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O FILÓLOGO DE PLANTÃO
“Um jornal que teima em buscar a verdade na doce ilusão de encont-la”
Publicação do CIFEFIL Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.
Rio de Janeiro, Nova Série, ano 2, nº 13, mao de 2022.
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Verba Sapientiae
EDITORIAL
Da virada do mês passado para este, temos visto
com estarrecedora expectativa a invasão russa à
Ucrânia, fruto da ambição das potências imperialistas
de um mundo multipolar, como o caracterizaram os
líderes russo e chinês. Embora distante de nós, esse
evento, se vier a envolver a OTAN, poderá ganhar
dimensão mundial. Elevemos, portanto, pensamentos
e orações (os que creem) pela paz, cuja natureza é
destacada na coluna Verba Sapientiae, ao lado.
Por outro lado, fevereiro e março, meses do fim
do verão e das férias escolares ou laborais de muitos
de nós, são associados ao Carnaval, após o qual o
ano, de fato, começa, conforme o dito popular.
Nestes dois últimos anos, porém, devido à pandemia
de Covid-19, prefeituras e estados tiveram de
suspender a festa para evitar aglomerações e uma
consequente nova onda de contágio da doença, a
despeito do relativo sucesso da vacinação.
Nesta edição, damos destaque aos Flashes de
Romanidade e às “Pílulas de Baianidade”, colunas
que tratam, respectivamente, da história do Carnaval
e de seu nome e de dois elementos fortemente
identitários dessa festividade na Bahia.
A coluna “Nossos povos, nossa língua” aborda
uma controvérsia teórica sobre a nomenclatura da
língua nativa predominante no nosso litoral no início
da colonização, enquanto “Vox Populi” e as “Pílulas
de Brasilidade”, continuam as series temáticas
desenvolvidas nas últimas edições.
Mais do que nunca, Pax et bonum!.
"Não existe nada tão sublime quanto
a paz. Não nada mais feliz do
que a paz. Paz eis o primeiro passo
fundamental no proposito do avanço
da humanidade."
(IKEDA, Daisaku. Nova revolução humana. São
Paulo: Brasil Seikyo, 1994, vol. 1, p. 4.)
EXPEDIENTE
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Linguísticos
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O Filólogo de Plantão
Editor-geral; autor dos textos não assinados
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
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ELUCIDÁRIO DE SIGLAS USADAS NESTA EDIÇÃO
> (muda para); < (procede de); ~ (varia com)
suf. dim. (sufixo diminutivo)
lt. (latim); lt. cl. (latim clássico); lt. vg. (latim vulgar)
al. (alemão); cat. (catalão); crs. (corso); din.
(dinamarquês); esp. (espanhol); fr. (francês); hol.
(holandês); ingl. (inglês); isl. (islandês); it. (italiano);
Próximas Atividades do CiFEFiL
XIV SIMPÓSIO NACIONAL DE ESTUDOS
FILOLÓGICOS E LINGUÍSTICOS
5 e 6 de abril de 2022
Inscrições abertas no site do CiFEFil
2
mil. (milanês) mlt. (maltês); nor. (norueguês), pt.
(português); prov. (provençal); rom. (romeno).
Flashes de Romanidade
CARNAVAL: ASPECTOS HISTÓRICOS DA FESTA E DE SEU NOME
Embora o geral da população brasileira possa até ter esquecido devido à prevalência atual de seu
caráter profano, originalmente o Carnaval é uma festividade própria do Cristianismo ocidental (não
católico), incidente em data móvel, entre os meses de fevereiro e março, a depender da data fixada
pela Igreja para a celebração da Páscoa.
A fixação dessa data depende de um fato astronômico: o equinócio1. Verificada a data do primeiro
equinócio do ano, a Igreja marca, para o domingo anterior, o início da Semana Santa (Domingo de
Ramos) e 40 dias antes dele, a Quarta-feira de Cinzas, por sua vez antecedida da festividade do
Carnaval. (ALMEIDA, 2020)
Eis porque, a rigor, não se pode falar de transferir o carnaval deste ano para o segundo semestre,
quando se pensa a situação sanitária do país permitirá festejos com as aglomerações que lhes são
próprias. Na verdade, o que se pretende fazer é a festa profana fora da data original, um carnaval fora
de época, algo conhecido e festejado na Bahia, há mais de meio século, em cidades interioranas, com
o nome de micareta2.
Com primeiro registro escrito datado em 1542 mas, de certo, anterior na fala , a palavra
carnaval tradicionalmente tem apontada como étimo a expressão latina carne vale ‘adeus à carne’,
numa referência à Quaresma os 40 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingo de Ramos ,
período de preparação para a Páscoa cristã, de penitência devocional e abstinência de hábitos ligados
à carnalidade. Contudo, entre outros, Houaiss (2001, p. 624) não o considera plausível, apontando
como origem de todas as correspondentes lexicais a carnaval, nas línguas europeias modernas3,
exceto o italiano, a forma francesa carnaval. Assim: pt./esp./cat./prov./rom./crs./hol. carnaval; ingl.
carnival; al./din./nor. karneval, isl./mlt. karnival; etc. < fr. carnaval (1680) < carneval (1552) < it.
carnevale ~ mil. carnilevare < lt. vg. carnilearia ~ lt. cl. carnem levare abstenção de carne’, menção ao
tabu de consumo de carne no período quaresmal4.
Por outro lado, as mais primitivas fontes do carnaval talvez sejam os festivais de fertilidade da
terra, ritos de passagem da escuridão e frio do inverno para a luz, calor e fecundidade da primavera. No
Antigo Egito, festejavam Isis, deusa da fertilidade, e Ápis, encarnação da terra5. Os antigos gregos
festejavam Dionísio, deus do vinho, enquanto os romanos tinham um intenso calendário de festas
litúrgicas em honra a diferentes deuses entre dezembro e fevereiro, finalizado com um rito de
purificação (a Lupercália) em honra a Februus, divindade etrusca por eles absorvida, finalizado no dies
Februatus dia februato’, de februa, principal instrumento musical da festa. (VALENÇA, 2003)
No Medievo, houve a adaptação dos cultos pagãos ao discurso cristão moralizante e censor, com a
fusão daquelas festas numa (o Carnaval), difundida por toda Europa, com a preservação de um
rito/dia de purificação (a Quarta-feira de Cinzas). (Idem)
Na Modernidade, por muito tempo, o carnaval de Veneza foi o mais famoso do mundo, sendo
exportado para a França6 e daí, para sua colônia americana (a Nova França, atual estado norte-
americano da Luisiana), Espanha e Portugal e, deles, para o Caribe e a América Latina, inclusive o
Brasil. (Bis in idem)
Em Portugal, o entrudo (< lt. introitos ‘entrada, começo, princípio’ – HOUAISS, 2001, p. 1169-70)
folguedo popular dos três dias anteriores à Quarema, “em que os brincantes trocavam pelas ruas
arremessos de baldes d’água, limões-de-cheiro, ovos, tangerinas, pastelões, luvas cheias de areia,
3
esbordoavam-se com vassouras e colheres de pau, sujavam-se com farinha, gesso, tinta, etc.” (idem),
ocorreu até 1817, sendo introduzido, desde os Açores, no Brasil, onde, se popularizou em todas as
classes sociais, vindo a declinar após 1854, por repressão policial, originando o moderno carnaval. (Bis
in idem).
Nesse período, no Rio de Janeiro, estabeleceu-se uma oposição excludente ainda hoje visível no
carnaval entre uma festa da elite com influência francesa (bailes de máscaras e fantasias, desfiles em
carros alegóricos) e uma festa dos subalternizados, com marchas puxadas por instrumentistas
brancos (como o tumbeiro Pereira) ou batucadas afro-brasileiras ritmadas por cucumbis e afoxés.
(WIKIPEDIA, 2021b)
No interior dessa dicotomia de classes, entre meados do século XIX e o início do XX, o Rio de
Janeiro viu o surgimento dois tipos de entidades carnavalescas: ligados às elites, os clubes6,
instituições daí proliferadas pelo país, em continuo declínio após a década de 1940; e, ligados às
classes populares, os ranchos7, origem dos blocos carnavalescos.
Nossos mais antigos blocos carnavalescos datam de 1907, quando levaram para as ruas cariocas
30 mil foliões. Havia, então, dois tipos de bloco: os chamados blocos sujos fonte dos congêneres
atuais e os de comunidade, origem das escolas-de-samba.
De nossa antiga capital federal, proliferou-se o modelo de festa momesca para as estaduais que,
com o tempo, desenvolveram seus traços identitários. Vejamos como se deu o caso baiano, sobre o
qual sabemos alguma coisinha... (Por que será?...)
Até meados do século XX, predominava a folia da juventude abastada, fantasiada em carros ou
carruagens abertas, com quase total exclusão das classes populares. Contudo, em 1949, os
estivadores do porto de Salvador criaram o Filhos de Gandhi, primeiro afoxé8 do país e, no ano
seguinte, instalando num calhambeque aberto (sua Fobica) um amplificador elétrico ligado a duas
guitarras, os músicos Dodô e Osmar e o motorista executaram frevos após a passagem do Clube
Vassourinhas, arrastando atrás de si a populaça. Surgia, assim, o trio elétrico, nome genérico em
1952 e equipamento levado ao carnaval de outras cidades (Belo Horizonte e Santos) em 1976.
(WIKIPEDIA, 2022b)
Em 1962, surgiu o primeiro bloco carnavalesco contemporâneo da cidade “Os Internacionais”,
exclusivamente masculino seguido, em 1963, do associado Corujas”, misto, para os membros
daquele e suas parceiras. Em 1970, iniciou-se a tradição do encontro de trios elétricos de vários blocos
ou independentes na Praça Castro Alves, na madrugada da Quarta-feira de Cinzas, no encerramento a
festa. (Idem)
Em 1974, na rua do Curuzu, bairro negro da Liberdade, surgiu o primeiro bloco afro do país (o Ilê
Aiyê9), seguido do Olodum (1979), dentro do qual, nas duas décadas seguintes, o instrumentista
Neguinho do Samba criou um novo gênero musical, o samba-reggae, fusão dos dois que lhe formam o
nome. Nesse ínterim, em 1985, com a canção “Fricote” e a dança “Deboche”, o músico Luiz Caldas
lançou o que se veio a chamar de Axé-music. (Bis in idem)
_________________
1. Equinócio são dois dias do ano em que o período diurno e o noturno têm a mesma duração (12 horas). No primeiro
semestre, isso ocorre em torno do dia 20/03 (equinócio de primavera no hemisfério Norte e de outono, no Sul); no
segundo, em 22 ou 23/09 (nomenclatura inversa nos dois hemisférios).
2. Blend de micareme (< fr. micarême ‘festa popular infantil celebradas na 5ª-feira da terceira semana da Quaresma’)
com careta (< lt. cara ‘face’ + -eta ‘suf. dim.’). (HOUAISS, 2001, p. 616, 1914, 1270).
3. Em japonês, carnaval é ニバル /kānibaru/, de provável origem lusa. (FUKUMA, 1993, p. 302)
4. Essa devoção foi levada a Roma como um desfile de veleiros decorados pelo rio Tibre, talvez a mais antiga origem
dos atuais carros alegóricos.
5. Abolido por Napoleão de 1797 a 1799, o carnaval francês foi restaurado após a queda daquele imperador.
6. Nosso primeiro clube carnavalesco foi o Tenentes do Diabo (fundação: 1855, primeiro desfile: 1867), seguido do
Democráticos Carnavalescos (1867). Embora hoje identificado com o Pernambuco, o frevo teve seu primeiro clube
(Vassourinhas) fundado no Rio de Janeiro (1935). (VALENÇA, 2003)
7. O primeiro rancho foi o 2 de Ouros, fundado na comunidade a Pedra do Sal pelo baiano Hilário Jovino Ferreira (1872);
o segundo foi o Ameno Resedá (1908-1941), introdutor do carnaval temático.
8. Na coluna “Pílulas de Baianidade” tratamos com mais vagar dos afoxés, cortejos carnavalescos também conhecidos
como candomblés de rua.
9. Chamado por Caetano Veloso de “o mais belo dos belos”, ao longo de sua trajetória, o Ilê Aiyê (< ior. ilé ‘casa’ + àiyé
‘terra’, donde ‘casa da terra’ BENISTE, 2011, p. 77, 372) vem se consolidando como uma das maiores expressões
culturais afro-brasileiras fora do carnaval, patrocinando uma escola de Ensino Fundamental e diversos cursos
profissionalizantes para a juventude de seu bairro e entorno. Sua forma de ação social e de valorização das raízes
negras da cultura nacional vem sendo seguido por entidades congêneres em Salvador e outras cidades.
4
VOX POPULI
EXPRESSÕES POPULARES
Edegard Gomes*
Assinar de Cruz
Embora pareça incrível, não saber ler e escrever constituiu prerrogativa da nobreza,
talvez pelo fato de monarcas analfabetos terem reinado, alguns até revelando instinto
superior do belo e do grandioso e favorecendo o desenvolvimento das artes. Foi o caso, por
exemplo, de Carlos Magno que, no século IX, mesmo sem o domínio das letras, governou
promovendo reuniões com homens eminentes para, em igualdade de condições, com eles
debater importantes assuntos. Ouvia-os para informar-se a respeito dos problemas de seu
império, onde, não obstante, por ordem dele foram fundadas escolas em que eram estudados
os clássicos e ministrado ensino acerca dos cientistas da antiguidade. Houve ainda o caso de
outro importante imperador que, embora se confessando incapaz de ler e escrever, dedicou-
se à poesia e protegeu poetas. Enfim, vários foram os soberanos que, apesar de iletrados,
conseguiram conciliar preocupações guerreiras com empreendimentos em prol das ciências,
letras e artes, tornando-se por isso merecedores de reconhecimento da posteridade.
Assim eram as coisas naquele tempo, enquanto que em outra época, por dedicar-se à
arte de escrever, condenado era absolvido de pena de morte por ser considerado com
benéfico à ciência.
Para tornar possível a participação dos importantes iletrados de outrora na autenticação
de escritos, criou-se o sistema da aposição, por eles, em tais documentos, de uma cruz.
Disso se originou o costume de este ou aquele personagem, por incapacidade, substituir sua
assinatura por uma cruz e daí resultou a locução “assinar de cruz”, significando assinar
alguma coisa sem prévia e conveniente leitura.
Botar a mão no fogo
Houve tempo em que o sentimento religioso chegou a ser tão profundo que os crentes
vislumbravam nas lendas prodígios de toda a espécie e acreditavam que a Divindade
praticaria sempre um novo milagre, para demonstração do triunfo de verdade.
Assim, pessoa acusada de crime era submetida a variadas provas pelos acusadores, os
quais deixavam a juízo de Deus a mais difícil das missões a de condenar ou absolver o réu.
Dentre tais provas, a mais frequentemente utilizada era a do fogo. Se o acusado fosse
inocente, poderia, sem risco de queimadura, pisar uma barra de ferro em brasa, caminhar
entre fogueiras próximas umas das outras ou colocar a mão sobre chama resultante de
matéria incendiada.
Em situações especiais, a prova podia ser feita, em nome do acusado, por outra pessoa,
que, na hipótese de inculpabilidade, sairia e salva da demonstração. Pensava-se que,
nesse caso, o fogo respeitaria a inocência.
É com base nesse modo de pensar daquele tempo que veio o habito de quando alguém
pretende declarar que acredita na fidelidade ou na correção de outras pessoas, dizer que por
essa pessoa põe a mão no fogo.
Nem oito, nem oitenta
“Nem oito, nem oitenta” é expressão popular originada em procedimento adotado na
época do comércio escravista.
5
Acontecia que, sendo imprevisível o tempo de duração das longas viagens que os
pequenos veleiros que, abaloados, transportavam pessoas escravizadas da África para o
Brasil, havia sempre o receio de possível escassez de alimentos a bordo e do surgimento de
enfermidades, com a consequente redução, por morte, do contingente de escravos
negociáveis.
Em vista disso, os traficantes exploradores do desumano comércio, sempre e
preocupados com a realização de bons negócios, evitavam o embarque de crianças e velhos.
Preferiam trazer homens e mulheres não idosos, que de modo geral ofereciam melhores
perspectivas de lucro, porque, mais resistentes, eram preferidos pelos compradores, que não
se interessavam por menores de 8 anos, nem maiores de 80, entendendo que menino dava
trabalho e velho não podia trabalhar. Daí, então, surgiu a expressão “nem oito, nem oitenta”,
que ainda hoje é utilizada, com outro sentidos, quando se quer criticar algum exagero ou
aconselhar meio termo na apreciação de um acontecimento.
Levar uma peça / pregar uma peça
“Levar uma peça” e “pregar uma peça”, no sentido de deixar-se envolver pela velhacaria
de alguém, ou de enganar alguém, são locuções populares que também tiveram origem no
tráfico escravista. É que, trocado na África por bugigangas, cachaço ou fumo, o sujeito
escravizado, ao chegar ao mercado brasileiro, recebia a denominação de “peça” e era
submetido a minucioso exame, por seu comprador que, assim, procurava avaliar sua idade,
além da saúde e capacidade de trabalho.
Sabido que nos africanos a barba somente desponta depois dos 23 anos, o comprador
passava, com força, a mão no rosto do escravo, procurando sentir-lhe os pelos, cuja
presença acarretava a desvalorização da “peça”.
Para ludibriar o comprador, o traficante procurava camuflar a verdadeira idade do
escravo, apelando para artifícios, como o de raspar-lhe a barba com navalha e friccionar-lhe a
pele com pedra hume, visando a torná-la úmida e macia.
Quando o comprador percebia o embuste, rejeitava o escravo, recusava-se a levar uma
peça preparada para enganá-lo.
Daí surgiu, na linguagem popular, a locução “levar uma peça”, para designação do logro
daquele que se deixava envolver pela vigarice do traficante, e “pregar uma peça”, para
designação da esperteza do praticante do esbulho.
____________________
* Em vida, o bibliófilo, escritor e jornalista carioca Edegard Gomes (1916-1998) publicou algumas obras
literárias (poemas, contos, crônicas, drama) e técnicas, deixando textos dispersos na mídia impressa de sua
cidade e inéditos, como este. Doado pela família para a pesquisa ecdótica, seu espólio literário está sob
nossa guarda no Laboratório de Estudos da Diversidade Linguística e Cultural do Departamento de Ciências
Humanas do campus VI da Universidade do Estado da Bahia. Em 1980, o autor encaminhou à presidência do
Banco Itaú opúsculo com 10 breves notas sobre expressões idiomáticas ou ditos populares para constar de
brinde de fim de ano da instituição aos clientes. Nesta edição, publicamos mais duas delas, conforme
originais datiloscritos autorais emendados a mão constantes de seu espólio literário, nos quais não constam
as fontes do autor.
6
Nossos povos, nossas línguas
TUPINAMBÁ, TUPI OU TUPI-ANTIGO?
Controvérsias em torno do nome da língua nativa predominante na costa
brasileira nos primórdios da era colonial
Vez por outra a academia se debruça sobre debates até certo ponto estéreis ou
eivado de ideologias, como aquele em torno do nome mais adequado para a língua
predominante entre as populações nativas tupis, habitantes das atuais costas brasileiras
entre o Pará e São Paulo quando da invasão portuguesa a esses territórios, gramaticizada1
pelos jesuítas nos séculos XVI e XVII e por eles chamada língua brasílica.
Para Rodrigues (1986), é mais apropriado chamá-la tupinam, pois essa seria a
variedade geográfica predominante num trecho muito maior de nossa costa (do Nordeste
ao Rio de Janeiro), sendo o tupi uma variedade de menor expressão, quase exclusiva da
capitania de São Vicente e planalto de Piratininga.
Entretanto, segundo Edelweiss (1969), como fala majoritária da costa nordestina à
fluminense, o tupinambá, apresentava pelo menos três dialetos, correspondentes, grosso
modo, às baías de Guanabara (Rio de Janeiro) e de Todos os Santos (Bahia) e à ilha de
São Luís (Maranhão), não servindo, portanto, como designativo da língua, em si, mas de
um conjunto de dialetos majoritários. Esse estudioso faz ainda uma reconstrução histórica
dos sentidos atribuídos ao termo tupi, inicialmente um sinônimo de tupiniquim, a variedade
linguística própria de capitania de São Vicente e, um pouco mais ao norte, da do Espírito
Santo. Com o tempo, por ser também lexema constituinte de vários etnônimos2 (nomes de
etnia) do mesmo tronco etnolinguístico3, tupi generalizou-se, distinguindo-se de tupiniquim,
desde então restrito à variedade vicentina. Destaca ainda, duas razões para o uso de tupi
como nome da língua brasílica dos séculos XVI e XVII: possui “base histórica das mais
vestutas, pois data dos primeiros tempos da conquista”, (EDELWEISS, 1969, p. 69)
designando várias etnias tupis e é hoje um conceito “neutro, alheio a [...] fatores exclusivos,
que delimitam, entre si, outras denominações locais” (idem, p.70), com “larga difusão, muita
aceitação [...], caráter de denominador comum” (NAVARRO, 2001).
Por sua vez, tomando a questão desde aspectos linguísticos evidentes em textos não
analisados por outros especialistas (a ausência da consoante final na forma afirmativa dos
verbos e a ausência do pronome objetivo i na voz causativa), Navarro (2001) conclui que a
oposição tupinambá X tupi estabelecida por Rodrigues (1986), embora real, é irrelevante
para a denominação da língua, porque as diferenças entre as duas variedades eram tão
desprezíveis, que ambas serem usadas indistintamente numa mesma obra literária (o “Auto
de São Lourenço”). Acrescenta, ainda, outra razão para chamar tupi aquela língua: boa
parte de sua literatura (dramática e lírica) foi escrita nessa variedade.
Assim, considerando a argumentação de Navarro (2001), parece superada a questão
entre tupinambá ou tupi como termo designativo da língua em questão, com a ressalva da
necessidade de demarcar língua tupi para diferenciá-la do tronco etnolinguístico homônimo,
do qual, aliás, faz parte.
Resta examinar a justificativa para o uso de tupi-antigo como sinônimo de língua
brasílica, tupinambá ou tupi. A razão para essa forma está na história da língua a ser
melhor examinada numa próxima edição , que, resumidamente, comporta três etapas: o
tupi-antigo, tupinambá ou brasílico, do século XVI a meados do seguinte; o tupi-médio ou
brasiliano etapa e nome propostos por Edelweiss (1969) , do final do século XVII ao fim
do século XVIII, com o desenvolvimento de duas grandes variantes geográficas, uma das
quais extintas); e o nheengatu4 ou tupi-moderno, posterior ao século XIX, nomenclatura
rejeitada por Edelweiss (1969), que a considera uma fala estropiada5, devido à quantidade
de lusismos vocabulares e sintáticos evidentes.
Não inconveniente algum na sinonímia entre tupi-moderno e nheengatu, pois não
é ele fruto da deturpação do tupi-antigo, mas de uma longa série de modificações históricas
sofridas por essa língua, à medida que entrou em contato com o português, com outras
línguas indígenas e com as várias línguas africanas introduzidas na região amazônica
7
durante o período escravista.
Além disso, a despeito da paradoxal ação favorável de alguns agentes de
aculturação do passado, como as missões e escolas jesuíticas, é um grandioso exemplo de
resistência dos povos originários a sobrevivência do nheengatu às ações colonizadoras na
Amazônia desde o século XVII e mesmo após a extinção do brasiliano nas demais
regiões do país até a atualidade, quando ela está em pleno uso inclusive como uma das
línguas indígenas co-oficiais ao português no município de São Gabriel da Cachoeira (AM)
, na fala e na escrita, inclusive literária, como língua materna de populações tupis ou como
L2 de outras comunidades nativas ou não indígenas (caiçaras, quilombolas, etc.).
No ano inaugural da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) DILI
, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a resistência de nossos povos e
línguas nativas, jorrante fonte e salvaguarda da diversidade cultural brasileira, precisa ser
cultivada e divulgada. Nesta coluna, esperamos contribuir para este processo.
Referências
EDELWEISS, Frederico G. Estudos tupis e tupi-guaranis: confrontos e revisões. Rio de
Janeiro: Brasiliana, 1969.
FRANCHETTO, Bruna. “As línguas indígenas”. In: BRASIL. MEC. Índios no Brasil 2.
Brasília: MEC/SECEAD, 1999, p.5-20. [Cadernos da TV Escola, 1].
NAVARRO, Eduardo de Almeida. A literatura de viagem e sua contribuição para o
conhecimento da língua tupi: Jean de Léry, Claude d’Abbeville e Yves d’Evreux. Revista
Philologus, Rio de Janeiro, ano 7, no. 19, p.14-24, 2001. Disponível em:
<www.filologia.org.br/revista/artigo/7(19)05.htm>. Acesso: 15.nov.2002.
NAVARRO, Eduardo de Almeida. A publicação linguística do Renascimento às Missões
e as gramáticas Tupi de José de Anchieta e Luís Figueiras. Tese Doutorado em
Letras. 1995. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas
indígenas. São Paulo: Loyola, 1986.
______________
1. Duas são as gramáticas Tupi escritas no período colonial por jesuítas: a de José de Anchieta (1595),
extremamente valorosa, não por dar as primeiras informações acerca da língua no século inicial da
colonização, mas também pela originalidade do próprio estudo, em que aparecem pela primeira vez nas
descrições linguísticas conceitos como o de posposição e o de prefixo modo-temporal; e a de Jo
Figueira (1620). Navarro (1995) compara-as.
2. Segundo Franchetto (1999, p. 8), a maioria dos etnônimos indígenas em uso pelos brasileiros não
corresponde aos usados pelos povos originários em referência a si mesmos, mas foi dado pelos
conquistadores ou por atuais populações não nativas: Muitos foram ouvidos pelos brancos a outros povos
nativos (como kambeba, atribuído pelos tupinambás aos omágua) ou inventados com base em alguma
característica (como cinta-larga, botocudo, beiço-de-pau); ou são nomes de aldeias (como kuikúro, aldeia
antiga do século XX pelos lahatuá ótomo, no Alto Xingu).
3. Os vários etnônimos dos povos nativos da costa tinham o lexema comum tupi ~ tupina ‘tupi’, como
mostram os seguintes exemplos: tupinambá (< tupi + anama ‘família, parentela’, donde: parentes dos
tupis’), tupinikim (< tupina + kiya, prole, donde: ‘prole dos tupis’), etc. Outros nomes, embora não tenham
na estrutura aquele formante, são compostos por lexemas comuns a diversos falares da costa, como
tamoios (< Tp.-ant. tamuya, ‘avós’), designação dos antigos habitantes do Rio de Janeiro e Espírito Santo,
e dos potiguaras ~ petiguaras (< potim ‘camarão’ + guara ‘coletor’, donde: coletores de camarão’), etnia
ainda hoje presente na Paraíba e cujo nome originou o gentílico do Rio Grande do Norte.
4. Nheengatu < Tp.-ant. nhe’enga ‘fala, língua’ + katu ‘boa’, donde: ‘língua boa’.
5. Escusamos a posição de Edelweiss (1969) primeiramente devido a seu culto ao tupi dos primeiros
séculos da era colonial e, am disso, na própria concepção de sua época acerca da mudança linguística,
portanto, em dois aspectos ideológicos muito fortes.
8
PÍLULAS DE BRASILIDADE
O BRASIL IMIGRANTE E NOSSA MULTIDIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Fato linguístico destacável no Brasil na segunda metade do século XIX e ao longo das
primeiras décadas do seguinte decorre da imigração de colonos de origem europeia
(italianos, alemães, poloneses, ucranianos, tchecos, russos, etc.) e asiática (japoneses,
árabes de várias procedências, coreanos, chineses, etc.) inicialmente para povoar áreas de
baixa densidade populacional, depois para suprir a ausência de mão-de-obra para as lavouras cafeeiras,
provocada pela abolição e pelo deslocamento dos antigos escravos para os centros urbanos.
Contudo, exceto quanto ao alemão, ao italiano e sua(s) comunidade(s) sobre cuja implantação,
bilinguismo com o PB, interferência deste e neste (via herança lexical), um número considerável de
estudos sistêmicos e relativamente adensados , a contribuição das demais comunidades imigrantes e a
relação de suas línguas com o PB não vêm sendo estudada pela nossa academia, constituindo uma lacuna
a preencher. Sobre a maioria delas há, no máximo, trabalhos genéricos sobre os empréstimos, em que se
identificam vocábulos de uso geral e os mais localizados, que aprofundam as diferenças regionais do PB.
Em edições anteriores, tratamos do italiano e do alemão. Nesta, focaremos no leto e no holandês,
apontando algumas generalidades de seu uso no Brasil.
Procedentes da Letônia, as primeiras levas de imigrantes letos chegaram ao Brasil em 1890 e 1906
em função das difíceis situações econômicas de seu país e das intensas propagandas e facilidades
oferecidas pelo governo brasileiro no período do grande movimento imigratório. Assim, introduziram entre
nós o leto ou letão, atualmente falado como língua materna pela população dos municípios de Rio Novo e
Ijuí (SC); Nova Odessa, Varpa, Jacu-açu e Orleans (SP).
Nos primeiros tempos da imigração para o Brasil, a diferença de línguas era resolvida de maneira
precária: as negociações entre imigrantes e administradores dos núcleos coloniais eram realizadas com a
ajuda de intérpretes. Ainda em função das dificuldades de comunicação, foi fundado em 1908, em Nova
Odessa, um jornal quinzenal em língua leta subsidiado pelo governo, que circulou por três anos, com a
finalidade de orientar e informar essa comunidade em sua língua. um ano antes (1907), o cidadão leto
João Gutmman compôs um dicionário português-leto, com cerca de duas mil palavras. Nessa mesma
época, o governo também editava o jornal O Immigrante, em quatro línguas.
Em um segundo momento (1922), ocorreu uma nova imigração, motivada por razões de ordem
religiosa. Muitos desses imigrantes eram de religião batista e luterana e vinham da Rússia, para onde
haviam imigrado anteriormente, antes da Revolução Russa; após esse evento, o regime comunista passou
a cercear a liberdade religiosa, motivando a migração dessa gente para o Brasil. Eles realizavam os cultos
em sua língua materna, prática em vigor até meados da década de 1980.
A segunda geração de imigrantes letos, nascida no Brasil, não teve contato com outras línguas e
culturas até a idade escolar. na década de 1940, a terceira e a quarta gerações assimilaram a cultura
brasileira e a língua nacional. Hoje no Brasil, há descendentes de letos já de quinta geração, a maior parte
dos quais se diluiu entre os brasileiros, embora conservem traços culturais antepassados, como a prática
da língua e nomes de origem leta ou báltica aos filhos. Atualmente, a língua leta é utilizada em ocasiões
especiais, em apresentações musicais e no espaço privado, entre familiares.
Sobre o holandês e sua influência no PB, afirma Guimarães (2009):
Em se tratando da língua holandesa no Brasil, dois grandes momentos que merecem
destaque. O primeiro deles remonta ao século XVII, quando houve a tentativa de
colonização do país por parte dos holandeses. O grande destaque desse período deve-se
ao incentivo cultural propiciado pelo governo holandês estabelecido no Brasil. Como
resultado, temos a criação de uma biblioteca, da imprensa e o testemunho da época
retratado em quadros e escrito em livros de holandeses. O segundo momento ocorre a
partir de meados do século XX, quando houve uma imigração oficial, a compra de um
grande lote de terras, onde hoje fica Holambra. O destaque fica marcado nesse período
pela grande produtividade e contribuição socioeconômica da comunidade para o Brasil. É
nessa região que o holandês ainda é falado no Brasil.
Referências
BOLOGNINI, Carmen Zink; PAYER, Maria Onice. Línguas de imigrantes. Ciência e Cultura, São Paulo, v.
57, n. 2, p. 42-46, jun./2005.
GUIMARÃES, Eduardo (Coord.). Enciclopédia das línguas do Brasil. Campinas: LEU/UNICAMP, 2005.
Disponível em: <https://www.labeurb.unicamp.br/elb/geral/busca.html>. Acesso: 13.jun.2009.
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PÍLULAS DE BAIANIDADE
OS AFOXÉS DO CARNAVAL BAIANO
Como consta na coluna “Flashes de Romanidade” desta edição, no Carnaval baiano,
duas marcantes e distintas expressões identitárias afro-brasileiras, os blocos afros e os afoxés. É
sobre estes que vamos tratar neste artigo, cujas referências se encontram ao final desta edição.
Afoxés1 são cortejos carnavalescos geralmente mas não apenas formados por adeptos
da umbanda e de candomblés de nação jeje-nagô (CÂMARA-CASCUDO, 1999, p. 39). Antes do
desfile, apartado do de outras agremiações momescas, em trajes brancos, com contas dos
orixás, ao som de instrumentos percussivos não consagrados2 (atabaques, afoxés3, agogôs,
xequerês) e ao ritmo do ijexá, sob os cânticos litúrgicos dos terreiros seus integrantes fazem
oferendas a Exu, divindade das ruas e patrono da comunicação, pedindo que Ele não perturbe a
performance do grupo e, na festa como um todo, haja paz e harmonia.
Atualmente, em Salvador, além dos Filhos e das Filhas de Gandhi, há o Afoxé de Alagoas, o
Badauê, as Filhas de Olorum, os Filhos de Corim Efã, os Filhos de Ogum de Ronda, os Filhos do
Congo (antigo "Congos D'África"), o Ilê Oiá, o Kambalagwanze, o Laroiê Arriba, o Luaê, o Odô Iá,
o Olorum Baba Mi, o Pai Burucu e a Tenda de Olorum. Na cidade de Santo Amaro, a cerca de 70
Km da capital baiana, há, ainda o Viver Só Assim - Filhos de Angola. (WIKIPEDA, 2021a)
Destaca Houaiss (2001, p.107) o étimo controvertido da palavra, provavelmente ioruba, em
que significaria, segundo Beniste (2011, p. 8), certo culto a Ifá ou um encantamento de predição
do futuro, motivo de sua tradução como "o enunciado que faz acontecer". (WIKIPÉDIA, 2022a)
Cacciatore (1988, p. 40) aponta semelhanças entre o afoxé e o maracatu pernambucano: os
ritmos, musicalidade e danças, além da presença de uma boneca preta à frente dos grupos:
nesse, a Calunga, naquele, a Babalotim. Demarca, contudo, uma principal diferença a ausência,
na manifestação baiana, do rei e rainha, próprias da congênere pernambucana. Além disso,
cogita-se uma provável origem comum a ambas: a coroação dos Reis do Congo, celebradas, no
século XIX, em agremiações como a “Embaixada Africana”, “Pândegos da África” e o “Otum Obá
de África” (QUERINO, 2010, p. 88), extintas ainda naquela centúria, mas preservada, na Bahia,
noutra forma de folguedo afro-brasileiro não momesco, a Congada, registrada em todo o Estado.
Do fim do século XIX até 1949, não houve registros de afoxés no Brasil, até que, naquele
ano, os estivadores do porto de Salvador, em sua maioria filhos de casa de Candomblé da nação
jeje-nagô, criaram o Afoxé Filhos de Gandhi4, de participação exclusivamente masculina,
reiniciando e renovando a presença desse tipo de cortejo profano-religioso no Carnaval
soteropolitano, depois exportado para cidades de outros estados: Aracaju (SE), Belo Horizonte
(MG), Brasília (DF), Campinas, Guarulhos, Ribeirão Preto, São Paulo (SP), Fortaleza (CE),
Macaé, Rio de Janeiro, Olinda, Recife (PE), etc. (WIKIPEDA, 2021a)
Afoxés: elemento identitário do carnaval baiano, vinculado à religiosidade ancestral africana
no Brasil, levado a outras cidades do país pelos adeptos dessa mesma fé.
Assim, também na folia carnavalesca, sem surpresa, a baianidade berço da brasilidade.
____________
1. As obras de referência consultadas (V. referências) informam outros dois sentidos ritualísticos para a palavra afoxé:
candomblé de qualidade inferior (não apresentam, contudo, qualquer critério para o estabelecimento de uma hierarquia
de candomblés) e termo pejorativo para as festas de Quimbanda, “linha ritual da umbanda que pratica a magia negra”
(CACCIATORE, 1988, p. 218).
2. Segundo Câmara Cascudo (1999, p. 39), a palavra pode, ainda, indicar um idiofone também conhecido como aguê,
sacudido especialmente em cerimonias religiosas afro-brasileiras, mas também presente em orquestras populares.
Cacciaatore, contudo, demarca que, com este sentido, a pronúncia da sílaba tônica pode variar quanto ao timbre,
aberto ou fechado, de forma que teríamos afoxé ~ afoxé, o que não ocorre em referência ao cortejo.
3. Como os instrumentos não são consagrados e, antes do Carnaval, as deidades afro-brasileiras são despachadas
para a África no ritual do Lorogum, nos afoxés não há transes ou incorporações rituais. (CACCIATORE, loco cit.).
4. Com sede no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, e inspirado nos princípios de não-violência e paz do ativista
indiano Mahatma Gandhi o afoxé Filhos de Gandhi possui cerca de 10 mil associados.
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FICA A DICA
LITERATURA
Menina bonita do laço de fita” de Ana Maria Machado
Ana Francisca dos Passos Neta*
Com ilustrações graciosas, divertido enredo sobre diversidade étnico-
racial, linguagem simples e apropriada para as crianças, “Menina bonita do laço
de fita” (1986), mostra a vida feliz de uma menina negra interpelada por um
coelho branco, seu vizinho: “Menina bonita do laço de fita, qual o teu segredo
para ser tão pretinha?”. A questão direciona a narrativa, urdida pelas respostas da criativa menina: “Tomei
muito café, comi muita jabuticaba, uma história de feijoada”. O coelho, assim, passa a lhe nutrir admiração
e deseja um dia se casar e ter uma filha coelhinha pretinha, como a amiga, para lhe dar como afilhada.
Muito além de uma narrativa para crianças, o texto conforme ao étimo da palavra , é um tecido de
afetos que convida o leitor adulto a construir laços humanos e despertar mais empatia e mais amor ao
próximo num mundo de crescentes ameaças de discursos de ódio, dissensões internas e guerras.
Membro da Academia Brasileira de Letras (desde 2003) e sua ex-presidente (2012-2013), a autora é
jornalista e, com mais de cem obras de Literatura Infanto-juvenil, traduzidas em 20 idiomas, ganhou
diversos prêmios João de Barro (1977), Jabuti (1978), Casa de las Américas (1981) Hans Christian
Andersen (2000) , tendo superado 20 milhões de exemplares vendidos, o que demonstra seu talento e
maestria na comunicação literária com um público, ao contrário da suposição do senso comum, difícil e
exigente, como crianças e adolescentes. (WIKIPEDIA, 2021)
Referências: MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. 9e. São Paulo: Ática, 2013 [1986].
WIKIPEDA. Português. Ana Maria Machado. 2021. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_Maria_Machado>. Acesso: 26.fev.2022.
____________________
* Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Oeste da Bahia.
CINEMA O golpista do Tider, de Felicity Moss
“O golpe tá aí, cai quem quer”, alerta atual adágio popular a pessoas de bem e, até
certo ponto ingênuas, iludidas em diversas fraudes do famoso conto do vigário a
pirâmides financeiras aos estelionatos amorosos, tema do documentário “O golpista do
Tinder”, de Felicity Moss, estreado na Netflix dia 2 do mês passado.
Pelo aplicativo, sob o falso perfil de Simon Leviev suposto filho de magnata dos
diamantes , o israelense Shimon Hayut conquistava mulheres de vários países, delas
extorquindo pelo menos 10 milhões de dólares. Segundo o filme, nas redes sociais, o falsário ostentava vida
de luxo e, após contatar as moças por alguns dias, as encontrava em locais caros, viajava com elas em jato
particular, às custas de outros golpes, iniciados sob a mesma alegação: ele estaria sendo perseguido por
inimigos e precisava de ajuda para se manter. Então, enviava-lhes comprovantes de depósitos bancários
com altos valores como caução e elas lhe forneciam cartões de crédito seus para evitar ele ser rastreado.
Tudo ia bem até que uma delas o denunciou ao jornal norueguês Verdens Gang e, logo depois, localizou
outra, somando duas histórias, convencendo o periódico a investigar e publicar o caso. Após isso, uma
terceira vítima contatou os jornalistas e, fingindo lealdade ao falsário, o entregou à Interpol, que o levou a
Israel, onde sofreu condenação por outros crimes, já tendo cumprido a pena.
Segundo a Netflix, Hayut recusou-se a dar sua versão dos fatos. Mas, após o boom do filme, concedeu
entrevistas à mídia, negando as acusações e contratou um agente, pois pretende criar um podcast, escrever
um livro ou participar de um reality show de namoro e está investindo na venda de vídeos personalizados,
onde se identifica como "o Golpista do Tinder", que nega ser na mídia, mas assume no marketing pessoal.
Referência: MORRIS, Felicity (Dir.). O golpista do Tinder. Estados Unidos: Netflix, 2022, 1:54h.
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HOLOFOTES
Estudos Literários
RODRIGUES, Leonardo José. Honra e infâmia no cerrado: representações do coronelismo em
“Herança de Sangue” de Ivan Sant’anna. 2021. Dissertação: Mestrado em Territórios Expressões
Culturais do Cerrado. Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, 2021. Disponível em:
<http://www.bdtd.ueg.br/handle/tede/699>.
Objetiva-se analisar os modos como o coronelismo, a honra e a infâmia são representadas no
romance “Herança de Sangue: um faroeste brasileiro” (2012), de Ivan Sant’anna. A pesquisa
bibliográfica sobre os conceitos pertinentes à pesquisa pautou-se em Leal (1997), Janotti (1992),
Queiroz (1976), entre outros, no que diz respeito ao coronelismo; Bosi (2015, 2017) e Cândido (2006),
entre outros, para tratar de questões relativas à Análise Literária (metodologia de análise de dados), e
Oliveira (2012, 2016a, 2016b), Rohden (2006) e Klein (2010), quanto às questões relacionadas à honra
e à infâmia. Em “Herança de Sangue”, tem-se a reconstituição de boa parte da história da cidade de
Catalão em Goiás, mostrando os modos como a sociedade catalana se constituiu sob a égide da
valentia e da exaltação da violência. Percebe-se que o coronelismo retratado no romance em tela
apresenta semelhanças com o que foi retratado em outras obras literárias, mas se diferencia desses
retratos na medida em que retira o foco da relação coronel-clientela e se concentra na relação
coronelismo-violência. Além disso, os limitesentre a honra e a infâmia, assim como são tênues na
sociedade de um modo geral, se inter-relacionam no contexto coronelista da narrativa. Em um
movimento crescente, a violência exaltada por Catalão começa a trair a cidade, tornando-a uma cidade
infame, fazendo com que tanto ela quanto seus habitantes sofram com suas consequências.
Filologia
SOUZA, Luana Batista de. Era uma febre, era um delírio: edição crítica de “O Seminarista”, de
Bernardo Guimarães. 2017. 282 f. Tese: Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa. Universidade de
São Paulo, 2017, 282p. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-
10112017-114511/>.
Trata-se da edição crítica do romance “O Seminarista”, de Bernardo Guimarães, preparada com base
no original da obra que, embora disponível, sofreu alterações ao longo de sua tradição, a ponto de
comprometer-se fortemente os elementos mais típicos do estilo do autor. Essas modificações
produziram uma árvore genealógica com dois ramos principais, aos quais se filiam todos os
testemunhos estudados: um ramo completo e outro abreviado. Para estabelecer o texto crítico, trata-se
de aspectos do romance desde uma perspectiva da Análise Literária, fixando critérios de escolha do
texto de base. Além disso, discutindo as teorias do campo da Bibliografia Textual, procede-se ao
estudo das relações genealógicas entre os testemunhos, fixando as normas adequadas para uma
edição crítica de original impresso. Além da apresentação crítica da edição príncipe, a edição registra,
em aparato, todas as variantes do texto ao longo dos primeiros testemunhos da tradição da obra.
12
HOLOFOTES
Linguística
DUTRA, Maíra Candian de Paula. Português como língua de herança: famílias na diáspora
brasileira e sua relação com a língua portuguesa. 2021. 130p. Dissertação: Mestrado em
Linguística. Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2021.
Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/12513>.
Objetiva-se compreender o português como língua de herança (PLH) em famílias brasileiras
expatriada, nelas observando: i) as interações realizadas em português; ii) sua inserção na
comunidade brasileira local, se houver uma; iii) seu contato com a cultura brasileira e iv) as
motivações que o familiar brasileiro possui para transmitir o PLH aos filhos. Para tanto,
apresentamos o conceito de língua de herança (CUMMINS, 1983) diferenciando-o dos conceitos
de língua materna, segunda língua, língua estrangeira (SPINASSÉ, 2006) e língua adicional
(SCHLATTER & GARCEZ, 2009). Apresenta-se o contexto sócio-histórico de inserção da
pesquisa, abordando aspectos das diásporas lusófona e brasileira, responsáveis pelos cenários de
emergência do PLH, adentrando, assim, em reflexões sobre identidades e culturas de falantes de
PLH, uma vez que identidades e culturas integram as línguas de um sujeito. Além disso, faz-se
uma revisão bibliográfica sobre o ensino de PLH e apresenta-se a metodologia quantitativa da
pesquisa, inserida no campo da Linguística Aplicada, acerca do PLH e das relações que famílias
de brasileiros com filhos, vivendo em diáspora. Verificou-se que o PLH (em sua variante brasileira)
é uma evidência da diáspora brasileira. Identificamos que o uso do português nos ambientes
familiares pesquisados é resultado proporcional da relevância dada pelo sujeito da pesquisa à sua
língua materna e seu aprendizado pelos filhos.
Referências dos artigos das páginas 2, 3 e 9.
ALMEIDA, Mateus. Descubra como se calcula a data do carnaval. G1 Rio, Rio de Janeiro,
21/01/2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/carnaval/2020/noticia/2020/01/21/descubra-
como-se-calcula-a-data-do-carnaval.ghtml>. Acesso: 22.fev.2022.
BENISTE, José. Dicionário yorubá-português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de cultos afro-brasileiros. 3e. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 1988.
CÂMARA CASCUDO, Luiz da. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999
[1967].
FUKUMA, Susumu. Japonês para brasileiros. 9e. São Paulo: Pioneira, 1993.
HOUAISS, Antônio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetivo, 2001.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil. 2e. Salvador: EDUNEB, 2010 [1938].
VALENÇA, Rachel. Carnaval. São Paulo: Abril, 2003. (Para Saber Mais, 7).
WIKIPEDIA. Português. Afoxé (cortejo). 2021a. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Afox%C3%A9_(cortejo)>. Acesso: 13.fev.2022.
WIKIPEDIA. Português. Afoxé (ritmo). 2022a. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Afox%C3%A9_(cortejo)>. Acesso: 13.fev.2022.
WIKIPEDIA. Português. Carnaval de Salvador. 2021b. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval_de_Salvador>. Acesso: 13.fev.2022.
WIKIPEDIA. Português. Carnaval. 2022b. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval>.
Acesso: 13.fev.2022.