A
recuperação
de
fontes
para
estudos
lingÜísticos
diacrÔnicos
O
Livro
de
Linhagens
do
Conde
D. Pedro,
segundo
o
fragmento
manuscrito
da
Biblioteca
da
Ajuda
Maria Teresa Brocardo
(Universidade
Nova de Lisboa)
Introdução
O
Livro de
Linhagens do
Conde D. Pedro é
um dos inúmeros
textos usados
por Said
Ali na
sua
Gramática
Histórica
para
atestar
características do “falar
antigo”. Socorrendo-se das
edições
então existentes, pratica o
gramático a
exploração do
texto
como
fonte
para
estudos lingüísticos diacrônicos,
assim cumprindo a
metodologia
que resume no “Prólogo”
da Lexeologia do
Português
Histórico (1ª
edição 1921, reprod. nas
edições
posteriores): “…escrevi
este
livro
com o
intuito de
expor sòmente as
conclusões a
que chegara
depois de
ler e
cotejar
muitos e
diferentes
textos. Citei
provas e exemplos”. (ALI, 19646: 9)
Tentando
reconstituir o
processo de
utilização,
em
termos
específicos, desta
fonte
textual, verificamos,
porém,
que
ela é referida de
diferentes
modos. Localizei
três
tipos de
referências
diferentes. O
gramático remete
ora
para o
texto propriamente
dito,
que identifica
simplesmente
como
Livro de
Linhagens,
ora
para a
edição dos Portugaliae
Monumenta Historica,
ora
ainda
para a
antologia de José Joaquim Nunes, Crestomatia
Arcaica (Cf.
Nunes, [1906] 19818).
Como
mera
curiosidade, vejam-se os
exemplos retirados do
Livro de
Linhagens
que consegui
localizar na
Gramática
Histórica (ALI, 19646):
- 3
exemplos citados
com a
referência
Livro de
Linhagens:
§ 457
Porque mataste
aquele
mouro
que
era
melhor
que ti (sobre
a
utilização desta
forma
em
vez da
forma
nominativa
tu)
§ 650
nota
Senhores peço-vos
hu)u
dom:
que
me Outorguedes o
que
vos quero
pedir (atestação desta
forma do
verbo,
em
vez de pidir)
§ 1648 Alcarac, nõ poso creer taaes cousas,
como
me dizes, ca
som
contra
natura:
quatro
mil
cavaleiros mãteer
lide a
tantos e tã boos
como os
meus erã! (sobre
a
utilização do
infinitivo
impessoal
em
vez do
pessoal)
- 2
exemplos citados
com a
referência Portugaliae
Monumenta Historica:
§ 336
livro dos
linhagens (sobre
o género da
palavra
linhagem)
§ 1654 Mandou alcarac
Reis e
Infantes e
outros
altos homees
acometer os christãos (sobre
construções do
tipo
mandar,
deixar,
fazer + inf.
com
sujeito
plural,
que evidenciam o
uso de inf.
impessoal)
- 3
exemplos citados
com a
referência Nunes, Crestomatia
Arcaica:
§ 1655
Ali veeriades
cavalos
sem
senhores
andar soltos; Vy
estes portogueeses asi
revolver a
lide e
ferir tã
estranhamente (sobre
o
uso de
ver +
infinitivo
impessoal)
§ 1673 Non filhedes tresteza, ne)
esmaiedes, ca
tempo averedes pera filhardes
vingança (sobre o
emprego do inf.
pessoal
como
forma de
pôr
em
evidência o
sujeito do
verbo)
Apesar da
divergência notada nas
formas de
remissão, o
exemplo de Said
Ali
não
deixa de
evidenciar a
importância da
fonte,
que é repetidamente citada,
em
particular
para
atestar
aspectos
relativos à
sintaxe. O
gramático
mostra, de
resto,
estar
bem
consciente das
dificuldades causadas
por
um
insuficiente
conhecimento de
diferentes
aspectos
relativos às
fontes
textuais,
quer no
que
respeita à
falta de
edições,
quer no
que
respeita a
aspectos da
sua
análise
crítica: “...faltam
ainda
muitos
documentos e de
vários códices publicados
resta a
saber a
data
certa
em
que foram
pela
primeira
vez escritos”. (ALI, 19646: 9)
A
problemática da
edição e
exploração lingüística de
fontes
textuais
medievais tem, ao
longo das últimas
décadas, merecido
já a
atenção de
muitos
estudiosos da
história do
português, e é no
sentido de
procurar
contribuir
para
corrigir
insuficiências
como as
que o
gramático apontava
que se inscreve o
trabalho
que
aqui apresento.
O
Livro
de
Linhagens
do
Conde
D. Pedro –
enquadramento do
fragmento
manuscrito
da
Biblioteca
da
Ajuda
na
tradição
textual
O chamado
Livro de
Linhagens do
Conde D. Pedro terá sido
originalmente redigido
entre 1340 e 1344,
como ficou estabelecido a
partir da
investigação de Lindley Cintra
sobre a
relação deste
texto
com a Crónica
Geral de Espanha de 1344 (Cintra,
[1951] 1983 e
também 1950 e 1959).
Em
resumo,
este
autor baseou-se na
relação
entre o
Livro e a Crónica, estabelecida
por
coincidências
textuais e
não
textuais e
utilização de
fontes
comuns, de
que conclui uma autoria
comum do
Conde D. Pedro, e a redação
posterior da Crónica,
pelo
que o
Livro de
Linhagens
não
poderia
ter sido redigido
originalmente
depois de 1344 (v. as
principais
conclusões resumidas
em Cintra [1951] 1983: CLXXXIX-CLXC).
Outros
argumentos aduzidos
são as
referências depreciativas
em
ambos os
textos a Gomes Lourenço de Beja (também
objeto de uma
cantiga de
escárnio do
Conde), a
que se atribui a
responsabilidade das
desavenças
entre D. Dinis e
seu
filho, o
futuro Afonso IV,
passagem raspada no
fragmento da
Ajuda e
não transmitida
nos
testemunhos
posteriores (ibid: CLIX-CLXII),
bem
como a
importância atribuída
também
em
ambos os
textos à
Batalha do Salado (ibid: CLXIII-CLXV).
A
versão do
texto
que chegou
até
nós,
porém, revela
um
autor
mais
tardio
que o
Conde de Barcelos,
visto
que inclui a
referência a fatos
posteriores à
sua
morte,
como
fora há
muito notado
por
diversos
estudiosos. De
acordo
com Mattoso (1980: 41-50),
que retoma e discute
estudos e
propostas
anteriores (em
particular,
Veiga, 1942 e Saraiva,
1971,
além dos
já citados
trabalhos de Cintra), o
Livro teria sido objeto de (pelo
menos) duas refundições,
com
características
diferentes. A
primeira, realizada
em 1360-1365, teria tido o objetivo, previsível num
texto deste
tipo, de atualizar
genealogias. A
segunda,
porém, evidenciaria
um refundidor
mais interessado
em
questões “literárias” do
que
preocupado
com a atualização dos
dados linhagísticos,
visto
que
não incluiu a
menção de fatos e
personagens
bem
conhecidos
depois de 1365 (como
Leonor Teles), o
que permitiu
detectar a
camada
textual
anterior.
Um dos
principais
argumentos
para a
identificação desta
segunda refundição do
Livro é a
inclusão da
menção da
morte e
sepultura do
Prior D. Álvaro
Pereira, ocorrida c. 1380, no
final da
narrativa da
Batalha do Salado, na
qual é
dada
grande
relevância à
intervenção do
prior.
Portanto, creio
que
não pode tomar-se
como
absolutamente
certo
que aquela
narrativa constasse
já da redação
original do
Livro. Sabemos,
pelo
menos,
que
ela foi nalguns
pontos
refeita
ou retocada
posteriormente e
que a
sua
conclusão é
também
posterior.
O
Livro foi transmitido,
como se sabe,
através de uma riquíssima
tradição
textual (Mattoso,
1980: 12-27 apresenta uma
lista
que,
apesar de
não
exaustiva, inclui
mais de cinqüenta
manuscritos,
com
datas
que
vão
até ao
século XIX).
Dentro desta
tradição o
manuscrito conservado no
Palácio da
Ajuda tem
importância
excepcional
por,
além de
ser o
testemunho
mais
antigo dos conservados,
incluir
passagens
narrativas
que
não constam
nos
mais
tardios,
entre as
quais a
já mencionada
narrativa da
Batalha do Salado.
Além disso, as
conclusões de José Mattoso no
estudo da
transmissão
textual da refundição do
texto, levam-no a
avançar a
hipótese de
que o
manuscrito da
Ajuda representará “um
exemplar de
trabalho utilizado
pelo
próprio refundidor
em 1380-1383” (Mattoso,
1980: 34-35).
Segundo pude
verificar, esta
hipótese parece reforçar-se
com
dados da
observação
material do
manuscrito,
apesar de
este se
encontrar atualmente
incompleto. De fato, essa
observação fornece
indícios
sobre o
processo de
elaboração do
manuscrito
que efetivamente parecem
apontar
para
que a
mesma tenha sido
parte
integrante do
próprio
processo de refundição do
texto.
O chamado
Nobiliário da
Ajuda
ou do
Colégio dos
Nobres contém a
parte
final do
Título XXI e os
Títulos XXII a XXXV,
com
lacunas no
Título XXX, do
Livro de
Linhagens do
Conde D. Pedro. Trata-se de
um
conjunto de 39 fólios de
grandes
dimensões, distribuídos
por
seis
cadernos,
alguns dos
quais
incompletos e
um deles
com as
folhas trocadas. Foi encadernado
juntamente
com o
Cancioneiro da
Ajuda, incluído,
portanto, num
grosso
códice de
aspecto
monumental,
mas a seqüência dos
cadernos encontra-se
também desordenada.
A
observação do
fragmento parece
indicar
que se trataria de
parte de
um
manuscrito destinado
originalmente a
transmitir
um
texto concebido
como
definitivo.
Assim indiciam
toda uma
série de
características integradas
nos
processos
habituais de
construção dos códices
medievais: o
cuidado na
preparação e
disposição do
pergaminho e na
sua
organização
em
cadernos (de
estrutura,
segundo
tudo indica,
bastante
uniforme), a regularidade do pautado e,
sobretudo, a rubricação e decoração.
Outros
aspectos,
pelo
contrário, parecem
apontar
para
que o
fragmento é
parte de uma
obra
não
acabada,
em
particular as
interrupções no
texto e as
passagens, de variada
extensão, deixadas
em
branco, incluindo
páginas inteiras
não preenchidas
que
não correspondem a quaisquer
lacunas
nos
testemunhos
posteriores, o
que viria
portanto
reforçar a
hipótese de Mattoso
segundo a
qual a projetada refundição do
texto
nunca terá
chegado a concluir‑se. A
observação do
fragmento
mostra
também
que chegou
ainda a
haver
revisões
em
importantes
passagens do
texto (como a
narrativa da
batalha do Salado, sendo
visíveis várias
passagens raspadas,
só esporadicamente
ainda
legíveis,
que
não voltaram a
ser preenchidas, e
também
passagens copiadas
sobre raspado),
só
que,
mais uma
vez,
esse
trabalho ficou incompleto.
A
nova
edição
do
fragmento
manuscrito
da
Biblioteca
da Ajuda
do
Livro
de
Linhagens
do
Conde
D. Pedro
Justificação
O
Livro de
Linhagens do
Conde D. Pedro,
como é
sabido, foi
já objeto,
modernamente, de duas
edições. Alexandre Herculano editou separadamente
os
dois
manuscritos
mais
antigos dos
que se conservam (PMH, Scriptores I),
por
considerar
que
eles apresentavam
divergências
que corresponderiam a duas
versões
diferentes do
texto.
Por
razões
já repetidamente referidas
por
vários
estudiosos da
história da
língua, o
meritório
trabalho de publicação de
fontes
levado a
cabo
pelo historiador
não preenche os
critérios de
rigor
que atualmente se exigem na
transcrição de
textos
medievais,
especialmente se as
edições se destinam a
fins lingüísticos.
José Mattoso realizou uma
edição “crítica” do
texto, usando
vários dos
manuscritos conservados,
com o objetivo de
recuperar uma
fonte
histórica, e
não uma
fonte lingüística,
como o
próprio
editor assume: “Tenho
em
vista
sobretudo os historiadores e
genealogistas.
Não pretendo
realizar
trabalho
completo
ou
definitivo
para os filólogos”. (Mattoso,
1980: 8)
Diferentemente, o
trabalho de
edição
que
agora se apresenta tem
como objetivo
recuperar uma
fonte
textual
para
estudos lingüísticos, incidindo
por
isso num
único
manuscrito, o
mais
antigo dos conservados,
cuja
importância na
tradição
textual
já foi referida. Note-se
ainda
que
todos os restantes
testemunhos
que chegaram
até
nós podem considerar-se
tardios
em
relação à
época de redação
original do
texto, incluindo o
segundo
em
antiguidade, conservado no IAN/TT, de
finais do
século XV
ou
princípios do XVI.
O fato de o
manuscrito editado
estar
incompleto,
poderia, à
partida,
desencorajar a
sua
abordagem
como objeto de
trabalho
com a referida
intenção.
Vários
aspectos,
porém, contrabalançam o
evidente
inconveniente de
tomar
em
mãos
um
testemunho truncado.
Desde
logo, a
consideração de
que,
como
bem sabe o
estudioso do
passado,
este
não
deixa
senão
testemunhos
que
são
sempre
parciais
relativamente à
totalidade dos
textos
originalmente produzidos, e
cuja representatividade,
mesmo
em
termos
puramente
quantitativos, é
sempre
impossível de
avaliar.
Mas
além disso, há
ainda a
juntar aos
argumentos
já apresentados
sobre o
papel deste
manuscrito na
tradição
textual a
sua
excepcional
importância tendo
em
conta a
escassez de
testemunhos
medievais tipologicamente
próximos. A considerar-se
um subtipo
nobiliários
dentro da
prosa
literária, os restantes
Livros de
Linhagens
conhecidos
só se conservam
em
manuscritos
tardios,
já do
século XVIII.
Mas
mesmo considerando a
totalidade dos
textos conservados
dentro do
tipo
mais abrangente,
são
escassos os
que se conservam
em
testemunhos do
século XIV (v.,
por
exemplo,
Castro, 2004: 105-106; Cepeda,
1995).
É
certo
que, tratando-se de
um
livro de
linhagens, é constituído
em boa
parte
por
enunciados
com uma
estrutura
bastante
repetitiva – as
passagens propriamente linhagísticas –,
cujo
interesse,
portanto, poderá
ser
menor
para
muitos
tipos de
estudos lingüísticos (mas
que
não deixarão de
ter
interesse
para
estudos
específicos).
Contudo, inclui várias
passagens de caráter narrativo,
que constituem
mesmo
exemplos praticamente
únicos de
prosa deste gênero
dentro do
seu
âmbito cronológico.
Se se pode
considerar preenchida
com a
edição de José Mattoso a
tarefa de
recuperação da importantíssima
fonte
histórica
que é o
Livro de
Linhagens,
embora o
próprio declare, de
acordo
com os
bons
princípios do
trabalho
científico,
que «não consider[a]
definitivo o
trabalho realizado» (Mattoso,
1980: 8), creio
que a
recuperação da
fonte lingüística, neste
caso tomando autonomamente
apenas o
seu
testemunho
mais
antigo, objetivo
que comecei
por
declarar, estava
ainda
por
tentar. A
edição
que apresento
não pretende
também, de
modo
algum,
representar
um
trabalho “definitivo”,
que,
aliás,
não creia
que exista
quando se
trata de
editar
textos,
menos
ainda se o objetivo da
edição é lingüístico. Começaria
por
sublinhar
que
este
trabalho se assume
como
proposta
consciente das
limitações de
vária
ordem
que
sempre constrangem o
trabalho de
edição de
textos
medievais,
limitações
que decorrem
essencialmente do
desconhecimento de
muitos
aspectos
relevantes
relativos às
circunstâncias específicas de
produção do objeto
textual
que a
edição pretende
recuperar.
Este
tipo de
limitações será
eventualmente
ainda
mais
drástico
quando o
que se pretende
recuperar representa
um dos
testemunhos relacionados num
processo de
transmissão,
ou seja,
quando
não se está,
como no
caso
presente,
perante
um
original
único,
mas
em
face de
um
elemento de uma
rede
com
diferentes
tipos de
ligações. No
caso
específico deste
manuscrito, as
questões relativas ao
processo de
transmissão
textual complexificam-se
ainda
pelo fato de, aos fatores decorrentes do
processo de
transmissão
por
cópia
manuscrita, se juntarem os
que terão
decorrido das sucessivas refundições de
que o
texto terá sido
alvo,
como
já foi referido.
Importa
sublinhar
que estaremos
perante
um
testemunho do
texto
que distará da
sua redação
original
menos de
meio
século, o
que
não parece
excessivo,
ou
pelo
menos é
situação
em
termos de
distância cronológica
bastante
mais
favorável
que a de
vários
outros
textos
medievais,
só conservados
em
manuscritos copiados
em
datas
muito
posteriores à da redação.
Este
ponto pesou
também,
naturalmente, no
propósito de
tentar
recuperar
para os
estudos lingüísticos esta
fonte
textual,
apesar do
seu caráter
fragmentário,
mas
não significa,
como é
evidente,
que se menosprezem as
questões decorrentes da
natureza do
presente
manuscrito
enquanto
parte
integrante de
um
processo de
transmissão.
Não
me alongarei
aqui na
discussão
sobre a
maior
ou
menor
adequação de
um
dado
tipo de
texto (literário,
não
literário e
respectivos subtipos)
para
fornecer
dados
para
estudos lingüísticos.
Defendo,
como
princípio, que
Cada
testemunho de
qualquer [tipo de]
texto constitui, numa
acepção
geral,
um
documento lingüístico,
embora seja
desigual
em
cada
caso a
sua
adequação
para
estudos lingüísticos
com
diferentes objetivos (Brocardo
& Emiliano, no
prelo).
Apresentação dos
critérios
Do
que
até
aqui se disse se terá
já deduzido
que a
edição realizada
não
visa
qualquer
tipo de
reconstituição de
um
texto, no
sentido
em
que o faz uma
edição propriamente “crítica”,
que
não incide
sobre
nenhum
testemunho
particular
mas
usa a comparação
sistemática de
todos
eles
para
tentar
reconstruir o
texto
original. O
produto da atividade
crítica – a
reconstituição
hipotética do
texto –
não constituiria,
em
princípio,
um objeto adequado
para
estudos lingüísticos,
visto
que
não
poderia considerar-se,
em
si
mesmo, linguisticamente uma atestação.
Mas a comparação
com
outros
testemunhos relacionados
através do
processo de
transmissão, seguindo o
método
comparativo estabelecido
pela
Crítica
Textual,
embora
com
diferente
finalidade, pode
constituir,
pelo
contrário,
um
importante
complemento à
edição de
testemunho (ou de
vários
testemunhos) concebida
para
fins lingüísticos (questões
discutidas,
por
exemplo,
em
Brocardo & Emiliano no
prelo). Ficando essa comparação,
para
já,
por
fazer, torna-se
ainda
mais
notório o caráter
provisório e
incompleto desta
tentativa de
recuperação da
fonte
textual.
A
edição realizada limita-se a
procurar
recuperar, de
acordo
com os
critérios e
normas de
transcrição considerados adequados,
um
testemunho,
que se
procura
veicular do
modo
que linguisticamente (mas
não,
como é
evidente, paleograficamente)
menos transfigure os
dados a
disponibilizar,
sem,
porém,
renunciar a “dar a
ler” o
texto,
isto é,
sem
deixar de
assumir
que a
edição é
interpretação,
sem
dúvida
discutível e
certamente
provisória, do objeto
textual
que se pretende
transmitir.
De
acordo
com o objetivo
já declarado
que motivou a
realização da
presente
edição –
tentar a
recuperação de uma
fonte
para
estudos lingüísticos – os
critérios seguidos podem
ser
definidos genericamente
como decorrendo, no
essencial, de
conclusões do
tipo das
que Roger Lass apresenta no
final da
sua
análise de
questões relativas ao
uso de
fontes
escritas
para
estudos lingüísticos diacrônicos:
In
short,
emending, normalizing and other kinds of overediting falsify and traduce under
the guise of making accessible, while pretending to ‘represent’ past objects.
Worse, such procedures produce pseudo-data, and prejudice (or even
disenable) our reading of historical monuments. (Lass,
1997: 102)
Mas
proporcionar uma “leitura do
monumento
histórico”[4]
(eventualmente ao
lado de outras,
pelo
que
nunca se
trata de uma “fixação”
em
sentido
estrito) é a
tarefa
por
definição do
editor, implicando
sempre
interpretação,
que necessariamente impõe
desde
logo a
própria transposição dos
sinais
manuscritos, intrinsecamente
variáveis,
para
caracteres de
imprensa. A
edição
não substitui
nunca o
manuscrito (cuja
preservação e
reprodução
em
diferentes
tipos de
suporte tenderão, de
resto, a
ser
cada
vez
mais
acessíveis):
A
realidade
paleográfica dos
manuscritos é necessariamente violentada
pela
intervenção manipuladora do
editor (por
isso o
paleógrafo, ao
contrário do lingüista, tem
sempre
como objeto de
trabalho o
próprio manuscrito). (Martins,
2001: 43)
Assim, procurou-se
limitar o
âmbito das
inevitáveis
intervenções
editoriais,
sem o
que
não haveria
edição
mas
fac-símile (ou
arremedo dele), aos
aspectos
que se considera perturbarem de
forma
menos
drástica a pretendida possibilidade de
recuperação dos
dados
relevantes
para
estudos lingüísticos e respeitou-se o
princípio de
assinalar todas as
intervenções
pontuais
que se optou
por
introduzir (nomeadamente correções) e de as
descrever
em
nota.
A
recuperação de
fontes
textuais
para
estudos lingüísticos
sobre o
português estava
já,
como referi no
início,
entre as
necessidades
que implicitamente apontava
Ali
para
um
melhor
conhecimento do “falar
antigo”. O
trabalho
que apresentei pretende
apenas
ser uma modestíssima
tentativa de
contribuir
para
tornar
mais
acessíveis
dados lingüísticos fiáveis,
cujo
estudo permita
vir a
aprofundar
esse
conhecimento.
Concluo apresentando, a
título
meramente exemplificativo,
alguns
excertos do
texto da
nova
edição
com
indicação de
variantes de outras
leituras (em
particular
Mattoso, 1980):
[fol.8v/p.8]
Alcarac
depois
que
ente)deu
que
a az do
coral
era
e)
saluo dise a el
Rei
alboface).
senhor
senhor
nõ filhedes tresteza ne)
esmanhedes ca te)po
aueredes pera filhardes ui)gaça.
diso el
Rei.
nõ pode
filhar
ui)gaça
o
que
cõ
pesar
more.
eu
a esta
morte
nõ poso
escapar
por
a
nobre
caualaria
que
perdi
que
eu
aporei antre as ge)tes
d’africa e d’asya. e
me
tu
prendiste
e)
te)po
que
a jnda
eu
podera ui)gar
e
cobrar
mea onra.
esmanhedes] Nunes ([1906] 19818):
esmaiedes.
aporei] Mattoso (1980): ap[u]rei.
a jnda] Mattoso (1980):
ainda.
[fol.15rb/p.9]
Eramos os
que
lidauamos cõ
eles
xxxviij.m
em
pequena
ora
nõ sa<i>rõ do cãpo xij.m os quaes os cristaãos
yã seguindo e destroindo
nõ sa<i>rõ] Mattoso (1980): no[s]
sa[i]rom
(?).
[fol.7v/p.34]
E
este
dõ Marti)
sanchez foi o
que
lidou cõ o
poder
del
Rei
de portogal tres uezes e os ue)ceo
cada
uez asi
como
uos
depois
diremos adeante
e)
este
Tº.
os ue)ceo]
Mattoso (1980): o venceo [correcção (?)
não
assinalada].
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Bibliotecas e
Arquivos 15. Lisboa, 1942, p. 165-193.
[3] A
questão foi
já
longamente
tratada e discutida. No
que
respeita especificamente à
utilização de
diferentes
tipos de
textos
para o
estudo do
português
antigo, Castro (2004: 89-96) refere as
principais
posições
sobre o
assunto (v.
também
Martins, 2001: 13-14),
que retoma a
questão noutra
perspectiva).
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