DOCUMENTOS NOTARIAIS DA COMARCA DE SANTO AMARO DA  PURIFICAÇÃO RELATIVOS À COMPRA E VENDA DE ESCRAVOS: EDIÇÃO DIPLOMÁTICO-INTERPRETATIVA.

Mônica Pedreira de Souza (UFBA)

1  INTRODUÇÃO

Trata-se de documentos não literários de uma das coleções do Acervo de Manuscritos Baianos: a Coleção Santo Amaro. Somam um total de 3.084 documentos tombados.
Integrantes hoje do Acervo de Manuscritos Baianos, encontram-se sob a guarda do Departamento de Fundamentos para o Estudo das Letras, aos cuidados do Setor de Filologia Românica, desde 1975. Não foi possível traçar o itinerário desses documentos até o momento de sua guarda no Setor de Filologia Românica.
Os documentos estão separados em dez maços. Encontravam-se no depósito do Instituto de Letras, de maneira precária. Em 1976, a Prof.ª Albertina Ribeiro da Gama apresentou o projeto de pesquisa Leitura e Classificação de Manuscritos dos Séculos XVIII e XIX, aprovado pelo Departamento de Fundamentos para o Estudo das Letras.
Os documentos limpos e separados, foram classificados cronologicamente e identificados. Numa primeira etapa (1979-1983) fizeram-se a identificação e a classificação dos documentos notariais, datados desde princípios do século XVIII (1726) até o século XIX (embora se tenham encontrado documentos datados do século XX, a última data registrada sendo 1940) da Comarca de Santo Amaro da Purificação. Com a identificação dos documentos foi possível distinguir os autógrafos e apógrafos. Na Coleção Santo Amaro acham-se documentos notariais relativos a artigos, traslados, cartas, certidões, pagamentos, citações etc. Posterior-mente fez-se o catálogo cronológico, segundo os períodos históricos abaixo :
1. Brasil Colônia: até 1763
2. Brasil Colônia: 1763-1808
3. Brasil Vice-Reino: 1808-1912
4. Brasil Primeiro Império: 1822-1840
5. Brasil Segundo Império: 1840-1889
6. Brasil República: a partir  de 1889
Acrescentando-se, ainda, três séries relativas a:
1. dez documentos sem data
2. doze documentos não identificados
3. dois fragmentos
A atenção dada aos documentos relativos aos escravos surgiu por ocasião de bolsa de monitoria entre junho de1993 - julho de1995. Com o ingresso no Curso de Mestrado em Letras, deu-se início a uma leitura diplomático-interpretativa dos documentos, mostrando-se a escrita da época e os documentos na sua forma original, sobretudo por se tratar de documentos pertinentes aos séculos XVIII e XIX, explicando-os, eliminando as dificuldades de natureza paleográfica suscitadas pela escrita, melhorando e facilitando a leitura do texto, com a divisão de palavras, desdobramento de abreviaturas do original, preparando-os para a edição. Fazer-se-á, ainda, um estudo lexical de alguns termos, em especial os aspectos jurídicos pertinentes à época dos documentos. Pretende-se dar aos documentos selecionados condições de leitura, deixando claros para o leitor os termos utilizados, visando estudos posteriores.

2  DOCUMENTOS RELATIVOS À ESCRAVOS
Baseando-se em leituras que abrangem  o processo de escravidão de  uma forma geral, levantar-se-ão alguns aspectos históricos, tais como o processo escravista, sobretudo no Brasil, para subsidiar o estudo do léxico. Pretende-se mostrar com este trabalho a riqueza dos documentos notariais da Comarca de Santo Amaro da Purificação, sobretudo os que correspondem aos escravos, dando ênfase à escrita e à língua da época e para isso serão utilizados os recursos da Crítica Textual, mais propriamente da edição diplomático-interpretativa.
A partir dos resultados obtidos determinar-se-á o corpus lexical, tais como nomes de escravos e ações judiciais, visando, sobretudo, a dar ao leitor a oportunidade de maior compreensão de determinados conceitos.
Tentar-se-á, na medida do possível, determinar o elemento responsável pela libertação de alguns escravos antes das leis que a determinava: Lei do Ventre Livre, Lei do Sexagenário e a Lei Áurea. Fazem-se considerações  sobre os motivos de compra e venda de escravos: bens móveis, escravos hipotecados, dívidas contraídas, idade avançada e não produtivos.

3  A EDIÇÃO DO TEXTO
A edição diplomática tem como objeto de estudo o documento público e privado, restringindo-se ao estudo dos documentos de chancelaria, documentos históricos-jurídicos  régios, pontifícios, consulares. Theodor Sickel, o fundador da diplomática moderna, definia o documento diplomático, no seu sentido específico, como “um testemunho escrito de um fato de natureza jurídica, coligido com a observância de certas formas determinadas, destinadas a conferir-lhe fé e dar-lhe força de prova”.
Tem a diplomática como objeto de estudo, todos os caracteres externos do documento: a matéria escriptória, os instrumentos gráficos, as tintas, os selos, as bulas, os timbres, inclusive a letra, a linguagem, as fórmulas, visando com isso a determinar o grau de autenticidade do documento.

3.1 EDIÇÃO DIPLOMÁTICO-INTERPRETATIVA
“A transcrição puramente diplomática já constitui uma forma de interpretação do original, pois elimina as dificuldades de natureza Paleográfica suscitadas pela escritura; a transcrição diplomática-interpretativa (ou semidiplomática) vai mais longe na interpretação do original, pois já representa uma tentativa de melhoramento do texto, com a divisão das palavras, o desdobramento de abreviaturas (trazendo as letras que não figuram no original, colocadas entre parênteses) e às vezes até com a pontuação.”

4 NORMAS TÉCNICAS PARA TRANSCRIÇÃO E EDIÇÃO DE DOCUMENTOS MANUSCRITOS
Baseando-se nas normas aprovadas e que vigoram desde 1993, dar-se-á aos documentos os seguintes critérios:
01 O texto será apresentado em paralelo ao aparato
02 Separar-se-ão as palavras grafadas unidas indevidamente e serão unidas as sílabas ou letras grafadas separadamente.
03 Grafar-se-ão as letras na forma usual, independentemente de seu valor fonético.
04 Reproduzir-se-ão os número romanos de acordo com a forma da época.
05 Assinalar-se-ão os enganos, omissões, repetições e truncamentos, que comprometem a compreensão do texto no aparato.
06 Desenvolver-se-ão as abreviaturas não correntes, com os acréscimos em grifo.
07 Manter-se-á o sinal de nasalização ou til, com valor de m e n.
08 Manter-se-á a acentuação conforme o original.
09 Manter-se-á a pontuação original.
10 Manter-se-á a grafia na íntegra, não se efetuando quaisquer correções gramaticais.
11 Manter-se-ão fólio a fólio as repetições que ocorrem no fólio seguinte, pois esta técnica servia exatamente para evitar interpolações de fólio, fraudes e extravio do mesmo.
12 Utilizar-se-ão os colchetes, [ ], para as palavras que se apresentam parcial ou totalmente ilegíveis.
13 Colocar-se-á uma interrogação entre colchetes: [?], quando a leitura paleográfica de uma palavra for duvidosa.
14 Indicar-se-ão as palavras ilegíveis, informando-as entre colchetes e grifada : [ilegível].
15 Indicar-se-ão as linhas ou palavras danificadas em decorrência de rasura, de mancha de tinta, umidade, rasgaduras ou corroídas por insetos ou animais, por exemplo, pela expressão corroídas entre colchetes e grifada e com a menção da extensão da rasura:        [corroídas ? 6 linhas].
16 Far-se-á a inserção dos elementos textuais interlineares ou marginais autógrafos que      complementam o escrito: com o auxílio dos sinais [? margem acima ] [?margem abaixo] [? margem direita] [? margem esquerda].
17 Manter-se-ão as  notas marginais, não inseríveis, em seu lugar ou em seqüência ao texto principal com a indicação: à margem direita ou à margem esquerda.
18 Transcrever-se-ão as assinaturas em raso ou rubricas em grifo.
19 Indicar-se-ão os sinais públicos entre colchetes e em grifo: [sinal público].
20 Transcrever-se-ão os caracteres impressos que aparecem em documentos mistos recentes em negrito. Incluem-se aqui os formulários, timbres, fichas-padrão, carimbos, siglas etc.
21 Indicar-se-ão os selos , sinetes, lacres, chancelas, estampilhas, papéis selados, desenhos de acordo com a sua natureza entre colchetes e grifado: [estampilha].
22 Transcrever-se-ão o texto e o valor das estampilhas dentro de colchetes e em grifo: [estampilhas, 200 rs.].
23 Fazer-se-á o uso de um sumário, antecedendo cada texto, composto de: datação, tombamento e resumo de conteúdo.
24 Indicar-se-á a notação ou cota do documento para fins de localização no Acervo de manuscritos Baianos.
25 Indicar-se-á a característica de o documento ser original, apógrafo, segunda via, etc.
26 Transcrever-se-ão os documentos linha per linha.
27 Respeitar-se-á a divisão paragráfica do manuscrito.
28 Numerar-se-ão as páginas de acordo com o manuscrito, indicando-se sempre a mudança de cada uma, entre colchetes e no meio do texto, incluindo-se o recto e o verso: [f º 3rº], [f º 3vº].
5.28 Numerar-se-ão os fólios e os números acrescentados vindos entre colchetes: [fº 4rº], [fº 4vº]
 

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