dável.
Por fim a feiticeira aproximou-se. Parou junto da cabeça do Leão. Seu rosto vibrava e contorcia-se de ódio. O dele, sempre calmo, olhava para o céu, com uma expressão que não era nem de ira, nem de medo, um pouco triste apenas. Um momento antes de desferir o golpe, a feiticeira inclinou-se e disse, vibrando com a voz:
- Quem venceu, afinal? Louco! Pensava com isso poder redimir a traição da criatura humana?! Vou matá-lo, no lugar do humano, como com-binamos, para sossegar a Magia Profunda. Mas, quando estiver morto, po-derei matá-lo também. Quem me impedirá? Quem poderá arrancá-lo de mi-nhas mãos? Compreenda que você me entregou Nárnia para sempre, que perdeu a própria vida sem ter salvo a vida da criatura humana. Consciente disso, desespere e morra.
As meninas não chegaram a ver exatamente este último momento. Tinham tapado os olhos.
Ainda cobrindo o rosto com as mãos, as meninas ouviram a voz da feiticeira:
- Sigam-me todos e acabemos com o que resta da batalha. Não será difícil esmagar o verme humano e os traidores, agora que o grande louco, o gatão, está morto.
As meninas passaram por grande perigo. Pois, com gritos selvagens e som de trombetas, aquele restolho da criação partiu em disparada do alto da colina para a encosta, passando rente pelo esconderijo. Os espectros foram como um vento gelado; o chão tremeu com o galope dos minotauros. Esvo-açou sobre as cabeças das duas garotas uma grande mancha imunda de abu-tres e morcegos gigantes. Em outras situação, teriam tremido de medo, mas agora tinham a alma tão cheia de tristeza, vergonha e horror pela morte de Aslam que nem tempo tiveram de ter  medo.
Quando tudo se acalmou, Susana  e Lúcia foram para o alto desco-berto da colina. Ainda possível distinguir, apesar das nuvens delicadas que ocultavam a lua, o vulto do Leão, que jazia morto nos grilhões. Ambas se ajoelharam na relva molhada, beijaram o rosto frio de Aslam, acariciaram seu pêlo – o que ainda restava dele – e choraram amargamente, até que não puderam mais. Olhando uma para a outra, deram-se as mãos, por que se sentiam sós, e choraram de novo. Depois voltaram a calar-se. Lúcia disse, por fim:
- Não suporto vê-lo com esta horrível mordaça. Conseguiremos ar-rancá-la?
Tentaram. Depois de muito esforço (tinham  os dedos gelados e es-tava muito escuro) conseguiram. E ao verem o rosto de Aslam sem a foci-nheira, desandaram a chorar outra vez. E beijos. E carícias. Limpararam-lhe o melhor que puderam o sangue e a espuma. Não tenho nem palavras para lhe contar a solidão, o desespero, a desolação daquele momento.
- Será que conseguiremos também desamarrá-lo? – perguntou Susa-na. Mas os inimigos, só de maldade, tinham apertado tanto as cordas, que as meninas não puderam desfazer os nós.
Espero que ninguém que esteja lendo esta história alguma vez na vida tenha sido tão infeliz quanto Susana e Lúcia naquela noite. Mas se você sabe o que é isso, se já passou a noite toda acordado e chorou até acabarem as lágrimas... Então sabe que, no fim, desce sobre a gente uma grande calma. Chegamos até a ter a sensação de que nada mais nos poderá acontecer.
Pelo menos, foi isso o que as duas meninas sentiram. Passaram horas naquela calma absoluta, e nem notaram que estavam ficando regeladas. Mas Lúcia reparou em duas coisas: uma era que o céu sobre a colina estava muito mais claro do que antes, e a outra era que um movimento quase im-perceptível percorria a relva a seus pés. A princípio não se importou: já nada importava agora. Mas viu que algo começava a subir pelas pedras verticais que sustentavam a Mesa de Pedra. Qualquer coisa andava agora de um lado paro outro sobre o corpo de Aslam. Chegou um pouquinho mais perto, eram umas coisinhas cinzetas.
- Que horror! – exclamou Susana. – Só faltavam estes ratos horren-dos!  Monstros! Sumam daqui! – E ergueu as mãos para assustá-los.
- Espere! – disse Lúcia, que os observara com mais atenção. – Repa-re no que estão fazendo.
Ficaram a olhar, inclinadas.
- Parece que... Mas que coisa estranha! Estão roendo as cordas!
- Exatamente! Estes ratinhos são boa gente, coitadinhos... não perce-bem que ele está morto. Acham que ainda podem fazer alguma coisa.
Estava bem mais claro agora, e cada uma reparou na palidez da ou-tra, enquanto continuavam a observar os ratos a roer as cordas, dezenas, centenas mesmo, de ratinhos de campo. Por fim, uma a uma, as cordas todas estavam roídas.
O céu estava esbranquiçado no oriente e as estrelas empalideciam também. Menos uma muito grande, perto da linha do horizonte. O frio eram mais intenso do que nunca. E os ratinhos desapareceram.
As meninas afastaram o que restava das cordas roídas. Sem elas, As-lam parecia outro. Seu rosto, com a luz progressiva, assumia expressão mais nobre.
No bosque, atrás delas, um passarinho fez um ensaio de gorjeio. Du-rante horas a fio, o silêncio tinha sido tão completo que elas se assustaram. Depois, outro pássaro respondeu. Daí a pouco as aves cantava em toda parte.
Já era a madrugada.
- Estou morrendo de frio, Susana.
- Eu também. E se a gente andasse um pouquinho?
Foram as extremo da colina e olharam para baixo. A grande estrela solitária desaparecera. Toda a paisagem da terra tinha um ar cinzento-escuro; mas, para além, muito longe, lá no fim do mundo, o mar brilhava, pálido. Havia  tons róseos no céu. Andaram para lá e para cá, inúmeras ve-zes, do corpo morto de Aslam ao sopé da colina. Em certo momento, fica-ram imóveis a olhar para o mar e para o castelo de Cair Paravel, que só ago-ra começaram a distinguir. E enquanto ali estavam, no lugar em que a terra se acaba i o mar começa, o vermelho tornou-se dourado, e o Sol começou a surgir devagarinho. Foi quando ouviram um grande barulho, um barulho en-surdecedor de uma coisa que estala, como se um gigante acabasse de que-brar um prato gigantesco.
- Que barulho foi esse? – disse Lúcia, agarrando-se ao braço de Su-sana.
- Não sei. Estou com medo... estou com medo de olhar...
- Devem ter voltado... Vamos olhar! – E Lúcia  virou-se, obrigando Susana a fazer o mesmo.
O sol dera a tudo uma aparência tão diferente, alterando de tal ma-neira as cores e as sombras, que por um momento não repararam na coisa de fato importante. Até que viram. A Mesa de Pedra estava partida em duas por uma grande fenda, que ia de lado a lado. E de Aslam, nem sombra.
- Oh! Oh! Oh! – gritaram as meninas, correndo para a mesa.
- Isso é demais! Podiam ao menos ter deixado o corpo em paz.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! – disse uma voz forte, pertinho delas. – Ainda é magia.
Olharam. Iluminado pelo Sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba (pelo visto, tinha voltado a crescer).
- Aslam! Aslam! – exclamaram as meninas, espantadas, a olhar para ele, ao mesmo tempo assustadas e felizes.
- Você não está morto?
- Agora, não.
- Mas você não é... um... um...? – Susana trêmula, não teve a cora-gem de usar a palavra “fantasma”.
Aslam abaixou a cabeça dourada e lambeu-lhe a testa. O calor de seu bafo era de criatura viva.
- Pareço um fantasma?
- Não! Você está vivo! Oh, Aslam! – gritou Lúcia, e as duas meninas atiraram-se sobre ele com mil beijos.

Vejamos o que o Novo Testamento diz a respeito de Jesus:
Tendo Jesus dito isso, saiu com os seus discípulos para além do ribei-ro de Cedrom, onde havia um horto, no qual ele entrou com os seus discí-pulos.   E Judas, que o traía, também conhecia aquele lugar, porque Jesus muitas vezes se ajuntava ali com os seus discípulos.   Tendo, pois, Judas re-cebido a corte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, veio para ali com lanternas, e archotes, e armas.   Sabendo, pois, Jesus todas as coisas que sobre ele haviam de vir, adiantou-se e disse-lhes: A quem buscais?   Responderam-lhe: A Jesus, o Nazareno. Disse-lhes Jesus: Sou eu. E Judas, que o traía, estava também com eles.   Quando, pois, lhes disse: Sou eu, re-cuaram e caíram por terra.   Tornou-lhes, pois, a perguntar: A quem bus-cais? E eles disseram: A Jesus, o Nazareno.   Jesus respondeu: Já vos disse que sou eu; se, pois me buscais a mim, deixai ir estes,   para se cumprir a palavra que tinha dito: Dos que me deste nenhum deles perdi.   Então, Si-mão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a e feriu o servo do sumo sa-cerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco.   Mas Jesus disse a Pedro: Mete a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?
Então, a coorte, e o tribuno, e os servos dos judeus prenderam a Jesus, e o manietaram,   e conduziram-no primeiramente a Anás, por ser so-gro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano.   Ora, Caifás era quem tinha aconselhado aos judeus que convinha que um homem morresse pelo povo.   E Simão Pedro e outro discípulo seguiam a Jesus. E este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus na sala do sumo sa-cerdote.   E Pedro estava da parte de fora, à porta. Saiu, então, o outro dis-cípulo que era conhecido do sumo sacerdote e falou à porteira, levando Pe-dro para dentro.   Então, a porteira disse a Pedro: Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele: Não sou.   Ora, estavam ali os servos e os criados, que tinham feito brasas, e se aquentavam, porque fazia frio; e com eles estava Pedro, aquentando-se também.   E o sumo sacerdote inter-rogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina.   Jesus lhe respon-deu: Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se ajuntam, e nada disse em oculto.   Para que me perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles sabem o que eu lhes tenho dito.   E, tendo dito isso, um dos criados que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: Assim respondes ao sumo sacerdote?   Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, porque me feres?   Anás mandou-o, manietado, ao sumo sacer-dote Caifás.   E Simão Pedro estava ali e aquentava-se. Disseram-lhe, pois: Não és também tu um dos seus discípulos? Ele negou e disse: Não sou.   E um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: Não te vi eu no horto com ele?   E Pedro negou outra vez, e logo o galo cantou.
Depois, levaram Jesus da casa de Caifás para a audiência. E era pela manhã cedo. E não entraram na audiência, para não se contaminarem e po-derem comer a Páscoa.   Então, Pilatos saiu e disse-lhes: Que acusação tra-zeis contra este homem?   Responderam e disseram-lhe: Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos.   Disse-lhes, pois, Pilatos: Levai-o vós e julgai-o segundo a vossa lei. Disseram-lhe, então, os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma.   (Para que se cumprisse a palavra que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer.)   Tornou, pois, a en-trar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e disse-lhe: Tu és o rei dos ju-deus?   Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo ou disseram-to ou-tros de mim?   Pilatos respondeu: Porventura, sou eu judeu? A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste?   Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino não é daqui.   Disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da ver-dade ouve a minha voz.   Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isso, voltou até os judeus e disse-lhes: Não acho nele crime algum.   Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém por ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus?   Então, todos voltaram a gri-tar, dizendo: Este não, mas Barrabás! E Barrabás era um salteador.
Pilatos, pois, tomou, então, a Jesus e o açoitou.   E os soldados, te-cendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça e lhe vestiram uma veste de púrpura.   E diziam: Salve, rei dos judeus! E davam-lhe bofe-tadas.   Então, Pilatos saiu outra vez fora e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum.   Saiu, pois, Jesus, le-vando a coroa de espinhos e a veste de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem.   Vendo-o, pois, os principais dos sacerdotes e os servos, gritaram, dizendo: Crucifica-o! Crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós e crucificai-o, porque eu nenhum crime acho nele.   Responderam-lhe os ju-deus: Nós temos uma lei, e, segundo a nossa lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus.
E Pilatos, quando ouviu essa palavra, mais atemorizado ficou.   E entrou outra vez na audiência e disse a Jesus: De onde és tu? Mas Jesus não lhe deu resposta.   Disse-lhe, pois, Pilatos: Não me falas a mim? Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?   Respon-deu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem.   Desde então, Pilatos procurava soltá-lo; mas os judeus gritavam, dizendo: Se soltas este, não és amigo do César! Qualquer que se faz rei é contra o César!   Ouvindo, pois, Pilatos esse dito, levou Jesus para fora e assentou-se no tribunal, no lugar chamado Litóstrotos, e em hebraico o nome é Gabatá.   E era a preparação da Páscoa e quase à hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso rei.   Mas eles bradaram: Tira! Tira! Crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Hei de cruci-ficar o vosso rei? Responderam os principais dos sacerdotes: Não temos rei, senão o César.   Então, entregou-lho, para que fosse crucificado. E tomaram a Jesus e o levaram.   E, levando ele às costas a sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, que em hebraico se chama Gólgota,   onde o crucifica-ram, e, com ele, outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio.   E Pilatos escreveu também um título e pô-lo em cima da cruz; e nele estava escrito: JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS.   E muitos dos judeus leram este título, porque o lugar onde Jesus estava crucificado era próximo da cidade; e estava escrito em hebraico, grego e latim.   Diziam, pois, os principais sa-cerdotes dos judeus a Pilatos: Não escrevas, Rei dos judeus, mas que ele disse: Sou Rei dos judeus.   Respondeu Pilatos: O que escrevi escrevi.   Tendo, pois, os soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas vestes e fize-ram quatro partes, para cada soldado uma parte, e também a túnica. A túni-ca, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura.   Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será. Isso foi assim para que se cumprisse a Escritura, que diz: Di-vidiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. Os soldados, pois, fizeram essas coisas.   E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena.   Ora, Jesus, vendo ali sua mãe e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho.   Depois, disse ao discí-pulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa.   Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede.   Estava, pois, ali um vaso cheio de vinagre. E encheram de vinagre uma esponja e, pondo-a num hissopo, lha chegaram à boca.   E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consuma-do. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados.   Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado.   Mas, vindo a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas.   Contudo, um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.   E aquele que o viu testificou, e o seu testemunho é verdadeiro, e sabe que é verdade o que diz, para que também vós o creiais.   Porque isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado.   E outra vez diz a Escritura: Verão aquele que traspassaram.
Depois disso, José de Arimatéia (o que era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o cor-po de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então, foi e tirou o corpo de Jesus.   E foi também Nicodemos (aquele que, anteriormente, se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem libras de um composto de mirra e aloés.   Toma-ram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com as especiarias, como os judeus costumam fazer na preparação para o sepulcro.   E havia um horto naquele lugar onde fora crucificado e, no horto, um sepulcro novo, em que ainda ninguém havia sido posto.   Ali, pois (por causa da preparação dos judeus e por estar perto aquele sepulcro), puseram a Jesus.
E, no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro.   Correu, pois, e foi a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava e disse-lhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram.   En-tão, Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao sepulcro.   E os dois corri-am juntos, mas o outro discípulo correu mais apressadamente do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.   E, abaixando-se, viu no chão os lençóis; todavia, não entrou.   Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis   e que o lenço que tinha estado sobre a sua cabeça não estava com os lençóis, mas enrolado, num lugar à parte.   Então, entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu.   Porque ainda não sabiam a Escritura, que diz que era neces-sário que ressuscitasse dos mortos.   Tornaram, pois, os discípulos para casa.
E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro. Estando ela, pois, chorando, abaixou-se para o sepulcro   e viu dois anjos vestidos de branco, assentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés.   E disseram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela lhes disse: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.   E, tendo dito isso, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus.   Disse-lhe Jesus: Mu-lher, por que choras? Quem buscas? Ela, cuidando que era o hortelão, disse-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.   Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni (que quer dizer Mes-tre)!   Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.   Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos que vira o Senhor e que ele lhe dissera isso.
(João 18:1-21:18  Edição de João Ferreira de Almeida - Revista e Corrigida, 1998)

O leão na Bíblia é o símbolo de Deus, ou de seu Filho, Jesus Cristo. Note com C.S. Lewis conta novamente o episódio da Paixão para seu públi-co infanto-juvenil. Apesar das crianças serem o alvo desta obra, sua aborda-gem  e valores (vida e morte, bem e mal e outros) atingem em cheio o ho-mem moderno.
Alguns fatos só podem ser percebidos à luz dos outros evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, como os discípulos acompanhado a Jesus, como as crianças fizeram com Aslam. Mas como nosso espaço é muito pequeno não poderemos citar.
Após a sua morte e ressurreição a Mesa de Pedra é partida em duas, quebrada, ou seja, é uma alusão ao véu do santuário judaico, que foi rasga-do por ocasião da morte de Jesus, representando o acesso de qualquer pes-soa a sua presença, não só o sacerdote.
Não acreditamos que tudo nesta obra seja proposital, como o próprio Lewis afirmou certa vez, mas é a representação da mais pura fantasia do universo infantil e de sua experiência com a fé cristã.
Quem quiser saber um pouco mais sobre a vida de Lewis pode adqui-rir seus livros pela internet em diversas línguas, ou procurar em português nas mais diversas livrarias, ou mesmo assistir ao filme Terra das Sombras (Shadowlands, distribuído pela Warner Home Vídeo), que trata de um frag-mento de sua vida.