EMPRÉSTIMO SEMÂNTICO, DECALQUE E RETROVERSÃO: BREVE ESTUDO TIPOLÓGICO DO EMPRÉSTIMO LINGÜÍSTICO
Vito César de Oliveira Manzolillo (UFRJ)
1. O EMPRÉSTIMO LINGÜÍSTICO E SUA DEFINIÇÃO: UM ITEM PRELIMINAR
O léxico de qualquer língua viva inevitavelmente precisa
acolher novos elementos ao longo do tempo. Trata-se de uma resposta
ao esforço constante feito pelo sistema – na figura de seus
falantes – no sentido de conseguir acompanhar a cultura que exprime.
Essa necessidade pode ser satisfeita, dentre outras maneiras , pela
adoção de palavras pertencentes a outros idiomas, configurando
um caso de empréstimo.
O termo é bastante conhecido em outras áreas do saber
humano, por exemplo, na economia. Mas, do ponto de vista lingüístico,
o que poderá significar?
Antes de responder a essa pergunta, é preciso dizer que tal
denominação, não obstante estar amplamente difundida,
não é aceita sem reservas por alguns autores.
Ressaltando seu caráter eufemístico, ALI (1957:186-7)
lembra que as palavras emprestadas jamais são devolvidas, a não
ser com outro empréstimo. ILARI (1992:149), por seu turno,
afirma que “embora pouco exata, a expressão “empréstimo lingüístico”
consagrou-se na maioria das línguas modernas”, enquanto ROBINS (1977:323)
fala em “metáfora um tanto inadequada” e MELO (1981:150) diz que
relativamente aos empréstimos lingüísticos não
se cobram dívidas.
DEROY (1956:18) também concorda ser impreciso chamar de “empréstimo”
um elemento em relação ao qual seu novo usuário não
tem obrigação ou intenção de devolver algum
dia. JESPERSEN (1949:208, nota 1), mesmo empregando as expressões
loan-words e borrowed words, não deixa de destacar a impropriedade
semântica denotada por elas, pois, como normalmente sucede nos casos
envolvendo objetos ou dinheiro, o falante da língua doadora não
fica privado de usar o elemento cedido. Além disso, não
existe nenhuma expectativa de devolução envolvida nesse caso,
sendo o empréstimo – para o Autor, nada mais do que um ato de imitação
– realizado, não raro, independentemente da vontade dos usuários
da língua exportadora.
Polêmicas relativas à nomenclatura à parte, discorre-se
sobre algo cuja ocorrência “não constitui apanágio
exclusivo dos tempos modernos” (DUBOIS et alii, S/D:210), que ilustra,
seguramente, uma das formas mais simples pela qual um idioma exerce influência
sobre outro.
Na busca de uma definição precisa, é possível
recorrer uma vez mais a DUBOIS et alii (p. 209), para quem, “há
empréstimo lingüístico quando um falar A usa e acaba
por integrar uma unidade ou um traço lingüístico que
existia precedentemente num falar B e que A não possuía;
a unidade ou o traço emprestado são, por sua vez, chamados
de empréstimos.”
Já CAMARA Jr. (1977:76), baseado em Bloomfield, conceitua esse
fenômeno lingüístico como “intromissão de um elemento
de sistema estanho no sistema considerado”, devendo a noção
de sistema estranho ser entendida da foram mais ampla possível,
isto é, levando-se em conta a existência de transferências
internas, verificadas entre diferentes regiões, camadas sociais
ou níveis de linguagem, além das feitas da língua
comum para as terminologias especiais ou vice-versa.
PISANI (S/D:55), por sua vez, define empréstimo como “uma forma
de expressão que uma comunidade lingüística recebe de
uma outra comunidade”, tomando a expressão comunidade lingüística
em sentido amplo, a exemplo do que faz Camara Jr. com sistema estranho.
Conforme as palavras dos autores anteriormente citados deixam entrever,
pode-se aplicar a idéia de empréstimo a outros componentes
lingüísticos que não o léxico. É
claro, entretanto, que somente ao nível vocabular ele aparecerá
amplamente.
Outros estudiosos consideram o empréstimo em um sentido mais
restrito. LÜDTKE (1974:22), por exemplo, não o admite
fora da esfera lexical. Também para ele, trata-se do fruto
de uma relação unilateral, na qual uma língua A cede
a outra língua B ou vice-versa, não havendo, simultaneamente,
cessão de A para B e de B para A.
ASSUMPÇÃO Jr. (1986:105) não fala em empréstimo,
mas em apropriação, isto é, a “aquisição
de signo ou de significado léxico próprio de outra língua”
, enquanto ROBINS (1977:324) define o termo como “aquelas palavras que
não estavam no vocabulário em um período e que nele
estão em um período subseqüente, sem terem sido construídas
pelo estoque léxico existente de uma língua ou inventadas
como criações inteiramente novas”.
2. DECALQUE OU TRADUÇÃO DO EMPRÉSTIMO
Na esfera lexical, encontram-se também modalidades de empréstimo,
por assim dizer, bastante sutis.
O chamado decalque ou tradução do empréstimo,
por exemplo, “consiste na aquisição de forma léxica
ou locução estrangeira, através da substituição,
por forma léxica vernácula, de significação
equivalente criada para esse fim” (ASSUMÇÃO Jr., 1986:109),
um recurso “especialmente usado quando se devem criar palavras para exprimir
um conceito novo chegado do exterior, e não se quer adotar a palavra
estrangeira” (PISANI, 1967:79).
Para alguns autores, este pode ser um gênero de empréstimo
bastante problemático. O próprio PISANI (S/D: 225)
afirma não compreender a atitude de alguns puristas, os quais, tentando
escapar de influências externas, recorrem ao decalque, não
percebendo, segundo ele, que “enquanto eliminam um elemento puramente exterior,
introduzem por meio do calco uma forma de pensamento bem mais perigosa
para a essência da língua nacional”.
Seja como for, trata-se esta de uma modalidade de empréstimo
camuflada, nem sempre reconhecível com facilidade, que constitui,
não raro, versão literal de um item léxico alógeno.
Funciona, por vezes, como mecanismo integrador de material lingüístico
estrangeiro, ao qual é possível recorrer quando as estratégias
tradicionais de adaptação não são, por algum
motivo, indicadas.
A língua exportadora representa modelo para a criação
com material vernáculo, o que pode se dar com ou sem alteração
na estrutura da língua receptora (cf. espaçonave e nave espacial,
a partir de spaceship – SANDMANN, 1992:23).
Relativamente ao português, os exemplos de decalque são
muitos, principalmente entre as palavras e lexias compostas, a maior parte
provinda do inglês: supermercado (supermarket), automação
(automation), estagflação (stagflation), introjeção
(introjection), alta tecnologia (high technology ou high tech, sua forma
reduzida), alta sociedade (high society),alta-fidelidade, (high-fidelity),
TV a cabo (cable TV), alto-falante (loudspeaker),
bola-ao-cesto (basket-ball), fibra de vidro (fiberglass), controle
remoto (remote control), alpinista social (social climber), ar condicionado
/ condicionador de ar (air conditioning / air conditioner), cachorro-quente
(hot dog), cortina de ferro (iron curtain), símbolo sexual (sex
symbol), cartão de crédito (credit card), fim de semana
(week end) , fora-da-lei (outlaw), primeira dama (first lady), máquina
do tempo (time machine), guerra fria (cold war), agente secreto (secret
agent), correio eletrônico (electronic mail ou e-mail, sua forma
reduzida), homem de negócios (businessman), goma de mascar
(chewing gum), ficção científica (science
fiction), livre-pensador (free-thinker); do francês vêm:
alta-costura (haute-couture), chefe de cozinha (chef de cuisine),
golpe de estado (coup d’état), novo-rico (noveau-rich), gentil-homem
(gentilhomme), tapa-sexo (cache-sexe),
pequeno-burguês (petit-burgeois), belas-artes
(beaux-arts), palavra de ordem (mot d’ordre), pára-brisa
(pare-brise), franco-atirador (franc-tireur),
social-democracia (social-démocratie),
velha-guarda (vieille gard), carta branca (carte blanche), dama de honra
(dame d’honneur), dama de companhia (dame de compagnie), minissaia
(minijupe ou mini-jupe), ponto de vista (point
de vue), sangue-frio (sang-froid),
porta-voz (porte-voix), pequeno almoço
(petit déjeuner ) e montanha-russa
(montagne russe, adaptação do alemão Rutschenberg,
“monte escorregadio”); do italiano: auto-estrada (autostrada) e couve-flor
(cavolfiore); do alemão: super-homem (Übermensch,
forma popularizada por Nietzsche) e
guerra-relâmpado (Blitzkrieg).
Fato comum é a existência de decalques análogos
em várias línguas. Assim, a forma anglo-americana skyscraper
encontra-se presente como tradução de empréstimo em
idiomas como francês (gratte-ciel), espanhol (rascacielos), italiano
(grattacielo), alemão (Wolkenkratzer, com “nuvens” em lugar de “céu”),
russo (skrebnica neba), além do
português (arranha-céu(s) ).
Nem sempre é fácil ou possível estabelecer a língua
de origem de determinada expressão que surge como decalque em outras,
pois, se o resultado final é visível, às vezes não
o é o processo que lhe propiciou o surgimento. Dessa forma, DEROY
(1956:223) prefere não determinar o ponto de partida da expressão
dente de siso, encontrada em idiomas tão diferentes quanto francês
(dent de sagesse), italiano (dente del giudizio), romeno (masea de minte)
e alemão (Weisheitszahn) ou russo (zub mudrosti), búlgaro
(madreci zabi – plural), húngaro (bölcseség foga) e
dinamarquês (visdomstand).
A existência de correspondentes idênticos ou quase idênticos,
muitas vezes presentes em diversas línguas, leva à suspeita
da existência de decalques também nos seguintes casos:
lua-de-mel (honeymoon, inglês; lune de miel, francês;
luna di miele, italiano e luna de miel, espanhol), palavra de honra (word
of honnour, inglês; parole d’honneur, francês;
parola d’onore, italiano e palabra de honor, espanhol), sexo frágil
(gentle sex, inglês; sexe faible, francês; sesso
debole, italiano e sexo débil, espanhol), lista negra (blacklist,
inglês; list noire, francês; lista nera, italiano
e lista negra, espanhol), conto de fadas (fairy tale, inglês;
conte de fées, francês e racconto di fate, italiano), papel
higiênico (papier hygiénique, francês; carta igienica,
italiano e papel higiénico, espanhol; conta-gotas (compte-gouttes,
francês; contagocce, italiano e cuentagotas, espanhol), ovelha
negra (black sheep, inglês, bête noire, francês, pecora
nera, italiano e oveja negra, espanhol), palavras cruzadas (crossword,
inglês; mots croisés, francês; parole crociate,
italiano e palabras cruzadas, espanhol), tênis de mesa (table tennis,
inglês; tennis de table, francês, tennis da tavolo, italiano
e tenis de mesa, espanhol), jogo de azar (jeu de hasard, francês;
gioco d’azzardo, italiano e juego de azar, espanhol), cartão postal
(post card, inglês; carte-postale, francês e tarjeta
postal, espanhol); passatempo (pastime, inglês; passe-temps,
francês, passatempo, italiano e pasatiempo,
espanhol), guarda-roupa (garde-robe, francês; guardaroba, italiano
e guardaropa, espanhol), girassol (tournesol, francês; girasole,
italiano e girasol, espanhol), lente de contato (contact lens, inglês;
verre de contact, francês e lente a contatto, italiano), óculos
de sol (sun glasses, inglês e occhiali da sole, italiano);
cinto de segurança (safety belt, inglês; ceinture de
sécurité, francês e cintura de sicurezza, italiano),
parque de diversões (amusement park, inglês e parco di divertimenti,
italiano), árvore geneológica (genealogical / family tree,
inglês; albero genealogico, italiano e
árbol genealógico, espanhol), guarda-costas
(bodyguard, inglês, com “corpo” no lugar de “costas” e guardacoste
ou guardaspalle, italiano), roleta russa (russian roulette, inglês
e roulette russe, francês), algodão doce (cotton candy, inglês),
pé de atleta (athletic foot ou athlet’s foot, inglês) e guarda-pó
(cache-poussière, francês).
A expressão terceiro mundo, presente também em italiano
(terzo mondo) e espanhol (tercer mundo) é, de acordo com SANDMANN
(1989:134), um empréstimo traduzido do francês (troisieme
monde) ou do inglês (third world).
Os numerosos exemplos anteriores dão uma boa noção
da generalidade e da amplitude desse tipo de “exportação
invisível” (ORR, 1953:83), que aproxima línguas e povos,
demonstrando a existência, até certo ponto, de uma mentalidade
comum.
Finalizando, é possível dizer com ALVES (1990:80) que,
em certos casos, a unidade lexical decalcada rivaliza com a expressão
que lhe serviu de base, como em “Filmado em julho de 1968 por câmeras
estáticas, o show de 60 minutos é o mais comentado dessa
trinca. Mesmo porque traz uma antológica exibição
do Jim Morrisson versão sexy (sic) symbol durante os 11 minutos
de Light my fire” , “Aliás, a moda de haute couture às vezes
beira o ridículo, de tão recherchée” , “Terrorismo
“high tech” é a nova ameaça” e “Ainda se falando de
comida rápida e bem-feita, outra boa opção é
o Chef Dog. José Hugo Celidônio, um dos nossos melhores
restauranteurs (sic), inaugura sua loja especializada em hot dogs.”
3. EMPRÉSTIMO SEMÂNTICO
Com relação a este caso e também ao anterior –
o decalque –, é perfeitamente possível referir-se a empréstimos
parciais, quer dizer, o material estrangeiro não é o único
responsável pela inovação, dividindo-a, em certa medida,
com algum componente nacional.
Verifica-se neste gênero de empréstimo o alargamento do
significado de uma palavra já existente na língua por influência
de outra, pertencente a sistema lingüístico diverso.
É bastante comum que os lexemas de um idioma ampliem, mediante
associações internas, o seu valor semântico.
Algo semelhante a isso acontece neste tipo de empréstimo,
com a diferença de que a motivação para a polissemia
parte de outra língua.
Constitui também esta uma modalidade discreta de empréstimo,
cuja ciência freqüentemente escapa ao usuário comum.
Esses calcos semânticos resultam, por vezes, de traduções
precipitadas – falsos cognatos – concebidos a partir de similitudes fônicas
e/ou gráficas. Assim, em português por influência
do inglês (actualize, realize e introduce), os verbos atualizar (juntamente
com o substantivo atualização), realizar e introduzir
passaram a ser usados também com o sentido de efetivar, pôr
em prática, converter em realidade; perceber e apresentar,
respectivamente. Igualmente, nomear/nomeação, em decorrência
do significado das formas inglesas nominate/nomination, adquiriram o sentido
de indicar/indicação (cf. filme com várias nomeações
ao Oscar).
A nova acepção pode conviver com a(s) antiga(s) ou suplantá-la(s).
Exemplo dessa última hipótese encontra-se no emprego atual
do termo computador, devido ao inglês computer, não mais o
agente humano que calcula, mas a máquina que realiza contas, cálculos
e muitos outros tipos de operação. Parlamento já
significou apenas discurso em assembléia; por intermédio
do inglês parliament, designa atualmente a própria assembléia
ou câmara legislativa.
A primeira possibilidade, no entanto, é mais usual. Assim, conforto,
cujo significado original correspondia a “consolo” ou “alívio”,
via inglês (comfort), passou a denominar também “bem-estar”,
“comodidade”; parada, que, entre os muitos sentidos vernáculos,
apresenta os de “ato ou efeito de parar”, “local de parada”, “paragem”,
“pausa”, “interrupção”, “suspensão”, “desfile de tropas
militares”, agregou a esses o sentido do
inglês parade, como se vê na
expressão parada de sucessos.
Da mesma forma, acento – “maior intensidade
de emissão de uma das sílabas
de uma palavra” ou “sinal gráfico indicativo de tonicidade” –, devido
à forma francesa accent, adquiriu o sentido de “sotaque”, “modo
peculiar de falar”. Investir, de início, somente “dar investiduara
a”, “empossar”, passou a significar “atacar” por empréstimo do francês.
Posteriormente, recebeu do inglês invest uma acepção
ligada à economia: “aplicar capitais”. Desse último
significado provém o derivado investimento.
Por influência da forma inglesa anchorman, o substantivo português
âncora, quando no masculino, refere-se agora ao principal condutor
de um telejornal, que lê e comenta as notícias, fazendo a
ligação entre os demais apresentadores, comentaristas e repórteres
do programa. Ainda com relação ao universo televisivo,
é possível mencionar o caso de piloto, por causa do inglês,
também uma espécie de programa-teste, realizado antes da
estréia efetiva. No campo esportivo (esportes coletivos como
basquete, vôlei e futebol), merece referência o uso atual do
termo assistência – assistance, em inglês, tem, em certos esportes,
o sentido de jogada que resulta em marcação de pontos –,
cada vez mais empregado como sinônimo de passe.
Segundo HAUGEN apud DEROY (1956:101), o empréstimo semântico
origina-se a partir de uma equivalência entre duas palavras pertencentes
a línguas distintas. Ainda de acordo com esse Autor,
essa equivalência pode ser estabelecida tanto ao nível da
forma quanto ao do conteúdo.
Dessa maneira, estrela (“astro luminoso”), por inspiração
do inglês star, refere-se ainda a artistas ou personalidades de grande
projeção, e o substantivo tomada (“ato ou efeito de tomar”,
“conquista”), por influência da forma inglesa take, passou a ser
utilizado como termo de cinema, ou seja “cena”, “trecho de filme”.
Parecem ser esses também os casos de ponte (“ligação
entre as margens de um rio”) e (“tipo de prótese dentária”)
e classificados (“selecionados”, “posicionados em determinado lugar”) e
(“seção de jornal dedicada a ofertas de emprego, compra e
venda de objetos etc”), visto que, em inglês, os lexemas bridge e
classified igualmente são utilizados nessas duas acepções.
Exemplos como star / estrela, take
/ tomada e bridge / ponte ilustram uma analogia de conteúdo,
pois, ainda que star e estrela tenham uma raiz comum, as estruturas atuais
das duas palavras são bastante diferentes. Inversamente, todos
os outros casos pressupõem uma analogia de forma. Se o mecanismo
do empréstimo difere nas duas situações, o resultado,
entretanto, é o mesmo.
Por trás desse dois tipos de decalque semântico, deve-se
admitir sempre algum grau de bilingüismo por parte do inovador, mesmo
que este não seja perfeito e se baseie em falsas analogias, consoante
demonstram pares como realizar/realize.
Concluindo, é possível recorrer a ULLMAN(1977:345), para
quem, “este tipo de polissemia nem sempre está confinado ao contacto
entre duas línguas particulares. Muitos empréstimos
semânticos têm uma vasta circulação internacional,
com os diferentes idiomas copiando-se uns aos outros ou imitando um modelo
comum”.
4. RETROVERSÃO OU “TORNA-VIAGEM”
No princípio deste trabalho, oportunidade em que a conceituação
de empréstimo foi discutida, observou-se a existência de certa
imprecisão no uso desse termo geral relativamente aos estudos lingüísticos.
Um dos responsáveis por isso é o fato de que entre os idiomas
a devolução do material emprestado não se verifica.
No entanto, em algumas situações, aquilo que foi acolhido
por outro sistema acaba por retornar
ao ponto de partida. Fala-se,
nesses casos, em retroversão
ou “torna-viagem”.
Com referência ao português, não são numerosos
os exemplos de retroversão, muito provavelmente por ter sempre essa
língua importado mais palavras do que o oposto.
Segundo ASSUMPÇÃO Jr. (1986:113),
As formas que importa considerar como retrovertidas são unicamente
aquelas que, uma vez admitidas em língua estrangeira, têm
ali seu significado alterado e reingressam no português com a inovação
semântica sofrida.
Torna-se imprescindível, pois, que a forma portuguesa com trânsito
em língua estrangeira tenha ali recebido, além da requerida
adaptação fônica, significado novo, sem o que não
haveria, explicavelmente, necessidade de ser por nós readquirida.
É claro que uma forma vernácula reinterpretada por outro
idioma já não representa mais a mesma palavra ao voltar,
razão pela qual esse só pode ser considerado um reingresso
sob certo ponto de vista.
Em português, constata-se
a ocorrência de “torna-viagem” em fetiche,
termo proveniente do francês fétiche, por sua vez surgido
a partir do português feitiço e em tanque, que, com o sentido
de “veículo blindado”, procede do inglês tank , originado
daquele vocábulo português em seu significado primitivo, isto
é, “reservatório para água”. Nesse último
exemplo, embora a forma não tenha sido alterada, a “viagem” empreendida
pelo termo justifica sua inclusão neste gênero de empréstimo.
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