ISTO É UMA
PIADA?
Sebastião Lourenço dos
Santos (UFPR e UTPR)
Introdução
Ouvir uma
piada,
achar
engraçado,
rir.
Por
detrás dessa
cadeia,
aparentemente
simples e
natural, se oculta
um
trabalhoso
processo cognitivo
que
demanda complexas
atividades
mentais.
Primeiramente, a
piada
passa
pelo
processo
físico (ouvir),
depois entra
em
ação o
processo cognitivo (interpretar) e,
por
último, o afetivo-emotivo (rir).
Atualmente existem
estudos
que tratam das
características humanas
que se manifestam
pela
emoção, e
sob as
quais o
ser
humano
não exerce
controle,
tais
como o
susto, a
alegria e o
medo.
Pouco a
pouco,
também,
ganha
espaço a "gelotologia" –
ciência
que
pesquisa o
riso. Se
por
um
lado, se buscam
respostas no
comportamento
humano,
por
outro, as
teorias
lingüísticas do
humor (RASKIN, 1995; CURCÓ, 1995; YUS, 2003),
centradas na
semântica cognitiva, tentam
dar
conta dos
processos cognitivos de
interpretação desta
manifestação emotivo-afetiva
que nasce da
percepção de uma
incongruência, de
um
paradoxo lingüístico-cognitivo
sobre o
desfecho
inesperado de uma
história.
Aí reside a
interpretação,
ou
não, de uma
piada.
Neste
estudo, pretendemos
demonstrar
que a
interpretação de uma
piada depende,
além do
conhecimento de
mundo, das
inferências.
Nosso
objetivo é
refletir
sobre a
piada, tomando o
viés
pragmático da
Teoria da
Relevância (SPERBER & WILSON, 1986). Partimos da
pressuposição de
que a
manifestação
mental do
riso
passa necessariamente
pela
violação do
Princípio de
Cooperação (PC) e das
Máximas Conversacionais (GRICE, 1967/1975).
Princípio
de
Cooperação
(PC)
e
Máximas
Conversacionais
Antes de iniciarmos esta
reflexão se faz
necessário
retomar os
postulados conversacionais do filósofo Herbert
Paul Grice (1967/ 1975). De
acordo
com o
autor, a
comunicação
humana
só ocorre
porque os
interlocutores cooperam
um
com o
outro. Grice postulou
um
princípio da
comunicação ao
qual chamou
Princípio de
Cooperação (PC): seja cooperativo. O PC se
apóia,
por
conseguinte,
em
quatro
Máximas Conversacionais,
grosso
modo, representadas
abaixo:
1)
Máxima da
Quantidade –
não diga
nem
mais
nem
menos do
que o
necessário;
2)
Máxima da
Qualidade –
não diga o
que
você
não sabe
ser
verdadeiro;
3)
Máxima da
Relevância –
só diga o
que é
relevante;
4)
Máxima da
Maneira – seja
claro,
conciso e
ordenado; evite
obscuridade,
ambigüidade e prolixidade.
Os
estudos
que tratam da
interpretação da
piada do
ponto de
vista
lingüístico partem do pressuposto de
que esta
viola o PC e as
Máximas Conversacionais (ATTARDO, 1993: 541).
Entretanto, o
próprio Grice enumera algumas
atividades
que os
interlocutores podem
tomar
em
relação às
Máximas. Pode
ocorrer
que o
falante,
para
salvaguardar uma
Máxima, viole
outra,
isto, no
caso dessas
Máximas entrarem
em
conflito. Os
interlocutores podem
cumprir,
violar,
ou
infringir, as
Máximas Conversacionais.
Caso o
locutor infrinja
intencionalmente uma
Máxima cabe ao
interlocutor
fazer
inferências (cálculos
mentais)
para
descobrir o
motivo da
desobediência.
Para
acessar
esse
processo de
interpretação inferencial, o
ouvinte recorre às Implicaturas Conversacionais
(GRICE, 1967/1975; SPERBER & WILSON, 1986; LEVINSON, 2000). E é nesse
contexto das implicaturas conversacionais
que se inserem a
ironia, o
mal
entendido, a
metáfora e, logicamente, a
piada.
A
violação
ou
não das
Máximas,
ou do PC,
são
temas
pertinentes à
Pragmática.
Portanto, neste
estudo, tomaremos
por
base as
Máximas de Grice e
nos apoiaremos na
Teoria da
Relevância (TR) (SPERBER & WILSON, 1986)
para fazermos uma
reflexão de
como se
processa e se interpreta cognitivamente a
piada.
A
violação
das
Máximas
Iniciemos esta
reflexão a
partir de
um
exemplo.
Porém, salientamos
que
nosso
objetivo é
analisar a
piada
sob a
ótica da
pragmática cognitiva, e
não
ser
um
contador de
piadas,
ou
um
humorista.
Então, vejamos:
(1)
O
paciente
acorda
após
a
cirurgia
e se depara
com
um
homem
em
pé
ao
lado
da
cama.
– E
então,
doutor,
na
cirurgia
correu
tudo
bem?
–
Eu
não
sou o
doutor,
sou
São
Pedro.
Por
que,
após ouvirmos uma
piada, somos inexoravelmente induzidos a
rir?
Por
que uma
pessoa interpreta uma
piada de uma
maneira e
outra interpreta de
outra?
Por
que algumas
piadas
são entendidas
mais rapidamente
que outras?
Afinal, o
que é uma
piada,
lingüística e cognitivamente?
Nos
próximos
parágrafos refletiremos
sobre
esse
processo ao
mesmo
tempo
tão
simples e
tão
complexo.
Por
ora, faremos uma
reflexão de (1).
Há
que se
ter
em
mente
que, de
acordo
com o PC, o
locutor/personagem
em (1) pressupõe
que o
interlocutor vai
cooperar
com
ele no
processo conversacional. E é na
resposta do
interlocutor
que está
nosso
objeto de
estudo. No
entanto: houve
ou
não
comunicação –
conversação –
entre os
interlocutores da
história (1)?
Claro
que houve.
Nossos
personagens interagem num
suposto
mundo pós-morte,
portanto num dos
mundos
possíveis,
que idealizamos
para
representar e
justificar a
cena.
Mas houve
ou
não
violação das
Máximas?
Se o
interlocutor respondeu à
pergunta do
locutor é
porque houve
cooperação de
sua
parte.
Portanto, o PC está estabelecido.
Porém, semanticamente, esta
cooperação é
um
tanto
quanto
paradoxal.
Ainda
que o
interlocutor tenha cooperado
com o
locutor,
sua
resposta
não atende ao
propósito da
pergunta,
ou seja, o
locutor perguntou uma
coisa e o
interlocutor respondeu
outra. Analisemos a
resposta do
interlocutor a
partir das
Máximas Conversacionais.
Observe-se
que
em (1),
nenhum dos
interlocutores violou a
Máxima da
Quantidade –
ambos disseram
apenas o
necessário
para fazer-se
entender;
nem a
Máxima da
Qualidade –
ambos disseram
algo
que acreditam
ser
verdadeiro. Veja-se
que a
Máxima da
Maneira
tampouco foi violada –
ambos foram
claros
em
suas
proposições
Porém, a
Máxima da
Relevância foi violada,
sim: a
resposta do
interlocutor
não é
relevante à
pergunta do
locutor. O
encadeamento
lógico da
história
nos conduziria a uma
resposta do
tipo “Ah, correu
tudo
bem”
ou “Houve
um AVC,
mas
agora está
tudo ok”. De
acordo
com algumas
pesquisas (ATTARDO, 1993: 541), a
violação de uma
Máxima pode
gerar
humor.
E é
justamente a
violação da
Máxima da
Relevância, no
nosso
caso,
que
causa o
riso.
Mas, lingüisticamente, o
que
isso significa? E, cognitivamente,
por
que rimos?
Mais
adiante procuraremos
responder a esta e outras
perguntas.
A
violação de uma
Máxima
também pode se
dar
pela
falha de
informação
ou “resposta ao
pé da
letra”, do
tipo:
(2)
– O
senhor
tem
horas?
–
Sim,
tenho.
De
acordo
com Attardo (1993), neste
caso, o
interlocutor
não forneceu
toda a
informação requerida
pela
pergunta do
locutor.
Ainda
que a
resposta tenha sido semanticamente
relevante,
não o é pragmaticamente,
porque houve
um
deslocamento do
conteúdo informativo,
ou seja, o
interlocutor
não cooperou.
Para
que entendamos uma
piada, é
necessário
que recorramos a
um
delicado e
complexo
processo
mental. No
caso de (1), podemos
especular
sobre algumas
possíveis
respostas à
indagação do
locutor:
(3)
a)
Eu
não
sou o
doutor,
sou
São
Pedro;
b)
Eu
não
sou o
doutor,
sou o
enfermeiro;
c)
Eu
não
sou o
doutor,
sou
teu
companheiro
de
quarto;
d)
Eu
não
sou o
doutor,
sou o
Diabo.
Observe-se
que
em “b” e “c”,
embora
relevantes semanticamente,
não causam o
mesmo
efeito cognitivo no
ouvinte da
piada, no
caso,
nós.
Por
outro
lado, “a” e “c”
nos levam ao
riso.
Por
quê? Parece
que
estar ao
lado de
São Pedro
ou do
Diabo é uma
questão
que envolve
crer,
acreditar
que
após a
morte se vai
para o
Céu
ou
para o
Inferno. E
mais:
que
São Pedro e o
Diabo,
respectivamente,
são
seres
que habitam
tais
lugares,
que o
Céu está
reservado a
todos
aqueles
que
em
vida cumpriram
tarefas boas na
Terra e
que os
que infringiram essas
tarefas
vão
para o
Inferno e
que no
Céu há
anjos e
querubins
que tocam
harpa, e
que
ali correm
rios de
leite e
mel e
que o
Inferno é uma
caldeira escaldante... digamos.
Então,
interpretar uma
piada, e,
por
conseguinte,
rir dela, é uma
questão cultural, uma
questão
que envolve
valores,
crenças, etc.
Mas
por
que rimos? Vejamos
outro
exemplo:
(4)
O
sujeito
chega
todo
arranhado e
sujo
ao
trabalho.
– O
que
houve? –
pergunta
um
colega.
– Fui ao
enterro
da
sogra.
– E
por
que
está desse
jeito?
– A
velha
não
queria
entrar
no
buraco
de
jeito
nenhum.
Observemos
que
em (4) o
locutor violou a
Máxima da
Qualidade: o
efeito da
resposta do
locutor
não recai no
interlocutor
interno à historia,
mas
em
nós,
ouvintes da
piada, e se
ampara no
fato de
ser a
resposta uma
grande e
descarada mentira –
pelo
menos na
nossa
cultura
não enterramos
pessoas
vivas!
No
mundo
real, o
contador da
piada pressupõe
que
seu
interlocutor compartilhe
alguns conhecimentos – de mundo –
com
ele.
Caso
contrário, a
piada
não provoca o
efeito esperado,
que é
levar ao
riso.
Além disso, de
acordo
com Levinson (2000), está convencionada
lingüisticamente (implicatura
convencional),
através dos
termos “velha”, “buraco”
e “de
jeito
nenhum”, a
semântica
que conduz ao
riso.
Mais
adiante veremos
que existem
também
outros
mecanismos
responsáveis
por essa “condução ao
riso”.
O
riso “provém de uma
parte
mais
antiga do
cérebro,
responsável
também
por
emoções
tão
primordiais no
ser
humano
quanto o
medo e a
alegria. É
por
isso,
aliás,
que o
riso
escapa ao
controle
consciente” (KRAFT; 2004: 35).
Ou seja,
não se pode
rir de
verdade atendendo a
um
comando
consciente e
tampouco é
possível
reprimir voluntariamente
um
acesso de
riso.
Se o
riso é uma
atividade
inconsciente,
como
ela se
processa?
Não temos a
pretensão de
entrar no
campo
psicológico
ou
psicanalítico da
questão.
Nosso
objetivo recai
sobre
teorias psicolingüísticas,
ou,
melhor, psicopragmáticas (LEVINSON, 2000 e SPERBER
& WILSON, 1986),
teorias
essencialmente cognitivas.
Antes de seguirmos
com
nossa
reflexão,
vale a
pena
especular
sobre a
piada e o
riso.
A
piada
e o
riso
O
riso é uma
atividade
exterior à
mente causada
pela
percepção de uma
incongruência, de
um
paradoxo, uma
virada “ilógica”
sobre o
final “lógico” de uma
história (KRAFT, 2004: 36).
Em
primeiro
lugar especulamos,
sem
nos
dar
conta,
sobre o
final
lógico da
história, o
que significa
dizer
que
nosso
cérebro
traça
expectativas e faz
previsões
sobre o
final
lógico,
enquanto a
história vai sendo conduzida.
Porém, na
piada,
esse
suposto
final
lógico é substituído
por
um
desfecho
inesperado.
Esse
rompimento do
encadeamento orientado da
história parece
ilógico,
sem
sentido, num
primeiro
momento,
pois
não se encaixa no
contexto
lógico. O
cérebro,
então,
tenta
encontrar uma
solução ao
problema.
Abandona o
ponto de
vista
inicial,
que tendia ao
final
lógico, e
busca uma
adequação, na
qual a
conclusão, o
final
desconexo, se
encaixe ao restante da
história
inicial. O
cérebro, numa
espécie de
viagem
exploratória e
criativa,
salta
para uma
nova
perspectiva e a
recompensa é uma
surpreendente
descoberta causada
pelo
desfecho (cômico) da
piada. Pode
ser
que o
significado adquirido
com a
mudança de
perspectiva
não seja
óbvio,
porém a
descoberta do
novo é no
mínimo divertida.
Implicaturas Conversacionais
e
Teoria
da
Relevância
Como
acabamos der
ver,
para
se
interpretar
uma
piada,
e
rir
dela, se faz
necessário
recorrer-se a algumas
atividades
mentais.
Grice (1967/1975), Levinson (2000) e Sperber & Wilson (1986)
já
previam
que
a
interpretação
de
um
enunciado
passa
pelas implicaturas conversacionais,
ou
seja,
para
entendermos o
significado
de
um
enunciado
há
que
se
fazer
inferências.
Neste
estudo, assumiremos os
conceitos dos
autores,
que implicaturas
são
inferências e
vice-versa.
Assim,
para se
entender uma
piada, é
preciso
fazer
inferências.
As
inferências
são
processos
mentais de decodificação e enriquecimento (reconhecimento,
análise
indutiva e
dedutiva, pressuposição,
processamento,
validação e
conclusão) de uma
palavra e/ou
enunciado,
em
um
contexto.
Para os
autores, as
inferências seriam
processos
mentais
responsáveis
pelo
reconhecimento e
validação do
significado das
coisas no
mundo.
Portanto, o
significado de
um
enunciado
só pode
ser reconhecido e validado se puder
ser comparado
mentalmente
com o
significado de outras
coisas no
mundo.
Para
tanto, o
ouvinte da
piada deve, necessariamente,
possuir
um “arquivo
mental” dos
significados das
palavras e
enunciados e
acreditar na
relação
que essas
palavras e
enunciados estabelecem
com as
coisas no
mundo. Essa
relação
entre a
representação
mental do
significado e o
estado das
coisas no
mundo, se
chama “conceito”
(SPERBER & WILSON, 1986: 89).
Portanto, o
conceito é o
elemento
mental
responsável
pela
interação
entre
pessoas e as
coisas e se constrói
sobre
conhecimentos compartilhados,
ou seja,
crenças,
convenções,
valores,
desejos,
intenções,
princípios,
emoções, etc.
Em
suma, o
conceito depende da
cultura.
Assim, a
interpretação da
piada depende de fazer-se
ou
não determinadas
inferências, as
quais se constroem
em
cima de
saberes e
crenças compartilhados. Vejamos
como
isso se
processa no
seguinte
exemplo:
(5)
Num
sábado
à
tarde
o
marido
assiste
tranqüilamente
ao
futebol
na tv.
–
Amor,
você
poderia
trocar
a
lâmpada
queimada
do
banheiro?
– Pô,
vê
se tá
escrito
Philips na
minha
testa
– responde o
marido.
A
mulher
se afasta entristecida e
volta
em
seguida.
–
Amor,
você
poderia
trocar
o
chuveiro
que
queimou?
– Pô,
vê
se tá
escrito
Lorenzetti na
minha
testa.
A
mulher
sai e
volta
logo
depois.
– Será
que
dá
pra
você
trocar
a
torneira
estragada do
banheiro?
– Pô,
vê
se tá
escrito
‘Torneiras
Deca’
aqui
na
minha
testa.
A
mulher
se afasta e
não
volta
mais.
Terminado o
futebol,
o
marido
vai ao
bar
comemorar
com
os
amigos.
À
noite
quando
ele
volta
à
casa
encontra
tudo
arrumado.
–
Ué,
quem
arrumou as
coisas?
–
pergunta
à
mulher.
– Ah,
eu
tava
na
varanda
chorando, passou
um
rapaz
muito
simpático
e quis
saber
por
que
eu
tava
chorando.
Eu
expliquei e
ele
disse
que
arrumaria
tudo
se
em
troca
eu
fizesse
um
bolo
ou
se fosse
pra
cama
com
ele.
– Tá, e
que
bolo
você
fez
pra
ele?
–
Eh,
tança.
Vê
se tá
escrito
“Cozinha
da
Ana
Maria Braga”
aqui
na
minha
testa.
Veja-se
que
em (1), (4) e (5) o
que
causa o
riso ao
ouvinte da
piada,
não ao
interlocutor/personagem
participante do
evento, é o
final da
história. E
para
tanto,
esse
ouvinte
externo necessita
fazer
inferências. Vamos e
elas.
Em
primeiro
lugar, de
acordo
com o
que foi
dito
anteriormente, há
que se
notar
que se a
violação de alguma
Máxima
leva ao
humor (ATTARDO, 1993: 541), podemos
concluir (inferir)
que a
violação de uma
Máxima gera implicatura.
Retomemos (4) e (5) e analisemos o
desfecho das
histórias,
agora
sob o
prisma das Implicaturas e da
Teoria da
Relevância (TR). Veja-se
que houve
violação da
Máxima da
Qualidade
em (4) –
resposta
não verdadeira – e das
Máximas da
Relevância e da
Maneira
em (5) –
resposta
não
relevante,
obscura e
ambígua. Na
primeira
parte dessas
histórias o
cérebro tende a guiar-se
pelo
encadeamento
semântico e é conduzido a
um
final
lógico pelas
pistas
que o
falante vai dando ao
ouvinte (esquemas
mentais de
velório e de
cemitério
em (4) e a recusa do
conserto
em (5)). Veja-se
que
em (5) a
expectativa recai
sobre a
pergunta do
marido.
Note-se
que
em
ambos os
casos, o
contador da
piada acredita
que o
ouvinte vai
reconhecer,
acreditar e
assumir o
conteúdo informativo da
história e
que
este, ao
reconhecer
este
conteúdo informativo, acredita e assume
que
tal
conteúdo é o
mesmo
que o
falante reconhece, acredita e assume.
Este
processo
interpretativo se
chama pressuposição (MOESCHELER, [s/d]: 28).
Então vejamos: ao
contar uma
piada, o
falante vai
como
que guiando, conduzindo, direcionado o
ouvinte a
um
final
lógico e de
repente dá uma
guinada neste
final. Cabe,
então, ao
ouvinte da
piada
fazer
inferências
sobre
este
final. Sperber & Wilson (1986) estudaram o
processo de
interação
pela
linguagem e formularam a
Teoria da
Relevância (TR). A TR é uma
teoria formulada
em
cima de
princípios cognitivos e tem
como
base o Principio de
Relevância (PR). Na TR, a
interação
pela
linguagem ocorre
porque o
falante vai guiando, dando
dicas e
pistas, orientando,
enfim, o
ouvinte
em
direção a
um
encadeamento
lógico e transfere a
este o
trabalho de
inferir
sobre o
significado
final da
história. As
dicas dadas
pelo
falante e as
inferências
feitas
pelo
ouvinte
são
chamadas,
pela TR, de “comunicação
ostensivo-inferencial” (ostensivo –
guiar e inferencial –
inferir), a
qual é regida
pelo Principio da
Relevância (PR). O PR tem
como
premissa “comunicar o
máximo de
informação
com
um
mínimo de
esforço
mental”,
ou seja, o PR tende à
relevância
ótima (SPERBER & WILSON, 1986: 158).
Veja-se
que
em (1), (4) e (5) o
desenrolar das
histórias e o
fim
desconexo estão regidos
pelo PR: o
falante vai dando
dicas
sobre
aquilo
que
ele acredita
que o
ouvinte
também acredita. É
sobre estas
crenças,
convenções e
saberes compartilhados
que o
falante constrói o
desfecho
inesperado da
história.
Cabe,
portanto ao
ouvinte
inferir
que
em (1) o
paciente
não resistiu à
cirurgia e,
afortunadamente, está na
presença de
São Pedro (o
contador da
piada pressupõe
que o
ouvinte compartilhe destes
saberes);
em (4),
que a
sogra lutou desesperadamente
com
unhas e
dentes
para
não
entrar na
sepultura (os
interlocutores compartilham dos
scripts e
rituais de
um
enterro) e
em (5),
que a
esposa
não fez o
bolo
para o
rapaz (foi
para a
cama
com o
moço). Os
resultados das
inferências de (1), (4) e (5) é inexoravelmente o
riso do
ouvinte.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
De
acordo
com o
exposto neste
estudo, podemos
concluir
que, do
ponto de
vista pragmático-cognitivo,
interpretar uma
piada é
um
processo
extremamente
complexo,
que depende,
além das
crenças e
saberes compartilhados, da
quebra de,
pelo
menos, uma das
Máximas Conversacionais e dos
processos cognitivos inferenciais. As
teorias de Grice (1967/1975) e de Levinson (2000)
procuram
dar
conta da
interpretação do
significado de
um
enunciado – o
dito e o comunicado – apoiando-se nas implicaturas
conversacionais
convencionais, generalizadas e particularizadas. No
entanto, essas
teorias
não explicam
como esta
interpretação se
processa na
mente do
ouvinte.
Não
obstante, a
interpretação do
que é
dito ocorre pelas implicaturas.
Então é
preciso
implicar
para
determinar o
que é
dito?
Ora,
não seria o
que é
dito
que conduziria às implicaturas? Essa
teoria
nos parece
um
tanto
circular.
A
Teoria da
Relevância (TR) surge
como uma das possibilidades de
tentar
explicar a
comunicação
humana.
Pelo Principio da
Relevância (PR) –
comunicar o
máximo
com o
mínimo de
esforço – a TR
usa
pistas
lingüísticas
para
conduzir o
ouvinte a uma
relevância
ótima, pelas
inferências e/ou
implicaturas.
Na TR, a
piada seria
entendida a
partir desta
concepção.
No
entanto,
nos parece
que há
um
problema
quanto aos
termos “implicatura” e “inferência”
nas
três
teorias
acima.
Para Grice (1975), o
dito e o
comunicado passam pelas implicaturas
convencionais e conversacionais – generalizadas e
particularizadas.
Em Levinson (2000), passam pelas implicaturas
generalizadas e particularizadas.
Para a TR, o PR aponta
para a implicatura particularizada. Nas
três
teorias implicaturas
são
inferências e
vice-versa.
Jacques Moeschler (s/d),
em
estudo
recente, aponta
para uma
nova
interpretação de implicatura e
inferência.
Para o
autor,
só existe
inferência
como
processo
mental de
interpretação do
significado. Deste
ponto de
vista, a
inferência pode
ser: i)
lógica (dedutiva e
indutiva), ii)
semântica (pressuposição) e iii)
pragmática (implicaturas
convencional e conversacional).
Portanto, há
que se
pensar
sobre o
tema e levá-lo a
debate.
Para
estudos
futuros pretendemos
usar
estes
conceitos e,
quem sabe,
fazer uma
reflexão das
piadas
pelo
viés da
lógica.
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