A
Carolina Ribeiro Serra (UFRJ)
Introdução
Estudos em sintaxe, semântica, análise do discurso, psicolingüística, e outros, têm se servido bastante ultimamente do instrumental da Fonética Acústica, com o objetivo de aliar diferentes tipos de análise. O componente fonológico se mostra, muitas vezes, o diferencial na observação de determinados fenômenos, comprovando neste nível, o que ocorre em outras áreas da gramática.
Essa aliança entre o estudo de fenômenos de outros componentes da gramática e os de fenômenos fonético-fonológicos pode ser atestada em trabalhos recentes, de diferentes orientações teóricas, como o de Orsini (2003), entre outros.
A partir do princípio básico de que a posição não-marcada para a colocação do adjetivo no SN atualmente é a posição pós-nuclear (Serra, 2004), decidiu-se proceder a uma análise levando em conta parâmetros da fonética acústica, com vistas a verificar se haveria alguma alteração na estrutura prosódica quando a ordem era invertida.
Aparato Metodológico, Hipóteses e Corpus
As hipóteses iniciais a serem testadas buscam verificar se a prosódia fica inalterada independente da ordem dos constituintes no SN, isto é, se a anteposição ou posposição do adjetivo não interfere no padrão prosódico, ou se, ao contrário, ela reflete essa organização interna do sintagma.
A primeira hipótese é chamada de Hipótese da prosódia neutra e a segunda de Hipótese da prosódia marcada.
Þ Hipótese da prosódia neutra.
O primeiro elemento do SN, qualquer que seja ele, substantivo ou adjetivo, exibe
a) uma elevação de FØ na tônica e outra, de menor amplitude, na última tônica.
O segundo elemento do SN, qualquer que seja ele, tenderia a apresentar
b) alongamento na tônica;
c) maior intensidade na tônica.
Þ Hipótese da prosódia marcada.
O adjetivo anteposto levaria a
a) um reforço do pico de FØ na primeira posição;
b) alongamento da tônica do adjetivo na primeira posição;
c) aumento da intensidade da tônica do adjetivo na primeira posição.
Para que pudessem ser testadas essas hipóteses, foram medidos, com base no programa computacional WINCECIL, os valores de freqüência fundamental (Hz), duração (s) e intensidade (dB), após segmentação das sílabas pretônicas (nos casos em que havia), tônicas e postônicas (nos casos em que havia), tanto do adjetivo, como do substantivo com o qual se combina. O valor da freqüência fundamental foi inicialmente marcado no pico de intensidade da sílaba, para que a medida fosse uniforme. Em seguida, foram extraídas, através do programa EXCEL, as médias correspondentes às três sílabas.
Tomou-se como referência um sintagma ideal que possuísse a estrutura, PRE1, TON, POS1, tanto no adjetivo, quanto no substantivo, como em recente pesquisa. Todos os gráficos apresentam essa estrutura; os resultados neles vislumbrados, entretanto, referem-se às médias de cada sílaba, na fala masculina e na feminina, de acordo com cada parâmetro, englobando diferentes SNs, como se pode ver, mais abaixo, nas frases que constituem o corpus da análise acústica.
Numa segunda etapa da análise, mediu-se ainda a taxa de variação de FØ intrassilábica da sílaba tônica do substantivo na primeira posição e do adjetivo anteposto. Nosso objetivo era verificar se essa taxa de variação seria mais alta com a anteposição do adjetivo. O cálculo foi feito da seguinte forma:
a) mediu-se a diferença de FØ na vogal, ou seja, a FØ do ponto final menos a FØ do ponto inicial da vogal (pf-pi);
b) dividiu-se o valor anterior pela duração da vogal.
Taxa de variação de FØ intrassilábica = FØ final– FØ inicial
Duração (s)
No que se refere especificamente à duração, foram feitos também alguns cálculos que relacionam a sílaba tônica com as demais. Calculou-se:
a) o aumento de percentagem de duração da tônica do segundo elemento do SN em relação à tônica do primeiro elemento, na posposição e na anteposição do adjetivo;
b) o alongamento da tônica com relação à pretônica do primeiro e do segundo elemento, na posposição e na anteposição do adjetivo, e
c) o alongamento do pé métrico em relação à pretônica (ton + pos/2 – pretônica) na primeira posição, tanto na posposição quanto na anteposição do adjetivo.
O corpus é constituído por vinte enunciados com adjetivos antepostos e pospostos, par a par, que foram lidos por dez locutores, cinco homens e cinco mulheres. Os enunciados foram inspirados no corpus de editoriais da imprensa carioca do século XX e concretizados em uma das posições possíveis.
1 a. Graças ao gênio militar de dois chefes inigualáveis...
1 b. Graças ao gênio militar de dois inigualáveis chefes...
2 a. Os aviões modernos com velocidade supersônica...
2 b. Os modernos aviões com velocidade supersônica...
3 a. Uma pesquisa recente demonstrou o grande índice de assaltos
3 b. Uma recente pesquisa demonstrou o grande índice de assaltos
4 a. As conseqüências inevitáveis na vida dos brasileiros.
4 b. As inevitáveis conseqüências na vida dos brasileiros.
5 a. Uma nação que se desperta para consolidar o seu destino, ao rejeitar os caminhos perigosos da revolução...
5 b. Uma nação que se desperta para consolidar o seu destino, ao rejeitar os perigosos caminhos da revolução...
6 a. Não se pode deixar de considerar a crise profunda que representou a Revolução Cubana.
6 b. Não se pode deixar de considerar a profunda crise que representou a Revolução Cubana.
7 a. A crise terrível se seguiu à renúncia do Sr. Jânio Quadros.
7 b. A terrível crise se seguiu à renúncia do Sr. Jânio Quadros.
8 a. O país tem apresentado capacidade notável de sobrevivência democrática.
8 b. O país tem apresentado notável capacidade de sobrevivência democrática.
9 a. O governador e o atual prefeito exercem funções importantes delegadas por Brizola.
9 b. O governador e o atual prefeito exercem importantes funções delegadas por Brizola.
10 a. Para que essas instituições dêem os resultados esperados nas pesquisas.
10 b. Para que essas instituições dêem os esperados resultados nas pesquisas.
Resultados
Duração
Passamos a apresentar nesta seção os resultados referentes ao parâmetro da duração na fala masculina e feminina, nessa ordem. Os gráficos mostram os valores médios das três sílabas de cada elemento do SN, realizados pelos cinco locutores de cada sexo.
Figura 1: Média da duração na fala masculina
Figura 2: Média da duração na fala feminina
A primeira observação a ser feita a partir das Figuras 1 e 2 é a de que, de forma geral, as sílabas do segundo elemento do SN, principalmente a tônica, são mais longas que as do primeiro, independente de esse elemento ser um substantivo ou um adjetivo. Esse resultado pode sugerir um padrão de duração no SN que se caracteriza por um alongamento das sílabas do segundo elemento com relação ao primeiro, o que vai ao encontro da primeira hipótese – reformulada a partir dos resultados de Serra, Callou & Moraes, 2003 –, segundo a qual há um alongamento na tônica do segundo elemento, independente de qual seja ele. Porém, observando com mais vagar esses resultados, é possível notar alterações que ocorrem, em ambos os sexos, quando a ordem canônica substantivo/adjetivo é invertida.
Na fala masculina, Figura 1, pode-se perceber que no primeiro gráfico, referente à posposição do adjetivo, a diferença da tônica do substantivo com relação à do adjetivo é de 69ms. Quando o adjetivo passa a ocupar a primeira posição, a diferença se reduz para 32ms entre a sua tônica e a do substantivo que o sucede. Na fala feminina, ilustrada na Figura 2, essa relação é de 51ms na posposição e de apenas 24ms na anteposição do adjetivo. Além de a segunda posição “perder força” quando o adjetivo está anteposto, ou seja, suas sílabas passam a durar menos, há uma diminuição da diferença entre as sílabas do primeiro e do segundo elemento em termos de duração; assim, o segundo elemento não deixa de apresentar maior duração, porém, quando o adjetivo está anteposto, as durações das tônicas tornam-se mais próximas.
Aplicando os cálculos que relacionam as três sílabas de cada elemento, nas duas posições, fica ainda mais evidente que o adjetivo “carrega” consigo uma marca de alongamento, diferenciando prosodicamente o SN que tem um adjetivo anteposto do que tem um adjetivo posposto.
No cálculo da percentagem de duração do primeiro elemento do SN em relação ao segundo, ou seja, uma comparação que poderíamos chamar de sintagmática, na fala masculina, pudemos observar que a sílaba tônica do primeiro elemento na posposição, ou seja, do substantivo, dura 75% da tônica do segundo elemento; em anteposição, a tônica do elemento que ocupa a primeira posição, ou seja, do adjetivo, dura 87% da tônica do segundo elemento.
Na fala feminina, em posposição, a tônica do substantivo dura 80% da tônica do adjetivo, segundo elemento, ao passo que, na anteposição, a tônica do adjetivo dura 90% da tônica do substantivo.
Esses resultados demonstram que na fala de homens e mulheres ocorre o seguinte: quando o adjetivo está anteposto, a sua tônica tem uma duração mais aproximada da do segundo elemento, o que já havíamos mencionado acima como uma característica prosódica do item.
Numa comparação estabelecida no eixo paradigmático, observando a relação entre pretônica e tônica do primeiro elemento do SN, na fala masculina, temos o seguinte: a tônica sofre um alongamento de 27% (42ms) com relação à sílaba que a precede quando o elemento que ocupa a primeira posição é um substantivo, ou seja, em posposição do adjetivo, e de 35% (55ms) quando o elemento que ocupa a primeira posição é um adjetivo.
Na fala feminina, a tônica do substantivo em primeira posição também é 27% (45ms) mais longa que a pretônica, mas quando é o adjetivo que está nessa posição, sua tônica dura 40% (61ms) mais que a pretônica, ou seja, tanto nos homens quanto nas mulheres, a tônica é mais marcada com relação à pretônica quando é o adjetivo que ocupa a primeira posição.
Levando em conta os elementos que ocupam a segunda posição no SN – comparação ainda no eixo paradigmático –, percebe-se que quando o adjetivo está posposto, o alongamento da sua sílaba tônica em relação à pretônica é de 57% (97ms); quando o substantivo é o segundo elemento, e o adjetivo está anteposto, o alongamento é de 45% (77ms). Entre as mulheres, temos para o segundo elemento adjetivo uma tônica, da mesma forma que com os homens, 57% (96ms) mais longa que a pretônica, ao passo que quando é um substantivo o segundo elemento, essa diferença diminui para 36% (64ms).
Apresentamos de forma mais sistematizada os percentuais de aumento das sílabas tônicas com relação às pretônicas dos elementos que ocupam a primeira posição no SN, na posposição e na anteposição do adjetivo, e dos que ocupam a segunda posição, na posposição e na anteposição do adjetivo, na Tabela 1, abaixo.
HOMENS |
1ª posição |
2ª posição |
MULHERES |
1ª posição |
2ª posição |
Substantivo |
27% |
45% |
Substantivo |
27% |
36% |
Adjetivo |
35% |
57% |
Adjetivo |
40% |
57% |
Tabela 1: Percentual de aumento de duração da tônica com relação à pretônica,
de acordo com a posição de cada elemento no SN
A segunda posição é, sem dúvida, a que mais marca a diferença da tônica com relação à pretônica, mas a presença do adjetivo nessa posição faz com que essa diferença seja ainda maior, 57% tanto nos homens quanto nas mulheres. Na primeira posição, há uma diminuição dessa diferença em termos absolutos, mas há ainda uma vantagem de aumento da duração das tônicas do adjetivo (35% e 40%) sobre o aumento das do substantivo (27%).
Ultrapassando as fronteiras da estrutura sintática não marcada, substantivo/adjetivo, evidenciada na prosódia com a proeminência da duração do segundo elemento sobre o primeiro do SN, o adjetivo marca sua posição carregando consigo o maior alongamento da tônica, como se viu, mesmo competindo sem ganhar, quando está anteposto, com a maior duração da segunda posição. Em outras palavras, a maior duração sempre vai recair sobre o segundo elemento do SN, mas essa estrutura não se mantém plenamente quando o adjetivo se antepõe.
No que diz respeito, então, às nossas hipóteses iniciais, podemos dizer que os resultados confirmam ambas, tanto aquela que prevê a segunda posição como sendo sempre a que leva o elemento a ter uma tônica mais longa quanto aquela que diz que o adjetivo anteposto leva a um alongamento da tônica nessa posição. De toda forma, a estrutura prosódica que subjaz a estrutura sintática do SN não é indiferente à mudança de ordem.
O mesmo tipo de confronto feito tomando como base o alongamento relativo da tônica em relação à pretônica também foi feito a fim de verificar o alongamento da tônica e da postônica consideradas conjuntamente, o que corresponde ao pé métrico, em relação à sílaba que as precede, uma vez que o fenômeno do alongamento afeta sobretudo essas duas sílabas (Moraes, 2003).
Para o cálculo do alongamento do pé métrico, enfocamos apenas a primeira posição do SN, estabelecendo uma comparação apenas no eixo paradigmático, já que nos interessa observar a posição marcada do adjetivo, que é a anteposta, com relação ao elemento “neutro”, que seria o substantivo. A segunda posição, como se comprova com a análise acústica, é sempre a mais “forte”, embora seja sensível à mudança de ordem do adjetivo, como se vem observando.
No que se refere ao alongamento do pé métrico em relação à pretônica (ton + pos/2 – pretônica) na primeira posição, obteve-se os seguintes resultados:
HOMENS |
1ª posição no SN |
MULHERES |
1ª posição no SN |
Substantivo |
198 + 124 – 156 = 5ms 2 3% |
Substantivo |
213 + 139 – 168 = 8ms 2 5% |
Adjetivo |
215 + 137 – 160 = 16ms 2 10% |
Adjetivo |
216 + 152 – 155 = 29ms 2 19% |
Tabela 2: Relação entre a duração do pé métrico e da pretônica na primeira
posição,
tanto na anteposição do adjetivo quanto na posposição, de acordo com o sexo
Com a anteposição do adjetivo (ver na Tabela 2 adjetivo na 1ª posição no SN) há maior alongamento do pé com relação à sílaba pretônica do primeiro elemento que na posposição, 10% e 3% (16ms e 5ms), nos homens, e 19% e 5% (29ms e 8ms), nas mulheres, respectivamente. Entre as mulheres a diferença é ainda mais evidente entre pés e pretônicas de adjetivos e substantivos na primeira posição do SN; o adjetivo anteposto tem a duração média das sílabas de seu pé métrico 19% maior que a pretônica correspondente, demonstrando novamente o alongamento que a primeira posição sofre com a anteposição do adjetivo.
Veremos, a seguir, como a anteposição do adjetivo se reflete na intensidade das sílabas em cada posição.
Intensidade
As Figuras 3 e 4 apresentam as médias de intensidade de cada sílaba na posposição, no primeiro gráfico, e na anteposição do adjetivo, no segundo gráfico, na fala masculina e na fala feminina, respectivamente.
Figura 3: Média da intensidade na fala masculina
Figura 4: Média da intensidade na fala feminina
A intensidade é o parâmetro que mais evidencia a mudança de ordem do adjetivo no SN. É fácil notar através das figuras o quanto a posição do adjetivo é marcada pela intensidade de suas sílabas. Quando o adjetivo vem posposto, tanto a sílaba tônica quanto a pretônica apresentam valores de intensidade bastante altos com relação às mesmas sílabas do primeiro elemento do SN. Na fala masculina, as sílabas pretônica e tônica do substantivo em 1ª posição apresentam 5,8dB e 5,9dB, respectivamente, e as do adjetivo posposto, 7,4dB e 8,4dB, respectivamente. Na fala feminina, a diferença entre a tônica do substantivo e a do adjetivo posposto é um pouco menos marcada, 1,5dB (Figura 4, gráfico de posposição).
Quando o adjetivo aparece anteposto, o pico da curva de intensidade se inverte, pois é a primeira tônica do SN que passa a ter maior intensidade, tanto nos homens quanto nas mulheres. A tônica do adjetivo anteposto passa a ter 6,7dB e a do substantivo 5,8dB, na fala feminina. Na fala masculina, a diferença é mínima, mas existe; a tônica do adjetivo anteposto tem 6,8dB e a do substantivo que o sucede, 6,6dB. A segunda posição, como se tem enfatizado, é uma posição “forte”, na qual recaem o alongamento das tônicas e uma intensidade mais alta, mas no caso do adjetivo anteposto, essa relação chega a se inverter, pois ele carrega suas marcas “próprias” de intensidade: na primeira posição, nos homens, a tônica passa de 5,9dB para 6,8 com a anteposição do adjetivo, e, nas mulheres, de 5,4dB para 6,7dB. Mesmo a segunda posição apresentando valores altos de intensidade na tônica, o adjetivo faz com que o pico do sintagma mude conforme a posição que ele vá ocupar.
No que diz respeito à intensidade, não restam dúvidas de que o adjetivo marca sua posição dentro do SN, pois os valores de intensidade desse item serão sempre maiores que os do substantivo. O pico de intensidade do SN sempre vai acompanhar o adjetivo, independente de que posição ele vá ocupar, o que vai ao encontro da hipótese da prosódia marcada, e isso se observa pelo aumento de intensidade da tônica do adjetivo na primeira posição, já que a segunda sempre apresentará um valor relativamente alto de intensidade.
Freqüência fundamental
A observação do parâmetro da freqüência fundamental é importante para estudos de diversos fenômenos, inclusive os que levam em conta ordem de constituintes. Os resultados gerais obtidos neste estudo para o parâmetro FØ encontram-se nas Figuras 5 e 6, abaixo.
A princípio, o que percebemos é uma semelhança entre os gráficos que apresentam a média da freqüência fundamental na posposição e na anteposição. Ao que tudo indica, independente do elemento que esteja na primeira posição no SN, a curva de freqüência fundamental sempre terá o seu ápice na tônica do primeiro elemento, havendo uma queda até a postônica ou a tônica do segundo. Porém, se observarmos caso a caso, veremos que essa curva melódica não é tão regular entre falantes de sexos diferentes e de acordo com a posição que o adjetivo ocupa no SN.
Figura 5: Média da freqüência fundamental na fala masculina
Figura 6: Média da freqüência fundamental na fala feminina
Na fala feminina (cf. Figura 6), esse padrão de aumento da freqüência da tônica do primeiro elemento seguido de uma posterior diminuição se dá até a última sílaba tônica do SN, pois entre tônica e postônica no segundo elemento ocorre uma ligeira subida melódica, tanto na posposição – de 217,1Hz para 220,9Hz –, quanto na anteposição – de 214,1Hz para 218 hz (cf. Figura 6). O mesmo não acontece na fala masculina, mantendo-se o padrão de queda até a última sílaba do SN. A diferença, entretanto, é mínima e possivelmente não significativa estatisticamente.
Com relação às mudanças que ocorrem na curva melódica quando se antepõe o adjetivo, temos um comportamento aparentemente semelhante entre homens e mulheres.
Ao observarmos os valores das tônicas do primeiro elemento do SN, no eixo paradigmático, notamos que há um aumento da FØ quando essa posição é ocupada por um adjetivo; nos homens a tônica do adjetivo tem uma freqüência fundamental 12,1Hz maior que a do substantivo na mesma posição. Entre as mulheres essa diferença é de 10,8Hz.
A diferença entre adjetivos e substantivos fica ainda mais nítida quando comparamos o aumento de freqüência da tônica com relação à pretônica em cada caso. Em anteposição, a tônica do adjetivo tem uma freqüência 27,5Hz maior que a pretônica, quando é o substantivo que está em primeira posição essa diferença é de 12,6Hz. Nas mulheres, a diferença de aumento de FØ das tônicas de adjetivos e substantivos com relação às pretônicas é mais marcada, 39 hz quando o adjetivo está anteposto e apenas 15,4Hz quando é o substantivo o 1º elemento do SN. A postônica do adjetivo anteposto, na fala feminina, acompanha o aumento de freqüência da tônica e atinge em média 254,4Hz, seguida da queda bastante marcada para a pretônica do segundo elemento (219,6Hz). A diferença se reflete, em termos visuais (cf. Figuras 5 e 6), num “achatamento” da curva quando o primeiro elemento é um substantivo, tanto nos homens quanto nas mulheres. Na anteposição, há uma “saliência” da curva na tônica e na postônica.
Além das medições habituais dos valores de freqüência fundamental de cada sílaba do sintagma, calculamos ainda a taxa de variação da freqüência intrassilábica, que tomou como base a vogal da sílaba tônica de cada elemento, com o objetivo de observar se a variação de FØ seria mais alta na sílaba tônica do adjetivo anteposto.
Das Tabelas 3 e 4 constam os valores médios de variação de FØ de cada locutor, numerados de 5 a 1, de acordo com o sexo – masculino (H) ou feminino (M) – e de acordo com o elemento que se encontra na primeira posição no SN (substantivo na 1ª posição e adjetivo anteposto). A partir das médias de cada locutor foi extraída a média total de variação de cada tônica.
Com os cálculos da sílaba tônica do substantivo, em alguns casos chega a haver uma queda de FØ do início para o fim da vogal tônica, como se observa nas médias negativas dos locutores 2M, 3M e 4M e de 3H (Tabela 3), embora as médias variem bastante de locutor para locutor.
Subs. 1a posição |
Hz/s |
Subs. 1a posição |
Hz/s |
Média 5M |
19 |
Média 5H |
35 |
4M |
-38 |
4H |
108 |
3M |
-5 |
3H |
-8 |
2M |
-19 |
2H |
0,4 |
1M |
89 |
1H |
36 |
SOMA |
46 |
SOMA |
171,4 |
MÉDIATOTAL |
9,2 |
MÉDIATOTAL |
34,3 |
Tabela 3: Taxa variação de FØ intrassilábica (tônica)
dos substantivos em 1ª posição, fala masculina(H) e fala feminina(M)
Adj. anteposto |
Hz/s |
Adj. anteposto |
Hz/s |
Média 5M |
159 |
Média 5H |
129 |
4M |
123 |
4H |
320 |
3M |
96 |
3H |
76 |
2M |
243 |
2H |
49 |
1M |
184 |
1H |
156 |
SOMA |
805 |
SOMA |
730 |
MÉDIATOTAL |
161 |
MÉDIATOTAL |
146 |
Tabela 4: Taxa
variação de FØ intrassilábica (tônica)
dos adjetivos em 1ª posição, fala masculina (H) e fala feminina (M)
O valor da média total não chega a ser negativo para a variação intrassilábica da tônica do substantivo em 1ª posição, mas se reflete por um aumento de apenas 9,2Hz/s nas mulheres e 34,3Hz/s nos homens do ponto final com relação ao ponto inicial da vogal. Nos casos particulares de queda da freqüência dentro da própria tônica a curva é descendente e já prepara a diminuição da FØ na sílaba seguinte, a postônica.
Quando é o adjetivo que ocupa a primeira posição no SN, a taxa média de variação de FØ é bastante mais alta, 161 hz/s na fala feminina e 146 hz/s na fala masculina. Essa ascensão da tônica fica evidente nos gráficos de anteposição das Figuras 5 e 6, principalmente na fala feminina, em que a curva ascendente da tônica se prolonga até a postônica do adjetivo, como já havíamos mencionado (de 251,5Hz para 254,4Hz).
Um outro resultado a ser comentado é a diferença entre as variações de FØ dos substantivos e dos adjetivos, nos homens e nas mulheres. As mulheres apresentam taxa de variação bem mais baixa que a dos homens no que se refere à tônica do substantivo ao passo que na tônica do adjetivo sua média total é mais alta que a dos homens (cf. Tabelas 3 e 4).
Levando em conta as duas hipóteses formuladas para a FØ, vemos que ambas estão sendo contempladas na análise da posição do adjetivo. A primeira tônica é a mais proeminente independente do elemento que está em primeira posição, porém o comportamento da FØ é diferenciado a depender se o adjetivo está anteposto ou posposto. A curva melódica se torna mais marcada quando o adjetivo está anteposto ao substantivo, ou seja, há um reforço do pico de FØ com a presença do adjetivo.
Conclusões
Com relação às hipóteses iniciais desta etapa do trabalho, pudemos concluir que a Hipótese da prosódia marcada é confirmada pelos três parâmetros analisados acima, já que o padrão prosódico não se mantém completamente ao invertermos a ordem canônica substantivo/adjetivo.
A estrutura prosódica é, portanto, sensível às organizações sintáticas internas do SN, já que os adjetivos têm marcas prosódicas próprias, que “carregam” consigo ao mudar de posição, diferenciando prosodicamente o SN que tem um adjetivo anteposto do que tem um adjetivo posposto.
A Hipótese da prosódia neutra não deixa, contudo, de ser contemplada, pois, no que se refere aos parâmetros duração e intensidade, pudemos comprovar que a segunda posição é “forte”, já que sobre ela recaem maior alongamento e maior intensidade, embora passível de alteração a depender do elemento que ali se encontra, e, no que se refere ao padrão de FØ, é a primeira posição que vai apresentar os maiores valores de freqüência na curva melódica, o que também não se mantém indiferente ao elemento que pode ocupar essa posição.
referências bibliográficas
MORAES, J. A. Os fenômenos supra-segmentais no português do Brasil. ms, inédito.
ORSINI, M. T. As construções de tópico no português do Brasil: uma análise sintático-discursiva e prosódica. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2003.
SERRA, C. R., CALLOU, D. M. I e MORAES, J. A. A interface fonologia e sintaxe: prosódia e posição do adjetivo. In: BISOL, L. e TASCA, M. (org.). Letras de Hoje. vol. 38, no 4, p. 273-281, Revista trimestral do curso de Pós-graduação em Letras, PUC-RJ, 2003.
SERRA, C. R., CALLOU, D. M. I & SALES, S. Sobre a ordem do adjetivo no sintagma nominal no corpus VARPORT: séculos XIX e XX. Actas do XIX Encontro Nacional da APL; volume 1, p. 89-100. Lisboa: APL, 2004.
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