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Como ainda tem três encomendas para entregar antes do fim do prazo, pegam a caixa e
vão outro espelho adentro, onde se deparam com um riacho rodeado de juncos, à beira do qual
os incomoda o choro de Quândido Gonçaves, um pequeno ganso fugitivo de um exame escolar
por não ter decorado as regras da granástica, sem cujo aprendizado não poderia realizar seu
sonho de ser poeta, como a célebre pata Anserina de Bragança Cisneiros (a maior escritora de
Antolia), ao encontro de quem vão, até porque ela é um dos destinatários da encomenda de
doce. Quando a encontram, reunida com um grupo seleto de escritores preocupados com a
ausência de um texto significativo para publicarem na próxima edição da revista “Vozes dos
Bichos”, o gansinho cai no chão com todas as suas coisas. Samuel o ajuda. Tomenota apanha
um texto caído na grama, primeiramente o esconde dentro de si, mas, sabendo da inquietação
do grupo de escritores, declama-o. A beleza do poema causa um espanto a todos e eles
resolvem publicá-lo. O garoto e o livro, então, saem pela mesma porta, retornando à sala de
espelhos, onde Ismael (< heb. Ishmael < yismá ‘ele ouvirá’ + el ‘Deus’, donde ‘Deus ouvirá’) vê
diferença no piso (agora, um labirinto) e em seu companheiro, agora maior.
Quanto maior o livro, menor o tempo para o garoto cumprir suas tarefas. Por isso, entram
noutro espelho e dão com a longa muralha de movimentada cidade de traços medievais onde
não se fala ou escreve. Tentando se comunicar com a população, acabam presos. Na prisão,
encontram todas as palavras da língua; algumas delas (ponto, cabeça, pé e palavra) explicam
que em Loquacidade, capital do reino de Polissêmia, é proibido às palavras ter mais de um
significado e, como isso é impossível, todas estão presas e a população, proibida de falar. Só
então Ariel (< heb. ari ‘leão’ + el ‘Deus’, donde ‘leão de Deus’) percebe que o destinatário do
pote de doce é rei Logomáquio XIX, para cuja presença menino e livro são levados.
Até então abatido, o rei reage, dizendo que há séculos Ariel era esperado para cumprir
uma profecia, tecida num tapete exposto numa sala do palácio, segundo a qual ele destruiria a
besta fera que aterrorizava a cidade. Com sua capacidade reflexiva, pensativa e inteligência e
com a ajuda de um mapa, o jovem deveria destruir as megeras escolásticas. Retirado da
parede o tapete, o garoto e o livro partem voando nele. Ezequiel (< heb. Yehezquel < yehezqu
‘fortalecer’ + el ‘Deus’, donde ‘Deus o fortalecerá’) está com medo do voo, mas Tomenota o
tranquiliza, contando uma história de um ladrão de sonhos muito ambicioso.
Quando Manuel (< heb. emmanu ‘com + 3ª pessoa’ + el ‘Deus’, donde ‘Deus consigo’)
percebe, estão sobre a Floresta da Anonímia, onde o tapete pousa e um javali-macaco de voz
horripilante aparece e os aprisiona numa cela onde encontram uma caveira humana (restos do
conde Trívio Quadrívio), que lhes fala sobre os enigmas trazidos pelo carcereiro. Em seguida, o
menino recebe seu primeiro enigma: um quadro a ser preenchido com números, de forma que
a soma em todas as direções seja a mesma. Manuel preenche o quadro e o monstro leva a
solução para as mais temidas megeras escolásticas, um dragão de duas cabeças, as irmãs
Grã-Má e Matê-Má Tica, responsáveis pelos infortúnios do reino.
Uma hora depois, o monstro retorna com outro enigma para Natanael (< heb. Nathanael
< natana ‘dar + passado’ + el ‘Deus’, donde ‘Deus tem dado’), desta vez um palíndromo,
igualmente solucionado, o que significa a derrota das megeras e a quebra de suas maldições.
Com isso, Trívio Quadrívio se torna novamente homem e o javali-macaco, sua amada
Verbigrácia, que podem retornar para a cidade.
No retorno, Tomenota e Noel (< fr. Nouel ‘natal’) caem do alto do tapete dentro do olho
de um furacão, aos poucos dissipado, que os leva planando sobre a floresta e os deixa
próximos a um baobá que, esquecendo os nomes das coisas, se esquece do passado e do
presente, gerando um imenso vazio, que engole a todos.
Gabriel, Rafael, Daniel, Joel, Miguel, Samuel, Ismael, Ariel, Ezequiel, Manoel, Natanael e
Noel se veem dentro da sala de espelhos, transformada num cata-vento rodopiante, quando,
de repente, escutam uma voz estrondosa dizendo: “Tempo esgotado!”.
Ao ouvir isso, Abel acorda dentro da sala-de-aula; ele dormiu durante uma prova,
recolhida em branco pelo professor. Embora lamente não ter estudado gramática e matemática
no último mês, ele se alegra por ter aproveitado o tempo com leitura da literatura. Abrindo a
mochila, tira de dentro seu caderninho de capa colorida, onde lê uma frase que não entende,
vê uma lista de dez culpas e os 12 nomes que gostaria de ter, se não fosse Abel. Enfim,
reflexivo, tenta perceber a vida de forma diferente, pega o ônibus para casa e no trajeto, come
o doce contido num frasco encontrado no fundo de sua mochila, que imaginava perdido.
A partir dessas discussões, podemos considerar que, na escolha dos diversos nomes do
protagonista, o autor lhes agrega um caráter religioso perceptível nos étimos, coincidentes com
o perfil da personagem, cujos desafios se relacionam diretamente com o sentido dos nomes.