MORFOSSINTAXE DO COMO
NA
Ivo da Costa do Rosário (UFF e UFRJ)
INTRODUÇÃO
A pesquisa que ora apresentamos tem por objetivo analisar as realizações do como tanto em sua forma simples[1] quanto na correlata[2] e composta[3], na linguagem culta padrão do Português do Brasil atual, a partir de três gêneros textuais específicos: editorial, notícia e anúncio. Haverá a preocupação constante em realizar um trabalho de base qualitativa, sincrônica e funcional. Para isso, embasamos nossa visão analítica em três autores: Ayora (1991), Moura Neves (2000) e Mateus et alii (2003).
A reunião dos postulados teóricos adotados por esses autores estabelecerá as diretrizes de nossa pesquisa, ou seja, fundamentará teoricamente a análise dos usos e funções do como em suas inúmeras e diferentes realizações.
Nossa hipótese principal é a de que o como abarca uma série de usos diferenciados no âmbito da Sintaxe do Português. Além de ser um termo altamente polissêmico, apresenta-se ainda vigoroso e produtivo na variedade brasileira do Português, conforme já foi atestado por alguns gramáticos.
Sem a pretensão de concluirmos definitivamente as discussões acerca do assunto, pretendemos ao final ter contribuído um pouco mais com os estudos de base descritiva em Língua Portuguesa e ter alcançado os objetivos propostos nessa introdução.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Adotamos, para esta pesquisa, o termo construção, como fez Moura Neves (2000). Esse termo de base genérica, além de incluir estruturas subordinadas, coordenadas e correlatas, abrange também estruturas não-oracionais, facilita a descrição da língua e nos previne de outro ponto extremamente delicado no âmbito da sintaxe portuguesa: a questão da elipse verbal.
O tratamento dado às conjunções nas mais diversas teorias lingüísticas é bastante heterogêneo e está longe de encontrar consenso entre os pesquisadores. Por isso, para nos referirmos ao como, adotaremos o termo articulador sintático, cunhado por Abreu (1994). Optamos por esse termo porque ele revela um caráter genérico, da mesma maneira como o termo construção o é.
A priori, podemos afirmar que o como ainda não encontrou em nenhuma obra pesquisada um tratamento satisfatório. Na verdade, o assunto não está sistematizado nos compêndios mais conhecidos. O que observamos são referências desencontradas e dispersas ao longo dos capítulos dedicados aos processos de estruturação sintática e no capítulo dedicado às conjunções (e às vezes, entre os advérbios e preposições acidentais), como mais um exemplo entre outros.
Ayora (1991: 7), em obra especializada sobre o assunto, após comentar o uso do como em orações exclamativas e interrogativas, relaciona e analisa as oito orações em que se verificam usos do como, na língua espanhola. São elas: orações comparativas, modais, temporais, causais, enunciativas indiretas, finais, condicionais e concessivas.
Especialmente no capítulo dedicado às construções modais, o autor revela contribuições ímpares ainda não encontradas em língua portuguesa (pelo menos nos compêndios analisados, que somam diversas linhas teóricas de investigação lingüística).
Passemos a analisar mais detidamente as construções em que se verifica o uso do como. No próximo capítulo, para cada uma das seis primeiras construções será apresentado, quando oportuno, o tratamento dado ao assunto pelos três autores que subsidiarão nossa pesquisa: Ayora (1991), Mateus et alii (2003) e Moura Neves (2000).
USOS E FUNÇÕES DO COMO
Num universo de 50 textos, foram encontradas 60 ocorrências do como. Vejamos o quadro abaixo:
|
FORMA SIMPLES |
FORMA |
FORMA |
TOTAL |
ANÚNCIOS |
11 |
01 |
- |
12 |
EDITORIAIS |
21 |
03 |
03 |
27 |
NOTÍCIAS |
18 |
01 |
02 |
21 |
TOTAL |
50 |
05 |
05 |
60 |
A análise do quadro acima aponta para um uso maciço do como em sua forma simples, ou seja, 83% das ocorrências do como ocorre sem outras partículas que o acompanham. As outras ocorrências envolvendo o como, conforme podemos verificar, são bem menos freqüentes.
Esse fato pode ser explicado através de um motivo relativamente simples: o como, em sua forma composta ou correlata, não serve como articular sintático prototípico de nenhuma construção. Em contrapartida, a forma simples é a mais utilizada para expressar a circunstância de modo e a comparação.
Podemos assim classificar e quantificar as ocorrências do como e seus correlatos:
O como
|
MODAL |
ADITIVO |
COMPA |
CONFOR |
CAUSAL |
OUTROS |
TOTAL |
ANÚNCIOS |
05 |
01 |
02 |
03 |
01 |
- |
12 |
EDITORIAIS |
13 |
04 |
02 |
06 |
02 |
- |
27 |
NOTÍCIAS |
16 |
03 |
01 |
01 |
- |
- |
21 |
TOTAL |
34 |
08 |
05 |
10 |
03 |
- |
60 |
O quadro acima nos permite afirmar que o como é mais utilizado em seu valor modal. Uma das razões para esse resultado, provavelmente, se deve à amplitude com a qual abordamos as construções modais. Vejamos cada construção em particular:
Nas construções aditivas
Segundo Mateus et alii (2003: 565), que opta por uma distinção entre conjunção e conector, “as conjunções coordenativas, simples ou correlativas, são usualmente classificadas em termos do nexo semântico que prototipicamente veiculam. (...) Elas podem ser copulativas, disjuntivas e adversativas”.
Entre as copulativas (ou aditivas), que apresentam sentido básico de adição, as autoras listam como copulativas simples e e nem; e entre as expressões correlativas copulativas, não só... mas também, não só... como, tanto... como.
Ayora (1991: 27) reconhece um matiz comparativo de igualdade nas construções com tanto... como, uma vez que o par correlativo não serve apenas para comparar pessoas ou circunstâncias, mas também para somar um ao outro. O autor afirma que nesses casos, podemos reconhecer que há a soma de membros que possuem idêntica qualidade ou que se encontram em iguais circunstâncias. A principal característica desse par aditivo é que ele pode ser substituído pelo articulador sintático prototípico da adição: e. Vejamos nos dados:
(01) A seguir, Prestes disse que falta atacar os problemas de fundo, que, a seu ver, não apenas persistiram ao longo de 15 anos de ditadura, como se agravaram. – NOT 7 – Jornal do Brasil – 20/10/79. (correlativa)
(02) "Volto a insistir" – declarou – que o essencial é a conquista das liberdades democráticas, bem como a organização da união de forças da Oposição contra as manobras divisionistas da ditadura, porque a divisão é o objetivo real da chamada reformulação dos Partidos. – NOT 7 – Jornal do Brasil – 20/10/79. (não-correlativa)
Nas construções comparativas
O tratamento dado às estruturas comparativas no âmbito da GT nem sempre é homogêneo, o que pode ocasionar incompreensões teóricas. Por exemplo, entre as gramáticas normativas brasileiras, as comparativas são tratadas ora como subordinadas adverbiais, ora como correlatas ou ainda como subordinadas correlatas.
O traço essencial da construção comparativa é a existência de um elemento comum aos dois membros comparados. Esse elemento pode estar sendo comparado ao outro em igualdade ou desigualdade (superioridade ou inferioridade). Vejamos:
(03) É como o gênio da lâmpada: você passa a mão e seu pedido é atendido imediatamente. Crediário Automático Banerj – ANU 22 – O Globo – 11/12/98
(04) Simples e rápido como um passe de mágica. Estamos falando do Crediário Automático Banerj. – ANU 22 – O Globo – 11/12/98
Ayora (1991: 15) propõe uma diferença entre comparação de igualdade e comparação de similitude. Segundo o autor, tanto nas comparativas de igualdade quanto nas comparativas de similitude se dá a comparação. Entretanto, há uma diferença: nas primeiras, observa-se uma semelhança relativa; já na segunda, há uma semelhança mais absoluta. Não faremos essa distinção (comparação x similitude), pois achamos supérflua, uma vez que cria mais especificações para a descrição lingüística.
De um modo geral, nenhum teórico, com exceção de Ayora (1991: 35) definiu casos de construções comparativas de superioridade com o uso do como. De acordo com o autor, podemos reconhecer uma comparativa de superioridade na seguinte estrutura:
VERBO + COMO + NENHUM(A)/NINGUÉM/NADA |
Vejamos alguns exemplos:
(05) Eles, como ninguém outro, têm sofrido muito a morte da mãe.
(06) Joana, como nenhuma outra mulher fez, correu 30 km para buscar seus.
Nesses casos, a seqüência tem sido considerada como comparativa de superioridade por ser substituível pela forma mais que. Ayora (1991: 36) ainda acrescenta uma outra expressão que pode aparecer em comparativas de superioridade. Vejamos:
(07) Eu vejo que ele considera os fatos mais como um desastre do que como uma forma de crescimento.
Na comparativa hipotética
Segundo Mateus et alii (2003: 753), “as comparativas-condicionais são introduzidas pelo conector como se, de valor simultaneamente comparativo e condicional”. Essa construção dá origem a uma comparação hipotética. Vejamos:
(08) As meninas dão-se como se se conhecessem há muito tempo.
(09) Ela conduz como se a rua fosse dela.
Ayora (1991: 47) é ainda mais explícito ao afirmar que “a expressão conjuntiva como se estabelece uma comparação baseada na modalidade com que se cumprem duas ações verbais: uma real e outra hipotética”. Na formulação dessa estrutura hipotética, utiliza-se preferencialmente o modo subjuntivo, justamente por ser esse o modo mais prototípico para a expressão de hipótese.
Nas construções conformativas
Segundo Moura Neves (2000), as construções conformativas expressam um fato que se dá em conformidade com o que é expresso na oração principal. São prototipicamente iniciadas pelo articulador sintático conforme; entretanto, também podem ser iniciadas por consoante, segundo e como:
(10) Como você vê, coragem, superação, pioneirismo e trabalho fazem parte do dia-a-dia do Bradesco. – ANU 15 – O Globo – 15/09/98.
Freqüentemente há dúvidas quanto à diferenciação entre orações comparativas e conformativas iniciadas pelo como. Segundo Mateus et alii (2003: 762), “ao contrário das orações comparativas, as conformativas são deslocáveis, podem ser objeto de clivagem e são adjuntos”. Elas acrescentam ainda que a partícula tal pode co-ocorrer com qual e como nessas orações. Essa co-ocorrência é impossível com os outros articuladores sintáticos conformativos.
Nas construções causais
As construções causais com o como tem o valor pragmático de oferecer uma explicação acerca da informação presente na oração subordinante. Moura Neves (2000: 802) arrola ao lado do prototípico porque o articulador sintático como. Vejamos:
(11) Como nada é de graça, quem paga a conta? – ANU 8 – O Globo – 09/09/98.
De acordo com Moura Neves (2000: 810), “as orações (causais) com como são sempre antepostas”. Decat (2001: 142) também concorda com Neves, ao afirmar que “a ocorrência de motivo[4] na margem esquerda, isto é, anteposta, pode estar servindo à organização do discurso, no sentido de antecipar ao ouvinte/leitor algo sobre a mensagem contida no núcleo”.
Ayora (1991: 92) também assume a mesma posição ao se referir às orações causais que utilizam o modo indicativo do verbo. Segundo o autor, “COMO aparece sempre encabeçando a oração, o que significa que a proposição subordinada causal se antecipa à principal, e não é normal que se inverta essa ordem”.
Já o articulador sintático visto como pode tanto iniciar orações causais pospostas como antepostas. E cita como exemplos:
(12) Visto como não tinha podido organizar nenhuma resistência, o batalhão embarcaria no dia seguinte.
(13) O batalhão embarcaria no dia seguinte, visto como não tinha podido organizar nenhuma resistência.
As orações causais têm, em geral, o verbo no indicativo, já que este é o modo votado para expressar causa. Entretanto, também é possível encontrarmos o articulador sintático causal como no modo subjuntivo:
(14) Como Sérgio nada dissesse, procurou se despedir.
(15) Como Sílvio esboçasse o movimento de se erguer, Ângela fez sinal para que se detivesse.
Nas construções modais
As orações modais não são contempladas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira. Por esse motivo, são poucos os gramáticos que incluem esse tipo de oração em seus trabalhos. Quando a incluem, o fazem de maneira muito diversificada.
Segundo Ayora (1991: 09), “o valor fundamental que tem a forma como é o modal”. Entretanto, ainda segundo o autor, há freqüente confusão entre os valores comparativo e modal da forma como. Essa afirmação é corroborada por Rodrigues (1999: 5), ao analisar o seguinte exemplo extraído de seu corpus de análise:
(16) Vê-se como é fácil azeitar os canhões e partir para a guerra.
Segundo análise da autora, sabe-se que sintaticamente a oração acima deve ser considerada substantiva; entretanto, a idéia expressa por ela é de modo, o que é reforçado pela presença do articulador sintático como. De fato, os limites entre as modais e diversas outras orações são muito tênues. Como o exemplo acima expressa claramente uma circunstância de modo, em nossa pesquisa, ela deverá ser considerada modal.
Moura Neves faz uma rápida menção às orações modais. Segundo a autora (2000: 929), “não é muito usual a expressão de relação adverbial modal por meio de uma oração. Ela se faz especialmente com sem que, e com verbo no subjuntivo (20) Mais raramente usa-se a conjunção como, que conserva um matiz conformativo. O modo verbal é o indicativo (21)”:
(17) Os momentos passaram, todavia, sem que lograsse coordenar um só pensamento.
(18) Se continuarei a enganar Carlos, como o fiz nesse primeiro momento de reencontro carnal, não sei.
Os autores pesquisados, mesmo os mais modernos, apresentam contribuições muito limitadas para a descrição das construções modais. Pela complexidade do assunto e pelas fronteiras não bem demarcadas que lhes são características, o assunto merecia ter uma descrição mais pormenorizada. Para esse tópico tão relevante, utilizaremos a análise de Ayora (1991), que apresenta um estudo detalhado sobre o assunto.
Segundo o autor supracitado, a estrutura característica de uma expressão modal é a seguinte:
COMO + SN (+ QUE + SER) |
Vejamos alguns exemplos adaptados de Ayora (1991: 59), e logo em seguida, alguns usos especiais do como em função modal:
(19) Como professor e como prefeito (que sou), eu recebi uma lição.
(20) Essa é a minha opinião como professor universitário e como pessoa.
Como em lexias variáveis.
Ayora (1991: 60) denomina lexias variáveis o conjunto de palavras que tem como núcleo um verbo, que através do como, se conecta a um substantivo, surgindo, portanto, a seguinte estrutura:
VERBO + COMO + SN |
(21) A reconstrução da Democracia não se faz com varinha de condão, e a transição por sua própria natureza versátil e adaptadora, deve ter como princípio e fim o fortalecimento das organizações partidárias (...). EDIT 3 – O Fluminense – 16/10/87.
Essas expressões são bastante numerosas na língua: toma como base, tem como suporte, tem como tema etc. A todas elas, seguindo a orientação de Ayora, conferiremos um valor modal.
Como com valor de exemplificação.
Segundo Ayora (1991: 53), a forma como assume o valor semântico de “exemplificação” em todos aqueles casos nos quais esta palavra serve para concretizar, enumerar, citar ou pontuar a extensão semântica do sintagma nominal que o precede.
Vejamos alguns exemplos adaptados para esta pesquisa:
(22) SPEED LABEL é própria para equipamentos que trabalham em alta velocidade e temperatura, como copiadoras e impressoras Laser ou Ink Jet. ANU 9 – O Globo – 09/09/98.
Segundo Ayora (1991:54), em todos os casos em que aparece o como exemplificador, este elemento poderá ser precedido pela palavra tais (no plural) ou ser acompanhado pela expressão por exemplo. Em alguns casos, a exemplificação com como poderá apresentar a seguinte estrutura: SN + COMO + verbo ser (3ª pessoa do singular/plural do presente do indicativo), verbo que pode estar elíptico. Vejamos:
(23) Frente a adversários como (são) a China e Cuba, o Brasil não terá forças para suportar o campeonato.
Outra variação desta expressão de exemplificação é a estrutura como é o caso de, como podemos verificar no seguinte exemplo:
(24) Há línguas extremamente difíceis de se aprender, como é o caso do árabe.
Segundo Gómez Torrego (1985: 118), esse uso exemplificador do como deve ser considerado modal. Essa postura também será adotada nesta pesquisa.
Há ainda outro uso em que o como, nas expressões correlativas tanto...como e tão...como, assume o papel de exemplificador modal. Vejamos:
(25) Hal Hashley, realizador de filmes de tanto êxito crítico e comercial como “O último dever”, deve estrelar agora em Hollywood.
(26) Fernando Pessoa, autor de obras literárias com tanto mérito como “Mensagem” continua vigoroso nos estudos de hoje em dia.
Formas de recorrência semântica
Em numerosos textos pesquisados por Ayora (1991), foram detectadas algumas ocorrências das formas como e tal como constituindo uma repetição exata ou aproximada de um texto anterior ou ainda uma retomada de algo que é supostamente conhecido para a pessoa para a qual se dirige a mensagem. A essas expressões, utilizadas com essa função, o autor chamou de “formas de recorrência semântica”. Vejamos:
(27) Se continuarem a tentar esquecer casos como esse, o regime vai ter que aprender a conviver com esses "fantasmas" ou então chamar a Polícia para apurar tudo direitinho, como[5] sugeriu o Ministro. EDIT 4 – O Dia – 16/10/88.
Araus (1985: 240) fala em “concatenação de referência” para se referir ao mesmo fenômeno estudado acima. Ayora (1991: 67) acrescenta que as expressões como se sabe, como se tem dito, entre outras, poderiam também ser incluídas sob o mesmo rótulo das formas de recorrência semântica. Vejamos:
(28) Como se sabe, todos os políticos têm salários muito altos.
(29) Veremos muito mais falcatruas, como se tem dito nos bastidores.
(30) Como é público e notório seremos ainda mais massacrados pela política interna.
Todas essas expressões listadas acima (e suas variantes) são consideradas construções de recorrência semântica de caráter modal. Servem, especialmente, como uma forma coesiva de retomar uma situação comunicativa anterior e também, muitas vezes, funciona como uma maneira de se buscar a concordância do interlocutor acerca do assunto tratado.
Repetição enfática
Segundo Ayora (1991: 61), a repetição enfática “é uma repetição não-necessária, cujo único objetivo é dar maior ênfase ou importância à mensagem comunicada”. A estrutura da repetição enfática é a seguinte:
VERBO + COMO + VERBO |
(31) Insistimos que isso é algo que não se pode descartando estando as coisas como estão.
(32) Cantando como cantam, as pessoas irão embora.
Com valor modal atributivo ou predicativo
Segundo Ayora (1991: 73), o como com valor modal atributivo ou predicativo é muito freqüente em espanhol. Acreditamos que sua produtividade também seja bastante alta em português. Neste uso específico, o como pode ser substituído pela expressão em forma de. Possui uma das seguintes estruturas:
VERBO + SN1 (objeto direto) + COMO + SN2 ou SN1 (sujeito) + VERBO + COMO + SN2 |
Nessa estrutura, o significado de um sintagma nominal é definido ou interpretado segundo o significado do outro SN. Temos, assim, um SN ligado ao verbo e outro SN ligado ao como, conforme atesta o quadro acima.
(33) “a Federação das Indústrias do Estado da Guanabara (FIEGA) entrega ao Governo federal um estudo e anteprojeto de lei complementar, sugerindo a medida como um remédio para a estagnação industrial do Estado-município”. – NOT 1 – Jornal do Brasil – 15/03/75.
Na interrogação modal direta e indireta.
O como assume a função de advérbio interrogativo na interrogação modal direta e indireta. Vejamos:
(34) O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM (...) como foi encontrado o carro do sargento e rebocado e como pode um oficial não conhecer um sargento pelo nome, se trabalham juntos. – NOT 13 – Jornal do Brasil – 03/10/81. interrogativa indireta)
(35) Se a Arena não é capaz de debater e escolher sua direção, como admitir-se que tenha vigor para competir com espírito ardente, sob um comando pleno de representatividade, em suas relações com o Poder e com o eleitorado? – EDIT 1 – Jornal do Brasil – 11/08/75 (interrogativa direta)
Segundo Moura Neves (2000: 333), “há orações que equivalem a um sintagma nominal, e que são, por isso, tradicionalmente chamadas orações substantivas”. Além de essas construções poderem ser introduzidas por uma conjunção integrante (especialmente o que e o se), podem, quanto ao modo de conexão, virem justapostas, iniciando-se por palavras interrogativas ou exclamativas. Nestes casos, os verbos podem estar na forma finita ou infinita. Vejamos:
(36) Diz como aconteceu a desgraça.
(37) Ensinara aos pequenos como preparar alguns refrescos de frutas.
Os usos apresentados por Moura Neves são similares aos de Ayora. Preferimos, entretanto, adotar a classificação proposta por este último, por ser mais simples do ponto de vista descritivo.
Nas orações exclamativas
Por fim, o como também costuma aparecer em orações exclamativas. Esse uso também é considerado modal por Ayora (1991: 87). Cremos que este também seja um uso bastante produtivo, especialmente na fala espontânea, que é matizada pela emoção. Vejamos:
(38) Nós sabemos como você se sente confusos com tantas tecnologias diferentes prometendo a última palavra em celular[6]. – ANU 6 – o Globo – 06/09/98.
Em outras construções
Rodrigues (1999: 5), ao pesquisar o Jornal do Brasil, num período de 13 dias, em 1997, encontrou um exemplo do como, utilizado na função de articulador sintático de tempo. Vejamos:
(39) O Presidente Fernando Henrique Cardoso participou de todo o processo como ministro de Exterior e foi protagonista da criação da CPLP, nos atos do ano passado no Convento dos Jerônimos, em Lisboa.
Segundo a autora, nesse exemplo, a forma como parece assumir o valor de quando, sentido esse que está em desuso, já que era bem mais freqüente no passado.
Quanto às construções modais, verificamos que o como foi utilizado maciçamente com valor atributivo ou predicativo. Contamos 11 ocorrências do referido articulador sintático com essa conotação, o que equivale a um terço de toda as construções modais.
Curiosamente, esse uso do como é muito mal explorado pelas nossas gramáticas normativas. Na verdade, só podemos encontrar algumas observações acerca deste uso em poucos autores, entre eles Bechara, quando este fala no aposto circunstancial. Mesmo assim, parece não se tratar do mesmo uso verificado em nosso corpus.
(40) As estrelas, como grandes olhos curiosos, espreitavam através da folhagem.
CONCLUSÃO
Após analisar as várias realizações do como na língua espanhola, Ayora chegou à conclusão mais geral que o elemento como, por si só, não é marcador de nenhum significado concreto. Ele precisa relacionar-se com outros elementos gramaticais e formar com eles determinadas estruturas sintáticas que, de acordo com o contexto lingüístico ou a situação comunicativa, tornam possível a aparição dos diversos significados. Essa também é a conclusão geral a que chegamos.
Diante da língua viva, em sua modalidade escrita, percebemos a necessidade de reavaliarmos nossas posições teóricas e paulatinamente reconstruirmos novos paradigmas, já que o corpus, devidamente analisado, revelou usos ainda não catalogados pela maioria de nossas gramáticas.
Como pudemos verificar com clareza, os usos do como, principalmente com função modal, são extremamente produtivos em língua portuguesa. Apesar de este ser o uso mais freqüente, quase não encontramos bibliografia suficiente sobre o assunto em nosso meio acadêmico (principalmente entre os autores tradicionais).
Nossa hipótese, portanto, foi comprovada. De fato, o como é um termo altamente polissêmico e produtivo. Carece, todavia, de uma melhor descrição, já que são ínfimas e contraditórias as abordagens dadas ao assunto.
Como ficou exposto na introdução, não foi nosso objetivo concluir definitivamente as discussões acerca do assunto, entretanto, esperamos ter contribuído um pouco mais com os estudos de base descritiva desenvolvidos em nosso vernáculo.
Por fim, da mesma forma como reconhecemos e ressaltamos o limite da pesquisa realizada, também enfatizamos a importância da continuidade deste estudo, bem como a necessidade de realização de outros que a este se somem, para que uma documentação atualizada de nossa realidade lingüística possa orientar o processo de ensino e aprendizagem da modalidade culta contemporânea de nossa língua portuguesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Antônio Suarez. Curso de redação. São Paulo: Ática, 1994.
ARAUS, M. L. Gutierrez. Estructuras sintácticas del español actual. Madrid: SGEL, 1985.
AYORA, Antonio Moreno. Sintaxis y Semântica de como. Málaga: Ágora, 1991.
AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
CASTILHO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2004.
DECAT, M. B. et alii (org.) Aspectos da gramática do português: uma abordagem funcionalista. Campinas: Mercado das Letras, 2001.
MATEUS, Maria Helena et alii. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2003.
MOURA NEVES, Maria Helena de. Gramática de usos do Português. São Paulo: UNESP, 2000.
PERINI, Mário. Gramática descritiva do Português. São Paulo: Ática, 2000.
RODRIGUES, Violeta Virgínia. Construções comparativas: estruturas oracionais? Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2001.
––––––. O caráter polissêmico das conjunções. Rio de Janeiro, 1999.
––––––. O uso das conjunções subordinativas na língua escrita padrão. Comunicação apresentada no VIII Congresso da ASSEL – Rio. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 1998.
––––––. O uso dos articuladores sintáticos. Trabalho do curso de Doutorado em Língua Portuguesa apresentado à Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte. Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Faculdade de Letras/UFRJ, 1997.
[1] Forma simples do como: formado por uma única partícula, o próprio como.
[2] Forma correlata do como: formado por duas partículas descontínuas – tanto... como, tal... como etc.
[3] Forma composta do como: formado por duas partículas contínuas – tal como, bem como etc.
[4] Decat (1999: 122) agrupa sob o rótulo de motivo as categorias de causa, explicação, razão etc.
[5] Esse segundo articulador sintático como tem valor conformativo.
[6] Esse exemplo é polêmico, entretanto, entendemos que há uma conotação exclamativa indireta latente no como.
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