A CATEGORIA DO ADVÉRBIO
NO DISCURSO DA PUBLICIDADE
A INTERFACE GRAMÁTICA E DISCURSO
Rosane Santos Mauro Monnerat (UFF)
Considerações iniciais
No desenvolvimento desse tema, surgem, de imediato, duas questões: uma, mais geral, referente à interseção gramática e discurso e outra, subseqüente à primeira, referente às categorias de palavras – no caso, o advérbio – articuladas ao gênero do texto publicitário.
Primeiramente, será necessário situarmo-nos face ao “problema” atual do que quer dizer ensinar gramática nos níveis fundamental e médio.
Conforme Oliveira (2000: 1), há uma gama de atitudes a respeito do ensino de gramática na escola, que vão desde o normativismo extremo até o laissez-faire radical. Em outras palavras, ensinar uma gramática normativa e prescritiva rígida, ou não ensinar mais gramática.
Os dois extremos, como sempre, são eqüidistantes da verdade. Pretendemos, portanto, operacionalizar o meio-termo entre eles, oferecendo ao professor estratégias de “como ensinar a gramática na escola”. Ao dizer isso, expressamos a nossa posição: não se trata de não ensinar mais gramática, mas sim, de QUE gramática ensinar na escola. Daí, a pertinência da interseção gramática e discurso, entendendo-se discurso “como um acontecimento protagonizado por um enunciador e um ou mais destinatários numa dada situação, que inclui o momento histórico e social. Através do discurso as pessoas produzem textos” (Azeredo, 2000: 34 e 35). O discurso é, então, concebido como “a inclusão de um texto em seu contexto” (Adam, 1999: 39, apud Charaudeau; Maingueneau, 2004: 169). Confirma-se, desse modo, a preocupação com o estudo e a análise dos conhecimentos tradicionais sobre a linguagem, mas voltados para o interesse textual. Dessa forma, já se justifica a análise de uma determinada categoria de língua inserida em um gênero textual preciso.
A questão da utilização de tipos e gêneros textuais variados no ensino tem sido preocupação constante dos PCNs. Ocorre, porém, no âmbito desse estudo, uma grande confusão terminológica. Optamos por seguir o ponto de vista apresentado por Carneiro (2005), que classifica os textos com base nos modos de organização discursiva – descritivo, narrativo, dissertativo (argumentativo), conversacional e enunciativo [Carneiro (2005) não menciona o enunciativo] – e nos tipos textuais (classificação apoiada no conceito de função textual (Grosse, 1976, apud Carneiro, op. cit) – normativos (regulamentar), fáticos (contatar), expressivos (automanifestar-se), apelativos (convencer), didáticos (ensinar), instrucionais (instruir), informativos (informar) e preditivos (prever). Todos esses tipos se ligam à sua finalidade na interação social, enquanto os literários se prendem à função prioritariamente estética.
Cada um dos tipos textuais pode se realizar por gêneros distintos. Assim, um texto apelativo pode aparecer sob forma de um convite, uma oração, um anúncio publicitário etc. Esse último gênero constituirá o nosso corpus de análise – textos publicitários impressos em revistas e jornais.
O modelo Semiolingüístico
de Análise do Discurso
Por “análise semiolingüística do discurso”, entendemos a preocupação simultânea com o discurso e com o sistema da língua.
É fundamental, portanto, a relação da língua com a imagem do mundo por ela refletida. Analisando esse tipo de relação, Charaudeau (1995: 101) parte do processo de “semiotização” do mundo, duplo processo, uma vez que se desdobra em um processo de “transformação” (compreendendo as operações de “identificação”, “qualificação”, “ação” e “causação”) e outro, de “transação”, que é base da construção do contrato de comunicação e que se realiza segundo quatro princípios: de “alteridade”, de “pertinência”, de “influência” e de “regulação”.
Assim, seguindo Charaudeau (1995, 2005) e Carneiro (2005), começaremos por delimitar, no trabalho com textos, dois universos, para, a seguir, precisar como passar, por meio da língua, de um desses universos ao outro, isto é, como passar do universo de um mundo real ao de um mundo representado, ou seja, de um mundo a significar a um mundo significado.
Nesse percurso, há dois processos fundamentais: o processo de representação ou nomeação e o processo da expressão.
O processo de representação se refere à possibilidade de a língua representar os constituintes básicos do mundo real: seres, processos e atributos. As operações de nomear seres, processos e atributos denominam-se, respectivamente, operação de designação, operação de atuação e operação de atribuição.
Já o processo de expressão se refere às operações lingüísticas que tornam capaz a inclusão de seres, processos e atributos em enunciados, já que os vocábulos têm primariamente um sentido de língua, ou seja, um sentido virtual, potencial, que só se atualiza, quando passam a ter – por meio de operações lingüísticas que os insiram em enunciados – um sentido real, ou melhor, um sentido de discurso. São essas operações a operação de identificação, realizada pelos determinantes, a operação de conexão, realizada por conectores de vários tipos e a operação de modalização, que inclui a opinião ou ponto de vista do enunciador sobre o conteúdo veiculado no texto.
No caso de nossa pesquisa, estaremos lidando com a função de nomeação na interface atributos. Em outras palavras, na função de nomeação, importam as classes encarregadas de nomear os seres do mundo (entidades – a que correspondem, na gramática tradicional, os substantivos), as suas ações, ou estados em que se encontram (processos, a que correspondem os verbos) e as qualidades (adjetivos) e circunstâncias (advérbios), respectivamente de entidades e de processos (atributos).
Vale destacar, no entanto, que os critérios tradicionais no estudo de advérbios não conseguem dar conta da multiplicidade de ocorrências, em situações discursivas várias, em que essas palavras podem- se apresentar na língua.
Perini (1995: 338) chega a perguntar se “existe uma classe dos advérbios”, apoiando-se no fato de que a categoria tradicional dos advérbios encobre uma série de classes, às vezes de comportamento sintático diferente. Segundo o autor, os advérbios do português são pouco estudados em seu conjunto e as definições propostas nas gramáticas se apresentam com um elemento de circularidade que as inviabiliza – a propriedade de modificar itens de outras classes, ou mesmo de modificar o próprio advérbio.
A classe dos advérbios
Com efeito, os advérbios constituem uma classe cujo estudo se apresenta com limites imprecisos e isso porque os critérios tradicionais de análise se limitam a defini-lo como modificador – de verbos, adjetivos, ou outros advérbios – elencando suas categorias de acordo, apenas, com as circunstâncias que exprimem e restringindo-se (com pouquíssimas exceções) ao escopo da frase. Vale lembrar, ainda, que vocábulos como inclusive, só, até, apenas, dentre outros – considerados, hoje em dia, de grande importância, por exemplo, para a Macrossintaxe Argumentativa (Ducrot e outros autores) – não são “listados” nessas séries de advérbios, aparecendo, via de regra, em notas de rodapé e denominados como palavras denotativas.
Dessa forma, sugerimos uma proposta de análise da categoria do advérbio, que ultrapassa os limites da sentença, em direção ao discurso.
Os critérios tradicionais
Segundo os critérios tradicionais os advérbios são focalizados sob três perspectivas: morfológica: palavra invariável; sintática: palavra sintaticamente relacionada ao verbo, ao adjetivo ou a outro advérbio e nocional: palavra que indica circunstância e modificação. Como ocorre com as demais classes de palavras (“designação de seres” para o substantivo, “expressão da qualidade” para o adjetivo etc.) também se utilizam critérios nocionais na caracterização dos advérbios. Um desses critérios recorre à noção de modificação. Assim, normalmente, define-se o advérbio como modificando a idéia expressa pelo verbo ou “denotando” circunstâncias em que se dá o processo a que ele faz referência.
Conforme nos ensinam as gramáticas, portanto, “advérbios são palavras que se juntam a verbos, para exprimir as circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade.” (Cunha, 2001).
Para Pottier (1976: 217), o conceito de advérbio é mal definido nas gramáticas, já que “praticamente toda palavra invariável que qualifica o processo recebe o nome de advérbio”. Por isso, torna-se necessário definir o que deve ser o advérbio. Segundo o autor, o advérbio está para o verbo, assim como o adjetivo está para o substantivo.
Por outro lado, sabemos que muitos adjetivos e advérbios se apresentam com a mesma forma: firme, caro, alto, duro etc.
Trata-se do que Pottier (1976: 220) considera “advérbios curtos”: “ele fala alto”; “ele trabalha duro”, “ela bateu forte”, em oposição aos “grandes” (largos), terminados em –mente.
Veja-se o exemplo:
(1) “Viu como é simples? Matar a saudade. Pague menos. Voe simples.”
Webjet linhas aéreas. Voe simples.
(Isto É, 1867- 27/07/2005)
Voltando ao problema da conceituação do advérbio, pode-se dizer que, embora as definições de advérbio nas gramáticas de língua portuguesa, sejam, de um modo geral, consensuais, é bom lembrar que, em alguns autores, elas se revestem de algumas especificidades.
Melo (1978: 194), ao se referir aos advérbios, chama a atenção para o fato de que “sob o nome advérbio se abrigam valores significativos diversos”, tanto que prefere fazer distinção entre “nome adverbial” e “determinante adverbial”. Aceita a denominação corrente de advérbio “para a palavra que circunstancia ou intensifica a significação de um verbo, de um adjetivo, de outro advérbio, e, em certos casos, de um pronome ou de um nome.” Já Vilela (1999: 239) estende a atuação do advérbio para além dos limites de modificador de palavras (verbos ou adjetivos), quando diz que “embora a designação advérbio [= ADVERBIUM / EPIRRHEMA] aponte para uma determinada relação destas palavras com o verbo (“aplicado ao verbo”) – e por isso mesmo tem sido tratado como o “adjectivo do verbo”- contudo, os advérbios não modificam apenas os verbos, mas também adjectivos e mesmo outros advérbios e frases totais”.
Nos livros didáticos e nas gramáticas, os advérbios se apresentam em listas, de acordo com a circunstância que exprimem: lugar, tempo, causa, modo etc. Costuma-se, inclusive, dizer aos alunos que os advérbios terminados pelo sufixo –mente são sempre de modo. Vale destacar, no entanto, que nem toda palavra em – mente expressa modo e que alguns advérbios, a serviço da subjetividade do enunciador, apresentam comportamento semântico-discursivo bem diferente do que preconizam algumas gramáticas e livros didáticos.
Assim, pode-se dizer, com Bonfim (1988: 63), que “a imensa classe dos advérbios não condiz com as conceituações que circulam nos meios escolares”. Para uma análise dos advérbios, em português, segundo a autora, será necessário observar o relacionamento de alguns advérbios e dos pseudo-advérbios (para ela os advérbios de dúvida e de frase) com a enunciação.
Sugestão de análise
A classificação que apresentaremos a seguir, proposta por Ilari, na Gramática do Português Falado (1991), sobre não se limitar efetivamente ao português falado, consegue, de alguma forma, dar conta de problemas residuais não contemplados pela classificação tradicional, embora não se pretenda com tal estudo pôr um ponto final na questão da análise dos advérbios.
Segundo o autor (op. cit., p. 93) as ocorrências de advérbios podem ser analisadas em uma matriz com duas entradas: a primeira, pelo tipo de unidade sintática a que se aplicam, faria a distinção entre advérbios de constituinte e advérbios sentenciais; a segunda, pela sua função, distinguiria os advérbios em predicativos e não-predicativos.
Advérbios de constituinte, advérbios sentenciais e de discurso
O constituinte e a sentença como escopo do advérbio:
·
Hedges ou advérbios de “circunscrição”: limitam o ponto de vista sob o qual pode ser considerada correta a asserção (no fundo, de fato, oficialmente, praticamente, humanamente, pura e simplesmente etc..):(2) “Menos é mais. Principalmente, quando o assunto é roupa. Novo Lux firmassage.”
LUX (Marie Claire, julho/205)
·
Quase-modais: modalizam a asserção advérbios sentenciais do tipo realmente, provavelmente, possivelmente, dificilmente etc..:(3) Francamente, a única coisa instantânea na sua empresa é o café. Na Nextel tudo é direto, até na hora de dizer as verdades.”
Nextel direto. Esse é o nosso jeito.
(Veja Rio, 21/04/04)
·
Aspectualizadores: ainda uma outra classe de advérbios sentenciais indica a freqüência com que um evento se reitera. Trata-se de advérbios do tipo: geralmente, diariamente, de vez em quando, às/algumas vezes etc.. Poderíamos, talvez, chamá-los de “quantificacionais” ou quase-quantificacionais”, mas por expressarem quantificação sobre eventos (e não sobre objetos) e pelas restrições que impõem ao aspecto verbal, preferiu-se a denominação de aspectualizadores:(4) “Finalmente um produto de beleza que elimina tudo o que você deseja.”
Bic soleil for women.
(Caras, Ano 12, No. 27 – 08/07 2005)
Atitude proposicional: referem uma apreciação, geralmente do falante, sobre o conteúdo da proposição (in)felizmente).
Said Ali (1971: 37), ao se referir a “expressões de situação”, já chamava a atenção para esse tipo de advérbios que nada têm a ver com o verbo da oração. Na frase “Os ladrões felizmente não arrombaram o cofre quer dizer que houve felicidade para o dono do cofre, não para os ladrões”. Enuncia-se, portanto, uma avaliação do enunciador de cunho subjetivo, o advérbio sendo um modalizador, um “advérbio de frase”:
(5) “Felizmente, tudo o que você conhecia até hoje sobre hospitais está com os dias contados.”
(São Sebastião Hospital das Clínicas. O Globo, 05-08-2001)
Alguns advérbios, sobretudo os dêiticos, podem aplicar-se a unidades cujas dimensões ultrapassam não só os limites dos constituintes, como também os da sentença. Esses advérbios dêiticos-anafóricos são o que denominamos advérbios do discurso. Caracterizam-se por introduzir um novo momento na organização discursiva, que se distingue do anterior por uma mudança de tópico e de orientação discursiva (ex. o advérbio agora com valor de contra-expectativa).
Segundo Ilari (op. cit., p. 86), não deve causar estranheza encontrar elementos dêiticos-anafóricos em função discursiva, já que “entre a dêixis propriamente dita e anáfora e entre anáfora e operações discursivas, há um progressivo esvaziamento da dimensão espaço-temporal, na medida em que o discurso se torna a dimensão de referência”.
Comparemos os três exemplos seguintes com o advérbio “agora”:
(6) “Verão de ofertas Toque a campainha. A maior onda de preços baixos. Compre agora e só comece a pagar em 60 dias.”
Toque a campainha (Veja-Rio, 21/01/04)
(7) “Ana 36, dava uma volta no shopping todo dia. Agora dá uma volta no quarteirão com seu cachorro.”
Ferla (Caras, Ano 12, No. 27 – 08/07 2005)
(8) “Você vai ficar charmoso e elegante. Agora, bonito é por sua conta.”
Dailisse Mitsubishi Motors
(Jornal do Brasil, 06/06/1999)
Os exemplos (6), (7) e (8) ilustram bem o emprego de “agora” aplicado a segmentos de amplitude e natureza lingüística diferentes. Em (6) esse segmento se restringe à predicação e agora indica que a ação se realiza no momento da enunciação; em (7), agora estabelece para a ação um quadro de referência temporal que inclui o momento de enunciação, mas se estende além dele e, em (8), esse dêitico aplica-se a unidades cuja dimensão ultrapassa não só os limites do constituinte, como também da sentença. Trata-se do advérbio de discurso, que, no caso em questão, abarca uma seqüência discursiva mais ampla, o agora definindo um novo momento na organização do discurso, que se distingue do anterior por uma mudança de tópico e de orientação discursiva, em relação ao trecho que o precede. Ocorre o mesmo com o advérbio já, no exemplo (9):
(9) “Para você, a tecnologia HP Photoret é uma nova era. Já para a concorrência é o apocalipse.”
Hewlett Packard (Isto É, 21/04/1999)
Em outro trabalho (Monnerat, 2001), tratamos dessas formas lingüísticas sob a ótica do mecanismo sintático da contrajunção, ou contra-expectativa, já que tanto o agora, como o já veiculam uma idéia de contra-expectativa em relação à conseqüência implícita da asserção de base, podendo ambos ser para fraseados por mas
Advérbios predicativos e não predicativos
·
Advérbios predicativosSão basicamente representados pelos advérbios “qualitativos” e por advérbios intensificadores. São predicativos também os modalizadores e os aspectualizadores.
A primeira dessas classes – a dos advérbios qualitativos – representada por construções do tipo “comer bem” (construção paralela à “comida boa”) corresponderia aos casos em que Pottier (1976) afirma que “o advérbio está para o verbo assim como o adjetivo está para o substantivo. Encontram-se advérbios qualitativos de adjetivos, de verbos e de advérbios (por exemplo, maravilhosamente bem):
(10) “Sala de estar bem”
Claristique vidros: portas e janelas
(Caras, Ano 12, No. 27, 08/07 2005)
Nesse caso, o advérbio se restringe à predicação.
Os advérbios intensificadores (sobretudo as ocorrências de mais e muito) são prototipicamente usados com verbos, adjetivos e advérbios, não se descartando, porém, seu emprego ao lado de substantivos e pronomes, emprego esse que, à vezes, pode soar como metáfora (Cf. Ele é muito gente, ou o chefe é muito ele.).
No texto publicitário, esses advérbios intensificadores assumem importante papel na intensificação das qualidades do produto anunciado. Assim, convém referirmo-nos, em primeiro lugar, aos advérbios que formam não só o comparativo de superioridade dos adjetivos, como também o superlativo absoluto analítico e o superlativo relativo de superioridade, portanto, com função de intensificação. Esses advérbios são os advérbios de intensidade, também chamados nas gramáticas mais antigas de advérbios de quantidade. Relacionam-se a adjetivos e a outros advérbios para expressar grau.
Vale destacar, neste ponto, o estudo de Quirk (1985) – de base semântica – para os advérbios intensificadores do inglês, que pode ser transposto para o português.
Sugere o autor um quadro paralelo ao que apresenta para o estudo dos adjetivos intensificadores (intensifiers). Refere-se, por um lado, aos advérbios enfatizadores (expressam o papel semântico da modalidade, reforçando o valor de verdade do termo que modificam, o qual, por sua vez, não implica noção de gradação; são advérbios de modo que salientam e reforçam o descrito: definitivamente, honestamente, claramente, seguramente etc.) – já por nós referidos como quase-modais – e, por outro, aos intensificadores, cuja caracterização está extrinsecamente ligada à noção semântica de grau. Distingue dois conjuntos de intensificadores: os amplificadores (amplifiers), que projetam escala acima o produto a que se referem e os moderadores (downtoners). Os primeiros ainda se subdividem em maximizadores (maximizers): totalmente, completamente, inteiramente etc. e encorajadores ou levantadores (boosters): muito, mais, bastante etc. e os segundos, em aproximadores (approximators): quase, aproximadamente; conciliadores (compromisers): mais ou menos, uma espécie de; diminuidores (diminishers): parcialmente, moderadamente e minimizadores (minimizers): dificilmente, no mínimo.
Desses, obviamente, são os amplificadores que interessam à linguagem publicitária. Os maximizadores indicam o mais alto grau, são superlativos, geralmente sinalizam para uma leitura hiperbólica: o melhor, o máximo, completamente; os levantadores são uma classe aberta, referem-se a um ponto alto numa escala. Incluem a comparação e a exclamação, os graus dos adjetivos e dos advérbios. Os moderadores só aparecem na publicidade quando se quer atenuar os aspectos negativos do produto, ou os positivos do concorrente.
Exemplos:
(11) “Mais de 100 Gerentes de Relacionamento altamente treinados e assessoria financeira para cada cliente. Completamente Prime.”
Bradescompleto – Prime
(Isto É, 1867, 27-07-2005)
Incluem-se, ainda, no grupo dos advérbios predicativos, os aspectualizadores e os modalizadores , cujo papel já foi descrito em secção anterior.
·
Advérbios não-predicativosTrata-se de advérbios para os quais não cabe falar em modificação de sentido. Esses advérbios poderiam ser reunidos numa mesma classe, de advérbios de verificação. Encontram-se nesse grupo as expressões de inclusão/ exclusão (inclusive, só) e de focalização (justamente, exatamente).
(12) “ Só este selo garante a qualidade dos suprimentos originais HP.”
HP (Veja, 27/07/2005)
Levando em conta todos esses fatos, poderíamos dizer que uma classificação mais completa do advérbio dependeria, no mínimo, de dois tipos de gramática: (1) uma gramática que estuda as expressões do ponto de vista de sua constituição e de sua conexidade; (2) uma gramática que define e organiza unidades relevantes para a compreensão do fluxo de informações e da coesão textual.
Considerações finais
Nesta pesquisa, procuramos analisar a categoria dos advérbios num corpus de textos publicitários. Trabalhamos com conceitos tradicionais relacionados a uma abordagem que procura estudar a categoria em questão, sob os aspectos semântico, sintático, morfológico e pragmático-discursivo, partindo da frase e indo além dela e tudo isso sob o arcabouço teórico-metodológico da Teoria Semiolingüística de Análise do Discurso.
Ao articularmos a proposta sugerida por Ilari (1991) aos estudos sobre intensificação de advérbios segundo Quirk (1985), pudemos constatar estreita relação entre os advérbios de circunscrição (ou hedges), os quase-modais e os aspectualizadores (Ilari), com os enfatizadores e os intensificadores (Quirk). Em outras palavras, na publicidade comercial, em que o objetivo final é a compra do produto anunciado, sobrelevam-se as suas qualidades (intensificando-as) sem, contudo, deixar de modalizar positivamente esses atributos, na tentativa de captar a atenção do destinatário.
Vale destacar, então, a maneira como se estabelece o contrato comunicativo entre os parceiros do jogo comunicativo, nesse tipo de texto. O locutor sob a máscara do anunciante não se revela explicitamente na mensagem como aliado do agente da busca empreendida pelo consumidor-destinatário. Revela-se, antes, por meio de uma estratégia de ocultamento parcial de sua face, através do sentido implícito de sua fala ao exacerbar as qualidades do produto anunciado, através da intensificação no emprego dos advérbios.
Verificamos a prevalência dos advérbios de circunscrição, articulados aos enfatizadores e aos intensificadores, sobretudo, os maximizadores. Convém destacar, ainda, em termos de predomínio de formas adverbiais encontradas no corpus, a maior incidência do advérbio agora, com sua atribuição estendida à sentença toda e estabelecendo um quadro genérico de referência temporal, que inclui o momento presente, jogando-o para frente, ou melhor, estendendo-se para além dele.
Na análise da publicidade, portanto, deve-se levar em conta não só os mecanismos ideológicos que levam o consumidor a comprar e, até mesmo, a modificar seus julgamentos de valor em função dessa mesma publicidade, mas, sobretudo, o aspecto lingüístico – a língua que veicula os argumentos publicitários.
O estudo da palavra publicitária mostra-se revelador de valores, atitudes culturais e modos de expressão da época, que possibilitam o reconhecimento da riqueza dos recursos da língua utilizados nessas mensagens.
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