UMA PIADA
DE PORTUGUÊS
José Ribamar
Bessa Freire - 16/12/2007 - Diário do Amazonas
Quinta-feira, 13 de dezembro.
Hora do almoço. O chofer da camionete chapa branca, apelidado de
‘Malandro Carioca’, pára na garagem do hotel. Desce o deputado
Aldo Rebelo (PC do B - SP), trajando paletó azul e gravata
vermelha. Encontra seu irmão caçula no restaurante. O garçom
traz o menu. Alisando seu bigode, Aldo pede bife de filé no
capricho, com purê de batata e, de entrada, salada de maionese
com tomate e azeitona. Enquanto come, discute a guerra da CPMF e
a crise política. No final, toma o indispensável cafezinho bem
brasileiro e vai embora, depois de fazer um brinde, festejando a
aprovação do projeto de lei contra os estrangeirismos.
O projeto, de sua autoria,
proíbe o uso nos documentos oficiais de palavras estrangeiras
importadas, sem especificar, no entanto, o momento histórico da
importação. Obriga a mídia e outdoors (perdão, painéis) a
traduzir, para o português, vocábulos de outras línguas.
Determina que especialistas inventem palavras novas em português
equivalentes a expressões usadas em áreas de inovação
tecnológica. Os infratores serão punidos com multas, mas ainda
não se sabe como. Aprovado pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), o projeto volta agora ao Plenário da Câmara para
votação final.
O deputado Aldo Rabelo vai
transformar o cotidiano dos brasileiros num inferno, se o seu
projeto for levado a sério, porque o português está repleto até
o tucupi de estrangeirismos, a maioria dos quais, o falante
comum nem imagina quando e de onde vêm. O próprio Aldo –
coitado! – não vai poder andar de carro, comer, falar, beber, se
vestir, ou alisar seus bigodes impunemente. Uma rápida análise
do relato sobre o seu suposto almoço mostra que 95% das palavras
ali usadas, as mais prosaicas possíveis, estão enquadras na
proibição. Quer ver? Olha só!
As palavras restaurante, garçom,
menu, filé, maionese, purê, conhaque e champanhe foram roubadas
do francês, que, como todo mundo sabe, adora comer e beber e,
além disso, exportou para nós milhares de galicismos como
chofer, camionete, garagem, hotel. Aldo não pode degustar a
culinária francesa, muito menos a batata cultivada em chácara,
duas palavras quéchuas. Salada de tomate, nem pensar, é vocábulo
nahuátl do México, tanto quanto chocolate. Bife é inglês e, se
for no capricho, é coisa de italiano. Azeitona é árabe. Nem suco
de abacaxi ou caju – palavras tupis – ele poderá beber. Suprime
até o cafezinho, que todo mundo pensa que é brasileiro, mas é
palavra árabe – qáhwa, exportada para a Turquia, onde virou
kahvé e de lá, em, 1655, para a Itália, mudando para caffé,
sendo então repassada para nós.
O deputado, faminto e com sede,
encontra dificuldades em se vestir. Coerente com a defesa da
língua portuguesa, tira o paletó tão francês quanto o sutiã, mas
não pode substituí-lo por short, jeans e tênis, comprados no
shopping, porque são anglicismos. Não pode ficar de camisa,
porque se trata de uma palavra celta. O pijama é descartado
porque vem do hisdustani, falado na Índia. Só de cueca e gravata
vermelha, Aldo pode ser cassado por falta de decoro, como
aconteceu com o deputado Barreto Pinto, que no final dos anos
1940 posou de fraque e cueca para a revista Cruzeiro.
Mas nem a gravata vermelha ele
pode usar: gravata é crovatta, denominação dada pelos italianos
aos croatas, inventores da dita cuja, e vermell foi trazida em
1380 do Oriente Médio por marinheiros catalães. Por isso, Aldo
procura roupa alternativa costurada artesanalmente, mas descobre
que alfaiate é estrangeirismo, um empréstimo do árabe, de onde
também vem a cor azul do seu terno abandonado e vocábulos como
almofada, xadrez, tarefa, laranja, guitarra e tantos outros. O
deputado, então, só tem uma saída para manter sua fidelidade à
pureza da língua portuguesa: ficar como os índios Tupis.
Nu, faminto, desesperado e com
sede, Aldo tenta conversar com o irmão, mas omite a condição de
caçula, estrangeirismo proveniente de língua africana igual a
milhares de outros como vatapá, samba, cafuné, bagunça, moleque,
bunda. Não pode discutir política, nem expor sua tese sobre a
crise ou defender a democracia, porque são quatro termos gregos.
Não pode falar de guerra (werra), nem mesmo fazer um brinde (bring
‘dir – eu te ofereço), que são germanismos. Aldo, então, é
obrigado a ficar mudo como o ex-deputado amazonense Lupércio
Ramos que ficou durante todo seu mandato. Mudo, despido, faminto
e com sede, o autor do projeto, contrariando a doutrina social
que professa, demite seu motorista, por não poder chamá-lo pelo
apelido: Malandro é um italianismo como festejar e carnaval. Já
a palavra Carioca, de origem tupi, foi incorporada com milhares
de outras ao português do Brasil. Aldo, finalmente, cofia o
bigode, mas é advertido que alisar é um termo da língua celta e
bigode vem do alemão (bei got – por Deus). Por Deus, Aldo raspa
seu bigode. Tudo pela pureza do português!
Desbigotado, nu, mudo, faminto e
com sede. Aldo Rebelo pode ser salvo pelos especialistas que vão
criar palavras novas e puras, em português legítimo e autêntico.
Sua última esperança morre, quando lê o relatório produzido por
eles sobre o Campeonato Brasileiro de Pé-na-bola, o esporte
nacional, que inclusive exporta pebolistas para a Europa. No
campeonato de 2007, Romário enfiou a bola na baliza, por baixo
das pernas do guarda-valas, fazendo mil objetivos, muitos dos
quais de tiro-livre. O deputado Aldo Rebelo, parlamentar
combativo e honesto, pertence a um Partido de luta. No entanto,
nessa questão, tem uma assessoria ingênua. Sua intenção é boa,
mas a proposta é xenófoba, inoportuna e inexeqüível, três
palavras horrorosas, banidas de sua cartilha. O português, como
qualquer língua viva, tem uma história de contato com centenas
de outras línguas. Emprestou e tomou emprestadas, sem pagar ou
cobrar juros e sem ter que saldar os serviços da dívida. Embora
o léxico seja a estrutura mais superficial da língua, talvez por
ser mais visível, tem gente que acha, de forma simplista, que
cada língua deve ter reserva de mercado discursivo do seu
patrimônio lexical, e, que quanto mais palavras têm, mais rico é
um idioma.
Os
dicionários de qualquer língua estão cheios de estrangeirismos,
dependendo da área de interesse de seus falantes, mas isso não
torna uma língua melhor ou pior que outra. O escritor Fernando
Morais conta que, em 1989, um filósofo angolano fez conferência
numa universidade alemã. Na hora do debate, um alemão perguntou,
arrogantemente, como era possível filosofar numa língua pobre
como a do conferencista, com tão poucos conceitos abstratos. O
angolano dividiu o quadro negro ao meio com um giz e pediu-lhe
que escrevesse sinônimos alemães para os órgãos sexuais. O cara
rabiscou, então, apenas duas palavras: fotze e gurbe. O angolano
enumerou, do outro lado, mais de 200 palavras em sua língua,
muitas das quais eram estrangeirismos. |
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Não existe nenhuma língua no
mundo sem influência estrangeira. Mais de 50% das palavras do
inglês, vieram do francês. Tudo bem. É ridículo o Berinho, atual
Secretário de Cultura do Amazonas, denominar em inglês o
festival de cinema que ele realiza com o dinheiro do
contribuinte. Mas é só ridículo. O português não vai enfraquecer
por causa disso. Se estrangeirismos se impuserem pelo uso e
forem incorporados ao português, qual é o problema? A língua não
vai deixar de ser portuguesa, por causa de palavras importadas.
Ela continua pertencendo às comunidades que as falam e que sabem
defendê-la. O que se deve defender é outra coisa. No mesmo dia e
hora em que a CCJ aprovava o tal projeto, a Comissão de Educação
e Cultura, indo num sentido contrário, se reunia em outro
auditório da Câmara de Deputados de Brasília para discutir
relatório sobre a Diversidade Lingüística do Brasil, onde são
falados mais de 200 idiomas. Tive a sorte de participar da
audiência pública. Fiquei emocionado, com a sensação de estar
vivendo um momento histórico importante na vida do país. O
deputado Carlos Abicalil (PT/MT), assessorado por lingüistas e
técnicos do IFHAN, coordenados por Márcia Sant’Anna, fez um
brilhante trabalho. Sou capaz de mudar de domicílio eleitoral só
para votar nele.
O relatório considera que a
diversidade lingüística é um patrimônio da humanidade, que deve
ser – esse sim - defendido com unhas e dentes. No Brasil, essa
riqueza toda é representada pelas línguas indígenas, pelas
línguas das comunidades afro-brasileiras e dos imigrantes
estrangeiros, pela Língua de Sinais (LIBRAS), mas também pelas
variedades dialetais da língua portuguesa. O IPHAN, que vai
fazer um inventário desses falares, propôs a criação do Livro de
Registro das Línguas para garantir o direito dos falantes esse
patrimônio de natureza imaterial.
Durante o evento, a
representante da Unesco, Jurema Machado, anunciou que aquela
instituição havia escolhido 2008 para ser o ano da diversidade
lingüística. Foram distribuídas cópias do Diário Oficial da
União de 12 de dezembro, contendo texto bilíngüe do acordo de
cooperação entre a FUNAI e a OPIPAM – Organização do Povo
Indígena Parintitin do Amazonas. O documento foi publicado em
português e em língua Kagwahiva. É a primeira vez que isso
ocorre na história do Brasil. Policarpo Quaresma, com “seu
eterno sonhar, sua ternura e sua candura de donzela romântica”,
não estava doido. Agora, ninguém mais vai rir dos ofícios que
ele escreveu em tupi.
PS – Agradeço as informações
sobre a origem das palavras aqui citadas ao filólogo Jean
Corominas (1905 – 1997), autor do Dicionário Etimológico.
ALGUNOS FALSOS AMIGOS
(Chamam-se falsos amigos as
palavras espanholas semelhantes ou iguais a outras do português,
mas com significado diferente)
Abarcar
(abranger). “Quien mucho abarca, poco aprieta”, dice el
refrán.
Abonar1 (pagar;
adubar). El cliente ya abonó su factura.
Abonar2 (adubar).
El labrador abona la tierra de cultivo.
Aburrido/a
(enjoado/a). Esos chicos dijeron que la fiesta estaba muy
aburrida.
Aceite (azeite, óleo).
El aceite
mineral es muy usado en la industria.
Acordar (fazer acordo).
Los concejales
acordaron arreglar algunas calles.
Acostado/a (deitado/a).
Rosa dijo que a
las once de la noche ya estaba acostada.
Acrianzado/a
(criado/a, educado/a).
Se conoce que su
hijo ha sido bien acrianzado.
Achacar (acusar,
culpar). Sus enemigos le achacaron delitos que él no
había cometido.
Afanado/a (esforçado/a).
Nosotros nos
afanamos
para conseguir este resultado.
Apellido
(sobrenome). Pérez es un apellido muy común en España.
Apenas (quase
não). Le pregunté por su primo pero me dijo que apenas lo
veía.
Apurado/a
(apressado/a). No puedo esperarte porque estoy muy apurado.
Arrestar
(prender). La policía arrestó al sospechoso del crimen.
Arresto (La pena
que le impusieron fue un mes de arresto.
Aula (sala de aula).
Hoy tenemos clase
de Matemáticas en un aula próxima a la vuestra.
Azahar (flor de
laranjeira). El perfume de azahar es muy agradable.
Bachiller (diplomado de secundário).
Francisco ya ha
terminado el curso. Ahora es bachiller.
Balcón (sacada).
En los balcones de algunas casas ponen plantas con
flores.
Berro (agrião).
En aquel
restaurante servían ensalada de diversas legumbres, entre ellas
berros.
Billón (um
milhão de milhões).
En español un
billón equivale a un millón de millones.
Bolso (bolsa de senhora).
Algunas jóvenes
sólo usan bolsos de la última moda.
Borracho/a
(bêbedo/a). Bebieron tanto vino que se quedaron borrachos.
Botiquín
(estojo de primeiros socorros).
El médico siempre
llevaba consigo un botiquín.
(Sigue en el
próximo número)
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Tradução
(Traduza ao espanhol – Confira
no próximo número)
Telefone e computador
Pelo telefone podemo-nos
comunicar oralmente com outras pessoas. Ele pode ser fixo ou
celular. Este pode levar-se no bolso, na bolsa ou numa pasta,
mas é muito prático porque se pode usar em quase todo lugar,
porém, às vezes, há limitação de alcance da distância. O fixo
pode conter uma secretária eletrônica e receber ou registrar a
chamada, se o destinatário estiver ausente.
Já
o computador usa-se mais para a comunicação escrita. Usa-se o
mouse para escrever e a mensagem pode ser enviada por internet a
e-mails de qualquer parte do mundo. |