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Flashes de Lusofonia
EMPRÉSTIMOS PORTUGUESES À LÍNGUA OMÁGUA
Quando se pensa nas peculiaridades do português brasileiro em face a qualquer outra
variedade nacional (lusitano, angolano, moçambicano, caboveridano, etc.), normalmente se
pensa num conjunto de empréstimos íntimos. Contudo, nem sempre há artigos (mesmo no
meio acadêmico das Letras, onde são raros, se comparados a outros temas) sobre o fenômeno
oposto, ou seja, os empréstimos portugueses às línguas indígenas brasileiras, algo de que
vamos tratar, ainda que brevemente, a partir do Omágua brasileiro.
Antes, porém, é necessário registrar algumas convenções gráficas e notações técnicas:
“û” e “î” equivalem à [w] e [y], respectivamente, como “U” e “I” em “pau” e “pai”; somente K e S
equivalem, respectivamente, a [k] e [s]; como, em omágua, não há proparoxítonas e a maioria
das palavras é paroxítona, só as raras oxítonas recebem acento gráfico; o significado de um
vocábulo é posto entre aspas simples (‘ ’); lê-se o sinal “<” como “vem de” (por exemplo, x < y
“xis vem de ípsilon”, e o sinal “~” como “varia com” (a ~ b “a varia com bê”); “esp.” abrevia
espanhol, “pt.”, português, “Omg.”, omágua, “br.”, brasileiro e “per.”, peruano.
Há diferenças estruturais e vocabulares entre o Omágua brasileiro e o peruano, embora
em ambas as variedades haja palavras: seguramente originárias de apenas uma das duas
línguas de colonização; de procedência duvidosa, geralmente as comuns a ambas
variedades nacionais, como: Omg. akau, binu, kapum, kumari, kumbari, mutur, ruru, suntaru,
ûaka < pt./esp. cacau, vin(h)o, capão/capón, comadre, compadre, motor, lo(u)ro, soldado, vaca;
respectivamente; de provável dupla procedência, geralmente com ligeira variação fonética
entre as duas variedades nacionais: Omg. bras. larã ~ Om. per. narã < pt. laranja/esp. naranja.
Como os exemplos acima estão registrados numa lista ou num dicionário bilíngues Omg.-
esp. (TUISIMA, 2011; O’HAGAN, 2011), e noutra lista Omg-pt. (BONIN, KAMBEBA, 1999), um
critério adotável e (assumimos!) parcialmente seguro, com necessidade de aperfeiçoamento
e/ou futuro confronto de novos dados, para a seleção de nomes típicos do Omágua brasileiro
de origem portuguesa seria o registro exclusivo em Bonin; Kambeba (1999). Assim, em tese,
teríamos 17 empréstimos ao Omágua brasileiro de procedência portuguesa relativamente
segura: abô ‘sabão’, arrus ‘arroz’, asukaru ‘açúcar’, aûarinti ‘aguardente’, benadu ‘veado’, gustá
‘gostar’, gravatana ‘zarabatana’, karankixu ‘caraguejo’, kasasa ‘cachaça’, kurubina ‘corvina’,
patiri ‘padre’, pãû ‘pão’, piruka (< peruca) ‘careca’, rezasca ‘rezar’, sunsu ‘sonso, tonto’, tukaska
‘tocar instrumento musical’, xapeûa ‘chapéu’.
Referências
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aldeia de Nossa Senhora da Saúde. Brasília: UNICEF/CIMI, 1999.
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em Kokáma? Papia, n. 13, p. 180-183.
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Lima: Instituto Lingüístico de Verano, 2008.
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<http://linguistics.berkeley.edu/~zjohagan/pdflinks/omagua_fw2011_dict_TOTAL_FINAL.pdf>.
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Disponível: <http://cla.berkeley.edu/item.php?bndlid=23732>. Acesso: 21.mar.2020.
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