A FILOLOGIA ROMÂNICA NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Bruno Fregni Bassetto (USP)
Quando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, foi fundada, juntamente com a Universidade de São Paulo, a Filologia Românica era uma disciplina em plena florescência nas universidades européias. Sendo que a Universidade de São Paulo contou com a colaboração de ilustres professores europeus desde sua fundação, compreende-se que a disciplina Filologia Românica tenha entrado em sua grade curricular já em 1939. Desse modo, a história da Disciplina quase que se identifica com a da própria Faculdade. Logo que Letras pôde organizar convenientemente seu currículo, Filologia Românica passou a fazer parte dela, como disciplina fundamental ma área das Línguas Neolatinas, permanecendo até nossos dias, como se pode verificar no esboço histórico das andanças e modificações de nossa Faculdade, apresentando a seguir. Realmente, esta IV Jornada de Filologia é ótima oportunidade para rememorar os sessenta e seis anos de vida laboriosa e fecunda da Filologia Românica na Universidade de São Paulo.
Vejamos os pontos mais importantes da história desses sessenta e seis anos ininterruptos de trabalho sem dúvida produtivo. O mesmo decreto do Governo do Estado de São Paulo, de nº 6.283, de 25 de janeiro de 1934, que criou a Universidade de São Paulo, criou também a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Não tendo sequer prédio próprio, a FFLC iniciou suas atividades nos prédios da Faculdade de Medicina e da Escola Politécnica. Em 1937, ano em que se formou a primeira turma, problemas internos obrigaram a FFCL a mudar-se para a Rua da Consolação, 76; e novamente no dia 31/12 do mesmo ano, transferiu-se para o Palacete Jorge Street, situado na esquina da Alameda Glete com a Rua Goianases, no centro de São Paulo O Departamento de Letras, porém, estava instalado no 3º andar da Escola Caetano de Campos, donde se transferiu para a Rua Maria Antônia, 258, em 1947.
Desde o ano da fundação da Universidade, discutia-se a construção da Cidade Universitária. Contudo, o primeiro prédio de uma das unidades da FFLC foi o do Betatron, dependência do Departamento de Física, terminado somente em 1953. Letras permaneceu na Maria Antônia até 1968, quando sérios distúrbios estudantis, sobejamente conhecidos, praticamente inviabilizaram sua permanência naquele prédio. Houve então sua transferência para a Cidade Universitária, ficando provisoriamente em barracões dos prédios da Psicologia. Em 1973, transferiu-se para os Blocos B e C do CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo). As aulas eram ministradas nas “colmeias”, salas construídas nos espaços entre os diversos blocos. Numa delas se instalou também a biblioteca. Enquanto isso, prosseguia a construção do prédio próprio de Letras, situado entre o da Filosofia e Ciências Sociais e o de Geologia. Quando os Blocos B e C foram invadidos pelos alunos em 1986, ficaram os professores desalojados, sem gabinete; alguns se instalaram como puderam em algumas salas de um pequeno prédio próximo ao da Biologia, onde funcionava também uma Agência do Correio e um posto do pessoal da Segurança. Quase ninguém freqüentava o prédio, que era mais um depósito dos móveis removidos dos dois blocos ocupados pelos estudantes. Obviamente, o atendimento aos alunos, tanto de graduação como de pós, ficou seriamente prejudicado durante esse período. As aulas, porém, continuaram ser a ministradas normalmente nas Colmeias.
Quando a primeira parte do prédio de Letras ficou pronta, a situação normalizou-se em parte. Os professores instalaram-se como foi possível, ocupando inclusive algumas salas de aula, transformadas em gabinetes; enquanto isso, construía-se o outro prédio, onde se instalariam as secretarias e finalmente os professores teriam seus gabinetes. Contudo, segundo o projeto inicial, ainda faltam uma ala inteira, que parece esquecida, e um prédio complementar para a Biblioteca Central, cuja construção foi iniciada no ano de 1998 e paralisada no início do ano seguinte, por falta de verba como sempre. Nessas condições, Letras tem funcionado a contento, em que pesem algumas deficiências e ter sido a última das unidades da antiga FFCL a ser contemplada com prédios próprios, fazendo com que fosse grandemente valorizada e festejada a casa própria depois de tanta peregrinação.
Mesmo com todas essas dificuldades, o nível de ensino da FFCL não ficou comprometido, segundo atestam a produção científica e os testemunhos dos professores estrangeiros e nacionais que nela trabalharam durante esses anos de contínuas mudanças. Essas mudanças, porém, não se restringiram apenas ao espaço físico. Também a grade curricular sofreu constantes modificações desde sua implantação em 1934. Atendo-nos apenas ao Curso de Letras, no mesmo ano da fundação da Universidade de São Paulo, o Decreto Federal nº 39, de 3/9/1934, acarretou a modificação da estrutura da FFCL, que, seguindo as novas determinações, dividiu-se em apenas dois setores: Letras e Ciências, aos quais se incorporavam todos os seus cursos. LETRAS: 1) Letras Clássicas; 2) Letras Modernas; 3) Filosofia; 4) Disciplinas Sociais; 5) História; 6) Geografia; 7) Antropologia. CIÊNCIAS: 1) Matemática; 2) Física; 3) Química; 4) Botânica; 5) Zoologia; 6) Mineralogia; 7) Geologia.
Aplicando esse Decreto Federal, o primeiro Regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 7.069, de 6/4/1935, estruturou a FFCL de modo mais definitivo com três Seções básicas: 1ª Filosofia; 2ª Ciências, com seis subseções; 3ª Letras, com cinco “cadeiras”: Filologia Grega e Latina, Filologia Portuguesa, Literatura Luso-brasileira, Literatura Grega e Literatura Latina. Nessa estruturação, Filologia Românica não foi explicitamente contemplada, embora seja de supor que estivesse implícita na Filologia Grega e Latina.
A partir de 1939, todas as Faculdades de Filosofia do país foram obrigadas a se adaptar ao padrão oficial estabelecido pela Faculdade Nacional de Filosofia, criada no Rio de Janeiro pelo Decreto Federal nº1.190, de 4/4/1939. Em conseqüência, houve uma série de alterações na estrutura da FFCL da Universidade de São Paulo. Em Letras, constituíram-se os Cursos de Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-germânicas, com suas diversas cadeiras; nesse contexto, a cadeira de Filologia Românica passa a integrar o currículo de modo explícito.
Nova estruturação foi implantada em 1942, pelo Decreto nº 12.511, de 21 de janeiro, que revogou o de n.º 12.038. Os cursos, chamados “ordinários” e enumerados nos artigos 5º a 9º, foram agrupados em quatro seções fundamentais e uma “especial”. Na Seção de Letras, foram mantidos os três Cursos citados acima. As disciplinas ensinadas nos Cursos ditos ordinários constituíam as matérias das 49 cadeiras, das quais a trigésima sétima (XXXVII) era Filologia Românica. Com a lei federal de Diretrizes e Bases (de n.º 4.024, de 20/12/1961), a FFCL foi estruturada em 15 Departamentos, dentre os quais o décimo primeiro era o de Letras, que manteve a divisão de Letras Clássicas, Neolatinas e Anglo-germânicas, com quinze cadeiras e seis cursos. Dentre as cadeiras enumeradas, Filologia Românica era a segunda.
Em 1966, articulou-se uma grande reforma universitária. Duas portarias do Reitor (GR n.º 278 e 282) nomearam uma comissão de docentes, que trabalhou até o ano seguinte, quando foram criadas onze subcomissões destinadas a estudar os problemas dos cursos básicos. Os resultados desse trabalho foram redigidos em forma de Memorial, enviado ao Conselho Universitário com toda a documentação pertinente. O resultado de todo esse trabalho foi o Decreto n.º 53.326, de 16/12/69, que aprovou o novo Estatuto da Universidade de São Paulo. Pelo art. 4º, Institutos, Faculdades e Escolas passaram a constituir Unidades Universitárias, e os Departamentos com suas disciplinas, as menores frações da estrutura da Universidade. A antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras passou a denominar-se Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), citada em décimo terceiro lugar entre as Unidades sediadas na Capital do Estado.
Dentro da nova Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Letras contava inicialmente com os Departamentos de Lingüística e Línguas Orientais, Letras Clássicas e Vernáculas, e Letras Modernas. Devido à grande heterogeneidade das cadeiras e disciplinas do Departamento de Lingüística e Línguas Orientais, em 16/12/86, Lingüística formou um Departamento autônomo; em 1990, Teoria Literária criou um Departamento próprio, sob a denominação de Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada. Nesse contexto, a cadeira de Filologia Românica ficou no Departamento de Lingüística e Línguas Orientais. Dada a ausência de afinidade temática com os cursos de Orientais, razão eminentemente acadêmica endossada pelo parecer de especialistas e pelo Conselho do Departamento de Clássicas, as cadeiras Filologia Românica, Línguas Indígenas do Brasil e Sânscrito passaram sucessivamente para o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, primeiramente Filologia Românica, em 1988, e pouco depois as outras duas áreas. Particularmente no que tange à Filologia Românica, julgou-se que essa disciplina se enquadraria melhor junto às de latim e grego, considerando que seu terminus a quo é o latim e, freqüentemente, o grego. De fato, as línguas românicas são continuações do latim em sua variedade vulgar, do qual são o terminus ad quem. Essa proximidade de conteúdo programático foi decisiva para essa transferência de Filologia Românica para o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, sem que esse pedido sofresse injunções de qualquer outra natureza. Desde então a convivência tem sido frutífera, além de contínua até o presente. Na pós-graduação, o Curso de Filologia Românica ministrou cursos de especialização, desde a regulamentação desses cursos pelas Portarias n.º 272 e 328, de abril e maio de 1946, e a de n.º 497, de 15/10/1947. Com a nova orientação trazida pela Lei de Diretrizes e Bases (de n.º 4.024, de 20/12/1961), Filologia Românica passou a ministrar os cursos de especialização com a duração de dois anos. A partir de 1965, esses cursos passaram a denominar-se de pós-graduação, embora só tenham sido oficializados pela Portaria 885, de 25 de agosto de 1969.
Dentre os nomes dos professores que se destacaram na área de Filologia Românica, cumpre mencionar o do Prof. Dr. Theodoro Henrique Maurer Júnior; deixou três livros publicados, ainda hoje de grande valor para os estudos românicos, com repercussão internacional: A Unidade da România Ocidental (1951), Gramática do Latim Vulgar (1959) e O Problema do Latim Vulgar (1962). Deixou ainda numerosos artigos sobre assuntos românicos, destacando-se aquele em que tratou do uso do infinitivo pessoal no português. Cumpre ainda lembrar o Prof. Dr. Isaac Nicolau Salum, cujas teses infelizmente ainda permanecem inéditas, e a Profª. Maria Luíza Fernandes Miazzi, autora de O Dialeto Veglioto, também inédito, singular em português sobre a única língua românica morta, obra que a área de Filologia Românica ainda pretende editar. A Profª Maria Luiza publicou, em 1972, Introdução à Lingüística Românica, opúsculo que seria o primeiro de uma série abrangendo o conteúdo programático de Filologia Românica I e II, ministrado na graduação; uma insidiosa doença, porém, a levou antes que pudesse concretizar seu plano. Do que ficou dito, fica claro que a disciplina Filologia Românica fez parte integrante da grade curricular de Letras desde 1939, de acordo com o que dispunha o Ministério da Educação. Apesar das modificações verificadas ao longo dos anos, Filologia Românica sempre foi considerada matéria obrigatória complementar para os alunos, cujo curso básico fosse português e lingüística.
Um aspecto importante, resultado do empenho e da visão ampla dos professores que ministraram Filologia Românica em nossa Faculdade, o Curso tem à disposição bibliotecas especializadas em áreas afins e complementares: Letras em geral, História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Ciências Políticas, Antropologia e Lingüística. Como a Disciplina Filologia Românica consta do currículo de graduação em Letras desde 1939, ininterruptamente até ao presente, a Biblioteca Central da Faculdade conta com praticamente todas as obras mais importantes sobre a Disciplina, a começar pela obra de Friedrich Diez (Grammatik der Romanischen Sprachen, em tradução francesa, 3ª edição, de 1874, atualmente colocada entre as obras raras), considerado o pai da Filologia Românica. Durante esses 66 anos, o empenho de seus professores acumulou considerável acervo bibliográfico. Observe-se, porém, que esse acervo encontra-se disperso em várias seções da Biblioteca Central, o que é compreensível levando-se em conta o campo extremamente vasto com o qual a Filologia trabalha. Com a informatização do acervo, porém, é fácil localizar qualquer obra procurada. Aquisições recentes, com financiamentos de diversas origens, têm eliminado lacunas e deficiências, além da incorporação de obras novas de Romanistas contemporâneos.
O acervo disponível tem se mostrado adequado às necessidades de pesquisa também na área de Pós-Graduação, o que foi comprovado pelas várias gerações de pós-graduandos que Filologia Românica já formou na Universidade de São Paulo. Cumpre ressaltar, por fim, o esforço do Prof. Isaac Nicolau Salum que obteve para a Biblioteca cerca de 3.000 volumes em romeno, inclusive alguns volumes do Atlas Lingüístico da Romênia, obras seguramente bastante raras em nosso país. Todo esse acervo foi doado por entidades públicas da Romênia; um número considerável dessas obras, por tratarem de assuntos técnicos como física, química, biologia e outros, foi depois encaminhado a outras bibliotecas específicas da Universidade. A importância da língua romena nos estudos contrastivos românicos foi destacada pelas obras o Prof. Theodoro Henrique Maurer, constituindo uma característica dos estudos românicos na Universidade de São Paulo. Esse acervo de livros em romeno, entre os quais se incluem obras literárias de grandes autores, como Mihail Eminescu, permite que essa tradição possa ser mantida sobretudo pelo Curso de Pós-Graduação em Filologia Românica.
Nesse considerável acervo bibliográfico é preciso incluir os periódicos especializados em Filologia, cujo número chega a quase seis dezenas, ainda que nem sempre a biblioteca disponha de todos os números. De alguns, como Zeitschrift für romanische Philologie, a coleção completa cobre mais de um século de publicação. Provenientes de muitos países, por assinatura ou por permuta, essas revistas refletem as mais diversas tendências filológicas. Escritos em alemão, inglês, francês, italiano, castelhano, português, romeno e até em línguas eslavas, esses periódicos podem fornecer importantes subsídios aos estudos românicos.
Se a história e a tradição da Filologia Românica na Universidade de São Paulo são respeitáveis pelo acervo de trabalhos e bons resultados, a situação se tornou difícil no final da década de 80 e durante toda a década seguinte. A política de contenção de gastos da Reitoria, deixou a área de Filologia Românica com apenas um professor durante quase dez anos, embora tradicionalmente sempre tivesse contado com pelo menos três. Em conseqüência, foi necessário suspender temporariamente as disciplinas Românica III e IV na graduação, fato que de certa forma mutilou o curso de Românica na graduação. Com a diminuição do número de docentes em várias áreas, situação que afeta praticamente todas as Unidades Universitárias por motivos sobejamente conhecidos, foram suprimidas em Letras várias outras disciplinas optativas, oferecidas pelos diversos Departamentos. Sem opção, muitos alunos optam por cursar Filologia Românica, sobrecarregando o então único professor na disciplina. Por outro lado, esse número considerável de alunos na graduação facilitou o afluxo de interessados na pós-graduação em Filologia Românica, muito além de sua capacidade de atendimento.
Na pós-graduação, mesmo com os vários remanejamentos havidos, no decurso dos anos, entre os vários Departamentos de Letras dentro da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, a Área de Filologia Românica sempre manteve cursos em nível de pós-graduação, tanto para Mestrado como para Doutorado.
Mais recentemente, com a aposentadoria do Prof. Dr. Isaac Nicolau Salum, de saudosa memória, ficou responsável pela Área o Prof. Dr. Izidoro Blikstein. Motivos acadêmicos, porém, levaram o Prof. Izidoro e outros colegas, até então componentes da Área de Filologia Românica, a se transferirem para o Departamento de Lingüística. Com isso, Filologia Românica, ligada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, ficou por algum tempo sem nenhum representante junto à pós-graduação. Tendo obtido o grau de doutor, em 1989, o único professor da área solicitou seu credenciamento para ministrar cursos em nível de pós-graduação e orientar dissertações de mestrado, junto à Área de Letras Clássicas, cujos professores aceitaram a solicitação, bem como os demais órgãos aos quais cabia o direito ou o dever de opinar.
Solicitou-se o credenciamento de Filologia Românica junto à Área de Letras Clássicas e não alhures por motivos fundamentalmente acadêmicos. Como se sabe e nunca é demais insistir, Filologia Românica estuda o mundo românico, isto é, a cultura e as línguas derivadas do latim, as chamadas línguas românicas ou neolatinas, e suas literaturas. O ponto de partida, portanto, é sempre o latim, particularmente em sua variedade popular, o latim vulgar. Não se pode conceber a Filologia Românica, também chamada Romanística, sem esse terminus a quo, já que as línguas românicas são modificações do latim vulgares, causadas por suas próprias tendências internas, além dos fatores externos no decurso dos séculos. É óbvio que, para se poder explicar toda essa evolução, a Filologia Românica lança mão de todo e qualquer elemento que possa trazer alguma contribuição à explicação dos fatos lingüísticos românicos, como as várias literaturas, teorias lingüísticas, história, geografia, dados culturais, epigrafia, paleografia, numismática, edótica etc. Seu objeto específico, porém, são as línguas românicas numa visão pancrônica, em todas as suas manifestações, desde o latim, particularmente em sua variedade vulgar, como ficou dito, seu terminus a quo, até as línguas românicas, seu terminus ad quem.
Foi precisamente devido a esse enfoque da Disciplina que se pediu seu credenciamento junto à Área de Letras Clássicas. Pareceu óbvio que uma disciplina, cujo ponto de partida é o latim, ficasse agregada às Letras Clássicas. É obvio também que o grego não é objeto imediato de estudos românicos; entretanto, a grande influência grega sobre a cultura e a língua latinas faz do conhecimento do grego um instrumento quase que indispensável para melhor se compreender o universo romano.
Nessa perspectiva, Filologia Românica foi recebida pelos professores de pós da Área de Letras Clássicas, embora todos os cursos então ministrados versassem sobre literatura grega ou latina e o curso credenciado pela Filologia Românica tratasse primordialmente de questões lingüísticas, de problemas de edótica, crítica textual e genética. Criou-se uma linha de pesquisa nesse sentido, suficientemente ampla para abarcar o vasto campo da Romanística. Destarte, os cursos de Românica, em nível de pós, foram iniciados no segundo semestre de 1991 e ministrados sempre nos segundos semestres dos anos seguintes até 1996. Desde 1994, havia credenciamento também em nível de doutorado.
Buscava-se, assim, manter a tradição. Um levantamento feito nos arquivos da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, desde que a pós-graduação foi implantada na Universidade de São Paulo nos moldes atuais, a Área de Filologia Românica já formou 19 mestres e 25 doutores; foram apresentadas 6 teses de livre docência e 3 trabalhos de titular, num total geral de 53. Não foram encontrados registros seguros dos formados pelos antigos cursos de especialização, mas sabe-se que não foram poucos.
Infelizmente, o argumento de que Filologia Românica tem o objeto de seus estudos e pesquisas intimamente ligado às línguas clássicas, como o demonstram à saciedade os dados apontados, particularmente na pós-graduação, não foi levado em conta nem aceito por avaliadores da CAPES, que reiteradamente exigiram, em suas avaliações da segunda metade da década de 90, que Filologia Românica fosse “alocada”. Não foram dados esclarecimentos ou explicações. Buscaram-se então outras soluções, para que a Disciplina pudesse continuar seu trabalho, sem êxito, porém..Até a tentativa de constituir uma área autônoma na pós-graduação, junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas resultou infrutífera.. O intuito continua sendo manter contato com as bases latina e grega, em que a Filologia Românica lança suas raízes. Felizmente, no corrente ano de 2005, a Área voltou a contar com três professores efetivos e em regime de dedicação exclusiva, fato que certamente facilitará o retorno da Filologia Românica à pós-graduação. Espera-se com isso atender a cerca de três dezenas de interessados em obter o grau de mestre ou de doutor em Filologia Românica. Desse modo, haverá a possibilidade de se formarem os filólogos de que as universidades brasileiras sentem falta, em especial, filólogos romanistas.
Nos cinco últimos anos, com trâmites burocráticos mais amenos, a Área de Filologia Românica orientou e concluiu vários estágios de pós-doutorado, segundo orientações da Pró-Reitoria de Pesquisas, bem como de iniciação científica, a maioria dos quais com financiamento da FAPESP. Nesse aspecto também, o campo mostra-se muito vasto e profícuo, com um número crescente de interessados.
Os três professores atuais da Disciplina estão conscientes de que a história e a tradição da Filologia Românica na Universidade de São Paulo são respeitáveis pelo acervo de trabalhos e de bons resultados. Estão, por isso, também dispostos a manter essa tradição tão respeitável, contando com a colaboração dos romanistas de todo o Brasil e procurando restituir à Romanística o papel fundamental que lhe cabe na formação humanística dos jovens de nosso país, cuja língua é latim modificado.
Em conclusão, os sessenta e seis anos da Filologia Românica na Universidade de São Paulo refletem as mesmas vicissitudes da própria Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Sua contribuição, porém, para a formação de tantas gerações é, sem dúvida, inestimável, tendo servido para ampliar os horizontes e estabelecer um elo indispensável entre os vários ângulos sob os quais se pode estudar nossa cultura.