DESCRIÇÃO DOS USOS
DAS CONSTRUÇÕES GERUNDIAIS

Núbia Graciella Mendes Mothé (UFRJ)

Introdução

O presente trabalho possui dois objetivos. O primeiro visa a fazer uma descrição dos tipos de orações que as gramáticas tradicionais denominam subordinadas adverbiais reduzidas de gerúndio. Com esse fim, compararemos o tratamento dado por cinco autores de gramáticas da Língua Portuguesa (Bechara, Cunha & Cintra, Rocha Lima, Kury e Luft), procurando averiguar se há diferença (e quais seriam) entre suas categorizações e o que encontrarmos em uso efetivo na escrita e na fala.

Essa descrição justifica-se pelo fato de que não há uniformidade entre as cinco gramáticas estudadas. Encontramos em comum a todas quatro tipos dessas orações: causal, condicional, concessiva e temporal. No entanto, Bechara (1999) também considera possível a existência de orações consecutivas reduzidas de gerúndio; Rocha Lima, Kury e Luft admitem ainda as modais. Por meio deste trabalho, almejamos investigar em dados reais de língua falada e escrita se, de fato, as orações reduzidas de gerúndio restringem-se a esses tipos e, em caso negativo, quais seriam os outros possíveis (comparativas, finais, proporcionais...?). A nossa hipótese é de que há mais tipos de orações reduzidas de gerúndio que as previstas pelas gramáticas tradicionais.

O outro objetivo diz respeito a uma discussão sobre uma possível subcategorização de um tipo específico dessas orações: as modais. Procuraremos averiguar se há, dentre a bibliografia que admite existir esse tipo de oração circunstancial, alguma sistematização sobre os critérios de classificação.

A investigação das orações modais reduzidas de gerúndio justifica-se pela própria “natureza” dessas orações. Como um dos sentidos primordiais da forma nominal gerúndio é a marcação gramatical aspecto contínuo (todo gerúndio, em última instância, é um modo do verbo), tem-se, às vezes, a impressão de que as ações verbais realizadas sob essa forma gramatical seriam sempre modais. Isso dificulta a classificação de alguns dados reais, levando o pesquisador a recorrer a fatores semântico-funcionais e mesmo discursivos para conseguir analisar o dado encontrado. Muitas vezes, ao que parece, por falta de uma categorização baseada em critérios mais rigorosos, contamos com análises e classificações por demais “impressionistas”.

Metodologia

Para tentar responder a essas questões, contaremos como corpus com um material já organizado na Internet, o material do Projeto VARPORT (Projeto de Variação contrastiva do Português), que reúne as modalidades escrita e falada (culta – informal, vale dizer – e popular) do Português do Brasil e do Português Europeu. Esse corpus reúne anúncios, editoriais e notícias de jornais brasileiros e portugueses dos séculos XIX (desde 1808) e XX (até 2000), além de gravações e respectivas transcrições de inquéritos de língua falada culta (décadas de 1970 e 1990) e popular (década de 1990). Investigamos até agora, na fase inicial da pesquisa, cerca de 30% do corpus escrito e 100% do corpus de língua falada culta (os dados de língua falada popular ainda estão intocados no que tange a esse trabalho).

Pressupostos Teóricos

Quanto às gramáticas que nos serviram de base teórica para a análise dos dados das orações reduzidas de gerúndio, consultamos, primeiramente, as chamadas “gramáticas tradicionais”. A começar por CUNHA & CINTRA (2001), após descreverem a coordenação e a subordinação em suas formas desenvolvidas, os autores se atêm às orações subordinadas reduzidas (ou, na definição dos próprios: “orações dependentes que não se iniciam por relativo nem por conjunção subordinativa, e que têm o verbo numa das FORMAS NOMINAIS – o infinitivo, o gerúndio, ou o particípio”).

A descrição das orações reduzidas na Nova Gramática do Português Contemporâneo fica restrita somente à demonstração de orações reduzidas que podem ser desenvolvidas. Com relação às orações reduzidas de gerúndio, os autores afirmam existir apenas as ADJETIVAS e as ADVERBIAIS, sendo que, desta última categoria, somente as causais, as concessivas, as condicionais e as temporais. Eles destacam o fato de que, por possuir “principalmente significado temporal”, o gerúndio geralmente aparece em orações subordinadas adverbiais temporais.

Além disso, CUNHA & CINTRA (2001) também acrescentam uma observação quanto ao emprego do gerúndio com valor de oração adjetiva, relembrando a questão de ser este uso considerado por muitos gramáticos um “galicismo intolerável”. Os autores, entretanto, apresentam exemplos que mostram sua opinião contra essa posição no que diz respeito ao uso de gerúndio expressando a idéia de atividade mental e passageira. Eles afirmam que essa construção é antiga em Língua Portuguesa e continua sendo empregada no Português do Brasil e, para comprovar tal fato, citam um exemplo desse uso num texto de D. Dinis do fim do século XIII, início do século XIV:

Ela tragia na mão

Um papagai mui fremoso,

cantando [= que cantava] mui saboroso...

Apesar de não mencionarem, este tipo de construção teria sido substituído gradativamente pela construção A + INFINITIVO – ou infinitivo gerundivo – em Portugal (MOTHÉ, 2004).

Diferentemente, nos casos em que o gerúndio aparece em uma oração adjetiva que expressa “um modo de ser ou uma atividade permanente do substantivo a que se refere”, CUNHA & CINTRA (2001) concordam com outros gramáticos, afirmando ser este uso “um simples decalque do francês”. Este “simples decalque do francês” é ilustrado pelos autores com um exemplo do célebre Fernando Pessoa:

Meu coração é um pórtico partido /

Dando excessivamente sobre o mar.

Em BECHARA (2001), também encontramos uma seção específica para as orações reduzidas situada após a seção que trata da subordinação, da coordenação e da justaposição. Lá, Bechara define orações reduzidas como aquelas que “apresentam o seu verbo (principal ou auxiliar, este último nas locuções adverbiais) no infinitivo, gerúndio e particípio (reduzidas infinitivas, gerundiais e participiais)”. Ao contrário de CUNHA & CINTRA (2001), Bechara já considera a possibilidade de, em alguns casos, ser impossível reverter as orações reduzidas em desenvolvidas: “As orações reduzidas são subordinadas e quase sempre se podem desdobrar em orações desenvolvidas.”

Para Bechara, as reduzidas de gerúndio também só podem aparecer como ADJETIVAS e ADVERBIAIS. Quanto às orações adjetivas, assim como CUNHA & CINTRA (2001), Bechara também faz a distinção entre adjetivas reduzidas de gerúndio que possuem sentido de 1– atividade passageira e 2– atividade permanente, qualidade essencial, inerente aos seres, próprias das coisas. Em sua Moderna Gramática Portuguesa, Bechara afirma que as orações em gerúndio do tipo 1– são equivalentes à expressão formada por A + INFINITIVO. Já as orações do tipo 2– são aquelas que, conforme vimos em CUNHA & CINTRA (2001), costumam ser condenadas pelas gramáticas clássicas como exemplos de galicismo. Mas Bechara discorda desse purismo exacerbado dizendo que se trata de “uma evolução normal, comum a mais de uma língua românica, e não de uma simples influência francesa”.

No que concerne às orações adverbiais reduzidas de gerúndio, BECHARA (2001) admite existir as causais, as consecutivas, as concessivas, as condicionais, as temporais e “as que denotammodo, meio e instrumento. Vale ressaltar que, conforme constataremos em seguida, Bechara é o único autor (dentre os consultados) a admitir a existência de orações adverbiais consecutivas reduzidas de gerúndio, exemplificando tal ocorrência com “Isto acendeu por tal modo os ânimos dos soldados, que sem mandado, nem ordem de peleja, deram no arraial do infante, rompendo-o por muitas partes”. [Alexandre Herculano. Fragmentos literários. Ed. de A. Leite. Rio de Janeiro: Sauer, 1921. p. 97 apud BECHARA (2001)]. O autor afirma que “romperam”, neste exemplo, equivale a “e como conseqüência o romperam”.

Uma outra fonte de consulta para essa pesquisa foi a Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Nela, ROCHA LIMA, desde o início de sua explanação, faz uma distinção entre forma (desenvolvidas, reduzidas ou justapostas) e função (substantivas, adjetivas e adverbiais) como sendo dois diferentes critérios de classificação das orações subordinadas. Segundo sua definição, as orações reduzidas (ou, noutra terminologia, implícitas) “têm o verbo numa das formas infinitas ou nominais: o infinitivo, o gerúndio, ou o particípio”.

Assim como BECHARA (2001), ROCHA LIMA (2002) também menciona a possibilidade de haver orações reduzidas que não podem ser convertidas em desenvolvidas e vice-versa. Acerca das orações subordinadas reduzidas de gerúndio, consoante ao que afirmam CUNHA & CINTRA (2001) e BECHARA (2001), ROCHA LIMA (2002) diz só existirem as ADJETIVAS e as ADVERBIAIS.

Quanto às orações adjetivas reduzidas e gerúndio, Rocha Lima afirma que:

Somente ocorre com o chamado gerúndio progressivo, o qual, preso a um substantivo, ou pronome, da oração principal (e não a um verbo), expressa uma ação em desenvolvimento, um fato que está se passando momentaneamente com o ser representado por este substantivo ou pronome”. (ROCHA LIMA, 2002)

Essa postura, um tanto mais “radical” que aquela defendida por CUNHA & CINTRA (2001) e BECHARA (2001), sequer admite a existência da adjetivas reduzidas de gerúndio que indicam um estado permanente do substantivo.

Com relação às orações adverbiais, o autor contempla como passíveis de se apresentarem como reduzidas de gerúndio os seguintes tipos: as causais, as concessivas, as condicionais, as modais e as temporais. Acerca das modais, especificamente, ROCHA LIMA (2002) afirma existirem SOMENTE sob a forma de oração reduzida de GERÚNDIO.

Em KURY (2004) vemos, mais uma vez, a preocupação em destacar o fato de que “as orações reduzidas devem classificar-se e analisar-se tais como se encontram no período, evitando-se o condenável processo de trabalhar com a equivalente em forma desenvolvida, que se poderá utilizar apenas como confronto, para esclarecimento de alguma dúvida”. As orações reduzidas de gerúndio, também para ele, podem apresentar-se apenas como ADJETIVAS ou ADVERBIAIS.

Segundo KURY (2004), as orações adverbiais reduzidas de gerúndio podem ser as causais, as concessivas, as condicionais, as modais e as temporais. Quanto às consecutivas, Kury afirma só existirem em forma reduzida as de infinitivo e menciona justamente o exemplo citado por BECHARA (2001) para este caso em sua classificação. KURY (2004) diz que “não são convincentes os exemplos de consecutivas reduzidas de gerúndio como o seguinte: ‘Deram no arraial de repente, [rompendo-o por muitas partes]’.” Para o autor, “é duvidosa a equivalência rompendo-o = de modo que o romperam” e, por isso, ele prefere considerar tal exemplo como um caso de coordenada aditiva reduzida de gerúndio.

Com relação às orações adverbiais modais, Kury cita como curioso o fato destas não serem contempladas pela Norma Gramatical Brasileira (NGB), principalmente no que diz respeito às reduzidas de gerúndio, pela freqüência com que o gerúndio exprime o modo ou o meio.

Com o gerúndio absoluto constituem-se orações implícitas [= reduzidas] de várias espécies... Muitas vezes o gerúndio denota o MODO, meio ou instrumento (...).

As proposições de caráter adverbial podem-se expressar pela forma explícita, excetuadas as de MODO, meio ou instrumento, para cuja enunciação nos valemos sempre da ORAÇÃO GERUNDIAL. (SAID ALI apud KURY)

Ao fim de sua análise das orações subordinadas, Kury dedica um último parágrafo ao problema da “classificação múltipla de orações de gerúndio” que diz:

Muitas vezes uma oração adverbial reduzida de gerúndio se presta a mais de uma classificação, e nem sempre é possível fixar-nos numa delas como sendo a melhor. Deve o professor aceitar a classificação que revele exame inteligente e compreensivo do texto. (KURY, 2004)

Exemplos:

[Proporcionando-me esta oportunidade], mereceste a minha gratidão.

F Nesse caso, além do valor causal, também seriam possíveis as classificações em modal ou temporal, por serem alternáveis por “Por me proporcionares”, “Com me proporcionares” e “Ao me proporcionares”, respectivamente.

Finalmente, consultamos a Gramática Resumida, de Celso Pedro Luft. Nela, Luft também considera haver somente as orações reduzidas de gerúndio ADJETIVAS e ADVERBIAIS. Quanto às adjetivas, para ele também só há reduzidas de gerúndio enquanto restritivas, ou seja, que denotem “qualidade acidental do substantivo”. Já quanto às adverbiais, LUFT (1971) aponta existirem gerundivas causais, concessivas, condicionais, modais e temporais.

Análise dos Dados

O presente trabalho possui um caráter muito mais qualitativo que quantitativo. Visto que o objetivo é meramente mostrar que na língua em uso há mais tipos de oração que as descritas pelas gramáticas tradicionais estudadas, entendemos que a simples ocorrência de um dado dentre nossa amostra já é suficiente para a constatação da lacuna deixada pela descrição gramatical que se tem feito até aqui por algumas das gramáticas mais renomadas publicadas no Brasil. A análise que se segue terá, portanto, a exposição de alguns exemplos para ilustração do que propomos. Apesar do cunho prioritariamente qualitativo, apresentamos também tabelas que mostram a quantificação (tanto em números absolutos quanto em porcentagem) das ocorrências das orações reduzidas de gerúndio presentes em nosso corpus.

Conforme podemos observar na tabela abaixo, não encontramos nem em nossos dados de língua escrita nem nos dados de língua falada nenhuma oração dos tipos: apositiva, completiva nominal, conformativa e proporcional. De fato, nenhum desses tipos é previsto pelas gramáticas tradicionais. Não afirmamos, porém, serem impossíveis de ocorrer. Não dizemos nem tão pouco que não ocorrem neste corpus, visto que nossa análise ainda se restringe a cerca de 30% do corpus escrito. Dizemos, simplesmente, que, até agora, não existem dados coletados desses tipos de oração. Apenas no corpus de língua falada encontramos também orações dos tipos comparativa, final, predicativa (nenhuma contemplada pelas gramáticas tradicionais). Pretendemos, ainda continuar a pesquisar esse corpus até concluirmos o levantamento de todas as orações gerundivas (reduzidas ou não) existentes nele.

Acerca das orações encontradas em nosso corpus, comecemos por exemplificar as não-adverbiais:

Coordenada Assindética

Eu após a operação ENGORDEI terrivelmente... tendo agora que:::: diminuir o peso e/é tudo light... margarina light... éh/essas carnes que eu te falei do feijão eu estou diminuindo (...) (Oc-B-9C-2F-001)

Coordenada Sindética

Ao que parece, não achou em todo o ministerio docilidade bastante para lhe servir de instrumento. Decompondo-o e recompondo-o, esperava achar mais facilidade. (E-P-82-Je-001)

Adjetiva

Esta conta, tendo o limite de | Rs. 30:000$000, vence o juro na– | nual de 412%, sendo as retira– | das livres de aviso. (E-B-92-Ja-013)

F Como qualidade permanente.

A visita do Presidente da República ao Nordeste, em um quadro tão diverso daquele que, apenas há algumas semanas, ali existia, com o espantalho da seca inquietando as populações e milhares de sertanejos prestes a enfrentarem, pela prolongada falta de chuvas, as incertezas de uma migração compulsória, (...) (E-B-94-Je-002)

F Como qualidade passageira.

Dentre as orações adverbiais previstas pelas gramáticas tradicionais, encontramos exemplos de todos os casos. São eles:

Causal

A maioria das pessoas mora FORA do centro ... atualmente se constróem alguns edifícios procurando atrair gente para morar no centro não sei a razão ... mas... o tráfego é pesado no final da TARDE ... (Oc-B-70-1F-002)

Concessiva

(...) eu tenho o costume de me dirigir às pessoas normalmente por senhor... ou quando é mulher eu digo: ô mocinha! tudo bem? como vai você? mesmo sendo pessoa conhecida e... mas normalmente eu chamo de senhor/senhora... (Oc-B-9C-1M-001)

Condicional

Os passageiros deverão tomar os seus bilhetes na estação da companhia na vespera da partida até ás 10 horas da manhã, fazenda ((SIC)) conduzir para ali as suas bagagens, cuja conducção ficará a cargo da companhia querendo o passageiro. (E-P-82-Ja-007)

Consecutiva

Apesar deste tipo de oração reduzida de gerúndio ser admitida somente por BECHARA (2001), a incluímos ainda nessa seção das orações “contempladas pelas gramáticas tradicionais”.

(...) n'um percurso de algumas dezenas de metros precipitam-se ainda as aguas em corrente impetuosa, favorecida pelo rapido declive do leito, formando multiplicadas catadupas, em consequencia do avultado numero e da grandeza dos penedos, que encontram na sua passagem. (E-P-83-Jn-003)

Modal

Só que no dia em que eu fui lá ela estava verde. Eu juro. Morrerei dizendo que ela estava verde. Todo mundo diz, todo mundo diz que ela nunca fica verde mas no dia que eu fui lá ela estava verde. (Oc-B-70-3F-001)

Temporal

Entrando na parte politica da sua dissertação, o orador, após considerações em que equacionou sistemas e métodos, disse: (...) (E-P-93-Jn-006)

Quanto às orações que não são mencionadas nas gramáticas consultadas, observamos ocorrências de:

Comparativa

(...) acho que hoje as crianças... de classes médias se divertem muito mais com... com videogames... coisas desse tipo... do que... jogando futebol na rua... agora a... situação da rua hoje... também está completamente diferente da situação da rua quando eu era criança... (...) (Oc-B-9C-1M-002)

Final

DOC – por quê?

LOC – porque eu tenho assinatura ((riso))... aí passa os jogos na televisão... entendeu aí eu... fico em casa... assisto a –– fiquei muito comodista –– eu ia MUIto... muito ao Maracanã... TOdo final de semana eu tava no Maracanã... vendo jogo mas agora os ((ininteligível)) (sei lá) num tô: (com mais) aquele pique não... (Oc-B-9C-2M-002)

Predicativa

LOC – Ah... sim... bom... porque antigamente a princípio é tempo mítico né... a gente não sabe exatamente como é... bom... com relação a minha... infância... na minha juventude... na minha... na minha infância eu me divertia sobretudo brincando... né... a diversão era essa... e aí era jogando futebol... (Oc-B-9C-1M-002)

Objetiva

Nos exemplos abaixo, observamos que não há qualquer conector (ou nexo subordinativo) entre o verbo da oração principal e o gerúndio. O que há em todos os casos é a presença do sujeito, o que não nos impede de chamá-las orações reduzidas.

Dentro da cidade, nossa! tem muitos castelos, templos, antigos e você entra assim aquela aquela calma de jardim japonês, que você só vê assim pássaro, água caindo, escuta vento, então isso eu acho, eu acho demais, eu acho a cultura japonesa... (Oc-B-9C-1F-001)

F Ver [ALGO] > Ver [água caindo].

Os resultados gerais obtidos em nossa pesquisa podem ser observados na tabela abaixo:

Tipo de Oração

nº de orações

% de orações

Absoluta (independente)

31

7,6 %

Coordenada assindética

148

36,3 %

Coordenada sindética

20

4,9 %

Adjetiva

75

18,4 %

Causal

20

4,9 %

Comparativa

1

0,24 %

Concessiva

9

2,2 %

Condicional

13

3,1 %

Consecutiva

5

1,2 %

Final

1

0,24 %

Modal

39

9,5 %

Objetiva (dir. e indir.)

6

1,4 %

Predicativa

4

0,98 %

Principal

19

4,6 %

Temporal

12

2,9 %

TOTAL

417

100 %

Tabela 1: Quantificação das orações em gerúndio nos corpora escrito e oral

Considerações acerca das orações modais:

Como já vimos na seção que tratou dos pressupostos teóricos deste trabalho, dentre as cinco gramáticas consultadas apenas quatro admitem a existência das orações adverbiais modais. Desses quatro, apenas três o fazem “explicitamente”, pois BECHARA (2001) não chega a afirmar que as modais constituem um tipo de oração. Antes, ele as chama de “oração que denota modo, meio, instrumento”. Seus exemplos, inclusive, são extraídos integralmente de Sintaxe Histórica Portuguesa, de Epifânio Dias (1970). Não há em BECHARA (2001) qualquer informação sobre que critérios seguir para identificar uma oração como “denotadora de modo, meio, instrumento”.

Já em ROCHA LIMA (2002) observamos a proposta “explícita” da nomenclatura “orações adverbiais modais”. O autor começa até mesmo dizendo que “o modo (juntamente com o tempo e o lugar) é a mais fundamental das circunstâncias”. Acrescenta ainda que, por não existirem conjunções modais, “no plano do período composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a forma de oração reduzida (de gerúndio)”.

Adriano da Gama KURY (2004), ao tratar das orações adverbiais de modo, diz que “equivalem a um adjunto adverbial de modo. Exprimem a maneira, o meio pelo qual se realiza o fato enunciado na oração principal”. KURY (2004) destaca o fato de a Nomenclatura Gramatical Brasileira não incluir as orações modais em sua classificação e, com isso, lista as possíveis interpretações dadas a essas orações na falta da nomenclatura MODAIS. Kury mostra como essas orações se diluem pelas outras orações contempladas pela NGB. Seriam elas:

1. As comparativas

Geralmente aquelas iniciadas pela conjunção como com o valor de tal qual, assim como, do mesmo modo que, como em:

“Eu deixo a vida como deixa o tédio / Do deserto o poento caminheiro”

2. As conformativas

As iniciadas por como com a significação de conforme, segundo, consoante:

“A voz dela, como dizia o pai, era muito mimosa.”

3. As consecutivas

Em geral as que começam com as locuções de modo que, de sorte que, de forma que:

“Todos estavam exaustos, de modo que se recolheram logo”.

4. As concessivas

Em alguns casos, as que se iniciam com a “locução sem que, sinônimo de embora não, ainda que não”:

“Todos os dias vêm ao mundo marrecos, perus e pintos sem que isso ponha comichões na pena dos novelistas.”

Kury menciona, ainda, que, em alguns casos, é possível rotular determinada oração de valor modal como uma das quatro acima. Em outros casos, porém, é impossível não lançar mão da nomenclatura MODAL, podendo ser, quando reduzidas, de infinitivo ou de gerúndio.

Quanto às orações modais reduzidas de gerúndio, já citamos KURY (2004) nas seções anteriores. O autor critica ainda mais a NGB por não considerar as adverbiais modais reduzidas de gerúndio, uma vez que freqüentemente essa forma nominal exprime modo ou meio. Retomando o argumento alegado por aqueles que não assumem a existência das modais de que essas construções seriam meramente adjuntos adverbiais de modo por continuarem com o mesmo valor de ablativo latino, Kury afirma que a análise sintática é estrutural e não histórica. Para ele, assim como se admite a existência de orações adverbiais causais, por exemplo, porque exercem a função de causa no período, as modais também devem ser aceitas por exercerem a função de adjunto adverbial de modo em forma oracional (ou seja, possuindo um verbo que compõe predicado).

Em LUFT (1971) temos a seguinte definição para as modais: “exprimem ‘modo’, maneira”. Diferentemente de ROCHA LIMA (2002), LUFT (1971) mostra haver modais desenvolvidas, que se ligam através de como, qual, assim, bem como, sem que etc. Quanto às modais reduzidas, LUFT (1971) afirma existirem as de infinitivo e as de gerúndio:

“Caminhou sem fazer qualquer ruído.”

“Rosnava mostrando os dentes.

Ainda em LUFT (1971), vemos uma nota acerca das orações adverbiais modais que diz:

Estamos de acordo com Gama Kury: fazem falta na NGB. Há advérbios de modo, adjuntos adverbiais de modo – mas não se registram as respectivas orações. O que é uma oração adverbial modal senão um adjunto adverbial de modo com predicado, um adjunto oracional? De certo o intento foi o de simplificar; mas aqui a simplificação não nos parece ter sido feliz.

Então como diferenciar orações modais de conformativas, comparativas, consecutivas e concessivas? Em alguns casos a própria oração permite leitura ambígua, como em:

“O mundo acerta seus ponteiros olhando o relógio x.

A depender da interpretação semântica, a oração destacada acima pode ser classificadas como subordinada adverbial temporal, condicional, proporcional, modal...

Recorrendo à abordagem funcional de DECAT, observamos que, algumas vezes, a decisão sobre qual inferência é predominante “só será possível no nível do discurso, para o que a análise tradicional é, portanto, insuficiente”. Assim, faz-se necessário não apenas o uso de critérios estruturais, mas também o de estratégias semântico-discursivas.

Uma estratégia desse gênero seria, por exemplo, quando possível, tentar substituir a oração reduzida por uma desenvolvida com o conector prototípico de determinado tipo de oração. Exemplo:

Em gavetas e armários, | como também em baixo | de móveis, é melhor usar | Neocid em Pó, que ma– | ta baratas por muitas se – | manas, deixando-se o pó | nos lugares tratados. (E-B-93-Ja-005)

Como saber se a oração destacada acima se refere, por exemplo, ao modo como o pó deve ser deixado ou à circunstância que o mesmo deve ser deixado. Podemos tentar desenvolvê-la em: “(...) se deixares o pó nos lugares tratamos”. A partir dessa substituição, podemos dizer que a oração acima é uma adverbial condicional, pois denota a idéia de que o pó é capaz de matar baratas por muito tempo “se e somente se” for deixado nos lugares tratados.

Mas, conforme diz DECAT “nem sempre será possível achar-se uma correspondência entre cláusula reduzida-cláusula desenvolvida que seja a expressão exata do significado da construção, da mesma forma como nem sempre a uma cláusula adverbial corresponde um advérbio”. Além disso,

Uma mesma configuração externa pode levar a enganos de interpretação sobre a relação mantida pela cláusula reduzida. (...) Evidencia-se, portanto, uma vez mais, a relevância de uma abordagem baseada nas proposições implícitas à articulação das cláusulas, que dará conta não só dos casos claros, como também daqueles que se apresentarem duvidosos. (DECAT)

Há ainda muito que fazer no campo da descrição das orações subordinadas adverbiais em Língua Portuguesa. Observamos, nesse trabalho, não haver sistematicidade e critérios claros na definição da classificação das orações modais. Pesquisas e leituras futuras far-se-ão necessárias para melhor delimitação desse objeto de estudo.

Conclusão

Através deste trabalho, conferimos que há divergência entre a descrição das gramáticas tradicionais e o uso efetivo da língua no que diz respeito às orações reduzidas de gerúndio. Além das orações já previstas pelas gramáticas consultadas nessa pesquisa, constatamos haver, ainda, pelo menos mais quatro tipos de orações reduzidas de gerúndio, em especial na língua falada: as adverbiais comparativa, final, predicativa e a substantiva objetiva direta.

Finalmente, checamos não haver sistematização e clareza na classificação das orações adverbiais modais. Fica a importância de utilizar não apenas critérios estruturais, mas também textual-discursivos. Os resultados nos levam a confirmar o quanto ainda precisa ser feito no campo da descrição das orações adverbiais em Língua Portuguesa. Pretende-se, em pesquisas próximas, ampliar o corpus utilizado e aprofundar os estudos sobre o estabelecimento de critérios para a descrição de tais orações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Afrânio Gonçalves. Para uma história do português colonial: Aspectos Lingüísticos em Cartas de Comércio. Tese de doutoramento, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 1999.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

BRANDÃO, Sílvia Figueiredo, MOTA, Maria Antónia Ramos Coelho da et alii. Projeto de Cooperação Internacional Brasil Portugal CAPES / ICCTI nº 63/00 www.letras.ufrj.br/varport, 2002.

DECAT, Maria Beatriz Nascimento, SARAIVA, Maria Elizabeth Fonseca, BITTENCOURT, Vanda de Oliveira & LIBERATO, Yara Goulart. Aspectos da gramática do português – uma abordagem funcionalista. Mercado de Letras. [s/d.?].

KURY, Adriano da Gama. Novas lições de português pela análise sintática. 9ª ed. São Paulo: Ática, 2004.

LUFT, Celso Pedro. Gramática resumida. 2ª ed. Porto Alegre: Globo, 1971.

MOTHÉ, Núbia Graciella Mendes. “A variação histórica entre a forma nominal gerúndio e o infinitivo gerundivo: o português brasileiro e o português europeu em contraste”. In: Revista inicia. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras / UFRJ, 2004.

LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 42ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

 

 

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