CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
A CLASSE GRAMATICAL PELA ANÁLISE GLOBAL
Luciana Varella da Silva (UNESA)
Fátima Helena Azevedo de Oliveira (UNESA)
Introdução
O presente trabalho volta-se para o estudo sintático, tendo como foco a sintaxe de períodos compostos por coordenação; sobretudo, as conjunções coordenativas que regem tais estruturas.
O ponto de partida para o estudo é a abordagem de Henriques que, além de apresentar o assunto em conformidade com a Nomenclatura Gramatical Brasileira, tece uma observação que vai além, por uma percepção que envolve não somente sintaxe, mas explora também semântica e morfologia.
Faz-se também uma análise comparativa entre Bechara, Lima e Cunha & Cintra. Cada um dos gramáticos apresenta um nível de concordância com a Nomenclatura Gramatical Brasileira, doravante NGB. Apresentam especificidades em suas observações, cada qual com sintomas analíticos que dão ao estudante a visão da abundância de informações que o assunto possui. Ao consultar cada gramático supracitado, é possível perceber que existem convergências e divergências nas abordagens e; portanto, levam a uma profunda reflexão quanto à natureza morfológica das conjunções coordenativas.
A intenção da presente análise é comprovar que há uma necessidade de se dissociar o valor semântico dos termos que promovem a união entre as orações da classe gramatical que desempenham na estrutura do período composto. É fundamental para o diagnóstico preciso de uma conjunção a análise complexa que cinge tal categoria gramatical. Pode-se dizer que, para este assunto, é necessário não somente conhecimentos sintáticos, mas também sensibilidade para os fatos da língua, através da semântica e da morfologia.
A missão das conjunções
Em linhas gerais, a missão gramatical das conjunções é unir elementos de mesmo valor funcional, não somente os isolados como também os agrupados.
As definições infracitadas se fazem em comum para Bechara, Lima e Cunha & Cintra.
Como sua missão é reunir unidades independentes, pode além “conectar” duas unidades menores que a oração, desde que do mesmo valor funcional dentro do mesmo enunciado. (BECHARA, 2004: 319)
Conjunções são palavras que relacionam entre si:
a)Dois elementos da mesma natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, advérbio + advérbio, oração + oração etc.). (LIMA, 2003: 184)
Conjunções são os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração. (CUNHA & CINTRA, 2001: 579)
Apresentam-se entre os três gramáticos, maneiras distintas de abordagem. Em Bechara o enfoque estrutura o emprego da conjunção, é notória sua preocupação relativa ao encadeamento sintático, às unidades menores e aos valores funcionais que estas unidades assumem. Bechara, gramático conservador, parece ter um olhar quase “matemático” a respeito do tema. O enfoque de Lima determina a razão funcional das conjunções e as possíveis unidades que serão conectadas. Não se prende a muitos detalhes quanto à estrutura, porém os cita. O gramático mantém uma postura quanto ao tema tal qual a NGB propõe. Enquanto que o enfoque de Cunha & Cintra expressa o caráter das conjunções de uma forma mais concisa. Pouco menciona questões estruturais, mas lembra que se faz necessária a semelhança das unidades a serem ligadas.
As conjunções e o estudo dos aspectos
semântico, sintático e morfológico
As conjunções coordenativas possuem um caráter e um papel nas estruturas onde se inserem. Portanto, as relações de independência entre os elementos do enunciado são marcadas por essa dualidade característica. Embora sejam independentes, existe uma relação significativa entre esses elementos. Em outras palavras, no plano sintático não há dependência entre as orações, por outro lado se relacionam semanticamente.
O valor significativo das conjunções é definido quando se consegue compreender o caráter e o papel desempenhados por elas na estrutura oracional.
As orações conectadas traduzirão por si mesmas, com a presença do conector sintático, o valor semântico do período por elas composto.
Assim, as orações “... ele deu uma índole expressiva, e fez dessa personalidade um autor...” (PESSOA, 1986: 82) e “Tudo é mistério e tudo está cheio de significado.” (Idem, p. 38) possuem conectores sintáticos de mesmo caráter: e, correspondentes às orações coordenadas sindéticas aditivas. Porém, esse conector desempenha um papel diferenciado entre (1) e (2).
Em (1), o caráter e o papel são equivalentes. A conjunção é de valor aditivo bem como as orações que se unem transmitem adição de enunciados. Não só a conjunção aditiva está presente como também a relação semântica é de adição. O autor soma informações utilizando a conjunção e, pois une as idéias: deu e fez, duas ações verbais. Há soma de dois verbos, portanto tem-se o mesmo valor funcional em cada uma das palavras conectadas.
Em (2), o caráter e o papel divergem. A conjunção, embora seja de caráter aditivo, desempenha um papel de oposição. Portanto, verifica-se que as orações se unem por oposição dos enunciados. Este fato acontece porque o autor primeiramente afirma tudo ser mistério, e em seguida diz que tudo está cheio de significado. Como tudo pode ser mistério e estar cheio de significado? Por mais curioso que pareça, esta foi a forma que Pessoa empregou para criar uma expressão adversativa não muito comum, mas que o falante pode construir uma vez que a coordenação o permite, sem que acarrete problemas na compreensão de idéias. Novamente se apresentam dois verbos: é e está, elementos de mesmo valor funcional na oração. As duas orações foram conectadas por uma conjunção aditiva por excelência, mas a relação semântica entre elas é de oposição.
Observa-se, por essas orações, que o aspecto semântico das conjunções coordenativas se define através do caráter e do papel que estas desempenham na oração. E, por esta razão, as orações independentes são marcadas por uma relação de valores significativos.
Examinando-se o sentido dicionarizado da palavra conjunção, obtém-se: “S. f. 1. União, encontro. 5. E. Ling. Palavra invariável que liga duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração.” (FERREIRA, 1999: 530).
A partir dessa definição, conclui-se que, em se tratando de uma palavra que liga orações ou termos, sua posição na estrutura deve ser central. A conjunção coordenativa, se observada por lógica funcional, posiciona-se no meio, entre as orações, uma vez que promove uma “conexão” entre as mesmas.
A diferença entre as “conjunções-conjunções” e as “conjunções-advérbios” reside na possibilidade que algumas têm de serem deslocadas na sua oração.
Exs.: Todos estão surpresos, mas essa é a realidade.
– mas tem posição fixa: é conjunção
Todos estão surpresos, (contudo) essa (contudo) é (contudo) a realidade (contudo).
– contudo tem posição móvel: não é conjunção. (HENRIQUES, 2003: 101)
Afirma-se então, sob o aspecto sintático, que a conjunção coordenativa não possui mobilidade em seu posicionamento, pois que deve localizar-se entre as orações. Em outras palavras, na estrutura sintática de períodos coordenados, o conector posiciona-se centralmente, uma vez que liga as orações independentes que pertencem ao enunciado.
O posicionamento central das conjunções é característico dessa classe de palavras. Não apenas por uma questão sintática, que reserva ao conectivo uma posição de “elo” entre as orações. É também uma questão semântica, que gramaticalmente requer a conjunção posicionada entre as orações, para que o período possa ser inteligível. Do contrário, a comunicação não ocorrerá, pois a construção da idéia não será elaborada conforme os moldes sintáticos que o falante conhece.
Morfologicamente, sabe-se que as conjunções são palavras invariáveis. Ou seja, não permitem ser-lhes desinências acrescentadas. São palavras que por si (isoladas) não possuem significado intrínseco, apenas contém valor semântico definido pela relação significativa que estabelecem entre os enunciados. Por isso, são definidas como morfemas gramaticais, diferentes dos morfemas lexicais (substantivos, adjetivos, verbos e advérbios de modo).
Como se constata em:
São morfemas gramaticais os artigos, os pronomes, os numerais, as preposições, as conjunções, e os demais advérbios, bem como as formas indicadoras de número, gênero, tempo, modo ou aspecto verbal. (CUNHA & CINTRA, 2001: 77)
Quanto à atuação:
...pode também “conectar” duas unidades menores que a oração, desde que do mesmo valor funcional dentro de mesmo enunciado. Assim:
Pedro e Maria (dois substantivos)
Ele e ela (dois pronomes)
Ele e Maria (um pronome e um substantivo)
rico e inteligente (dois adjetivos)
Ontem e hoje (dois advérbios)
Saiu e voltou (dois verbos)
Com e sem dinheiro (duas preposições) (BECHARA, 2004: 319)
A divergência entre a Nomenclatura
Gramatical Brasileira e os gramáticos
A norma defende a existência de cinco subtipos de orações coordenadas, como já sabido por indivíduos que estudam os períodos compostos por coordenação. Por outro lado, os gramáticos divergem em ponto de vista quando tal assunto é tratado. Alguns seguem suas abordagens à luz da NGB, outros partem de estudos mais minuciosos, por influência de gramáticos greco-latinos.
Lima tece sua abordagem conforme a NGB consagra, porém faz observações que chamam a atenção quanto à categoria gramatical dos elementos conectores.
As conjunções coordenativas se distribuem por cinco classes: Aditivas, Adversativas, Alternativas, Conclusivas, Explicativas (LIMA, 2003: 184)
O gramático menciona detalhes como: o mas sendo a conjunção adversativa por excelência e a existência de palavras que possuem força adversativa com uma idéia não propriamente de contraste, mas de concessão. Ainda no plano adversativo, o gramático comenta sobre a atuação estrutural do mas que deve ser empregado somente no início da oração enquanto que as demais palavras podem aparecer depois de um dos seus termos. Em tal comentário, percebe-se uma dupla classificação para as palavras de força adversativa, que num segundo momento são chamadas de conjunções. Isso é a evidência mais expressiva de que o gramático assume uma postura intermediária. Comparando-se sua abordagem com a de Bechara e a de Cunha & Cintra, verifica-se que Lima além de considerar a NGB, mantém-se mediano quanto à classe gramatical das palavras que tornam possível a conexão entre duas orações independentes. Ora afirma que é conjunção, ora diz que se trata de uma palavra com força adversativa. Tais afirmações são sintomas de que o gramático teve a sensibilidade para perceber as diferenças que regem a ordem das conjunções. Lima aponta a possibilidade de uma nova consideração, mas permanece em concordância com a NGB.
Lima comenta também a respeito das orações conclusivas, classifica o pois como conjunção e faz uma observação em relação ao seu emprego que deve se dar após um dos termos da oração coordenada.
Em Cunha & Cintra o tratamento é dado com máxima fidelidade, em concordância com a NGB. Consideram todos os termos que promovem união entre orações independentes como conjunções coordenativas. Em momento algum, mencionam informações que coloquem em dúvida a natureza dos elementos conectores. Para Cunha & Cintra, todos os termos envolvidos no processo de coordenação são conjunções. Portanto, não discordam da proposta da NGB. Estes, assim como Lima, fala do posicionamento dessas palavras na estrutura sintática. Em relação às orações adversativas, comentam da obrigatoriedade do mas no início da oração. Falam também dos outros termos de força adversativa (para eles trata-se de conjunções) que podem aparecer após um dos elementos da oração. Esclarecem sobre o pois conclusivo, que deve aparecer posposto a um dos termos da oração, e finalmente, ainda no plano conclusivo, comentam quanto ao posicionamento de logo, portanto e por conseguinte, que podem variar de acordo com a entoação, ritmo e harmonia da frase. Vê-se também nesta abordagem uma preocupação com o estudo do matiz semântico que a conjunção coordenativa pode apresentar.
Bechara se refere às conjunções coordenativas nomeando-as também de conectores. Esta referência, pelo que se pode observar em sua abordagem, tem uma relação muito mais direcionada à dinâmica sintática das conjunções do que propriamente aos aspectos morfológicos dessa categoria de palavras. Em sua consideração comenta: “Os conectores ou conjunções coordenativas são de três tipos, conforme o significado com que envolvem a relação das unidades que unem: aditivas, alternativas e adversativas”. (BECHARA, 2004: 320)
Pode-se observar, em um primeiro momento, que o gramático faz uma redução nas relações semânticas que envolvem os subtipos de conjunções coordenativas. Exclui as conclusivas e as explicativas.
Bechara considera os elementos mas, porém e senão como conjunções adversativas, por excelência. No entanto, não se observou informação suficiente à respeito de sua consideração quanto ao termo senão. Sobre este, em Lições de português pela análise sintática (2003), o gramático complementa:
Senão, depois de uma negação, vale por uma conjunção adversativa em linguagem do tipo:
“E agora as entregais desta maneira, não a pastores senão a lobos” (ANTÔNIO VIEIRA apud ANTENOR NASCENTES, Dificuldades de Análise Sintática, 7).
Precedido de não, também equivale a só:
Ele não quer senão o livro = ele só quer o livro. (BECHARA, 2003: 120)
Bechara considera os termos porém e senão como conjunção. No entanto, porém possui mobilidade na estrutura oracional, ou seja, apresenta relação frouxa com o núcleo verbal. Quanto ao termo senão, seu uso não se dá apenas como conjunção, pode também ser preposição quando equivaler a exceto ou a não ser, bem como substantivo, quando se referir à mancha, defeito. Morfologicamente é uma palavra que não é fixa em sua natureza. É considerado também pelo gramático que porém dá mais ênfase à oposição se comparado ao mas.
No que diz respeito à abordagem de Henriques, apresenta-se de maneira mais coerente. Da mesma forma que ele concorda com a NGB, comenta sobre as orações sindéticas, chamando a atenção do estudante para a análise minuciosa das conjunções. Henriques retoma as considerações de Bechara quanto aos advérbios que estabelecem relações semânticas entre as orações, e não as conectam efetivamente. Este autor fundamenta sua consideração pela impossibilidade de mudança posicional das conjunções e suprime os termos senão e porém, percebendo a não funcionalidade desses termos como tal categoria gramatical. Considera somente, como conjunções coordenativas, os termos: e, nem, ou e mas.
Lima concorda com a NGB, porém aponta sintomas que indicam a dualidade questionável das conjunções coordenativas, mantém-se numa posição intermediária. Cunha se mantém de acordo com a NGB, enquanto que Bechara inova, diverge expressivamente.
Conclusão
Toda a investigação feita no presente trabalho, aponta para a necessidade de se dissociar o valor semântico da classe gramatical dos termos que promovem a união entre as orações. Todas as abordagens estudadas construíram uma visão que tende a observar as conjunções coordenativas de maneira mais detalhada, pois que esses elementos apenas serão corretamente interpretados por quem os estuda através de uma investigação aprofundada. Mesmo que a NGB não consagre o que certos gramáticos puderam perceber em seus estudos, é de suma importância que os estudiosos de língua portuguesa tenham a sensibilidade ao depararem com os diversos pontos de vista, podendo assim compreendê-los. A postura do acadêmico ou estudante na área das letras perante as conjunções coordenativas deve ser de sensível percepção quanto à semântica, à morfologia e à sintaxe que cingem esses termos.
Feita uma reflexão neste trabalho, conclui-se que a abordagem de Henriques é muito bem fundamentada, a mais coerente entre os autores estudados. Pois, aquele deixa claro que embora seja essencial a compreensão dos cinco subtipos de orações coordenadas e dos termos que promovem união entre elas, conforme NGB, é necessário distinguir minuciosamente os termos que verdadeiramente são conjunções coordenativas daqueles que possuem força adverbial, e que por isso devem ser considerados conjunções adverbiais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECHARA, Evanildo. Lições de português pela análise sintática. 16ª ed. ver e ampl.. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
––––––. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de janeiro: Lucerna, 2004.
CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed.– Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
HENRIQUES, Claudio Cezar. Sintaxe portuguesa. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 2003.
PESSOA, Fernando. Obras em prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.
LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 43ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
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