A produção escrita em ILE
tempos do
Perfectum

Eva Jones Bouquard (UFRJ)

 

O presente trabalho representa uma parte da pesquisa de Mestrado em Estudos Lingüísticos – área de concentração Língua Italiana, do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, ainda em andamento, e tem por tema tratar a relação de temporalidade em discurso narrativo em Língua Italiana para estrangeiros (ILE).

Essa proposta de pesquisa visa estudar os recursos lingüísticos e discursivos em ILE para a construção de texto escrito utilizando o passato prossimo e o passato remoto na Língua italiana. É uma tentativa de estabelecer algumas estratégias que caracterizariam esse tipo de discurso escrito discente.

A observação de tal diagnóstico será regulado a partir do corpus de análise que será constituído de enunciados de autoria de um grupo de alunos de graduação do nível básico.

A partir da observação dos textos narrativos produzidos será necessário efetuar uma primeira classificação dos eventos verbais encontrados em relação à utilização dos tempos passados ILE.

O segundo passo, após a realização da primeira classificação, será caracterizar a tendência de tais alunos ao usar o passato prossimo e o passato remoto em seus textos escritos em língua italiana. Em seguida se procederá à averiguação de quais dificuldades esses discentes apresentariam na construção do valor semântico dos temos verbais em questão e estabelecer a relação entre eles.

A fundamentação para a discussão dos tempos verbais do passado em ILE se baseia nos textos de Marcello Sensini (1997) e Francesco Sabatini (1990). Ambos apresentam um estudo aprofundado dos verbos da língua italiana, suas funções, classificações, gêneros, formas, variabilidade de pessoa, número, tempo e modo e conjugações. Além disso, Sensini e Sabatini tecem algumas elucidações referentes à gramática tradicional e o italiano contemporâneo no que se refere ao uso dos tempos do perfeito do indicativo.

A formulação da proposta de texto narrativo se norteará a partir da leitura do texto de análise do discurso de autoria de Patrick Charraudeau. O teórico francês apresenta questões que tratam dos princípios de organização do discurso, as situações de comunicação e os modos de organização do discurso: enunciativo, argumentativo, descritivo e narrativo. Além disso, teoriza também questões sobre o contrato de comunicação e estratégias discursivas e suas características.

O estudo até o momento realizado, é constituído da leitura de textos dos teóricos italianos, que permitiram a formulação de duas problemáticas em relação à temporalidade do passato prossimo e passato remoto em discursos narrativos:

A primeira indagação que nos instiga é saber quais as estratégias lingüísticas utilizadas pelos discentes em seus textos narrativos para a construção de enunciados com os tempos do passato prossimo e passato remoto. A segunda seria investigar quais as características desse tipo de discurso escrito discente.

Uma das reflexões necessárias para a discussão desses tempos passados é a categoria Aspecto. Essa categoria verbal se liga ao Tempo e indica o espaço temporal ocupado pela situação em seu desenvolvimento, marcando a sua duração (Meréia e Costa in Verdarguer, 2004). Dessa forma, o aspecto informa se o falante toma em consideração ou não a constituição temporal interna dos fatos enunciados. Contudo, a categoria de Tempo se refere ao fato distribuído na linha do tempo, enquanto a categoria de Aspecto diz respeito ao fato como passível de conter frações de tempo que decorrem dentro de seus limites: enquanto a categoria de Tempo localiza a ação no tempo, a categoria de Aspecto indica o tempo intrínseco à ação.

A escolha do Tempo utilizado na enunciação é objetivamente determinada (presente, passado ou futuro). A escolha do Aspecto no entanto, é determinada pelo sujeito falante, pois é ele que decide se quer considerar o evento como um todo não segmentável (aspecto perfectivo) ou se prefere atribuir mais ênfase à fase inicial, intermediária ou final de tal evento, expressando a duração do fato enunciado até o momento da enunciação (aspecto imperfectivo).

A origem da distinção entre o passato remoto e o prossimo remonta à distinção aspectual entre o Aoristo e o Perfeito do grego clássico. O Aoristo indicava um evento ocorrido no passado, totalmente concluído, mas sem nenhuma relação com o momento da enunciação. O Perfeito indicava um evento ocorrido no passado, totalmente concluído, mas que mantinha uma sua atualidade e relevância no momento da enunciação. Esses dois paradigmas confluíram no Perfectum latino.

O passato remoto funciona como o Aoristo, sem relação alguma – nem objetiva, nem psicológica – com o presente. É um tempo perfectivo que proporciona uma visão global e delimitada no tempo do evento enunciado. O passato prossimo por outro lado, pressupõe o perdurar dos efeitos da ação, não a ação em si.

Segundo Sensini (1997) para marcar o contraste entre os tempos derivados do tema do presente e os derivados do tema do perfeito, as gramáticas latinas falam em dois sistema de tempos denominados infectum e perfectum: a oposição entre os tempos do presente e os do perfeito não foi originariamente de caráter temporal, mas Aspectual. Infectum significa ação inacabada, ação ainda em desenvolvimento. Perfectum significa ação que se completou; ação completamente acabada.

A língua italiana expressa o Aspecto da ação somente em dois tempos: no imperfeito e no passato remoto: O imperfeito expressa o aspecto durativo da ação: “Il telefono squillava nella casa deserta” (Sensini, 1997: 258). O passato remoto expressa o aspecto não durativo ou momentânea ou pontual da ação: “ Il telefono squillò nela casa deserta” (Sensini, 1997: 258).

Do ponto de vista do tempo, a frase : “ La ragazza urlò per la paura” e “la ragazza urlava per la paura” são idênticas: a ação expressa pelos verbos refere-se ao passado, mas as duas frases expressam coisas diferentes : são iguais com relação ao tempo em que se coloca a ação, mas diferem em relação ao Aspecto da ação que expressam.

O passato remoto urlò apresenta a ação como já acontecida em um particular momento do passado e no passado concluída: indica o Aspecto momentâneo da ação. O imperfeito urlava, ao contrário, apresenta a mesma ação na sua duração e no seu repetir-se no tempo passado: nos diz que a garota não se limitou a urlare uma só vez mas fazia ecoar freqüentemente os seus gritos de medo: o imperfeito, então expressa o Aspecto durativo da ação.

O passado remoto, que também será investigado conforme discussão anterior sobre o ensino dos tempos passados do ILE, indica um fato acontecido no passado, considerado fora da sua duração e concluída no passado: é um tempo simples, e como o passato prossimo é também um tempo perfeito: “In Lombardia, nel Seicento, molte persone morirono di peste” (Sensini, 1997: 258). O remoto é o tempo usado, em alternância com o imperfeito, nos textos narrativos.

Segundo Sensini (1997: 258), na língua de hoje, o passato remoto está sendo substituído pelo passato prossimo, mesmo quando está indicando eventos acontecidos em passado distante: “Dieci anni fa abbiamo fatto un lungo viaggio in Spagna e ci siamo divertiti moltissimo.”

Enquanto o uso do passato remoto no lugar do passato prossimo é sentido como fortemente regional, o uso do passato prossimo, ao contrário do passato remoto, vai se generalizando também fora da Itália setentrional e também no registro médio-alto. Todavia, existe uma diferença entre os dois tempos que não se fundamenta na sua distancia no tempo do evento, mas sobre a sua duração.

Assim, em ambos os tempos há indicações de um evento acontecido no passado, mas o passato prossimo indica um fato, mais ou menos distante, cujos efeitos duram ainda no presente. O passato remoto, ao contrário, indica um acontecimento mais ou menos distante no tempo, mas completamente concluído no passado.

Desse modo, segundo Sensini (p. 268), deve-se dizer “Lo zio Anselmo ha smesso di lavorare da ormai cinque anni”, porque o tio Anselmo não continua trabalhando. Deve-se dizer, ao contrário “L’uomo accompagnò il cliente alla porta e lo salutò” porque a ação expressa pelo verbo se exaure completamente no passado.

Com essas considerações, pode-se hipotizar que a maioria dos discentes utilizariam em seus textos o passato remoto nos enunciados que apresentassem ações acontecidas muito distantes no tempo. Contudo, tais discentes não levariam em consideração o fato de o evento ser ou não completamente concluído no passado.

De modo semelhante, os discentes utilizariam em seus textos escritos o passato prossimo nos fatos acontecidos em um tempo mais próximo, mas ignorariam se os efeitos de tal evento ainda durassem ou não no presente.

A análise das características desses textos discentes no uso dos tempos verbais no passado, também na gramática de Marcello Sensini (1997), em que se informa a configuração do passato prossimo, que é um tempo composto na língua italiana, sendo formado por dois tipos de auxiliares o verbo essere ou o verbo avere somado a um particípio. Se os particípios forem regulares, os verbos de primeira conjugação terão as desinências trocadas de –are para –ato; os de segunda conjugação de –ere para –uto e os de terceira conjugação de –ire para –ito. A particularidade da formação dos particípios irregulares segue regras próprias, que aqui não serão estudas devido a sua complexidade e, também, por se distanciar do tema proposto inicialmente neste trabalho.

É importante ainda frisar que no tocante às particularidades dos usos dos tempo passados a língua italiana segue regras específicas. Para tanto, a gramática da língua italiana e alguns manuais de ILE indicam que alguns verbos pedem o auxiliar essereio sono partito”, outros o avere ” io ho dormito”, e outros ainda, admitem modalidades e significados diferentes, tanto o essere quanto o avere: “io sono corso / io ho corso”. Quando os verbos são conjugados com o auxiliar essere o particípio deverá também concordar em gênero e número com o sujeito: loro sono andati. As regras para a utilização tanto de um quanto de outro auxiliar são várias e passam pela questão da transitividade e pela questão semântica.

Já na conjugação do passato remoto, muitos verbos (especialmente de 2ª conjugação) são formados de modo irregular, mas somente nas 1ª e 3ª pessoas do singular e na 3ª do plural. As outras três pessoas são regulares, seguindo as normas de formação do infinito a que pertencem.

Assim, uma forte característica dos textos discentes usando os tempos do passado, em particular, o passado remoto, seria a utilização na conjugação de alguns verbos das desinências do pretérito perfeito da língua portuguesa, dada a semelhança morfológica nessas duas línguas. Além disso, nas formas em que não existisse a interferência da língua mãe, tais discentes conjugariam a 2ª pessoa do singular e do plural do mesmo modo, isto é, ignorando que a 2 ª pessoa teria uma desinência que termina em –i em oposição àquela 2ª do plural que termina em –e.

Já no uso do passato prossimo, a característica que prevaleceria nos textos escritos dos discentes seria a predominância de uso do auxiliar avere ainda que a forma de tal tempo pedisse o uso do auxiliar essere. Além disso, tais discentes não apresentariam regularmente a concordância entre o sujeito da frase e o particípio do verbo principal.

Nesse primeiro momento, foi apresentado apenas um número limitado de considerações relacionadas aos dois tempos passados do indicativo para estudantes de ILE. Essa apresentação dos resultados preliminares evidencia que se trata de uma pesquisa ainda em sua fase de inicial, mas que tem por finalidade contribuir com uma reflexão para o ensino dos tempos do passato prossimo e passato remoto para estudantes de ILE.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BALBONI, P. E. La formazione di Base del Docente di Italiano per Stranieri. Roma: Bonacci, 2000.

––––––. Curricolo di italiano per stranieri. Roma: Bonacci, 1995.

––––––. Tecniche didattiche e processi di apprendimento linguistico. Torino. UTET, 1991.

––––––. Tecniche didattiche per l’educazione linguistica. Italiano LS, classiche.. Torino. UTET, libreira, 1998.

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

BENUCCI, A. La grammatica nell’insegnamento dell’italiano a stranieri. Roma: Bonacci, 1994.

CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1999.

DARDANO E TRIFONE. La lingua Italiana con nozioni di linguistica. Zanichelli, 1999.

DE MAURO, T. Storia linguistica dell’Italia Unita. Bari: Laterza, 1993.

FIORIN, J.L. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1992.

GIOVANNI, F..Didática delle lingue moderne. Bergamo: Minerva Italica, 1989.

––––––. Psicolinguistica, sociolinguistica e glottodidattica. La formazione di base dell’insegnante di lingue e lettere.. Torino: UTET, 1999.

––––––. Glottodidattica. fondamenti, metodi e tecniche. Torino: UTET, 1994.

HALLIDAY, MAC. As ciências lingüísticas e o ensino de línguas. Petrópolis: Vozes, 1974.

ILARI, R. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contexto, 1997.

LIMA, R. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2002.

MOURA, M.H. A gramática. história, teoria e análise, ensino. São Paulo: UNESP, 2001.

PONTES, E. Verbos auxiliares em português. Petrópolis: Vozes, 1973.

SENSINI, M. La grammatica della lingua italiana. Milano: Mondadori, 1997.

 

 

...........................................................................................................................................................

Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos