Um quilombo

Yedda A O Caggiano Blanco
(
USP e UniFMU.)

Ramiro C H Caggiano Blanco
(
Universidad Nacional de Rosario – Argentina)

 

A diversidade cultural na aquisição lingüística abrange aspectos de um determinado grupo e área, num determinado momento espaço-temporal que transforma a relação semântica de determinada palavra com o seu léxico.

Pensemos na palavra quilombo, por exemplo. No contexto brasileiro está diretamente associada à questão da escravatura e como nos diz o Dicionário Aurélio é um “ s.m. bras. Valhacouto de escravos fugidos” , ou ainda, entre outras definições, temos:

Quilombo: designam-se assim os redutos constituídos no Brasil Colonial pelos negros fugidos da escravidão.

O dicionário do Brasil Colonial, nos informa, que a palavra quilombo é originária banto (língua africana) kilombo e significa acampamento ou fortaleza e foi usada pelos português para denominar as povoações construídas por escravos fugidos[1].

E mais abrangentemente, na definição de Lopes, 1987: 15):[2]

Na tradição popular no Brasil há muitas variações no significado da palavra quilombo, ora associado a um lugar: -quilombo era um estabelecimento singular-, ora a um povo que vive neste lugar;- as várias etnias que o compõe-, ou a manifestações populares, -festas de rua-, ou ao local de uma prática condenada pela sociedade; -lugar público onde se instala uma casa de prostitutas-, ou a um conflito: uma -grande confusão-, ou a uma relação social: -uma união-; ou ainda a um sistema econômico: - localização fronteiriça, com relevo e condições climáticas comuns na maioria dos casos

Esses significados, no Brasil, parecem ter-se reduzido a um : a idéia de lugar. Entretanto essa mesma palavra transportada para a região do Rio de La Plata, especialmente Argentina e Uruguai, passou por uma mudança de significado de forma acentuada.

Se formos ao dicionário de língua espanhola encontraremos:

quilombo. (De or. africano). m. Arg., Bol., Chile, Par. y Ur. prostíbulo. || 2. vulg. Arg., Bol., Hond., Par. y Ur. Lío, barullo, gresca, desorden. || 3. Ven. Lugar apartado y de difícil acceso, andurrial.

quilombero, ra. adj. vulg. Arg. pendenciero. U. t. c. s.

quilombear. intr. coloq. Ur. Visitar quilombos (II prostíbulos).[3]

Na designação espanhola podemos perceber uma gama formativa de léxicos enraizadas nos aspectos: casa de tolerância, prostíbulo, luxúria ou desordem. A razão disso se deve a alguns fatores, vejamos:

Comecemos pela acepção de desordem quilombo não deixa de ser, na origem da palavra, a quebra de uma ordem associada a sociedade escravocrata. A idéia de quilombo como desordem é captada por uma sociedade que tem a ordem patriarcal estabelecida, no caso, a portuguesa, e que busca a continuidade de uma relação de dominação e, em conseqüência a idéia de quilombo como desordem, tendo em vista que desordem para o homem branco ou dominador seria tudo aquilo que lhe tirasse seu poder de conquista. Quilombo para um negro nunca seria desordem e sim espaço de representação da liberdade e possibilidade de luta contra o dominador.

Em contra partida, na Argentina, na região do Rio de La Plata, os negros tinham uma boa aceitação e condição social, sendo destinados ao trabalho urbano, gozavam da liberdade de ventre livre a partir de 1813 e em 53 são decretados homens livres, inclusive aqueles negros de outras localidades que viessem morar na região.

Enquanto que quilombo, na visão da sociedade portuguesa, prendia-se à idéia de rebelião, desordem, no Rio de la Plata associava-se à idéia não como desordem e, sim, num sentido sexual, como sinônimo de lupanar.

Quanto à origem sexual da palavra quilombo, como lugar de luxúria, ele pode estar relacionado ao imaginário de que o negro por ser negro tem mais qualidades sexuais. Esta idéia ficou mais forte na Argentina por fins do século passado, quando houve uma perda significativa desse grupo, pela febre amarela. Esta imagem ficou registrada na literatura e no imaginário popular. Vejamos o personagem de Clemente do Diário Clarín, que sonha com sua “mulatona”, revelando o imaginário do homem rio-platense.[4]

Neste contexto a palavra “negro” e “negra”, “morocha”, “morocho” (apelido do Carlos Gardel) não tem um sentido racista, e sim carinhoso. É um apelido carinhoso, utilizado com caráter afetivo.

No imaginário erótico quilombo passou a ser lugar de lupanar, sendo diferente do sentido apresentado na língua portuguesa que nesse século XIX enfatizava a idéia de luta ou desordem.

É importante observar que a palavra "quilombo" foi se modificando de lupanar para  "desorden" , no vocábulo argentino:  

En la culminación del litigio, un veterano abogado sostuvo que el trámite procesal había sido muy desordenado. El joven letrado que tenía de contraparte dijo: "más que desordenado, utilizando el lenguaje popular, deberíamos decir que este expediente es un quilombo".

Aunque no resulte elegante el término utilizado, comprendo al novel colega porque, para las nuevas generaciones, la palabra "quilombo" tiene un solo significado: "desorden". Mejor dicho, es un superlativo de desorden. Nada más que eso.

En cambio, los que hemos vivido en la Argentina de la primera mitad del siglo XX, la conocimos como el nombre vulgar del prostíbulo, y no nos animábamos a pronunciarla en un ambiente culto. Era una de las condenadas "malas palabras".[5]

A mudança do sentido do termo quilombo na Argentina deve-se muito as torcidas de futebol que invocam em seus cânticos o espírito de festa, ou melhor de “ quilomberas”

Vamos vamos (nome do time)

Vamos vamos a ganar,

Que esta barra[6] quilombera

No te deja de alentar.[7]

Sentido também compartilhado pelos adolescentes, sendo quequilombo” é uma “festa de arromba” seja em “Bariloche un quilombo nacional /Bariloche te quiero de verdad” ou em “ “…sigamos jodiendo, sigamos creciendo /hagamos quilombo que al fin llegaremos…”[8]

Ou:

La banda se formo años atrás cuando todos éramos niños de escuela secundaria que solo pensaban en hacer quilombo , y que es una banda de rock sino eso, quilombo, así que empezamos bien encaminados…[9]

Paralelamente a palavra foi ganhando um outro sentido, o de desordem associado à resistência, à luta. Assim, durante o governo de Isabel Perón (1974-1976) o povo cantava contra o ministro López Rega (apelidado de “El Brujo”):

Suenen los pitos

Suenen los bombos

Saquen al brujo

O hacemos quilombo.[10]

O “Cacerolazo”( Panelaço) e os protestos que se seguiram, reforçaram esse sentido de protesto, de luta, de contestação, de fazer da desordem uma nova ordem:

Es a partir de esta última acepción del término, que a comienzos del siglo XXI surge en Argentina lo que se podría denominar el quilombismo,…

(…)la meta última de los quilombistas pasa por la recuperación de aquellos instrumentos materiales que les aseguren la posibilidad de adquirir automóviles, electrodomésticos, viajes fuera de Argentina, etc [11]

Ou:

Hay que hacer quilombo para que no lo hagan, en España creo que paso eso, hicieron quilombo y no lo pusieron[12]

Ou :

Su objetivo era el mismo: reclamar la contratación del nuevo barco para garantizar la continuidad laboral y el cese de los despidos. La mayoría de los trabajadores efectivos, sin embargo, creyeron que podían salvarse sin hacer "quilombo".[13]

Ou ainda: “¡Sí, quilombos les vamos a hacer, quilombo por la exigencia de justicia y por la lucha por nuestros derechos!”[14]

Para concluir, hoje já quase ninguém usa a palavra quilombo no sentido de prostíbulo. Quilombo espreme mais a idéia de  desordem, festa ou, ultimamente, de luta, com o qual a palavra parece estar recobrando seu sentido original, aquele que tinha no tempo dos quilombos.


 

Bibliografia

Biblioteca de Consulta Microsoft Encarta 2005. Microsoft Corporation, 1993-2004.

Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

Dicionário Espasa. Real Academia Espanhola.

http://www.espasa.com/nuevaweb/frames_rae.htm. Acesso em 05/03/05

http://www.legalmania.com.ar/rincon_envidia/uzos9.htm. Acesso em 04/03/05.

http://etimologias.dechile.net/?lunfardo. Acesso em 04/03/05.

http://www.politicayactualidad.com/textos.asp?id_texto=1178&id_seccion=11. Acesso em 04/03/05.

http://www.politicayactualidad.com/autores.asp?id_autor=158. Acesso em 04/03/05.

http://www.geocities.com/diversidad2000/discrimi.htm. Acesso em 04/03/05.

http://lists.econ.utah.edu/pipermail/re Acesso em 04/03/05.

conquista-popular/2003-November/011956.html. Acesso em 04/03/05.

http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM11-09.htm . Acesso em 04/03/05.

http://www.jornalexpress.com.br/not

icias/detalhes.php?id_jornal=7863&id_noticia=15. Acesso em 04/03/05.

http://www.1420learning.org/CC/fromZac/Quilombo.htm. Acesso em 04/03/05.

http://www.usp.br/revistausp/n28/4kabe.pdf. Acesso em 04/03/05.

http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/conteudo_mm_nemezio.htm .Acesso em 04/03/05.

http://www.nead.org.br/index.php?acao=artigo&id=21&titulo=Artigo+do+M%C3%AAs .Acesso em 04/03/05.

http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm/doc/estrateg/estbra.pdf. Acesso em 04/03/05.

http://www.ru.com.ar/archivo/n_littlejack.htm.Acesso em 13/03/05

http://foro.alkon.com.ar/archive/index.php/t-205867.html.Acesso em 13/03/05

http://www.pts.org.ar/publicaciones/arscap4.htm. Acesso em 13/03/05

http://www.pagina12.com.ar/2001/01-06/01-06-02/pag17.htm. Acesso em 13/03/05

http://www.caloi.com.ar/clemente/tiras/tirascolor.htm. Acesso em 13/03/05


 

[1] http://www.1420learning.org/CC/fromZac/Quilombo.htm

[2]Apud http://www.nead.org.br/

[3] Biblioteca de Consulta Microsoft Encarta:  1993-2004.Microsoft Corporation, 2005.

[4] http://www.caloi.com.ar/clemente/tiras/tirascolor.htm

[5] (http://www.legalmania.com.ar/rincon_envidia/uzos9.htm

[6] *torcida

[7] http://www.superfutbol.com.ar/Informes/FuscoHistoriaCantitos.htm

[8] http://egresado2002.tripod.com/canciones.htm

[9] http://www.ru.com.ar/archivo/n_littlejack.htm

[10] http://www.elortiba.org/cantitos.html

[11] Do livro História das Religiões citado por http://www.politicayactualidad.com/textos.asp?id_texto=1178&id_seccion=11

[12]http://foro.alkon.com.ar/archive/index.php/t-205867.html

[13] http://www.pts.org.ar/publicaciones/arscap4.htm

[14]http://www.pagina12.com.ar/2001/01-06/01-06-02/pag17.htm