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Hilma Ranauro
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O empréstimo lingüístico não ocorre somente com relação ao influxo de outras línguas. Ocorre também dentro da própria comunidade lingüística, entre os falares locais e/ou regionais, por exemplo. O sistema tradicional de cada um desses falares sofre mudanças por empréstimos. A língua literária também recebe empréstimos dos falares. Ela, por sua vez, também pode influenciá-los.
Quase nada se fala desse tipo de empréstimo. É comum, porém, a menção a empréstimos de línguas ditas "estrangeiras". A reação da comunidade lingüística a esses empréstimos muitas vezes oscila entre a aceitação irrestrita e a aversão total, sem nenhuma concessão. Nessa última corrente, ressalta-se a preocupação com a soberania da língua, soberania esta que se crê ameaçada pela incorporação dos ditos "estrangeirimos". Há que lembrar, contudo, que esse tipo de reação também se manifesta quanto a empréstimo dentro da própria língua.
da aceitação irrestrita à total rejeição
Ás vezes o empréstimo causa um verdadeiro impacto, gerando polêmicas e discussões. José de Alencar, por buscar dar ares de brasilidade ao seu texto, mereceu duras críticas. Ao levar para seu texto aspectos da sintaxe brasílica e termos estranhos ao vocabulário tido como oficial desencadeou um verdadeiro escândalo literário. O mesmo veio a ocorrer com outros escritores, malgrado ainda manterem-se ligados, de um jeito ou de outro, aos cânones literários tradicionais.
As discussões quanto à "pureza" da língua portuguesa se fizeram presentes com mais vigor quando de nossa independência, com exageros e descalabros muitas vezes. De um lado, os que, nacionalistas, buscavam dar lugar à sintaxe brasileira e aos vocábulos que aqui se empregavam, legitimando nossos modos de dizer consagrados pelo uso. Chegaram alguns a pregar a existência de uma “língua brasileira”. De outro lado, os que, puristas, resistiam a essa legitimação, sem nenhuma concessão ao uso corrente. (RANAURO, 1990, p. ).
No Brasil, como nos E.E.U.U., e um pouco menos nos demais países americanos, explodiu, após a independência, um nacionalismo exacerbado, agressivo, que veio a descambar, muitas vezes, para um radicalismo ideológico, tão equivocado quanto equivocada era a subserviência a valores e padrões do colonizador. De um lado, as chamadas elites dirigentes, subordinadas aos padrões europeus; de outro, os que, querendo-se nacionalistas, pregavam a negação total de padrões e valores europeus, fruto do que Celso Cunha veio a chamar de “sentimento de bastardia”, gerado por longa vassalagem cultural. (CUNHA, 1977, p. 11).
No Brasil, a aversão ao colonizador chegou ao ponto de se pensar na criação de uma língua brasileira. O espírito de colônia pode nos levar a sandices semelhantes. Da mesma forma o sentimento de colonizados tende a levar à crença de que em Portugal é que se fala o melhor português. Pode levar também, o que é mais comum, à assimilação indiscriminada de tudo que é estrangeiro, essencialmente do que representa o povo que se elege como superior, ou que se apresenta como tal por contingências sócio-políticas, econômicas e/ou culturais.
Esse duplo sentimento, de aceitação irrestrita ou de total rejeição, pode ser observado atualmente quanto aos anglicismos. Disso falaremos, com maiores detalhes, adiante. Antes, porém, é necessário entendermos o que subjaz a essas correntes.
tradição estática e tradição dinâmica
A tradição, ensina Celso Cunha, pode ser estática ou dinâmica. A tradição estática tende à estratificação. E "a estratificação", afirma Celso Cunha, "é a morte letárgica do idioma" (CUNHA, 1970, p..21).
As línguas vivas nunca ficam estacionárias", diz Ronald Langacker. "Todas as línguas", diz ainda, "são o produto de mudanças e continuam a mudar durante todo o tempo em que são faladas". (LANGACKER, 1972, p.185). Essa mudança é gradativa, por vezes imperceptíveis num primeiro momento, somente sendo percebida no decorrer dos séculos.
Uma das maneiras pelas quais as línguas mudam é pelo empréstimo de outras línguas, não somente empréstimo lexicais (mais comuns), mas também empréstimos sintáticos e fonológicos (menos freqüentes e perceptíveis).
O estudo diacrônico de uma língua registra os vários empréstimos pelos quais ela evoluiu. O latim, lembremos, carreou empréstimos do grego para as línguas neolatinas. Carreou-os também para línguas de outros grupos. Os empréstimos do grego e do latim são sempre bem recebidos, não geram a resistência que provocam os empréstimos tomados a línguas modernas, tidas como "estrangeiras". Disso falaremos a seguir.
empréstimos latinos e gregos
Wolfgang Roth salienta que "o empréstimo da palavra latina ou greco-latina nunca foi objeto de uma crítica lingüística ideológica sistemática", como se observa em relação ao empréstimo de línguas modernas (anglicismo, atualmente). (ROTH, 1980, p.161). "No que respeita aos empréstimos greco-latinos", conclui, "pode-se, nas línguas românicas, comprovar até uma atitude contrária ao empréstimo das línguas modernas". ((ROTH, 1980, p.161-162). Acrescentaríamos que chega a haver como que uma sacralização do latim até mesmo pelo usuário comum da português, que chega até a dizer que o latim deveria voltar às grades curriculares.
Para Wolfgang Roth, a distinção culturalmente estabelecida entre esses dois tipos de empréstimo (os das línguas latina e grega e os de línguas modernas) se basearia essencialmente em dois critérios:
1.º) no que ele chama de "motivação interna", por possibilitar a compreensão do significado, pelo menos potencialmente, constituindo assim, nas palavras do germanista Hans Glinz, uma ajuda mnemônica. (GLINZ, 1970, apud ROTH, 1980, p.162), ajuda essa que não pode oferece a maioria dos anglicismos. "Trata-se", observa Roth, "de um fenômeno da economia lingüística. (ROTH, 1980, p.162)
2.º) na distinção estabelecida, em certos trabalhos lingüísticos, entre palavra estrangeira e palavra erudita de origem greco-latina. A palavra tomada ao latim ou ao grego é encarada como erudita; a palavra tomada a outra língua, como estrangeira ("estrangeirismos", como são por vezes chamados). O latim é tido como um "reservatório ou depósito natural", usemos expressões de Remy Gourmont. Gourmont, ao falar do latim como reservatório ou depósito natural do francês, a ele se reporta como "chien de garde qu'il faut soigner, noutrir e caresser" (cão de guarda que é preciso tratar bem, alimentar e acariciar). (GOURMONT, 1955, apud ROTH, 1980, p.161-162).
Quanto à distinção entre palavra estrangeira e palavra erudita de origem greco-latina, alega-se que a palavra erudita teria sido introduzida geralmente por via escrita. Argumenta, porém, Wofgang Roth que o empréstimo da língua moderna se processa, em muitos casos, também na forma escrita e alega que é difícil verificar por que caminho, oral ou escrito, este ou aquele empréstimo foi tomado. (ROTH, 1980, p.163).
Roth considera que as formações a partir de elementos gregos e latinos nas línguas românicas compensariam a sua capacidade relativamente reduzida de formar novos lexemas a partir de composições por meios próprios. "Considerações desse, tipo", acrescenta, "trariam apoio lingüístico dos ideólogos da linguagem que defendem o latinismo alegando apenas a íntima relação genética e cultural das línguas românicas com o latim". (ROTH, 1980, p.162-163). Chega-se a pensar em formações lexicais, algumas risíveis, a partir de elementos lexemáticos gregos e/ou latinos, como meio de inibir e/ou eliminar os empréstimos ditos estrangeiros.
E, aí, retrocedendo na história, caberia comparar o influxo dos anglicismos no mundo contemporâneo ao influxo dos galicismos em fins do século XVIII e princípios do século XIX devido à irradiação da cultura francesa (Ilustração, Enciclopédia, Revolução, Romantismo). Lembremos a reação dos puristas portugueses e brasileiros, que viam, na entrada dos galicismos, uma nova "ofensiva dos bárbaros", como bem a definiu Celso Cunha. O termo barbarismo chegou mesmo a ser empregado como sinônimo de galicismo. Lembremos, por exemplo, a relação de formações latinas para substituírem estrangeirismos proposta por Castro Lopes em Neologismos indispensáveis e barbarismos dispensáveis: choribel por carnet; concião por meeting, ludâmbulo por turista, premagem por massagem, runimol por avalanche, etc. (CUNHA, 1970, p.34).
Em seu estudo, além desses exemplos no português, Roth lembra haurinxugar por drenar, o latinismo "bastante erudito", segundo ele, locutor, em espanhol e português, para substituir o anglicismo speaker, "aliás", observa, "bastante vivo em francês". Cita ainda a formação espanhola fonocaptor criada com o fim de substituir o anglicismo pick-up. (ROTH, 1980, p.161-162).
Lembremos também o outro tipo de atitude: a da aceitação e incorporação irrestrita de termos ou expressões do francês: fazer suspense, com a pronúncia francesa do termo, merci beaucoup, reduzido para merci (ainda hoje se ouve?) à la volonté ("à vonté"), à demain (Ibrahim Sued), en passant avec (Você vai sozinho ou avec?), fermez la bouche, "fermez la bouche et écoutez" (? ) noblesse oblige, "pour épater le bourgeois ("Para chocar a burguesia ou o burguês), Termos en arrière/en avant (quadrilhas de festas juninas), d'accord, d'abord, tête à tête, rendez vous,
a adaptação fonética do empréstimo
Um outro ponto a ser analisado, segundo Wolfgang Roth, se reporta à integração fonética e formal do empréstimo. "Até que ponto", questiona, "a aceitação de latinismos e a recusa de muitos empréstimos particularmente do inglês não seria a conseqüência de uma força integrativa diferente dos dois tipos de empréstimos?". (ROTH, 1980, p.163).
Normalmente a palavra tomada de empréstimo é adaptada ao sistema fonológico da língua. Nem sempre, porém, são completamente assimiladas. Às vezes novos hábitos fonológicos são introduzidos. Ronald Langacker fala em "Tróia fonológico", introduzindo novos sons ao inventário de sons previamente usados na língua. O empréstimo de unidades lexicais pode, pois, ter um impacto importante sobre os sistema fonológico de uma língua (LANGACKER, 1975, pp.190,191). Por vezes ocorre uma mutação interna em todos os níveis da estrutura lingüística: sistema semântico, sintático e fonológico. (LANGACKER, 1975, p.191).
A INCORPORAÇÃO DOS ANGLICISMOS
no português do Brasil, no espanhol e no francês
Wolfgang Rotz faz um estudo crítico e comparativo quanto á incorporação ortográfica dos anglicismos no português brasileiro, no espanhol e no francês. No caso específico do português brasileiro, lembra que textos de décadas anteriores apresentam a ortografia inglesa entre aspas. Seriam, considera, "anglicismos dispensáveis", mais tarde aportuguesados ortograficamente, passando a ser considerados parte do léxico da língua. E lembra bluff e flirt, que se tornaram aportuguesadas nas formas blefe e flerte. (ROTH, 1980, p.163). Lembraríamos futebol, clube, etc. lider, lanche?
Esse processo de aportuguesamento seria, segundo ele, o resultado de uma "cooperação, ainda que não proposta, do falante com o dicionarista". Argumenta que, tanto da parte do falante como da parte do lexicólogo, poderia haver reticências, que normalmente se manifestariam "no fato de o falante nem sempre estar disposto a aceitar o aportuguesamento proposto pelo lexicólogo ou o lexicólogo não ver necessidade nenhuma de dicionarizar o aportuguesamento espontâneo do falante". (ROTH, 1980, p.163-164).
Roth vem a concluir que o tratamento do anglicismo em português assemelha-se com o tratamento do anglicismo em espanhol. Completamente diferente seria o tratamento do anglicismo em francês. Haveria, pois, processos diferentes nas três línguas: "Enquanto o português - e ao que parece em menor grau o espanhol - tende para o aportuguesamento (ou uma hispanização) não apenas ao nível fonético, mas também ao nível ortográfico, o francês mostra, pelo menos em certos casos, um processo de reanglização ao nível ortográfico", observa. (ROTH, 1980, p.164).
A partir da análise de alguns trabalhos relativos à recepção os anglicismos em francês vem a concluir que há uma relação entre lingüística, tendências normativas e ideologia da linguagem". (ROTH, 1980, p. 166).
a integração ortográfica dos empréstimos
Uma observação interessante de Roth é a de que os estudos lingüísticos sobre o empréstimo dedicam-se a aspectos da integração fonética, morfológica, gramatical e semântica, ou tratam da definição de empréstimo segundo critérios fonéticos, morfológicos ou semânticos, raramente atentando para a integração ortográfica do empréstimo ao passo que "trabalhos de integração normativa ou impregnados da ideologia purista dedicam parte de seus estudos a problemas relacionados com a integração ortográfica dos empréstimos". (ROTH, 1980, p.167). "Talvez seja estranho", observa, "que nos estudos lingüísticos propriamente ditos o aspecto ortográfico - apesar de sua íntima conexão com o aspecto fonético - tenha sido pouco discutido". (ROTH, 1980, p.167).
Após afirmar que, com poucas exceções, a fonética de qualquer palavra proveniente de outra língua é completamente assimilada logo que comece a generalizar-se na comunidade lingüística, observa que o que geralmente interessa do ponto de vista fonético não é o fato de a palavra estrangeira se assimilar à língua recebedora, mas a maneira pela qual ela é assimilada. As modalidades de assimilação, observa, são determinadas de maneira decisiva pela ortografia da língua recebedora de empréstimos. (ROTH, 1980, p.167).
A forma diferente com que se revestem os anglicismos em português, espanhol e francês não seria, pois, o resultado de diferentes capacidades assimiladoras dessas línguas, mas "o resultado de uma integração diferente ao nível ortográfico". (ROTH, 1980, p. 167). Essa integração se processaria "ora na forma de uma assimilação à ortografia da língua da qual foi tomado o empréstimo", como no caso de sandwich nos três idiomas românicos, "ora na forma de uma assimilação à pronúncia inglesa" (flirt: francês flirt, português flerte) (ROTH, 1980, p.167).
Quanto ao motivo pelo qual esse aspecto tem sido negligenciado pelos lingüistas, alega que provavelmente isso se deveria ao papel marginal que a ortografia desempenha nos estudos lingüísticos em geral. Quanto às conclusões a serem consideradas na análise desses diferentes processos de assimilação do empréstimo, seja por via oral, seja por via escrita, alega que várias seriam as questões a considerar. Conviria, por exemplo, analisar se a grafia inglesa facilita ou dificulta uma assimilação a partir da representação gráfica. (ROTH, 1980, p. 167-168). Caberia também não subestimar o que ele chama de "a intervenção dos lexicógrafos", que, alega, "tendem a fixar ortograficamente os empréstimos na base foneticamente mais difundida". (ROTH, 1980, p. 168).
Com relação à tendência do francês diretamente oposta às línguas ibero-românicas no que diz respeito à integração ortográfica do anglicismo, sugere que se questione "em que medida intervêm norma, tendência e história" e "quais os efeitos dos diferentes processos integrativos sob a ideologia lingüística". (ROTH, 1980, p. 168).
Após uma série de considerações sobre a complexidade da ortografia francesa e sobre seu caráter extremamente conservador, pondera que é neste contexto que se deve buscar explicar o que ele chama de "retrocesso de afrancesamento ortográfico dos anglicismos e sua reanglicização no decurso dos séculos XIX e XX". (ROTH, 1980, p. 170).
A comparação com o português brasileiro ressalta a atitude dos lexicógrafos franceses e brasileiros para com os empréstimos. Esclarece que a lexicografia brasileira segue as Instruções para Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1943, aportuguesando ortograficamente os anglicismos mais comuns ora conforme a ortografia inglesa, ora conforme a pronúncia do inglês, ora conforme o uso já consagrado". (ROTH, 1980, p. 168). Lembra que essas Instruções "rezam que todos os vocábulos devem ser escritos e acentuados graficamente de acordo com a ortoépia usual brasileira" e que "o chamado 'Sistema Ortográfico de 1943' é o resultado de muitos esforços no sentido de uma reforma ortográfica no seu longo caminho desde a ortografia histórica e tradicionalista rumo a uma ortografia fonológica". (ROTH, 1980, p. 168).
"Essas Instruções", observa ainda, "restringem as possibilidades de recepção dos empréstimos, especialmente do anglicismo em português: ou o anglicismo não é registrado pelo dicionarista no caso de ele ainda não ter encontrado grafia satisfatória em português, ou o anglicismo está há muito enraizado na língua comum". (ROTH, 1980, p. 168). "Neste caso", conclui, "seu registro no dicionário acarreta sua assimilação ortográfica". (ROTH, 1980, p. 168).
Roth considera que as dificuldades que derivam do problema ortográfico na incorporação do anglicismo ao francês favorecem as exigências do purista no sentido de eliminar muitos empréstimos . (ROTH, 1980, p. 170). Isso se confirmaria na comparação com o espanhol e o português, isso porque, nessas línguas, "enquanto a integração ortográfica não for efetuada pelos dicionarista, os respectivos empréstimos costumam ser considerados muitas vezes como supérfluos ou elimináveis", propondo-se, então, o que ele chama de decalques semânticos: vestíbulo por hall, êxito editorial ou campeão de vendas por best-seller. "Às vezes, observa, "estes decalques se difundem, eliminando o empréstimo, como no caso de aero-moça, às vezes decalque e empréstimo continuam igualmente, como no caso de motorista e chofer em português". (ROTH, 1980, p. 170-171). Além dos que citamos aneiorente, lembraríamos escanteio por corner, falta por fow, goleiro por gool keaper, centro-avante por center for, locutor por speaker.
a solução brasileira
Após as comparações entre o português e o francês, Roth passa à comparação entre o português e o espanhol, concluindo que "fundamentalmente a tendência à integração do empréstimo nas duas línguas é a mesma, não obstante haver certas discrepâncias no cotejo do português na sua variante brasileira com vários dicionários do espanhol europeu e americano". (ROTH, 1980, p. 171). Entre essas "discrepâncias", cita adaptações aos anglicismos, que, alega, "parecem ditadas pela estrutura morfológica do espanhol", por exemplo, "a assimilação dicionarizada pelo Dicionário da Academia Espanhola da palavra flirt na forma flirteo". (ROTH, 1980, p.171). Cita também exemplos do que classifica de "inconseqüências na assimilação dos anglicismos" reveladas na análise de materiais colhidos em diferentes dicionários espanhóis: na décima nona edição daquele mesmo dicionário, o Dicionário da Academia Espanhola, "encontram-se dicionarizadas as palavras confortable e esnobismo, mas faltam os lexemas dos quais estas palavras derivam, quer dizer: confort e snob". (ROTH, 1980, p.171).
Alega Roth que é preciso ver, tanto a forma registrada flirteo, como as formas não registradas, apesar de usadas, confort e snob, como um fenômeno único. "O registro ou não registro das formas citadas", alega, "constitui o resultado de considerações fonéticas e morfológicas". (ROTH, 1980, p.171). Esclarece que a estrutura dessas palavras, além de serem alheias à estrutura do espanhol em virtude do seu consonantismo final, apresenta complicações ao nível morfológico, isto é, na formação do plural.
Essa problemática do espanhol não ocorreria no português do Brasil, graças ao recurso à vogal paragógica final em -e, "uma regra produtiva do português, inexistente no espanhol, a qual faz que o português do Brasil não apresente nenhuma dificuldade no que respeita à formação do plural, uma regra produtiva ao nível fonético que fornece uma integração muito mais radical e conseqüente dos anglicismos do que em espanhol". (ROTH, 1980, p.171).
A análise crítica e comparativa de Wolfgang Roth sobre a incorporação dos anglicismos no português brasileiro, no espanhol e no francês leva-o a concluir que por um enfoque sincrônico, uma pesquisa sobre os anglicismos em francês os revelaria como um grupo de palavras fonética e ortograficamente heterogêneas e diferentes do restante do vocabulário francês. Um cotejo entre o francês e o espanhol mostra que "ao passo que a ortografia espanhola nem sempre apresenta uma solução única ao nível ortográfico, a lexicografia francesa, registrando os anglicismos geralmente sem assimilação ortográfica nenhuma, hesita muitas vezes entre várias pronúncias possíveis". (ROTH, 1980, p. 172).
Em comparação ao espanhol, observa que "parece que a lexicografia brasileira conseguiu uma uniformidade ortográfica e com isto também uma uniformidade fonética maior". (ROTH, 1980, p. 172). Essa uniformidade, analisa, "se deve provavelmente aos esforços que vêm sendo desenvolvidos há anos no sentido de uma reforma ortográfica", isso porque, conclui, "existe da parte dos lexicógrafos e dos próprios falantes conscientizados para questões lingüísticas um interesse de evitar que o sistema ortográfico, mesmo que seja ainda bastante incongruente, fique novamente sujeito a complicações". (ROTH, 1980, p. 172).
No que diz respeito à recepção dos anglicismos pela comunidade lingüística, conclui Roth que, na França, eles constituem um problema da sociologia lingüística e que é preciso ver e compreender como vem sendo feita a crítica ao anglicismo na França em anos recentes". (ROTH, 1980, p. 172). No caso do espanhol, "parece" (deixa sempre aberta a possibilidade de uma outra análise) que "o fato de a ortografia atual ter sido fundamentalmente criada no séc XVII e depois pouco modificada fez que a preocupação pelo sistema ortográfico houvesse diminuído".. (ROTH, 1980, p. 172). Quanto à lexicografia brasileira, alega que, "pelo menos em parte", "parece" que ela encontrou "uma solução, provisória que seja, reunindo os anglicismos correntes, mas ainda não ortografados, separando-os do próprio dicionário e colocando-os, por assim dizer, numa lista de espera". (ROTH, 1980, p. 172).
Ao final, Wolfgang Roth esclarece que, pela comparação lingüística esboçada em seu trabalho, pretendia tornar mais claro que um dos fatores decisivos na integração de empréstimos é constituído pela assimilação ao sistema ortográfico da respectiva língua. Após todas as suas considerações e análises, conclui que "o problema do empréstimo e o da ortografia têm em comum que não constituem apenas um objeto de pesquisas lingüísticas, mas também um objeto de avaliação por assim dizer ideológica do que se chamava antigamente estrangeirismos e das aspirações a uma reforma ortográfica, despertando-se desta forma o interesse de muitos falantes". (ROTH, 1980, p. 172). "A ortografia", alega, "é o resultado de um processo histórico. Sem que se levasse em conta este processo histórico, a recepção de empréstimos, no caso dos anglicismos, não ficaria inteiramente compreensível". (ROTH, 1980, p. 172).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além da modificação semântica e da inovação morfológica mediante elementos já existentes, o empréstimo lingüístico constitui o terceiro meio mais importante da inovação lexical. Encontrar palavras novas para novos objetos, conceitos ou lugares é mais que tomar emprestado um termo de outra língua. Implica e pressupõe assimilação de hábitos ou modelos culturais e/ou lingüísticos. "Os caminhos dos empréstimos lexicais refletem até certo ponto os caminhos da influência cultural", afirma Ronald Langacker. (LANGACKER, 1975, p.188).
É fácil lembrar de empréstimos da língua italiana na área da música (ópera, adágio, soprano, piano, sonata, virtuoso, etc.), da língua árabe na ciência (zero, álgebra, alquimia, álcool,etc.), por exemplo. Da influência do latim e grego por seu grande prestígio no mundo da ciência na Idade Média não é necessário falar. Palavras latinas e gregas ingressaram nas línguas européias e também no inglês, muitas através do francês, desde a Renascença. Podemos verificá-los no nosso dia-dia:
A importância e poder norte-americano no mundo moderno leva a que se tome de empréstimo palavras do inglês. São inúmeros os anglicismos de nosso uso diário, muitos delas aportuguesados, outras reproduzidas na íntegra: fashion, lady,OK, hand out (volantes nas palestras e conferências). São inúmeros os termos na área da Informática, por exemplo. Já incorporamos os verbos deletar e clicar.
Do francês, lembremos soiré, matiné, abatjour (já aportuguesado: abajur) soutein (sutiã), menu ou menü? atelier,carnê (carnet), buquê (bouquet) gafe, elite (flaneur/flanarI.
No purismo exacerbado, luta-se até mesmo contra termos, vocábulos ou expressões que cabe agasalhar, ou por suprirem um deficit cultural, o por consagrados pelo uso. Não vemos substituto, no momento, para deficit, que acabamos de empregar, ou para know how, feedback, stanbie, por exemplo. Do francês, lembremos voyeur, por exemplo. Que outros poderíamos lembrar?
A questão do empréstimo lingüístico não se resolve com atitudes reacionárias, como parece ocorrer na França, atitude que até se pode comparar a reação dos puristas portugueses e brasileiros aos empréstimos do francês em fins do século XVIII e princípios do século XIX. Muito menos se resolve com "barreiras ou cordões de isolamento", usemos expressões de Celso Cunha, à entrada de palavras e expressões de outros idiomas. (CUNHA, 1970, p.31-32). Uma sociedade altamente técnica e complexa como a nossa tem necessidade constante de novas unidades lexicais. Isso ocorre mesmo nos países ditos desenvolvidos, com um modelo hegemônico de base político-econômica sólida, culturalmente bem desenvolvido, digamos assim.
Há empréstimos recíprocos entre as línguas. Lembremos o intercâmbio lexical inter-românico: antes, italianismo e hispanismo no francês, depois, importação de galicismos nas outras línguas. Lembremos também a influência do português nos séculos XV e XVI, nas línguas asiáticas, africanas e americanas, as quais igualmente o enriqueceram com novos termos e novas expressões.
um bom exemplo para análise e reflexão
Em "Sílvio Elia: retrato e bibliografia", publicado na Revista Confluência, volumes 17 e 18 em homenagem ao saudoso filólogo, no item "Crítico de idéias", nas colagens por nós apresentadas sobre suas opiniões sobre Romantismo e Modernismo, escrevemos:
"O Modernismo, para ele, fora 'uma espécie de Segundo Romantismo Brasileiro', 'eivado de nacionalismo', tornando-se a brasilidade 'o leitmotiv de muitas obras e discursos'. 'Quem viria fazer pendant no movimento modernista ao Alencar da fase romântica foi o escritor paulista Mário de Andrade'. (RANAURO 1999, p.15).
Emprega Sílvio Elia um anglicismo (leitmotiv) e um galicismo (pendant). E era quem era, filólogo, lingüista e, principalmente, como fazia questão de dizer, professor, conhecido e respeitado nacional e internacionalmente.
Que mais dizer? Fica o registro, para reflexão e análise.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CUNHA, Celso, Língua portuguesa e realidade brasileira, Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1970. CUNHA, Celso. Língua Portuguesa e Realidade Brasileira, col. Temas de Todo o Tempo, 13. Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro, 1977.
ELIA, Sílvio. “O Romantismo em face da Filologia”, Conferência pronunciada em 16/04/1956, no Anfiteatro da Faculdade de Filosofia da UFRGS, integrando a série “Estudos sobre o Romantismo”, promovido pelo Diretório de Letras. Rio de Janeiro, Instituto Estadual do Livro, Divisão da Cultura, Secretaria de educação e Cultura/Ed. Globo. 1956.
__________ “Mário de Andrade e a língua brasileira” , in Revista do Brasil: a nossa língua, ano 5, no. 12, 1990.
__________ “Mário de Andrade, Gramático”, in O Estado de São Paulo,p.06, São Paulo, edição de 09/03/1991.
GALVÃO Jesus Belo. “Língua-escrita e Língua-lida”, in Enfoque – Ciências da Linguagem, no. 01, Rio de Janeiro, FAPERJ/ABF,1981.pp. 57 – 63..
GILNZ, Hans Linguistiche Grundbegriffe und Methodenüberblick, Bad, Homburg v. d. H., Athenäum, 1970
ROTZ, Wolfgang. "O empréstimo como problema de lingüística comparada", in Alfa, Revista de Lingüística, n.º 24, São Paulo, UNESP, 1980. pp.157-177.
LANGACKER, Ronald. A linguagem e sua estrutura, 2.ª ed., Petrópolis, Ed. Vozes, 1975.
LESSA, L. C. O Modernismo Brasileiro e a Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, FGV, 1960.
RANAURO. Hilma. "Escrita e poder", in Revista Universidade Rural. Série “Ciências Humanas”, vol. 17, n. 112, Rio de Janeiro, Editora da Universidade Rural (EDUR), jan./dez. 1995. pp.55-58.
________________ "Sílvio Elia: retrato e bibliografia", in Confluência, Revista do Instituto de Língua Portuguesa, vol. 17/18, Rio de Janeiro, Liceu Literário Português,1999. pp. 11-34. p.15
[1] Texto da comunicação apresentado em 20/07/2004 na mesa-redonda sobre "Empréstimos lingüísticos no português do Brasil", no Congresso Internacional de Língua Portuguesa, realizado no período de 19 a 23 de julho de 2004, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Promoção: Academia Brasileira de Filologia (ABF)/ Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Promoção: Academia Brasileira de Filologia (ABF)/ Instituto de Letras da UERJ