LOUIS GAUCHAT, A DIALETOLOGIA E A SOCIOLINGÜÍSTICA

Luiz Palladino Netto (UFRJ)

1-  ANTECEDENTES: A POSIÇÃO NEOGRAMÁTICA

     No afã de instituir uma nova ordem na lingüística histórica do tempo, dois estudiosos redigiram,  em 1878, um  prefácio  “algo panfletário”, na  dicção  de  Tarallo  (1990:44),  que  propunha uma avaliação judiciosa das “línguas vivas” e dos dialetos, para tornar o objeto de análise mais factual:
Precisamente  os  estágios  mais   recentes  das   novas línguas indoeu-ropéias,   os dialetos vivos, são de suma importância para a  metodologia da  lingüística comparada em muitos outros pontos. 1
  Em todos os dialectos populares vivos ocorrem realizações   fonéticas   específicas,   afectando  mais  profundamente  toda a língua do que seria   de  esperar do estudo das línguas antigas,  só  acessíveis  por  meio  da  es-crita. 2
 
       Com o intuito de minimizar o apelo à “língua no papel” e  neutralizar o enviesamento da análise, sustentavam, pois, uma  ruptura  metodológica, para adentrar “o  ar  da  realidade tangível”: atribuir maior peso  ao compo-nente “ psicofísico” da língua em relação ao  elemento  “físíco” .
    No entanto,  Brugmann e  Osthoff, na prática, não encamparam tais com-promissos de escola.  Paradoxalmente,  os  neogramáticos  permaneceram  na  “atmosfera   esfumaçada de hipóteses”   do   “velho”  paradigma históri-co- comparado, norteados  pelos  dogmas   mais invocados no “manifesto” -  o princípio da  regularidade da mudança fônica (PR) e  o princípio  da  ana-logia -  no tratamento das “formas asteriscadas”,  tendo em vista a  recons-trução comparada da protolíngua. Rejeitaram “que as eventuais exceções às  regras pudessem  comprometer o poder de generalização a partir dos resul-tados”, como assinala Tarallo (1990:51):
Que o movimento ‘neogramático’ não esteja  em  uma  posição  de  ex-plicar todas as ‘exceções’ às  mudanças  fonológicas,   não  constitui,  ob-viamente,   uma base  de objeção contra  o  princípio  da  regularidade.3

      Em síntese, não enveredaram os neogramáticos pelos estudos  da  mu-dança lingüística em curso nas “línguas vivas”. A tentativa episódica de Georg Wenker, em 1881, de  delimitar os dialetos alemães esbarrou em um fato trivial: a impossibilidade de demarcar as fronteiras dialetais, visto que as isoglossas dos fenômenos estudados se revelaram, para ele,  surpreendente-mente irregulares.

2-  A DIALETOLOGIA E GAUCHAT

     Como oponente do programa  neogramático, coube ao suíço  Louis  Gauchat  aquilatar  os  testemunhos dialetológicos como  evidências  para  a  mudança  lingüística:
Les  dialectes  parlés  sont  les  représentants   vivants  de  phases  que  les langues littéraires ont  parcourues dans le cours  de  temps. Les    patois
 (...) pourront nous servir de guides  pour  arriver  à une   meilleure  compréhension  de  l’histoire   des  langues académiques.4

 Considera-se, pois,  seu  trabalho  um  dos  precursores  do “princípio da  uniformidade” em lingüística: “el examen minucioso del presente muestra que buena parte del pasado está todavia  entre nosotros”, conforme  Labov (1996:69).
     Há quase cem  anos,  Gauchat  iniciara  suas  inquirições   no vilarejo   franco- suíço  de  Charmey5. Para a consecução do trabalho, Gauchat  pro-cedeu  a  um levantamento de dados  entre  1899  e  1904, com auxílio de um questionário-guia. Em 1905, com efeito, a   célebre  monografia   “L’unité phonétique dans le patois d’une commune”  corporifica  o  esforço  do  dialetólogo,  numa  publicação laudatória ao seu  mestre  Heinrich  Morf.  Consubstancia-se,  pois,  na  perspectiva   de  Labov  (1976:70),  “le  proto-type  des  études  minutieuses  sur  le changement phonétique  au  sein d’une communauté unique”.
     Como dialetólogo românico, Gauchat se insurgiu contra o PR e  se opôs  também  ao  esquematismo neogramático que superestimava a concepção de  um  dialeto  local  unificado  e homogêneo.
     Depreendeu Gauchat  mudanças  em “tempo  aparente”  em  cinco  variá-veis  lingüísticas.  Destacam-se aqui as seguintes:  ?aw ?? ? a:?  e  ? l´??  ?y?.
            As análises de Gauchat em tempo aparente salientaram  a  correlação  entre  os  fatores  lingüísticos e  a  idade,  facultando  uma  interpretação  dinâmica  da realidade  sincrônica. O caso da palatalização do ?l’?,  que figu-ra  na tabela 1, esclarece este condicionamento:

Faixas etárias I 90-60 anos II 60-30 anos III menos de 30 anos
Variantes l’ l’ ? y y
Tabela 1

Na  geração  I  preponderava  a  variante ?l’?;  a  geração III  preferia  a  forma  [y];  o  grupo intermediário, por  sua vez, caracterizava-se pelo emprego variável das duas formas. Este  recorte transversal-sincrônico sur-preende uma mudança transitando  pela  comunidade  através das faixas etárias.
    Expôs, também, Gauchat o papel  que  as  mulheres  desempenhavam no  avanço das mudanças  lingüísticas.  O  estudioso  demonstrou  que  o uso  de  formas  inovadoras  era  mais propalado em Charmey entre as mulheres. No grupo  I, [aw] ? [a:].  Não  obstante,  a  aplicação da regra de monotonga-ção é  mais  freqüente  entre  os  informantes  do  sexo  feminino. Labov (1976:403) exemplifica: “Laurent   Rime,   59   ans,  prononçait  douce:  [dao??];  sa  femme, Brigide, 63ans, disait: [da:??]”. Labov registra ainda que  “Gauchat rapporte qu’une femme de 63 ans prononçait régulièrement y por l’ dans la liste  de  mots  consacrée  a  cette variable: elle disait viyo (veclu), Pya:re (plorat), bya:tse (blanca),etc.”.
     Gauchat refutou, assim, em bases empíricas, o PR e a crença tão cara aos  neogramáticos de unidade  lingüística  entre  os  membros   de  uma  comu-nidade:   “l‘unite  du  patois  de Charmey est nulle”, apud Labov (1976: 372 ). No mesmo  passo, Labov acrescenta: “ On constate au contraire un com-portement différencié, tel que la  fréquence d’utilisation  de certaines règles dans divers environnements subit un changement graduel”.
     Resenhando a pesquisa, em artigo saído à luz em 1926,  “Saggio critico sullo studio de  L.  Gauchat”,   em  apêndice   à  revista  AGI, 20,  da  qual  era  co-editor,   o  neogramático  Pietro Goidanich presumira que as  flutua-ções  discretas  elencadas  por   Gauchat  não  refletiam  a  mudança fônica, mas evidenciavam o resultado de  uma  possível  mescla   dialetal.  Como  a pequena aldeia de Charmey abarcava  uma  população isolada, a mescla  dialetal proveniente de fatores externos  era  menos provável;  o  empréstimo dialetal  ocorrera, por certo, dentro  da  própria comunidade. Com efeito, a  propósito da palatalização  do ?l’?,  a  geração   intermediária   (II)   tomara  formas   emprestadas  dos  pais e,  por  vezes,  dos  filhos.  Gauchat   detec-tara   apenas    padrões   de   empréstimos   entre  gerações.  Em   suma,  a crítica de  Goidanich  reiterava o PR como  um  processo gradual, condicio-nado foneticamente  e uniforme (afetando  simultaneamente todos os itens lexicais)  dentro da  comunidade  de  fala  homogênea. Por isso,   Labov  (1996:677)  sublinha  que  a  proposta   neogramática  se  apresenta,  não  raro,  como  uma  posição  ideológica  e menos como  parte de um  progra-ma  científico.   A  respeito  da  crítica  de  Goidanich,  manifesta-se Iordan:
Estas transformações não podem ser explicadas por meio da transmis-são do dialecto de geração em geração, pois são as palavras, e não as pes-soas, que desempenham o papel  mais  importantenas evoluções linguísti-cas.6

     Revela-se Gauchat, também,  um adepto  pioneiro do modelo  explanató-rio  conhecido  na literatura  moderna  como  “difusão lexical”,  fundamenta-do  no axioma de que “cada palavra tem sua história”:
La ley fonética no afecta a  todos los  elementos al  mismo  tiempo: es-tán algunos desti nados a desarrollarse  rápidamente,  otros se  quedan      atrás,   algunos   ofrecen     fuerte    resistencia    y   ponen  en  retirada  cualquier esfuerzo de transformación.7

3-  A RÉPLICA DE HERMANN

     Uma geração mais  tarde, em 1929,  Hermann  retorna  a  Charmey   para  replicar  a  investigação de Gauchat. Na  visão  de  Labov  (1996:155),   empreende-se , assim, “ el  primer y mejor conocido estudio de tendencia”, um marco para a pesquisa sociolingüística, em  tempo real de curta duração. A situação em tempo aparente pode configurar  meramente um  padrão de estratificação etária e não uma mudança de fato em tempo real, daí a impor-tância  da correlação entre os dois planos. Assim um estudo de tendência pode ser concebido:
Enumeramos la población general del mismo modo, extraemos  la    población de la muestra del  mismo   modo,  obtenemos  los  datos  y   los       analizamos del mismo modo - pero  un  número  x de  ãnos  después.8

Um estudo de painel procura localizar os mesmos indivíduos do  primeiro  estudo  e  avaliar possíveis mudanças no comportamento lingüístico deles, valendo-se do mesmo questionário ou entrevista.
     Gauchat submetera seu material a uma rigorosa análise qualitativa, emba-sada inclusive por observações etnográficas. Por sua vez, Hermann não enveredou pelo estudo de hábitos  e tradições locais. Inquiriu 40 falantes tendo em  vista  as  variáveis  elencadas   por   Gauchat.  A propósito, Labov (1976:70) salienta: “ses résultats confirmèrent que  les découvertes de Gau-chat  indiquaient bien  un  changement  historique (...). En  même  temps,  Hermann  montrait que  la  dimension  du  temps réel est essentielle pour donner une vue exacte”.
      Constatou Hermann que a monotongação de /aw/  fora concluída. Na época de Hermann, o  traço  lingüístico  mais  saliente  era  a  variação na ditongação  do /o/  no contexto  do  /r/ seguinte, ambiente não afetado pela regra no tempo  de  Gauchat.  Como  Labov  (1976:373)  destaca, “à  l’époque  de Gauchat, les mots dérivés  du latin  porta et  corpus,  par  exemple,  passaient  rarement  par diphtongaison de [pwórt?, kwó] à  [pwa-ort?, kwao ]”.
     Para Labov (1996:156), “el interés  de  los datos  de  Hermann  crece  considerablemente cuando tabulamos las diferencias  entre  hombres  y  mujeres  por  generaciones”.  Quanto  à ditongação de  /o/, por  exemplo, as mulheres,  na geração  média,  revelararam-se mais  inovadoras, como o gráfico 1 demonstra:

 
                                                Gráfico 1
 
    Em contrapartida, as mulheres demonstraram um perfil mais conservador no  que  se refere à aspiração do /?/. Como salienta Labov,
Esta inversión del  comportamiento  de  los sexos és consistente  con   la  diferencia  entre  un  cambio activo en curso, donde las en la delantera,  y  una  variable  sociolingüística estable, en la que los hombres tienden a  usar las  formas reducidas con  más frecuencia.9

4 - REESTUDOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

      Na  proposta  laboviana, há duas fontes  de  comparação  na  perspectiva  do  tempo real. Apenas a segunda fonte será considerada neste artigo. Ela resulta de um  procedimento metodológico básico: o retorno a  uma  comu-nidade  de  fala  para  replicar um estudo de variação  lingüística. Conforme Labov (1996:73)  pondera, “la metodología de los reestudios en tiempo real está en una etapa temprana de desarrolo, y quedan abiertas muchas cuestio-nes”.
     Esta objeção, por certo, é particularmente aplicável ao caso do português brasileiro. Ainda assim, revisitaremos nesta seção as principais conclusões de dois estudos projetados de  acordo com esta orientação.

4.1- O reestudo da comunidade de Mato Grosso

       O trabalho de Callou (1998b) relaciona os dados de dois corpora, coli-gidos na  localidade de Mato Grosso, município de Rio de Contas, no Esta-do da Bahia.
       O corpus    1  constitui  um  recorte   dos  dados da Dissertação de Mestrado da  autora,  coletados no  início dos anos 60. Por seu turno, o corpus 2 perfilha os dados  extraídos  de  registros magnetofônicos levados a efeito, na década de 90, pelo Professor Alan Baxter.
       Na pesquisa de Callou, foram avaliadas as falas de quatro informantes, duas mulheres  e dois homens do corpus 1 e, seguindo o mesmo critério, quatro informantes do corpus 2.  No entanto, apenas um dos informantes foi recontatado no corpus 2; os demais,  pertencentes  à mesma faixa etária, 70 a 85 anos, foram entrevistados pela primeira vez.  A  comunidade, antes isolada e conservadora, ostenta três décadas depois, uma mudança de perfil  sociocultural com a adoção de hábitos urbanos, o que parece repercutir, segundo Callou (1998b), nas  mudanças lingüísticas observadas no dialeto.
     Ainda que seja, para Callou (1998b), uma investigação “embrionária, de natureza observacional e descritiva”, aqui se destacam algumas conclusões, mesmo que preliminares.

4.1.1- O fator gênero

      Quanto ao gênero, no corpus 1, avultava  o  uso da  forma  não-marcada  do  masculino. Com efeito, certas palavras canonicamente enquadradas no gênero feminino são empregadas, não raro, no masculino, categorizando o gênero o artigo: o bronquite, o capa, um coisa, um lebre. Outras formas apresentavam uma flutuação no gênero: navia ? navio, colarinha ? colari-nho, rema ? remo.
      O corpus 2 revela incidentalmente que esta variação parece estar  desa-parecendo, embora,  por vezes,  ocorra   vinculada à  concordância:  um coisa ? uma coisa,  esse   daqui é  a mulher dele.

4.1.2- O emprego de pronomes

      Em relação ao emprego dos pronomes, no corpus 1 a  forma tu, acom-panhada quase categoricamente de verbo na terceira pessoa, evoca “maior grau  de intimidade entre os  interlocutores”. No corpus 2, no relaciona-mento com o  inquiridor,  subsistem,  fundamentalmente, o senhor, ocê e você.
      No corpus 1, a senhora, o senhor, dona, sá dona e sá gente ocorrem  com  freqüência. O corpus 2 consigna um desuso de tais formas, preteridas em favor das  expressões a gente e o povo, com valor indeterminado.

4.1.3- Reduplicação de formas

Corpus 1 Corpus 2
Agora eu não sei não
Ninguém não sabe
Porque   eu    nunca gostei nenhuma Eu não gosto televisão não
Eu não morro sem não ir lá
Tabela 2.

O fenômeno da dupla negação permanece atuante no dialeto (cf. ta-bela 2):
No corpus 2, não  proliferam certas  ocorrências  do  corpus 1,  es-pecificamente  formas compostas dos demonstrativos: este um aqui ? esta uma aqui,  nesse  algum tempo aqui, e conjunções adversativas reduplica-das: mas porém  os  que  sabe contar. Isto  parece  suscitar o desapareci-mento destas expressões no dialeto.

4.1.4 - O caso das preposições e a regência

         Quanto  à  alternância  no  uso  ou  apagamento  de  preposições em regências,Callou (1998b) atesta as mesmas tendências lingüísticas, operando nos dois  corpora.
      A recorrência de ni por em  se insinua quase  categoricamente:  eu  nunca  fui  ni  escola (corpus 1); nunca trabalhei ni roça (corpus 2).
      Nas expressões de dia e de noite, difunde-se a tendência para o  cance-lamento  do  nexo preposicional, determinada pela mudança na regência de  alguns  verbos:  trabalhar,  gostar, zelar, dar, entre outros (cf. tabela 3).

Corpus 1 Corpus 2
Eu só trabalho o dia
Eu nunca gostei nenhuma Eu zelo tudo
Passei a mão em 50 e dei ele
Tabela 3.

4.2 - Reestudos no Projeto NURC/ RJ

          Este    recorte    da     comunicação    colige      alguns
resultados das pesquisas  do  Projeto  NURC/ RJ,  com base em materiais de duas décadas, a de 70 e a de 90. Aqui o campo observacional estará restrito ao âmbito da fonética e da fonologia.

4.2.1 - Distribuição da vibrante e apagamento do /R/

    No que tange à distribuição da vibrante, duas tendências são vísiveis. No interior de palavra, a variante fricativa velar, predominante no corpus 70, dá lugar, no corpus 90,  à  realização aspirada. Em outra posição, final de pala-vra, não há alterações sensíveis,  a  não  ser  um  incremento dos valores relativos ao cancelamento do /R/.
      O apagamento do /R/, entre os homens, nos verbos, configura um  fato  proeminente. Os falantes da faixa etária I (25-35 anos) apresentaram o mes-mo perfil (peso relativo de .60) nos dois corpora. As faixas II (36-55 anos) e III (mais de 55 anos) se caracterizaram, porém,  por comportamentos anta-gônicos no corpus 70; o peso relativo  cresce  da  faixa II  (.28)  para  a  faixa III (.80). Em contraponto, no corpus 90 o quadro é outro: há um de-créscimo da faixa II (.80) para a faixa III (.13). O cancelamento do  /R/  produz  variantes não  estigmatizadas  na comunidade de fala, o que pode elucidar a  incidência  do fenômeno  nos  anos  90,  segundo  Callou (1998a).
      Nos não-verbos, é possível flagrar uma  mudança  em  curso.  Opera-se  um  decréscimo na aplicação da regra entre os homens da faixa I do corpus 70 (.72) para os homens da  mesma faixa do corpus 90 (.52).
      Em relação às mulheres, as  pesquisas  capturaram uma mudança em progresso tanto  em termos dos verbos como no caso dos não-verbos: a regra de apagamento se aplica  mais  prodigamente na faixa I, decrescendo proporcionalmente até a faixa III.

4.2.2 - Inserção de um glide anterior no contexto de /S/

      Novamente, subsiste uma polarização no tocante ao fator sexo:
“falantes mais jovens do sexo  masculino  não  mantêm o mesmo com-portamento 20 anos depois,  embora  adultos  o   façam;  o  comportamento  das  mulheres, por outro lado,  parece  ser  mais  estável durante  a  sua  vida,  com  exceção  do grupo  mais velho.10

 Assim, na faixa I, entre os homens, há um aumento no emprego do glide do corpus 70  para o corpus 90. As mulheres da faixa III, em franca oposição, põem em ação um uso  mais  restrito da regra após duas décadas.

4.2.3 - Harmonização vocálica

      Comparando a fala dos mesmos indivíduos  recontatados  vinte  anos  depois  (estudo de painel),  depreende-se  uma  estabilidade: as mudanças da faixa I para a II e da II para a III  não  repercutem   significativamente  em  termos  lingüísticos;  os mais velhos, no corpus  70,  da  faixa III, tran-sitando para uma faixa “IV”, no corpus 90, compartilham uma maior  aplica-ção da regra de alçamento do ?e? para ?i? , no padrão fonotático CV, único verificado na pesquisa de Callou (1998a).
      A análise contrastiva  de  informantes  distintos  (estudo de tendência) também não  sugestiona uma mudança plausível. Patenteia-se, a rigor, uma variação estável, com uma polaridade: na faixa II, do corpus 70, os falantes são mais suscetíveis  à regra (.59); no corpus  90,  na  mesma  faixa, ocorre o inverso.
      O mesmo fenômeno, em relação à vogal ?o?,  tipificaria  uma  variável  estável  na  língua entre os mesmos indivíduos da comunidade, ou ainda entre indivíduos distintos, com base na análise dos corpora.

5 - CONCLUSÃO

      Na avaliação de Labov (1976:403), o estudo de Gauchat  se  afigurou  como  um  marco “élégante auntant que décisive”.
      De fato, Gauchat deslindou uma multiplicidade de fatores concorrendo  para  produzir  a mudança. Logrou demonstrar que a  tipificação  da  mu-dança  fônica,  como  “um fenômeno gradual e uniforme dentro da comuni-dade de fala homogênea”, onde formas antigas  são  suplantadas por formas novas sem flutuação ou variação, era apenas um constructo teórico, enreda-do, para Labov (1996), em posturas ideológicas.
      Na mesma linha, a réplica de Hermann corroborou a mudança lingüística em curso  fotografada por Gauchat. Mais do que isso, facultou uma confiá-vel avaliação  em  tempo  real  de curta duração a partir dos dados do tempo aparente na época de Gauchat.
      As pesquisas revisitadas sobre o português brasileiro, na esteira  do  modelo  pioneiro  de Hermann-Gauchat, forneceram evidências significati-cas. A mudança  geracional  constitui  o padrão basilar de mudança sonora; o fator sexo influi sobejamente na propagação da mudança lingüística; uma mudança sociocultural pode  engendrar  uma  mudança  lingüística,  como parece ocorrer em Mato Grosso.

6 - NOTAS
 1 - Apud TARALLO, F. (1990:46).
 2 - Apud IORDAN, I. (1982:42).
 3- Apud TARALLO, F. (1990:47). O PR assenta numa proposta mais  am-pla de fixar parâmetros de “cientificidade” para um modelo de estudo das línguas. Em  1876,  Leskien já suscitara: “ Se se admitirem excepções for-tuitas e casuais isoladas, isso significará, no  fundo, que o objecto da nossa investigação - a língua - não é susceptível  de ser  estudada cientificamente”, apud IORDAN, I. (1982:43).
 4 - Apud  LABOV, W. (1976:372).
 5 - Charmey, em 1905, era uma aldeia em Gruyère oriental (no cantão  suíço de  Fribourg), onde se falavam dialetos franco-provençais.
 6 - IORDAN, I. (1982:68).
 7 - Apud LABOV, W.(1996:653).
8 - LABOB, W. (1996.141).
9-  LABOV, W. (1996:156).
10- CALLOU, D. (1998b:9).

7 - BIBLIOGRAFIA:

CALLOU, Dinah Maria Isensee. Mudança em tempo  real de curta duração: fonologia e sintaxe.  Texto apresentado     ao    GT     de   Sociolin-güística /  ANPOLL. Campinas. 1998a.
- ------. Um  estudo  em  tempo  real  em  dialeto  rural  brasileiro:  questões  morfossintáticas. 1998b.
IORDAN,  Iorgu. Introdução  à  linguística  românica. Lisboa:  Fundação  Calouste   Gulbenkian, 1982.
LABOV,   William.   Sociolinguistique.   Paris:  Les Editions de Minuit, 1976.
 ------. Resolving the neogrammarian controversy. In:  ---.Language, 1981. v. 57, n.2.
------. Principios  del  cambio  lingüístico.  Madrid: Gredos, 1996. 2v.
TARALLO,  Fernando.  Tempos  lingüísticos.  São Paulo: Ática, 1990.