O TUPINISTA JOSÉ DE ALENCAR, SEGUNDO AS NOTAS AOS ROMANCES O GUARANI E UBIRAJARA
Ricardo Tupiniquim Ramos (UFBA)
A Frederico Edelweiss
I - INTRODUÇÃO
Em 1979, o Centro de Estudos Baianos trouxe a lume a última
lavra do tupinista suíço radicado na Bahia, prof. Frederico
Edelweiss (uma análise das afoitas incursões do romancista
cearense nos campos dos estudos Tupi), que parece ser, segundo informa
sua apresentação, um esboço ou a primeira parte de
um mais longo e minucioso estudo , infelizmente não-concluído
a que ele se pretendia lançar. Sem a mínima pretensão
de ser a continuidade do projeto do honorável Mestre, este ensaio
tentará analisar as incursões tupinistas alencarianas constantes
nas notas aos romances O Guarani e Ubirajara , publicados, respectivamente,
em 1885 e 1875.
II -- ASPECTOS DO INDIANISMO ALENCARIANO RELEVANTES AO PRESENTE ESTUDO
O indianismo é uma tendência de apropriação
cultural do índio existente no Brasil desde o início da colonização,
ainda mais generalizada a partir da época do florescimento do Romantismo,
movimento artístico-cultural da burguesia promotora da Independência
de 1822, ávido pela afirmação dos elementos típicos
da nação emergente.
Em sua literatura, os autores indianistas recriaram as lendas do folclore
indígena de suas regiões e os fatos históricos em
que a presença do índio era não só marcante
como também heróica e, para tanto, apropriaram-se de elementos
culturais indígenas olvidadas no ostracismo do tempo, entre eles,
a língua.
Com sua trilogia indianista fundadora do romance nacional, Alencar
é um caso curioso dessa apropriação cultural e lingüística.
O indianismo alencariano só pode ser entendido através do
confronto interno de seus textos e do externo, desses com todos os que,
desde a célebre Carta de Caminha ao rei de Portugal, tentam definir
uma oposição entre a cultura lusa, colonizadora, e a indígena,
invadida e colonizada.
O primeiro esforço contrastivo mostra a existência de
um escalonamento cronológico dentro da trilogia indianista alencariana:
uma fase aborígene, denominação do próprio
romancista , que compreende os romances Ubirajara e Iracema; e uma fase
denominada feudal por Salviano Santiago , onde se situa O Guarani, num
contexto já de colonização da terra brasileira por
grandes latifundiários.
Na visão de Alencar, o Brasil, como nação emergente,
deveria se afirmar por seus valores próprios de uma cultura híbrida
surgida da confluência de etnias distintas, a indígena autóctone
e a branca civilizadora. Não é, portanto, o indianismo romântico
o momento da inserção do negro na prosa literária
brasileira como elemento formador da cultura nacional e responsável
pelo “abrasileiramento” do português nos trópicos, o que só
se dá a partir da publicação de O Cortiço,
de Aluísio de Azevedo, em 1890.
Outro aspecto a se notar na trilogia indianista alencariana é
o fato de o escalonamento cronológico da etnogênese brasileira
proposto pelo romancista se encontrar às avessas em relação
ao processo de composição textual, pois O Guarani data de
1855, Iracema, de 1864 e Ubirajara, de 1875. Isto revela no autor uma atitude
de querer aprimorar seus conhecimentos acerca da cultura indígena,
o que inclui a língua. Embora essa afirmação até
pareça especulativa, se se observar a quantidade consideravelmente
superior de autores referenciados nas notas a Ubirajara em relação
à dos romances congêneres anteriores, pode-se perceber a sua
veracidade.
Contudo, como as fontes de Alencar carecem de uma base científica,
o rigor de suas incursões tupinistas é questionável,
fato que lhes sugere uma revisão. Para facilitar esse estudo revisor,
convém classificar as lexias consideradas Tupi pelo escritor em
dez grupos semânticos: antropônimos; denominação
das pessoas conforme a posição social; relações
familiares; habitações; objetos do uso doméstico,
armas e adornos; costumes e usanças; gentílicos; elementos
geográfico-naturais; fauna e flora.
Na análise que se segue, em geral, as lexias estão dispostas
em ordem alfabética, dentro dos grupos semânticos acima referidos,
com a indicação de sua ocorrência das seguintes formas:
[x,y] ou [z] , respectivamente, para lexias de Ubirajara e d’O Guarani.
As lexias imputadas Tupi por Alencar, mas, na verdade, de origem diversa,
virão indicadas pelo sinal #, e uma nota de rodapé esclarecer-lhes-á
a verdadeira origem. As palavras a cujo étimo não foi possível
chegar virão indicadas pelo sinal (?), seguido do significado atribuído
nos romances.
III - REVISÃO DAS NOTAS DE ALENCAR A O GUARANI E UBIRAJARA
1. OS ANTROPÔNIMOS
Segundo Theodoro Sampaio , os antropônimos Tupi referidos na
literatura indianista brasileira do século passado não são
reais, mas fruto da criação dos autores, que, tentavam compor
para suas personagens nomes que lhes traduzissem características
físicas, comportamentais ou sociais. Nas notas a Ubirajara, há
apenas um caso de antropônimo que reflete o traço social de
seu dono: Murinhem [7,1] (de Morib, afável, e nheng, falar, o de
fala afável), mensageiro de Ubirajara a tribos inimigas com a missão
de alinhavar armistícios. Vê-se pela sua função
na trama o porquê de seu nome.
De um modo geral, contudo, os antropônimos constantes nesse gênero
de literatura traduzem-se sempre por frases ou idéias ligadas à
força, à pujança das ações e ao heroísmo.
Vejam-se os seguintes exemplos, referidos nas notas às duas obras
em foco:
Jaguarê [1,3] -- a verdadeira onça, de jaguar, onça,
+ rê, sufixo enfatizante;
Jurandir [4,4] -- o trazido pela luz; contração da frase
ajur-indi-pira;
Peri [5] - um acerto do romancista: alteração de piri,
o junco;
Pojucã [1,18] - eu mato gente; contração da frase
i-po-juká;
Tamandaré [34] - o verdadeiro tamanduá; de tamanduá
+ rê;
Ubirajara [1,1] - o senhor da lança , o lanceiro; de ubra, madeira,
+ îara, senhor(a), amo(a).
Por outro lado, os nomes femininos traduzem idéias ternas, doces,
ligados à beleza e aos elementos naturais. Vejam-se como exemplos
os nomes da heroínas do romance Ubirajara: Araci [1,12] - estrela
do dia, de: ará, dia + cei , grande estrela; Jandira [1,5] - a que
fabrica mel; de jandaíra, contração de jemonhaíra.
2. OS ELEMENTOS DA VIDA SOCIAL INDÍGENA
Em [1,19], Alencar tenta dar uma noção a seus leitores
acerca da vida social brasilíndia, baseando-se, sobretudo, nos relatos
dos cronistas do século XVI que, há pouco se disse, não
fornecem dados exatos sobre as sociedades referidas devido ao excesso de
empirismo e a concepções preconceituosas subjacentes às
suas observações. Nessa gigantesca nota, o escritor arrola
nomes designativos do escalonamento social indígena, nomes relativos
à família (inclusive os referentes à relação
do homem com a esposa não-legítima ) e nomes indicativos
dos diferentes tipos de habitação indígena.
2.1 OS NOMES DESIGNATIVOS DO ESCALONAMENTO SOCIAL DO HOMEM INDÍGENA
-Como acertadamente informa o romancista, em língua Tupi designa-se
o varão, o homem feito e comum por abá, vocábulo muito
produtivo na formação de outros nomes, haja vista os exemplos
abaetê e abaré, tidos por Alencar como sinônimos, idéia
essa que consiste em desastroso deslize etimológico. Conforme esclarecimento
do prof. Edelweiss , abaetê (de abá + etê, verdadeiro;
donde: o homem verdadeiro, ilustre) era um titulo aplicado aos varões
proeminentes por quaisquer aptidões de porte coletivo. Já
abaré, segundo Maocyr Ribeiro de Carvalho , compõe-se de
abá-ré-é, significando “o amigo da gente, pessoa sobrenatural,
diferentes”; talvez por isso o vocábulo fosse utilizado para designar
os padres jesuítas.
Ao termo moakoara, que dicionários não-identificados
na nota traduzem por “fidalgo”, Alencar propõe o seguinte significado:
o que faz a casa, o dono da casa. Além disso, apesar de criticar
as suas fontes dicionarísticas pela excessiva “preocupação
de homem civilizado” ao traduzir o termo, afirma que havia nas sociedades
brasilíndias uma distinção entre o moakoara e o abá
que ainda não possuía família. Em verdade, o termo
parece ligar-se etimologicamente ao verbo moakara, manusear ou dobrar o
fio, a corda, o pano, etc., que, por extensão de sentido, poderia
significar manusear, fazer, fabricar.
Embora a tradução proposta para morubixaba (aquele
que governa o povo) esteja correta, a explicação do étimo
(de moro, gente, + abá,desin6encia nominal) não parece convincente,
do que se propõe a seguinte: moro + ubi, estar quieto, + abá,
desinência de ablativo causal; donde: aquele que faz o povo ficar
quieto, o apaziguador do governante do povo, o grande chefe, o principal.
A dedução do étimo da palavra muruxaua só
pode ser possível pelo confronto dessa forma com tuxaua. Alencar
imputa-lhes, respectivamente, os seguintes significados: o chefe da taba
primitiva ou da nação e o dono da taba. Para A. G. da Cunha
, tuxaua é o “chefe entre os índios do Brasil” e seu étimo
é tuui’saua. Ora, como desde a gramática de Anchieta se sabe,
em determinados contextos f6onicos da língua Tupi, os fonemas [
s ] e [?š ] são alófonos, o que leva a crer que saua/xaua
é sema indicativo de chefia, liderança, nessa língua.
Assim, muruxaua parece signifcar o líder, o chefe do povo, das gentes.
Tauxab (?), segundo a nota, é sinônimo de tuxava.
2.2 OS NOMES RELATIVOS À FAMÍLIA
Em Tupinambá, mend’ara quer dizer “casamento, matrimônio”,
podendo, por extensão de sentido, significar “casados”, aproximando-se
do conceito estabelecido pela nota para menda, esposo. À injustificável
redução do vocábulo não faz qualquer refer6encia
a nota.
Termireco (?) seria “a esposa legítima”, ou, literalmente, “a
verdadeira mãe de meus filhos”. Já cunhã-membira (de
kunhã, mulher, + membira, cria; donde: cria de mulher) designaria
a situação parental da prole em relação a sua
mãe, saído(a) do ventre.
Ainda em relação à mulher nas sociedades Brasilíndias,
a nota aponta a existência de virgens pertencentes às suas
famílias e destinadas a esposas de guerreiros que demonstrassem
denodado esforço por merecê-las: as cunhãten. É
possível ser esta uma variação mais euf6onica aos
ouvidos de Alencar do termo kunhã-tãi, literalmente, mulher
pequena, menina.
Citam-se, ainda, dois vocábulos que designariam, com pequenas
nuanças semânticas, a prostituta entre os índios: menondere
(a mulher que abandonou o seu primeiro marido para vender o seu amor a
outros homens) e murixaba (coisa de todos; de moro + aba). A análise
léxico-sem6antica das duas levou, no caso da segunda, a um concordância
com a nota; no primeiro caso, levou aos seguintes semas menõ, coito,
e der-e(a), sufixo modo-temporal pretérito para os nomes.
Quanto a aguaçaba, traduzido por “a amante do guerreiro”, já
é definitiva a lição de F. Edelweiss : “Tanto no tupi
quanto no guarani antigos amante, de ambos os sexos, traduzia-se por aguaçá
e não aguaçaba, como aparece no brasiliano”.
2.3 OS NOMES INDICATIVOS DOS DIFERENTES TIPOS DE HABITAÇÃO
INDÍGENA
Oca, aprendem todos os brasileiros desde as primeiras letras, é
a casa dos índios. Na língua Tupi, contudo, seu proto-sentido
associa-se à idéia de “tapar, cercar, cercado” . Essa palavra
mostra-se produtiva na composição de outras, como, por exemplo,
moroca, corretamente traduzido como “oca da gente”, oca do povo.
Para taba, outro tupinismo cujo significado se aprende na escola primária,
A. G. Cunha propõe o étimo taua. A explicação
de Alencar parece mais um artifício de seu ufanismo romântico,
tão apegado às raízes culturais do homem brasileiro.
2.4 OS NOMES DE OBJETOS DO USO DOMÉSTICO, ARMAS E ADORNOS
Canitar [1,14] (de akã(ga), cabeça + t, desinência
de particípio passivo, + ar(a), pegar, puxar, colher, receber; donde:
aquilo que se recebe na cabeça) é um enfeite usado na cabeça.
Camucim [1,21], termo bastante recorrente na literatura indianista
alencariana, já teve étimo e significado esclarecidos pelo
prof. Edelweiss, como segue: “Camucim, que em outros dialetos toma as formas
camoti ou cambuxi, era um vaso qualquer, o pote, e não especificamente
um receptáculo de cadáveres” .
Moco [3,3] é realmente uma espécie de pequeno surrão
feito da pele felpuda de um coelho, como quer Alencar. Este sentido, entretanto,
não é o primeiro da língua, que, em verdade, indica
o roedor cuja pele serve de matéria-prima para a confecção
do artefato.
Exceto patuá (?), todas as demais palavras citadas em [3,3]
(panacum, patiguá, samburá e urú)estão com
os significados corretamente estabelecidos. Dessas, a única de que
se menciona o étimo é samburá, e ainda por cima de
forma pouco acertada.
Edelweiss já há muito rejeitou a explicação
alencariana para uiraçaba: “uira não é flecha em Tupi,
nem uiraçaba é aljava e, mesmo que uira significasse flecha,
não se combinaria com çaba, porque esta partícula
substantivadora é sufixo verbal e, no Tupi, não se acrescenta
a nomes” .
Tacape [1,17], “arma ofensiva, espécie de maça usada
pelos índios do Brasil” , parece ter o seguinte étimo: tak(a),
estalar, bater, + pe < pyma, teso, duro; donde: aquilo que bate duro.
É falso o entendimento de Alencar porque apém em Tupi significa
“torto”.
Ubiratã [1,22] é palavra de étimo por demais simples,
como o depreende José de Alencar. É admirável, contudo,
que ele tenha falhado em traduzi-la: übira, madeira, + tã,
dura; donde: arma de madeira dura, clava.
Em O Guarani, citam-se somente duas palavras deste agrupamento semântico
: igara (de ig, água, + ara, parte de cima; donde: o que fica acima
d’água, a canoa) e muçurana [54] (de musu’rana < moçorã).
2.5 OS NOMES INDICATIVOS DOS COSTUMES E USANÇAS SOCIAIS
Em [5,3] explicam-se corretamente três processos culinários
típicos da cultura indígena: o biaribi (étimo: miar’ïbi
ou biar’ïbi), bucã (#) e moquém (étimo:
mocãe).
Embora em [2,2] se estabeleça uma distinção entre
maranduba (narrativa de um índio sobre suas proezas guerreiras)
e poranduba (narrativa de um índio sobre sua gente), um exame cuidadoso
revela que mara e poro são variações fônicas
de moro, gente (desde Anchieta se sabe que, em língua Tupi, os fonemas
consonânticos bilabiais são intersubstituíveis em contextos
fonológicos iniciais); donde se conclui que os dois vocábulos
são sinônimos perfeitos.
Toriba, aglutinação de toripaba (de tori, fogo, + pab,
todo/a/tudo), indica literalmente grande quantidade de fogueiras ao redor
das quais os índios celebravam suas festas; daí, por extensão
do sentido, significa festa e alegria: mais um acerto do romancista.
3. OS GENTÍLICOS
Nas notas aos dois romances, citam-se apenas cinco gentílicos:
Araguaia [1,11] - mal traduzido como “guerreiros das araras”,
pois embora ará seja a contração de arara, guará,
donde, guaia, não exprime a idéia de guerrear, mas a de apanhar,
o que leva à seguinte tradução: os que pegam as araras,
os caçadores de araras; o que não contradiz as informações
da nota sobre os costumes desse povo.
Caramuru [4,10] - tem-se hoje um entendimento diverso do do romancista
acerca do étimo do vocábulo. É, na verdade, o nome
Tupi para a moréia ou lampréia (peixe litorâneo brasileiro),
com que os índios apelidaram Diogo Álvares Correia, um português
que escapou a nado de um naufrágio na Baía de Todos os Santos
em 1501, e que, por extensão, passou a designar o europeu residente
no Brasil.
Goitacá [45] - nome da nação indígena que
viveu espalhada pelo litoral dos atuais estados fluminense e capixaba,
no século XVIII. Seu étimo, segundo Silveira Bueno
resulta de uma alteração de guaru, tortuoso, + atá,
caminhar, + ká, elemento nominalizador; donde: o de andar tortuoso,
o errante.
Tapuia [4,10] - vocábulo de origem controversa com que os índios
do tronco lingüístico Tupi designavam, nos tempos da colonização,
índios de grupo alogênico, o que durante muito tempo levou
os europeus e brasileiros a acreditarem ser essa uma raça indígena
distinta da Tupi, confusão praticamente só esclarecida neste
século por antropólogos e etnólogos.
Tocatim [4,10] - de tucano + tin, nariz, donde: o nariz, o rosto, bico
do tucano, designa uma tribo que habitava as margens do rio que hoje leva
o seu nome e cujo símbolo era o bico de um tucano .
4. ELEMENTOS NATURAIS E ACIDENTES GEOGRÁFICOS
Em Ubirajara, apenas dois nomes pertencem a este grupo: aratuba
[1,16] (de ará, sol, + t, desinência verbal, + ub, estar deitado,
+ ba, desinência ablativa de lugar, donde: onde osol se deita, o
poente) e pará [4,6], grande quantidade de água, caudal,
rio caudaloso, mar.
Em O Guarani, os sete vocábulos anotados em [43] referem-se
a este tópico. De dois, não se foi possível encontrar
o étimo ou a confirmação do sentido imputado pela
nota: almá-naára e coára-cyara. Os étimos e
as traduções de outros dois foram confirmados: jacy-tatá
(estrela) e jacy-caboaçu (lua cheia). Os engodos observados referem-se
aos nomes das fases da lua, pois a língua Tupi utiliza o mesmo termo
para as luas nova e crescente (jacy-cema), não dois distintos, um
para cada fase, como quer o romancista, e para a minguante diz jacy-angaíbara.
5. OS NOMES DA FAUNA E DA FLORA
Atiati [65] é formada pela reduplicação de aty,
gaivota.
Guinambi [3,10] e guanambi [64] (?) aparecem como sinônimos,
significando, literalmente, “brinco de flores”, em referência ao
colibri ou beija-flor.
Guaraciaba [3,10], segundo F. Edelweiss , não significa “cabelos
de sol”, como pretende o escritor. Também não se encontrou
qualquer refer6encia nas fontes consultadas acerca do mito indígena
indicado na nota.
Para igapé [6,4], Alencar propõe uma origem que nos parece
um pouco forçada somente pela inclusão de potira (flor) como
etimema. Em relação a juçara, não merecem emendas
as explicações fornecidas em [3,11]. Já as lexias
manati [5,2] (#) e pirijá [5,5] (?) são corretamente
explicadas.
Além das duas acima citadas, as demais palavras constantes nas
notas a O Guarani (biribá [15], cabureíba [31], cauã
[48], cipó [46], ibiriba [47], irara [20], pequiá [24], sapucaia
[23], timbó [46]) têm explicações léxico-semânticas
corretas.
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos limitados recursos disponíveis para a realização
da presente empreitada revisora do indianismo lingüístico alencariano,
parece que ela logrou êxito. Por este estudo, pode-se verificar que
de O Guarani a Ubirajara foi crescente o interesse do romancista José
de Alencar pelos temas relativos ao índio brasileiro (prova disso
é o número crescente de notas esclarecedoras de aspectos
relativos à temática índia nos três romances),
e que, a despeito das traduções e colocações
equivocadas acerca do étimo de algumas das palavras arroladas, gozava
o romancista de uma intuitiva acuidade filológica.
É também interessante notar a repetição
em Ubirajara (último romance da série indianista alencariana)
de lexias já registradas nos dois romances congêneres anteriores.
Por fim, que fique o registro da necessidade de um estudo do indianismo
lingüístico de outros autores da literatura oitocentista nacional
com fins de determinar, naquele período, a contribuição
do léxico da língua geral dos tempos da colonização
na estrutura lexical do português do Brasil.
V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANCHIETA, José de (SMJ). A arte da gramática da língua
mais usada nas costas do Brasil. Salvador: CEDUFBA, 1980.
ALENCAR, José de. O Guarani. 19ª ed. São Paulo:
Ática, 1995, 269p.il.
ALENCAR, José de. Ubirajara. 10ª ed. São Paulo:
Ática, 1993, 95p.
ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista. Campinas: Pontes,
1990, 76p.
BUENO, A. Silveira. Vocabulário tupi-português. São
Paulo: Melhoramentos, 1978.
CARVALHO, Moacyr Ribeiro de. Dicionário Tupi (antigo)-
português, Salvador, Edição do Autor, 1987.
CUNHA, A. G. Dicionário etimológico da língua
portuguesa. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 799.
EDELWEISS, Frederico. José de Alencar, o tupinista segundo as
notas ao romance Iracema. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 1979, 39p.
(Publicações, 87).
SAMPAIO, Theodoro. Introdução. In: Idem, O Tupi na geografia
nacional. Salvador: Escola de Aprendizes e Artífices, 1928.
SANTIAGO, Salviano. Roteiro para uma leitura intertextual de Ubirajara.
In: José de Alencar. Ubirajara. 10ª ed. São Paulo: Ática,
1993, p. 5-9.
MELATTI, Júlio César, Índios do Brasil,
7ª ed., São Paulo, Hucxitec/UNB, 1993, 220p.il.mp.