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O FILÓLOGO DE PLANTÃO
“Um jornal que teima em buscar a verdade na doce ilusão de encont-la”
Publicação do CIFEFIL Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.
Rio de Janeiro, Nova Série, ano 2, nº 14, abril de 2022.
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Verba Sapientiae
EDITORIAL
Iniciamos mais um Abril Vermelho ou Abril
Indígena, mês de maior visibilidade dos povos
indígenas e de suas lutas contra o genocídio,
etnocídio e glotocídio que nos vitima desde a invasão
europeia à América no fim do século XV. Neste
sentido, é relevante a proclamação, em 2020, pelas
Nações Unidas, da Década das Línguas Indígenas
2022-2032, tema da coluna “Nossos povos, nossas
línguas” desta edição.
Promovendo a temática e o protagonismo de
nossos povos originários, Agenda aliae divulga o
“Abril Indígena +”, evento remoto e gratuito do Grupo
de Pesquisa em Cultura, Resistência, Etnia,
Linguagens e Leituras, da Universidade do Estado da
Bahia, com programação ao longo deste mês.
Em “Pílulas de Brasilidade”, continuamos a tratar
de alguns aspectos linguísticos referentes a
comunidades de imigrantes ao Brasil, abordando,
desta vez, as procedentes de três países asiáticos
Japão, China e Coreia (referências à página 11).
Por sua vez, Onomásticos traz artigo
(referências ao fim da p. 9) sobre a mudança de
nomes de lugar, tema de tese cujo resumo consta de
“Holofotes: Linguística” desta edição, na qual
chamamos a atenção também para as dicas de
literatura, cinema e teses em Filologia e Literatura.
Hoje e sempre, Pax et bonum!.
" “Nós, povos indígenas do Brasil e do
mundo, estamos juntos, fortalecendo
nosso espírito, nossa ancestralidade,
nosso território, nossa língua".
(Atlaci Kokama)
(IPOL. A Década Internacional das Línguas
Indígenas no Brasil. 2021. Disponível em:
<http://ipol.org.br/a-decada-internacional-das-linguas-
indigenas-no-brasil/>)
EXPEDIENTE
CiFEFiL
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e
Linguísticos
Gestão 2020-2024:
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Prof.ª Dr.ª Dayhane Alves E. Ribeiro Paes
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O Filólogo de Plantão
Editor-geral; autor dos textos não assinados
Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
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ELUCIDÁRIO DE SIGLAS USADAS NESTA EDIÇÃO
> (muda para); < (procede de); ~ (varia com);
in. séc. = início do século; abl./sing. (ablativo-singular)
ar. (árabe); esp. (espanhol); gr. (grego); ingl. (inglês); lt
Próximas Atividades do CiFEFiL
XXV CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E
FILOLOGIA
30/08 a 1º/09/2022
Inscrições abertas no site do CiFEFil
2
(latim); m. (moçárabe) pt. (português); Tp.-ant.
(Tupi-antigo)
óνομαστικóς
(onomásticos)
A MUDANÇA TOPONÍMICA
Mudança toponímica é a alteração de um topônimo, ou seja, de um nome de um
lugar. Esse fenômeno recorrente e antiquíssimo na história parece contradizer teorias
europeias sobre a estabilidade dessa categoria de palavra, pelas quais uma vez dada a
um local, com o tempo, ela poderia até sofrer mudanças internas (fonéticas ou
ortográficas), tendendo, todavia, a manter-se.
De fato, vários nomes de acidentes físicos europeus demonstram esse princípio lt.
Tagus > moç. Takus > > pt./esp. Tejo; lt. Pax, no abl./sing. Pace > moç. Baje > port. Beja;
lt. Conimbriga> pt. Coimbra; etc. (CÂMARA JR., 1986, p. 233) , também observável no
Brasil, conforme o caso de Itapicuru (mais importante curso d’água do Nordeste baiano),
oriundo do Tupi-antigo itá, ‘pedra’ + peba, ‘chata’; + kuru, ‘seixo, cascalho’; donde: ‘pedra
chata ou laje cheia de seixos’, uma referência ao leito do rio. Descritivos, nomes assim
são criação indígena anterior à colonização, mantida com o início desta até os dias atuais.
Todavia, quando a referência é a toponímia dos acidentes humanos, a realidade brasileira
desmente o princípio europeu, pois, via de regra, o que temos aqui é constante mudança.
Ora, dada a antiguidade da mudança toponímica, é possível encontrar, ao longo da
história de várias sociedades, exemplos desse fenômeno. Assim, uma observação sobre
o hábito geral de povos conquistadores da Antiguidade (a exceção dos gregos) de trocar
os nomes dos locais subjugados, demarcando sua posse neles1, aponta as invasões e
conquistas como fator condicionante externo a essas mudanças toponímicas e, ao
mesmo tempo, pode indicar caminhos para a compreensão da relação entre a mudança
toponímica e essas transformações de ordem social mais ampla.
No caso do Brasil, Ramos; Venâncio (2002) apontam para a intervenção de agentes
públicos como fator determinante de algumas mudanças toponímicas ocorridas após
meados do século XVIII, quando, mediante dura legislação, Portugal impôs o português
ao Brasil com a proibição do uso e ensino de línguas indígenas e a substituição da
toponímia nativa pela lusitana em aldeias com mais de 50 casas. Isto ocorreu, sobretudo,
em áreas de invasão recente, à época, como a Amazônia2, mas também nas de
ocupação mais antiga, como Minas Gerais, Ceará e Bahia, onde temos: Natuba (séc. XVI)
> Nossa Senhora da Conceição do Natuba (in. séc. XVIII) > Nossa Senhora da Conceição
de Nova Soure (1754); Mucuri (in. séc. XVIII) > São José de Porto Alegre (1755), etc.
O Brasil registra ainda mudanças toponímicas de motivação socioeconômica. No fim
dos anos de 1950, com a abertura da economia do país ao capital estrangeiro, em grande
parte norte-americano, surgiu a tendência, ainda forte, de uso de novos nomes híbridos
de lugar, geralmente com duas raízes, uma portuguesa, outra inglesa (lândia < ingl. land
‘terra’) ou grega (pólis < gr. pólis ‘cidade’), ou ambas gregas (Crisópolis, Teofilândia).
em situações de variação toponímica, fenômeno recorrente em várias culturas e
sociedades. Assim, na China, acidentes geográficos com mais de um nome, o que se
explica pelo costume de os trocarem oficialmente a cada dinastia (embora haja registro de
3
mudanças numa mesma dinastia), mas permanecerem, formas novas e antigas, no uso
popular3. Por sua vez, no Brasil, há lugares com mais de uma nomenclatura: a oficial, que
convive com uma ou várias populares, geralmente, mas nem sempre, mais antiga(s).
Nem sempre, contudo, as mudanças sistemáticas (impostas pelas autoridades) são
bem aceitas pela população, gerando protestos que levam o Poder Público a restaurar o
nome anterior. Na Bahia, por exemplo, em diferentes épocas, os municípios de Barreiras,
Caém e Miguel Calmon tiveram os nomes alterados, respectivamente, para Governador
Antônio Balbino (por sinal, cidadão barreirense de memória muito cultivada no município),
Anselmo da Fonseca e Djalma Dutra. Nos três casos, a imposição do novo nome os
tornou impopulares, fazendo a Assembleia Legislativa declinar de sua decisão. Nesse
mesmo sentido, presenciamos caso curioso em Gentio do Ouro, cujo distrito de
Itajubaquara (< Tp-ant. itá-îub ‘pedra amarela, ouro’ + kûara ‘buraco’; donde: ‘buraco de
ouro, mina de ouro’), teve o nome alterado pela Prefeitura Municipal, no fim da década de
1990, para Caldeirão do Ouro, sem consulta prévia aos cidadãos, que rejeitaram a
atitude, chegando a quebrar a placa posta na estrada de acesso à localidade com o novo
nome e a pôr outra com o original. Também aí a autoridade municipal reviu sua postura.
Por outro lado, mudanças planejadas aceitas se dão nas emancipações. Para
demarcar a nova fase do município, surgem sugestões de especialistas4 ou populares
que, aprovadas pela autoridade competente, são adotadas. Contudo, muitas vezes uma
localidade troca o nome, mas continua chamada pelo anterior pelos habitantes do
município de origem por duas razões. No caso de emancipações recentes, por esse
mesmo caráter e pela força do hábito. Para as mais antigas, provavelmente a duas
reprováveis atitudes: o ressentimento pela perda do antigo território e o manifesto
preconceito contra o povo da nova urbe, considerado gente matuta, simplória, ignorante.
Estudando o desaparecimento dos hagiotopônimos em Minas Gerais pela eliminação
da referência ao santo homenageado, Ramos e Venâncio (2002) o vinculam a vários
motivos, o principal deles a gradual perda de prestígio político da Igreja frente ao poder
secular. Naquele Estado, no período colonial, à medida que o poder real se fortalecia,
os nomes religiosos eram gradativamente substituídos por outros, referentes à casa
reinante ou a fatos ou vultos históricos: Vila de Nossa Senhora do Carmo > Mariana5
(1745); São João D’El Rei > Tiradentes; Coração de Jesus > Inconfidência (1911); ou
tiveram a referência ao santo simplesmente eliminada: Santa Rita de ssia > Cássia
(1919). Esses processos também foram observados na Bahia.
Do exposto, conclui-se que a mudança toponímica atinge preferencialmente nomes
de acidentes humanos (povoados, vilas, municípios) e tem causas históricas (invasões e
dominação por povos estrangeiros que podem chegar a proibir o uso de línguas nativas,
inclusive na toponímia) e/ou socioeconômicas (o alinhamento e dependência à economia
de outros países, que leva à adoção de modismos linguísticos alienígenas). No caso de
hagiotopônimos (nomes em homenagem a santos católicos), sua mudança se deve
também à gradual perda de poder político pela Igreja frente às lideranças do Estado.
Contudo, a toponímia paralela nome oficial novo ao lado de popular, anterior se deve
à força do hábito ou, no caso de emancipações com troca de nome, ao preconceito e
ressentimento de pessoas do município originário contra o emancipado e seus cidadãos.
_________________
1. Essa prática era comum entre os hebreus que, mesmo quando não mudavam oficialmente o nome de
uma cidade conquistada, lhe atribuíam um nome popular, associando-a ao seu conquistador ou
descobridor, como no caso de Jerusalém que, após capitular diante de Davi, passou a ser chamada
“cidade de Davi”. Esse costume perdurou ainda durante o Medievo, como demonstra a atitude dos
árabes conquistadores da Península Ibérica (711 d.C.) que, em homenagem ao comandante de suas
tropas (Djebel Al’Tarik), trocaram o nome do pequeno istmo entre essa região e o norte da África de
Colunas de Hércules para Estreito de Gibraltar (< ar. Djebel Al’Tarik). (RAMOS, 2008)
2. Assim, muitas cidades às margens do rio Amazonas dessa época e cujos nomes indígenas originais
se perderam, reproduzem a toponímia portuguesa (Belém, Óbidos, Santarém, etc.). (RAMOS, 1999)
3. Embora mais raros, exemplos de toponímia paralela em acidentes naturais no Brasil, como o caso
de um morro da Chapada Diamantina: nome oficial, Morro do Pai Inácio; popular, Morro do Santo Inácio.
4. Quando da emancipação do distrito de Caraíbas, acatando sugestão de Theodoro Sampaio, a
Assembleia Legislativa da Bahia trocou-lhe o nome para Irecê (RUBEM, 1999) que, segundo seu
propositor, significaria ‘água por baixo, água subterrânea’ (< Tupi-ant. y-resé) (SAMPAIO, 1957), um
4
crasso erro etimológico, como demonstramos alhures (RAMOS, 2008), pois, nessa língua, -resé ‘sob’ é
uma posposição (conector posposto ao elemento regido), traduzível em português como uma preposição
e, assim, y-resé significaria ‘sob a água, debaixo d’água’, nome descritivo inadequado para qualquer
cidade, sobretudo se localizada numa região semiárida, marcada pela falta d’água.
5. Segundo Ramos; Venâncio (2002, p. 16), uma referência a D. Maria d’Áustria.
6. Neste caso, não houve propriamente a eliminação do formante de referência religiosa ou do originário
de língua indígena, mas a sua subordinação ao formante de referência ao poder secular.
Nossos povos, nossas línguas
2022-2032 A DÉCADA INTERNACIONAL DAS LÍNGUAS INDÍGENAS
Em 2019 Ano Internacional das Línguas Indígenas a UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura) liderou esforços globais para chamar a
atenção do planeta sobre a dramática situação de muitas línguas autóctones.
Como consequência das atividades daquele ano, a Assembleia Geral da ONU, por meio
da Resolução A/RES/74/135, de 18/12/2019, instituiu a Década Internacional das Línguas
Indígenas 2022-2032 (IDIL em inglês, em português, DILI), para ampliar e aprofundar as ões
de 2019 e mobilizar atores e recursos para sua preservação, revitalização e promoção, sob
liderança da UNESCO e a cooperação com o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais
das Nações Unidas (UNDESA), de outras agências relevantes da ONU, do governo de diversos
países, de Universidades e centros de pesquisa mundo afora e organizações da sociedade civil.
Elaborada no México, em 2020, a Declaração de Los Pinos instituiu as bases do Plano
de Ação Global da DILI e o princípio norteador da participação dos povos indígenas na consulta,
tomada de decisões, planejamento e ação, o lema “Nada para nós sem nós”. (IPOL, 2021)
A 22/03/2021, Paris presenciou o lançamento do GT Mundial da DILI, com a participação
da linguista Altaci Kokama, representante brasileira, em torno da qual os protagonistas da DILI
no Brasil instituíram dois grupos de trabalho (“Línguas Indígenas” e “Português Indígena”),
responsáveis pela agenda da iniciativa no país e pela criação da Rede de Pesquisadores/as
Indígenas de Línguas Ancestrais, cujas primeiras reuniões ocorreram há um ano. (IPOL, 2021)
Com a DILI, a ONU pretende garantir a nós, povos originários, o direito de preservar,
revitalizar e promover nossas línguas e integrar a diversidade linguística e o multilinguismo às
práticas de desenvolvimento sustentável, oferecendo oportunidade única de colaboração no
desenvolvimento de políticas públicas e estímulos na consecução desses objetivos.
Neste sentido, com lançamento previsto para o próximo dia 22, em Paris, a plataforma
online IDIL 2022-2032 pretende facilitar a partilha de informações sobre atividades da DILI pelo
mundo, com recursos e ferramentas de publicização e monitoramento, criando novas chances
de intercâmbio e diálogo para os interessados, não usuários dessas línguas. (ONU, 2022)
No Brasil país com cerca de 180 línguas nativas , boa parte delas está em grave risco
de extinção, pois, segundo a UNESCO, para não estar assim, uma língua deve ter pelo menos 6
milhões de falantes nativos, cifra muito distante da todas elas, na medida que, segundo dados
do IBGE, 75% é língua materna de apenas cem usuários, chegando ao ponto de haver, em
Rondônia, três a quatro línguas faladas por apenas quatro pessoas cada. (BRASIL. EBC, 2022)
Para nós, povos nativos, e nossos apoiadores, a DILI representa um chamado ancestral,
um espaço de conexão de projetos de fortalecimento, revitalização e retomada de nossas
línguas e do reconhecimento de sua relevância para a cultura, educação, ciência, tecnologia,
arte e política do nível local ao nacional, pelo qual, conforme Altaci Kokama, seguimos
“fortalecendo nosso espírito, nossa ancestralidade, nosso território, nossa língua”.
Referências
BRASIL. EBC. Ano começa com Década Internacional das Línguas Indígenas. Tarde Nacional
Amazônia, 17/01/2022. Disponível em: < https://radios.ebc.com.br/tarde-nacional-
5
amazonia/2022/01/2022-comeca-com-a-decada-internacional-das-linguas-
indigenas#:~:text=A%20D%C3%A9cada%20Internacional%20das%20L%C3%ADnguas,povos
%20de%20at%C3%A9%20100%20pessoas.>. Acesso: 31.mar.2022.
IPOL. A Década Internacional das Línguas Indígenas no Brasil. 4/10/2021. Disponível em:
<http://ipol.org.br/a-decada-internacional-das-linguas-indigenas-no-brasil/>. Acesso:
31.nar.2022.
ONU. UNESCO. Década das línguas indígenas. 2022. Disponível em: <
https://en.unesco.org/idil2022-2032>. Acesso: 31.mar.2022.
PÍLULAS DE BRASILIDADE
O BRASIL IMIGRANTE E NOSSA MULTIDIVERSIDADE LINGUÍSTICA1
Fato linguístico destacável no Brasil na segunda metade do século XIX e ao longo das
primeiras décadas do seguinte decorre da imigração de colonos europeus (italianos,
alemães, poloneses, ucranianos, tchecos, russos, etc.) e asiáticos (japoneses, árabes de
várias procedências, coreanos, chineses, etc.) inicialmente para povoar áreas de baixa densi-
dade populacional, depois para suprir a ausência de mão-de-obra para as lavouras cafeeiras, provocada
pela abolição e pelo deslocamento dos antigos escravos para os centros urbanos.
Contudo, exceto quanto ao alemão, ao italiano e sua(s) comunidade(s) sobre cuja implantação,
bilinguismo com o PB, interferência deste e neste (via herança lexical), um número considerável de
estudos sistêmicos e relativamente adensados , a contribuição das demais comunidades imigrantes e a
relação de suas línguas com o PB não vêm sendo estudada pela nossa academia, constituindo uma lacuna
a preencher. Sobre a maioria delas há, no máximo, trabalhos genéricos sobre os empréstimos, em que se
identificam vocábulos de uso geral e os mais localizados, que aprofundam as diferenças regionais do PB.
Em edições anteriores, tratamos do italiano, alemão leto e holandês. Nesta, do japonês, chinês e
coreano, apontando algumas generalidades de seu uso no Brasil.
No Brasil, fala-se japonês, sobretudo, em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Pará.
A imigração japonesa para o Brasil começou a partir de um acordo entre os governos dos dois países:
por um lado, o Japão vivia uma crise demográfica desde o final do século XIX; por outro, o Brasil
necessitava de mão-de-obra para as lavouras de café. Talvez por isso, os japoneses sejam conhecidos por
sua contribuição à agricultura brasileira (INAGAKI, 2002). Em 1908, as primeiras 165 famílias de imigrantes
japoneses desembarcaram do navio Kasato Maru no Porto de Santos para vinham trabalhar nos cafezais
do oeste paulista. Nos sete anos seguintes, vieram mais 3.434 famílias (quase 15 mil pessoas).
Com a I Guerra Mundial, explodiu a imigração: entre 1917 e 1940, vieram 164 mil japoneses para o
Brasil, 75% deles para São Paulo, capital onde colônias e bairros japoneses já eram comuns. A maior parte
se compunha de camponeses pobres com a pretensão de enriquecer rapidamente no Brasil e retornar à
sua pátria. Todavia, esse era um sonho quase impossível, pois a maioria foi trabalhar nos cafezais do
interior paulista e depois do norte paranaense. Outros foram parar na exploração de borracha amazônica,
nas plantações de pimenta no Pará ou de arroz, morangos e chá do Sul-Sudeste.
Na década de 1930, o Brasil já abrigava a maior população de japoneses fora do Japão. Contudo, com
a II Guerra Mundial, a imigração e o uso da língua (inclusive escrita) e a expressão de qualquer
manifestação cultural nipônica foram proibidos e os japoneses estabelecidos no Brasil foram perseguidos
pelo governo, que os via como informantes do país inimigo. Após o conflito, a imigração se normalizou.
Os imigrantes japoneses (isseis) e seus filhos brasileiros (nisseis) permaneceram fechados dentro da
comunidade durante algumas décadas. Contudo, essa situação começou a se modificar a partir da terceira
geração nascida no Brasil (sanseis). O casamento fora da colônia também se tornou comum a partir da
década de 1970. Atualmente, cerca de 30% dos nipo-brasileiros são fruto de relacionamento de membro
da comunidade nipônica brasileira (nikkei) e um não-membro, de forma que, hoje, 10% deles falam
japonês. Por outro lado, nos últimos 30 anos, a migração de trabalhadores nikkei brasileiros para o Japão,
os dekassegui pode trazer alguma mudança no comportamento linguístico dos que de lá retornam.
Chamado koronia-go ‘língua da colônia’, o japonês falado no Brasil resulta da fusão das variedades
regionais do Japão, com predomínio de um ou mais dialetos conforme a concentração de falantes de uma
ou outra região daquele país, cujos diferentes dialetos orbitam em torno do da capital, Tóquio, considerado
o de prestígio. Além disso, se caracteriza pela interferência do português brasileiro, principalmente no nível
lexical2, a ponto de ser entendida pelos isseis como um “japonês misturado com a língua brasileira” (OTA,
2009). Por ter-se diferenciado do padrão nativo e se mestiçado, o koronia-go é variedade desprestigiada
frente à de Tóquio bem como ao português brasileiro, o que caracteriza, assim, um bilinguismo diglóssico,
com a tendência a este substituir a língua asiática, de uso cada vez mais restrito (MATSUMTO, BUENO,
6
2017), apesar de sua escrita padrão também ter registros no Brasil3.
Língua com cerca de 3300 anos de registro escrito a mais antiga, nesse sentido (JANSON, 2015),
aquilo que conhecemos como chinês, na verdade, é um conjunto de línguas (com dialetos e subdialetos)
da família sino-tibetana não tão semelhantes ou de fala inteligível entre si, unificadas num mesmo sistema
de escrita ideográfica, simplificado no século passado, mas ainda bastante complexo.
No Brasil, sua introdução data de 1810, data da chegada dos primeiros imigrantes, a maioria homens
solteiros oriundos de Guangdong ‘Cantão’ e instalados na região de Nova Friburgo (RJ) para o cultivo do
chá. Algum tempo depois, vieram trabalhadores da mineração e da construção civil da mesma área. No
século passado, houve pelo menos três grandes momentos4 de imigração chinesa para o Brasil, motivados
por acontecimentos políticos. Do início do século XIX a meados do século XX, a maioria dos adventícios
era do sul da China e falava os dialetos yue (cantonês) e wu (xangainês), reintroduzidos no final daquela
centúria; no início da década de 1970, os taiwaneses aqui trouxeram o seu minnan e o kejia ou hakka. Ao
longo desse tempo, o putongh (mandarim, língua oficial ou comum) sempre teve falantes no Brasil.
Ora, boa parte desses imigrantes pretendia enriquecer e retornar a seu país; todavia, os fatos políticos
indicados na nota 3 substituíram essa ideia pela de integração ao novo território e cultura, inclusive com o
aprendizado de uma nova língua. No Brasil, hoje, é de 190 mil a população de chineses e sino-brasileiros,
120 mil no estado de São Paulo, uma população em geral bilíngue, traço manifestado numa das
seguintes configurações: chinês/português (imigrantes mais recentes e de idade mais avançada, com
vários níveis de fluência); chinês/inglês (imigrantes recentes, usuários do inglês quando da chegada ao
Brasil); português/inglês (descendentes brasileiros dos imigrantes); chinês/japonês (imigrantes taiwaneses
maiores de 70 anos por ter sido a ilha ocupada pelo Japão de 1895 a 1945), entre outras. Além disso, os
imigrantes normalmente falam seu dialeto materno e dominam a língua comum que, quando não
coincidentes, aprendem na escola, mas não são raros falantes de três ou quatro dialetos, que, assim, além
do bilinguismo, vivenciam multidialetismo. (JYE, SHYU; MENEZES JR., 2009)
Principalmente na última década, dado o espantoso crescimento econômico da China e sua primazia
como parceira do Brasil no comércio internacional, vem crescendo o interesse de brasileiros com ou sem
essa ascendência pelo estudo do putonghuà, fazendo eclodir cursos, mesmo remotos, país afora,
inclusive no ambiente universitário (ROCHA, 2021), o que pode desfavorecer tendência apontada por Jye;
Shyu e Menezes Jr (2009) de fim do bilinguismo chinês/português entre os sino-brasileiros. O futuro dirá.
Quanto ao coreano5, no Brasil, seus falantes nativos procedem, em geral, da Coréia do Sul. Em São
Paulo, ele é falado na capital, em Santos, no ABCD e em Campinas; também é registrado na capital
federal e na dos estados do Sul, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Oficialmente, essa imigração é uma das mais tardias, tendo se iniciado em 1963; contudo, já antes,
pequenos grupos de prisioneiros da Guerra da Coréia (1950-1953) haviam chegado ao país. Os primeiros
107 imigrantes oficiais eram agricultores desembarcados em Santos em busca de oportunidades. De 1963
a 1974, houve grande fluxo imigratório de coreanos para o Brasil que, em sua maioria, optou pelas cidades
devido à ausência de infraestrutura para agricultura ou a problemas impeditivos de sua fixação no campo.
Os imigrantes coreanos enfrentaram dificuldades na nova terra, no entanto, as superaram e hoje estão
começando a integrar-se no país através de seus filhos, que promovem a integração da cultura coreana
com a brasileira. na segunda geração, a língua está perdendo papel comunicativo, mas, junto com
outros elementos culturais, se conserva através de novelas coreanas, canções populares, salas de chat da
Internet e jogos interativos online, além do estudo nas escolinhas da língua coreana.
Atualmente, cerca de 50 mil sul-coreanos vivem no Brasil, a maioria na cidade de São Paulo (96,84%).
Estima-se que quase 60% de imigrantes são do centro-sul da Coréia do Sul, cujo dialeto é predominante
no Brasil, embora ainda se conservem traços de dialetos de outras procedências. Dos imigrantes coreanos,
os mais velhos falam primordialmente sua língua materna, usando o português como língua instrumental
limitada, somente relacionada ao comércio; por sua vez, o português predomina para os mais jovens,
usuários de um coreano bem limitado.
___________
1. As referências deste artigo encontram-se ao final deste exemplar.
2. Por outro lado, da assimilação de traços da cultura nipônica pela população brasileira, resultou, no português
brasileiro, uma série de empréstimos lexicais, principalmente nos campos da alimentação (sushi, sashimi, tempurá,
shoyu, shitake), esporte e lazer (judô, jiu-jitsu, karaokê, caratê), costumes (ofurô, tatame, quimono), religião (bonzo,
butsudan), ciências (tsunami), relações familiares (nikkei, issei, nissei, sansei), relações de trabalho (dekassegui), etc.
3. Desde o início da imigração japonesa para o Brasil, o japonês escrito tem lugar na publicação de jornais da
comunidade ou de suas associações, interrompidas no período da II Guerra Mundial. Além disso, desde aquela época,
diferentes manifestações literárias têm sido desenvolvidas no seio da comunidade sob a forma de contos, romances e
de formas poéticas, como o Haiku e o Tanka, também cultivadas por escritores brasileiros.
4. Momentos: 1. da Guerra Sino-japonesa (1931-1945) à Revolução Maoísta (1949), que aqui introduziram técnicos e
industriais chineses; 2. de 1967 (o início da ditadura Suharto pressionou os sino-descendentes da Indonésia a migrar)
7
a 1971 (o reconhecimento, pela ONU, da República Popular da China como única representante da nacionalidade
geou o deslocamento para de levas de taiwaneses temerosos de represálias de Pequim); 3. 1997 (pelo mesmo
motivo, para cá vieram muitos habitantes de Hong Kong, quando de sua devolução à China pela Inglaterra).
5. Hoje, mais de 80 milhões de pessoas falam coreano, língua uralo-altaico, do mesmo grupo do finlandês, húngaro,
turco, mongol, tibetano e japonês, com o qual, aliás, tem muita semelhança estrutural e compartilha empréstimos ao
chinês. Ela é ainda o principal meio de fala e escrita para a primeira geração de imigrantes de sua comunidade, em
que predomina o dialeto de Seul, capital sul-coreana. Entre seus principais traços morfossintáticos, estão o caráter
aglutinante e sintético (sem artigo); as ordens (S)OV, adjetivo-verbo e tópico-sujeito proeminente (construções
nominativas, acusativas, tópicas duplas); a presença de posposição e ausência de relativos, conjunções e passiva.
8
FICA A DICA
LITERATURA
Da costa do ouro” de Raimundo Matos de Leão
Mirian dos Santos Pereira*
Publicado em 2001, “Da Costa do Ouro” é um romance juvenil de Raimundo
Matos de Leão, ilustrado por Rogério Soud, de temática histórica, com enredo na
Salvador da década de 1830, época da Revolta dos Malês, levante negro com o
objetivo de tomar a cidade, abolir a escravidão e a obrigatoriedade do culto católico.
Narra a história da jovem Mariana, negra liberta envolta em conflitos pessoais
que lhe exigem posicionamentos. Sua família cultua a religião dos Orixás: a avó
Feliciana é ialorixá de um terreiro e a mãe, uma fiel com funções importantes dentro dessa comunidade. No
entanto, a moça resiste à de seus ancestrais, contra a qual tem certo preconceito, mas, ao mesmo
tempo, teme pela vida dos seus, pois, na época, era intensa a repressão às religiões africanas. Outro
embate da jovem é com a não aceitação de sua família a seu romance com o jovem Fortunato, muçulmano
integrante do grupo de revoltosos, liderados pelo alufá Licutan, condenado e aprisionado ao longo da trama.
Embora, de início, a família de Mariana não aprove a relação devido às diferenças religiosas, o diálogo
aberto entre os líderes das duas comunidades, a interferência de um aliado branco (o jovem inglês Richard)
em favor do povo-de-santo e do próprio casal diante das autoridades policiais levaram, aos poucos, a um
novo posicionamento e, após a execução da pena dos envolvidos na revolta, Mariana e Fortunato passam a
descobrir seu caminho com base no amor, no respeito e na busca pela liberdade, o que acaba por conduzi-
los, com a velha Feliciana, a uma viagem de busca identitária à África.
Sem idealizar, a obra trata de temas difíceis (os embates e alianças entre os grupos sociais do período
escravista, os processos de resistência negra, a repressão aos levantes negros e religiões afro-brasileiras
da época, etc.), oportunizando ao público-leitor a reflexão sobre os conflitos da protagonista. Acompanhada
de ficha de leitura, trata-se de livro destinado pela editora ao trabalho docente no Ensino Fundamental II.
Referências: LEÃO, Raimundo Matos de. Da costa do ouro. São Paulo: Saraiva, 2001.
____________________
* Acadêmica de Letras Língua Portuguesa e Literaturas da Universidade do Estado da Bahia.
CINEMA Como pétalas que caem”, de Yoshihiro
Fukagawa
Adaptado do romance My lover, like cherry blossoms, de Uyama Keisuke, Como
pétalas que caem trata da história de Haruto Asakura, jovem fotógrafo cansado de
buscar afirmação profissional, que, indo a um salão, é atendido pela cabeleireira Misaki
Ariake que, acidentalmente faz-lhe um corte na orelha e o que era um pedido de
desculpas acabou se tornando um amor profundo entre ambos. Observando a namorada
trabalhar duro para atingir seus objetivos, o rapaz volta a perseguir seu sonho novamente. Tempos depois,
ela recebe diagnostico de uma doença rara que a faz envelhecer dez vezes mais rápido do que o normal,
uma barreira para a continuidade da relação, já que ela não quer que ele sofra por ela.
Comovente narrativa de amor e sublimação, o longa nos oferece uma chance de observar uma estética
cinematográfica um pouco distinta da ocidental, embora por ela influenciada.
Referência: FUKAGAWA, Yoshihiro (Dir.). Como pétalas que caem. [Love like the falling petals] Japão:
Netflix, 2022, 2:09h.
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HOLOFOTES
Estudos Literários
SOARES, Janara Laíza de Almeida. A constituição do efeito estético através do
narrador: aspectos de credibilidade em Cartucho, de Nellie Campobello. 2021. 189 f., il.
Tese: Doutorado em Literatura. Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em:
<https://repositorio.unb.br/handle/10482/42505>.
Trata-se de analisar a constituição do efeito de credibilidade no livro Cartucho: relatos de la
lucha en el Norte de México (1931), da escritora Nellie Campobello a partir dos princípios
da Epistemologia do Romance (ER) e de noções já desenvolvidas nesse campo, como jogo
e intencionalidade, essenciais para estabelecer o status de efeito da credibilidade no
corpus da pesquisa. Inicialmente, procede-se a uma revisão bibliográfica dessas noções
assentadas sobre os estudos de Huizinga (2000), Gadamer (2008) e Iser (1996, 1999,
2013), com a intenção de discutir os seguintes aspectos: a noção de jogo no âmbito
literário; a intencionalidade, marca da racionalidade presente no objeto de arte, responsável
pela configuração das estratégias narrativas produtoras de efeito estético; e a credibilidade,
noção articuladora do literário e extraliterário na configuração dos demais efeitos estéticos.
Em seguida, busca-se traçar um gesto epistemológico desde a construção de uma hipótese
ontológica, noção trazida por Kundera (2016) em sua reflexão sobre o romance.
Analisando-se o ambiente social, político e cultural da obra e a posição da autora quanto
aos acontecimentos da época e dilemas das narrativas de guerra, foi possível chegar à
seguinte hipótese ontológica: o esquecimento do sujeito como degradação não apenas do
ser humano (enquanto pessoa esquecida) no contexto de violência da Revolução, mas de
toda uma atividade coletiva pautada na ação desse sujeito e de suas consequências
sociais. Essa identificação permitiu a construção de uma conjectura que sugere como
principal elemento para o efeito de credibilidade e dos demais efeitos criados para
corroborar a hipótese ontológica , a narradora com uma perspectiva infantil e a estilização
da voz da criança-testemunha. Na sequência, parte-se da ideia de imaginário social Baczko
(1999) para observar como a escritora utilizou o imaginário infantil da época para, através
da composição antitética entre os elementos desse imaginário e o ambiente abjeto da
guerra, criar o efeito de choque e a possível desconstrução dos discursos oficiais, que
higienizam a história ao organizá-la didaticamente para engendrar o sentimento de união
nacional. Além disso, procedeu-se à análise da focalização conforme Bal (2007, 2017) para
dar conta da especificidade da narradora de Cartucho e da produção de efeitos decorrente
da focalização escolhida para a narradora. Por fim, trata-se das escolhas para a criação da
credibilidade do livro estudado que, colocado no mundo, compete com as narrativas das
autoridades através do testemunho, memória e voz estetizada da criança, instituindo o jogo
de credibilidade e a manipulação do efeito estético.
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HOLOFOTES
Estudos Filológicos
AMARAL, Ana Carolina Estremadoiro Prudente do. Filologia e Direito na edição e
análise de um processo judicial de execução entre partes de 1821 com penhora de
escravizados: encontros. 2021. Dissertação: Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2021. Disponível em: < https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-
28092021-160701/pt-br.php>.
Processos judiciais atestam variados aspectos da vida cotidiana do período em que
tramitaram. Formada a relação processual entre as partes e o juiz, trazem o verdadeiro Direito
aplicado em dado período histórico, além de informações aptas a revelar muito das relações
sociais, da economia e da política de então. A análise filológica de um processo judicial pode,
portanto, transformá-lo em fonte histórica, capaz de revelar caminhos e espaços para estudos
em diversas áreas do saber. Nesse sentido, unir Filologia e Direito pode permitir responder
com clareza e fidedignidade como era a aplicação das leis no Brasil e em Portugal, como eram
as relações entre colônia e metrópole, os cargos da estrutura judicial-administrativa e seus
integrantes. A edição facsimilar e a semidiplomática dos autos de uma ação de execução entre
partes, datada de 1821, proposta pelo Capitão Antônio da Silva Prado, Sócio-caixa dos
contratos do novo imposto da meia sisa dos escravizados ladinos, em face do Sargento-mor
Ignacio de Araújo Ferraz, pelo não repasse da arrecadação desse tributo feita pelo réu em Vila
Bela da Princesa, província de São Paulo, possibilitou revelar, além do texto em si, a província
paulista àquela época, a circulação dos autos e a questão dos escravizados, penhorados e
leiloados para o pagamento da dívida contraída pelo réu. As edições também permitiram a
elaboração de um glossário de alguns termos jurídicos presentes nos autos, contextualizados,
além do tratamento do processo judicial não em sua unidade, mas também como
pertencente a um acervo judicial público, contribuindo, assim, para a formação da história do
Direito e do Poder Judiciário Brasileiro, que muitos estudos jurídicos anteriores se baseiam
na simples análise da legislação e jurisprudência da época, não diretamente num processo
judicial, fonte confiável da efetiva aplicação do lei. Assim, o labor filológico sobre os autos
tornou-se meio de preservação desses documentos, tornando-os mais acessível aos
interessados em compulsá-los.
Referências do artigo “A mudança toponímica”, p. 2-3
RAMOS, Ricardo Tupiniquim Ramos. Toponímia dos municípios baianos: descrição, história,
mudanças. 2008. 547 f. il. mp. Tese Doutorado em Letras e Linguística. Instituto de Letras,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. Disponível em:
<http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/31683>.
SAMPAIO, Theodoro. O tupi na geografia nacional. Salvador: Liceu de
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HOLOFOTES
Estudos Linguísticos
RAMOS, Ricardo Tupiniquim Ramos. Toponímia dos municípios baianos: descrição, história,
mudanças. 2008. 547 f. il. mp. Tese Doutorado em Letras e Linguística. Instituto de Letras,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. Disponível em:
<http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/31683>.
O topônimo ou nome geográfico é objeto de estudo da Toponímia, ciência lexical e interdisciplinar,
pois dependente de dados geográfico-históricos, sócio-antropológicos etc. Dotado de significante,
significado etimológico (com transparência associada ao grau de conhecimento especializado do
falante), de função identificadora do local referente e identitária de seu habitante, o topônimo é um
signo linguístico especial. Como nome comum, toponímia se refere a um conjunto de topônimos.
Até hoje, nunca houve estudo sistemático, sincrônico ou diacrônico, da toponímia municipal
baiana. Essa lacuna gerou a necessidade de um trabalho descritivo e interpretativo dos atuais
(ano 2000) 417 nomes e reconstitutivo de sua cadeia anterior em alguns períodos (1824, 1889,
1940 e 1970), com vistas a: identificar a natureza, estrutura e origem dos nomes; a motivação e
tendências na definição e escolha dos nomes; a relação, possível, entre esses e o povoamento
das áreas; os padrões de mudança toponímica (aspecto teórico inédito, no Brasil); indicar áreas
de saliente influência portuguesa, africana e indígena, concentrando-se nesta, com destaque para
a de procedência tupi; e, ainda, a apresentar a situação da toponímia nas sincronias apontadas.
Inicialmente, houve o levantamento e registro dos dados geográfico-históricos e socioculturais de
cada município em fichas padronizadas, base para a elaboração de glossário, fonte, por sua vez,
dos quadros com dados toponímico-históricos, que evidenciam duas grandes áreas de marcante
presença tupi: a Serra Geral e o Planalto da Conquista; e a Faixa Litorânea. Zona de colonização
antiga, esta reflete uma autêntica influência de antigos falantes do tupi-antigo, indígenas ou
colonos; graças à sua integração tardia do resto do Estado, aquela reflete os modismos da época.
A exiguidade de dados de matriz etnolinguística africana não permite afirmar áreas com essa
influência, porém uma ampla área descontínua concentra topônimos atuais dessa origem (Litoral
Sul, Serra Geral, Sudoeste). Dados históricos complementares mostram maior incidência de
topônimos africanos em vilas e povoados no fim do século XIX, possibilitando a identificação
futura de outras áreas congêneres. Não se pode indicar área de maior influência portuguesa na
macrotoponímia baiana por ser geral a presença de nomes dessa origem no Estado. Os dados
mostram a oposição descrição X homenagem como os mais recorrentes processos de nomeação,
verdadeiros arquétipos toponímicos. Entre 1824 e 1890, não houve mudança significativa nesses
mecanismos. A partir de 1940, cresceram referências ao poder político e decresceram muito
aquelas ao sobrenatural, movimento estabilizado a partir de 1970, embora alguns dados mostrem
o avanço de homenagens ao poder secular. Composição e formação simples são os processos
morfológicos mais recorrentes, embora derivação e flexão estejam presentes em todo o corpus,
que também registra a passagem de nomes de acidentes naturais a acidentes humanos. Na
formação da macrotoponímia baiana, são recorrentes alguns lexemas, sobretudo tupis, a maioria
descritiva, alguns de baixa incidência ou isolados; há gramemas muito recorrentes. Entre aqueles,
uns são elemento determinado em posição inicial ou final (com adjetivo determinante) e medial
(em relação genitiva pura ou com construção locativa) no sintagma toponímico. Não fósseis
linguísticos entre os municípios antigos, porque alguns mais recentes também os têm. Do pós-
Independência a meados da década de 1950, foi comum a substituição de formas portuguesas
por tupis. O corpus baiano não confirma totalmente padrão descontínuo de mudança, não
possibilitando afirmar a unidirecionalidade descontínua nessas mudanças, para as quais foi
possível identificar 10 categorias, pareadas desde 5 critérios cumuláveis: fator condicionante
(mudanças espontâneas X planejadas); conservação/inovação de categoria (mudanças parciais X
totais); relação entre o tamanho dos nomes antigo e novo (mudanças por ampliação X por
redução); conservação linguística (mudanças internas X externas); presença de formantes de
nome anterior (mudanças por conservação lexical X regressão).
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Agenda alia...
PROGRAMAÇÃO
data tema convidado(a)
4 Movimento indígena, lutas contemporâneas Farney Omágua-Kambeba
6 Tradições arqueológicas brasileiras Ricardo Tupiniquim
7 Protagonismo indígena na história e Educação Valdeíza Castro
8 Cordel indígena Auritha Tabajara
11 Educação indígena Márcia Kambeba
13 A Década das Línguas Indígenas da ONU Altaci Kokama
14 Artes plásticas indígenas Marília Krahô
15 Música indígena Preciawá Porãngueté
18 Etnomatemática indígena e Educação Katu Tupinambá
20 Poesia decolonial indígena bilíngue Ricardo Tupiniquim
21 Cinema Indígena Hugo de Sá
22 Rap indígena Amaru Pataxó
25 Processos tradicionais de cura indígena Marília Krahô
27 Astronomia indígena Ricardo Tupiniquim
28 Bem-viver indígena Ângelo Kaimbé
29 Literatura e cancioneiro indígena Márcia Kambeba
Referências do artigo O Brasil imigrante e nossa multidiversidade linguística”, p. 6-7
INAGAKI, E. M. Douradossu: caminhos e cotidiano dos nikeis em Dourados décadas de 1940,
1950 e 1960. 2012. Dissertação: Mestrado em Letras. Dourados, Universidade da Grande
Dourados, 2012.
JANSON, Tore. A história das línguas: uma introdução. São Paulo: Parábola, 2015.
MATSUMOTO, André S.; BUENO, Elza S. da S. Variante linguística dos nipo-brasileiros falada na
região de Dourados/MS: interfaces do contexto diglóssico dos nikkeis. Via Litterae, ano 9, n. 1,
2017. Disponível em: <https://www.revista.ueg.br/index.php/vialitterae/article/view/4762>. Acesso:
2.mar.2022.
OTA, J. A. A língua falada nas comunidades rurais nipo-brasileiras do estado de São Paulo:
considerações sobre koronia-go. Synergies Brésil, São Paulo, n. 7, p. 49-56, 2009. Disponível
em: <http://resources-cla.univ-fcomte.fr/gerflint/Bresil7/ota.pdf>. Acesso: 2.mar.2022.
ROCHA, lio de Mendonça. Com crescimento da China, ensino do idioma também avança no
Brasil. Brasil 247, 10/09/2021. Disponível em: <https://www.brasil247.com/geral/com-crescimento-
da-china-ensino-do-idioma-tambem-avanca-no-brasil>. Acesso: 2.mar.2022.