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Luciene
Vera Lúcia Deps (UENF)
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Priorizar a concepção de linguagem enquanto atividade humana, histórica e social como espaço de interação entre as pessoas, de construção e compartilhamento de significados, no processo de ensino-aprendizagem, implica focalizar o desenvolvimento de habilidades nas produções de textos. Espera-se que o desenvolvimento do estudo proposto possa ajudar na compreensão do dinamismo da linguagem da Internet e como esta se reflete na escrita do adolescente. No contexto educacional, a linguagem tem sido alvo de preocupação não somente entre professores de língua, mas entre toda a comunidade escolar, principalmente, no que diz respeito ao descuido da normatização da língua entre os jovens.
Visto o Chat e o fotolog serem ciberespaços muito freqüentados, principalmente, por adolescentes e jovens, levanta-se a questão de como a linguagem híbrida da Internet tem refletido no mundo real da sala de aula nas produções de textos diversificados, utilizando como sujeitos um grupo de alunos de 7ª e 8ª séries de uma escola partícula, Instituto Educacional Santos Carvalheira, do município de Alegre/ ES.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Considerações sobre a escrita
Mediante as mais diversas perspectivas teóricas sobre o conceito de escrita, percebe-se um consenso em relação ao fato de que a escrita é a representação da linguagem oral. Entretanto, Cagliari (2002) diz ser uma ilusão pensar dessa forma, acreditando ser este um conceito muito restrito. Na verdade, ele defende a idéia de que a escrita traz em si a possibilidade de abrir caminhos a uma multiplicidade de sentidos. Ela é muito mais do que um espelho da fala.
Desde Saussure, estudiosos afirmam que a linguagem humana se realiza por meio de signos lingüísticos e cada signo é a união do significante (imagem acústica) e do significado (idéia). O signo lingüístico é a linguagem que representa o mundo. Segundo Massini-Cagliari (2001) “a escrita representa o mundo de maneira indireta, ela representa a fala” e surgiu da necessidade que o homem teve de registrar, guardar sua linguagem. A menor unidade de escrita é a palavra e não há como vê-la apenas como um processo de representação gráfica, seu conceito deve implicar a função social, já que ninguém escreve para o nada. Há sempre a intenção de se escrever a um interlocutor, num dado contexto sócio-comunicativo em que, por sua vez, a escrita alfabética ortográfica deveria ser levada em consideração, juntamente com seu aspecto semântico, sintático e discursivo. A palavra só tem sentido em sua situação de uso e a finalidade da mesma é registrar não só a oralidade, mas também o pensamento e os discursos ali impregnados.
Na perspectiva bakhtiniana, o significado da palavra é compreendido num contexto histórico-cultural. Brandão (2001), retomando as colocações de Bakhtin, afirma:
[...] é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou. A identidade se constrói nessa dinâmica com a alteridade.
Tudo isso se reflete na produção de texto que é uma forma de transportar o pensamento formado por palavras para a escrita. Esse pensamento não é único, ele é polifônico, há vozes que se entrecruzam mediante a sua historicidade, a sua cultura. A sua materialização vem com a oralidade e a escrita. Ao produzir um texto escrito, materializa-se o pensamento. É um processo contínuo e dinâmico, afinal esse mesmo texto escrito impregnado de ideologias será lido por um possível leitor que entrevê uma interlocução com o sujeito da enunciação (autor).
Isso vai ao encontro do que Koch (2002) afirma:
[...] na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/ construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que - dialogicamente – nele se constroem e são construídos.
Como a escrita carrega em si a intenção de um possível interlocutor, faz-se necessário que a mesma seja clara para que o objetivo da mesma seja alcançado, que é o de transmitir as idéias subjacentes à compreensão desse interlocutor.
A compreensão de texto deixa de ser uma mera decodificação de mensagem, é, na verdade, uma atividade interativa que implica elementos lingüísticos na superfície do texto e na sua forma de organização. A coerência implica em como os elementos visíveis no texto se articulam. Segundo Cagliari (2002) “A produção de texto envolve problemas específicos de estruturação do discurso, de coesão, de argumentação, de organização das idéias e escolha das palavras, do objetivo e do destinatário do texto etc.” Diante disso, encontramos a questão ortográfica como forma de normatizar a escrita para neutralizar a variação lingüística, trabalhando a escrita em seu aspecto funcional, possibilitando assim o sujeito da enunciação se enquadrar nos parâmetros exigidos pela norma culta utilizada em textos escolares, acadêmicos, jurídicos e outros.
É claro que todas as formas lingüísticas têm seu valor e a escola deve privilegiar todas ao mesmo tempo, entretanto não se pode desconsiderar a norma culta, visto ser a forma lingüística ainda utilizada em contextos sociais formais.
Para tanto, há implicações quanto à avaliação da escrita adequada aos parâmetros acima citados. Há a seguir alguns aspectos que devem ser considerados numa produção de texto, de acordo com a literatura especializada, Fávero & Koch (2002), Kleiman (1995) e Fiorin e Savioli (1992) : abrangência do conteúdo (grau de informatividade); argumentação (capacidade de defender ou refutar a idéia); concisão (idéias relevantes não repetidas); coesão (diz respeito à micro-estrutura textual, à conexão interna entre os vários enunciados: palavras e frases); seqüência lógica (progressão e coerência das idéias seguindo o tema proposto); nível lexical (uso de palavras adequadas, dentro do significado apropriado ao contexto); rapidez na produção do texto; adequação da linguagem de acordo com o tipo de interlocutor.
Atualmente, alguns desses aspectos estão menos freqüentes no ato de enunciação, em que vários jovens desconsideram características importantes de textualidade. Profissionais da área de linguagem têm percebido as inúmeras dificuldades que os jovens estão encontrando ao produzir um texto. Os vestibulares são exemplos claros a esse respeito, a mídia impressa divulgou os resultados desse concurso que despertou grande polêmicas: textos produzido sem coerência, coesão, linguagem inadequada, escrita ortográfica distante da norma padrão, dentre outros.
Essa situação pode se agravar no que diz respeito a jovens que passam um tempo considerável interagindo em chats e fotologs. A escrita, nesse contexto virtual, possui marcas da oralidade, ou melhor, o internauta se vale de recursos fonéticos para se aproximar mais da característica da conversação face a face, trazendo, para a mesma, características consideradas inapropriadas pela escrita ortográfica tradicional.
Levantam-se, nesse contexto, questões sobre características da oralidade e da escrita. Para alguns estudiosos, está ocorrendo um hibridismo entre essas duas modalidades, enquanto que, para outros, as diferenças ainda estão claras. Marcuschi (1998) acredita que devemos evitar as falsas dicotomias dessas duas modalidades, afinal mais do que as diferenças formais entre oralidade e escrita são as circunstâncias e uso que determinam a distinção entre elas. O que acontece, na verdade, é que a escrita aparece com marcas da oralidade e isso se deve ao fato de que a situação de uso da língua requer essa forma de escrita, haja vista os chats e os fotologs serem ambientes marcados por informalidade, mais característico da conversação face a face.
Segundo Kato (1990), percebe-se que as diferenças formais entre oralidade e escrita são diferenças acarretadas pelas condições de produção e de uso da escrita. Para se comunicarem no ambiente virtual veiculado pela Internet, os interlocutores criaram códigos próprios e seus textos são corridos, com seqüências e turnos bem próximos da conversação. De acordo com Marchuschi (2001), “turno é a produção de um falante enquanto ele está com a palavra. [...] Seqüência é constituída por um par conversacional, [...] é uma série de turnos sucessivos que se ligam por alguma razão semântico-pragmática.”
Tudo isso em decorrência do contexto que requer habilidade e velocidade na comunicação. Há rumores de que essa linguagem emergente pode trazer prejuízos ainda maiores em contextos que requerem uma escrita convencional. Se considerar a linguagem abreviada, simbólica e inventada no contexto de chats e fotologs , muitos estudiosos considerá-la-iam como déficit lingüístico; por outro lado, os interagentes consideram o ambiente propício a uma produção lingüística constante que rompe com padrões rígidos da gramática tradicional ; afinal, a criatividade lingüística faz-se notória nesses ambientes. Por outro lado, considerações tradicionais sobre textualidade e escrita convencional podem ficar estremecidas.
A conversação sobre a perspectiva de
Bakhtin, Marcuschi e Bernstein
Bernstein (1971) ressalta a existência de diferentes tipos de linguagem, determinados pela origem social. De acordo com sua teoria, é a estrutura social que determina o comportamento lingüístico. Para relacionar língua, cultura e pensamento, é necessário incluir nessas relações a mediação da estrutura social que gera diferentes códigos lingüísticos. Esses códigos transmitem a cultura, determinam comportamentos e modos de ver e de pensar. Eles não somente refletem, mas também determinam a estrutura de relações sociais.
Esse autor estabelece uma distinção entre “código elaborado” e “código restrito”. Segundo ele, os grupos sociais caracterizam-se por orientar diretamente suas escolhas lexicais e estruturais (código elaborado para a classe média e código restrito para a classe operária). Isso devido ao fato de que o código é transmitido e adquirido em interações que são culturalmente específicas.
Magda Soares (1989) afirma que nos primeiros trabalhos de Bernstein, o sociólogo, caracteriza os dois códigos a partir de aspectos léxicos e morfossintáticos:
[...] o código elaborado se caraterizaria por uma estrutura gramatical complexa e precisa [...]; ao contrário, o código restrito se caracterizaria por estruturas gramaticalmente simples, muitas vezes incompletas, freqüente substituição da expressão verbal por recursos não-verbais.
Mais tarde, ele enfatiza menos esses aspectos lexicais e morfossintáticos, privilegiando o aspecto semântico que passa a ser considerado determinante dos dois primeiros aspectos.
Levando isso em consideração, o jovem, usuário de chat e de fotolog pode ter seu código modificado de acordo com esse grupo social, aproximando-se do código restrito pelas características lingüísticas da interação verbal neste ambiente de rede. Aquele que tem o código elaborado pode adequar-se, com maior facilidade, ao código restrito, devido a sua característica universalista. Aquele que tem o código restrito como prática diária, manterá sua característica particularista em que relaciona linguagem e contexto de forma mais restrita que a universalista.
É preciso salientar que um código não é melhor que o outro, o que existem são diferenças e não deficiências. A língua e o comportamento lingüístico estão estritamente relacionados ao contexto sociocultural. É preciso considerar o aspecto heterogêneo da língua. A deficiência lingüística é um estereótipo resultante do preconceito lingüístico. Nossa sociedade ainda exige imbricações da linguagem de forma tradicional, privilegiando uma estrutura padrão. As discussões acirradas sobre a influência da linguagem dos chats e fotologs encaradas como situações preocupantes transparecem uma sociedade enraizada nas noções de superioridade e inferioridade da língua, noções essas que são determinantes na vida do jovem, sujeito da pesquisa, que precisa se inserir no mercado de trabalho seguindo exigências sociais de formalidade da escrita.
A era da tecnologia digital implica em novas formas de agir na sociedade, as relações se ampliaram; no passado, as interações eram basicamente face a face, no presente, a interação ocorre também através do computador. Segundo Ramal (2000), a conexão simultânea dos atores de comunicação a uma rede traz uma relação nova que implica em novas formas de ler, escrever, pensar e aprender. Desde muito cedo os jovens aprendem a utilizar a linguagem de forma culturalmente determinada, mas é a conversa casual, provavelmente, o tipo de linguagem mais usada entre as várias formas de utilização da língua oral. Nessa linguagem casual, o código restrito é o mais utilizado, independentemente da classe social. E, por sua vez, suas marcas estão explícitas nas produções de textos, cuja linguagem exigida é a linguagem escrita ortográfica convencional.
As salas de bate-papo constituem oportunidades para o usuário mesclar marcas da oralidade na escrita. O ambiente de comunicação sincrônica é como uma teia em que o locutor está interagindo com vários interlocutores como no encontro face a face. Para haver comunicação eficaz, há necessidade de os interlocutores obedecerem a regras, isto é, não deve haver fala simultaneamente, cada um deve ter a sua vez, isso é o que Marcuschi (2001) denomina “tomada de turno”, ou melhor, “fala um de cada vez”. O feedback também deve ser imediato, exigindo destreza em reunir velocidade, concentração e clareza na comunicação.
Vale lembrar que na interlocução, por ser um processo ativo de ambas as partes, aquele que exerce o papel de locutor, será também o receptor da mensagem. O processo dialógico do discurso vem à tona, pois decorre da interação verbal que se estabelece entre o enunciador e o enunciatário. Há presença de dois pólos básicos – de um lado, enunciador/ enunciatário e, de outro; enunciatário/enunciador.
Todas essas articulações envolvem novos modos de agir perante a essa emergente cultura da escrita.
A aprendizagem social do internauta
A Teoria da Aprendizagem Social possui implicações que também podem cooperar no presente estudo. Bandura insiste que nem toda aprendizagem ocorre como resultado do reforçamento direto de respostas como defendia Skinner; mas por imitação ou modelagem. As pessoas podem aprender respostas novas simplesmente observando o comportamento de outras. Entretanto, conforme ressalta o autor, só há aprendizagem, quando certas condições no indivíduo fazem-se presentes, tais como atenção, retenção, reprodução motora e motivação.
Ele (1989) afirma que “os humanos não se limitam a responder aos estímulos do meio, eles o interpretam”. Vygotsky também atribui importância à imitação, e também ressalva que as pessoas só imitam aquilo que está de acordo com o seu nível de desenvolvimento ou compreensão cognitiva, o que tem sido demonstrado através de pesquisas.
Dentre os efeitos possíveis que podem ter a aprendizagem por observação, pode-se mencionar: aquisição de respostas e habilidades cognitivas pelo observador; inibição ou desinibição de condutas; efeitos de incremento ou de maior uso do estímulo ambiental e efeito de ativação de emoções.
Além de condutas relativamente simples e próximas à compreensão cognitiva do observador , pesquisas têm demonstrado que as pessoas imitam mais: condutas em outras que são recompensadas (aprendizagem vicária); modelos apresentados em momentos em que a pessoa presta atenção, esteja motivado; e modelo acompanhado de instruções verbais. Essa teoria de certa forma reforça a nossa hipótese da influência da escrita na internet sobre a escrita nas produções de texto.
Por outro lado, a literatura especializada tem enfatizado que cada estágio de desenvolvimento se caracteriza por determinados aspectos que podem ser mais afetados de forma positiva ou negativa.
De acordo com Erikson(1972), na adolescência, fase em que se encontra o sujeito de nossa pesquisa, a questão central gira em torno da identidade versus difusão. Durante esse período, o desenvolvimento cognitivo proporciona ao adolescente uma forma de compreensão e de pensamento completamente nova. O sistema de pensamento que se inicia nesse período oferece ao adolescente novo mecanismo para dar significado a sua própria experiência, particularmente, ao que se refere à compreensão da sua identidade enquanto pessoa.
O autor (1972) ainda afirma que o adolescente é muito vulnerável à pressão externa no sentido de a seguir. Ora, se essa influência sobre o adolescente é forte, a influência dos pares será maior, haja vista que a experiência com pessoas próximas ou da mesma idade, contribui para o reforço de sua identidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em conta as abordagens com relação à aprendizagem por imitação, segundo Bandura, e a força do grupo sobre o adolescente, tudo isso contribui para reforçar a hipótese de que a utilização de chat e fotolog tem alterado e influenciado, significativamente, a escrita convencional das produções de texto.
A escrita convencional sofreu modificações na cibercultura, em especial nos chats e fotologs. Apesar de nem todos os adolescentes terem, ainda, acesso direto à Internet, eles se entusiasmam cada vez mais com a linguagem desses ambientes e sofrem, por sua vez, mudanças que costumam refletir em sua vida diária.
Jornais e revistas estão sempre publicando artigos ou matérias sobre a preocupação com a escrita convencional. Seus autores, na maioria das vezes, acreditam que a sistematização da linguagem de chats e fotologs certamente trará prejuízos, mediante a necessidade de uma escrita formal na profissão e nas relações interpessoais. No entanto, há aqueles que acreditam não haver o maior problema, que é apenas uma questão de adaptação.
Uma análise investigativa se faz necessária para que se viabilize soluções ou questões ainda maiores para a atual situação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNSTEIN, Basil. Class, codes and control. London: Paladin, 1971.
BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas: UNICAMP, 1991.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. São Paulo: Scipione, 2002.
FAVERO, Leonor Lopes e KOCH, Ingedore G. Villaça. Lingüística Textual: introdução. São Paulo: Cortez, 2000.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São Paulo: Ática, 1992.
KATO, Mary A. No mundo da escrita. São Paulo: Ática, 1990.
KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado Social de Letras, 2001.
KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2003.
MARCHUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2001.
RAMAL, Andréa Cecília. Educação na cibercultura. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SOARES, Magda. Transformações e movimentos da escola no mundo atual in Ensino Médio: desafios em tempo de mudanças. Espírito Santo: SEDU, 2002.
––––––. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1989.
SOUZA, Carlos Henrique de. Comunicação, educação e novas tecnologias. Campos dos Goytacazes: FAFIC, 2003.
[1] salas de bate-papo na Internet, comunicação sincrônica.
[2] diários na internet, constituídos de fotos e de comentários rápidos, comunicação assícronona.
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