ORDEM E PAPEL
DOS CONECTORES NAS CONDICIONAIS
Danielle Gomes Nunes da Motta (UFRJ)
Vanessa Pernas Ferreira (UFRJ)
Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ)
O presente trabalho integra-se ao projeto de pesquisa “Para uma descrição da língua padrão: o uso das conjunções subordinativas”, que investiga o comportamento dos conectores no âmbito das orações subordinadas adverbiais e que ainda se encontra em desenvolvimento sob orientação da Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues.
Em tal pesquisa, usa-se o corpus do Projeto VARPORT, que é constituído de textos escritos e orais do português brasileiro e europeu, e está disponível na Internet por meio do site www.letras.ufrj.br/varport/corpora.html. O material selecionado para esse trabalho abrange textos do português escrito brasileiro e europeu, englobando o período de 1975 a 2000, e do português oral europeu e brasileiro, englobando as décadas de 70 e 90 do século XX.
Com base na análise de tal corpus, elaborou-se um quadro em que se mostram os conectores encontrados e considerados prototípicos para cada tipo de oração adverbial. Vale ressaltar que o número de dados analisados/tipos de orações adverbiais não corresponde ao número de conectores encontrados em cada uma delas, visto que os conectores com poucas ocorrências foram desconsiderados nesse momento. Portanto, privilegiaram-se os usos mais freqüentes de conectores em cada tipo de oração adverbial.
A partir da análise do Quadro I e com base no comportamento das orações adverbiais ao longo da coleta, descrição e quantificação dos dados do corpus, chamou atenção o comportamento sintático e pragmático-discursivo das condicionais, fato que determinou sua escolha para a feitura deste trabalho. Outro fator que justifica o interesse por tais orações diz respeito ao fato de Rodrigues (1999) e Santos (2003), ao trabalharem com orações subordinadas adverbiais, fazerem observações interessantes acerca das condicionais. Assim, com este trabalho pretende-se investigar a relação entre o emprego dos conectores condicionais e a mobilidade posicional das orações condicionais em contextos comunicativos e efetivos de uso.
Quadro I: uso de conectores por tipo de adverbial
Tipos de adverbiais |
Número de dados |
Conector prototípico |
1. Finais |
173 |
Para (106) |
2. Temporais |
295 |
Quando (228) |
3. Causais |
140 |
Porque (115) |
4. Condicionais |
154 |
Se (101) |
5. Comparativas |
53 |
Mais...do que (11) Como (11) |
6. Concessivas |
43 |
Embora (22) |
7. Conformativas |
69 |
Como (55) |
8. Modais |
17 |
Sem (5) |
9. Proporcionais |
3 |
À medida que (1) Mais que (1) Quanto mais (1) |
10. Consecutivas |
6 |
Tão que (2) Tanto que (2) |
11. Locativas |
1 |
Para (1) |
Total |
932 |
Para tal investigação, parte-se, portanto, da hipótese de que a mobilidade das orações condicionais está ligada não só a uma motivação sintática, mas também a uma motivação semântico/pragmática.
Até o momento foram coletados dados de 209 inquéritos, sendo 99 do português europeu e 110 do português brasileiro nas modalidades oral e escrita. Nessa amostra, encontraram-se ao todo 154 orações subordinadas adverbiais condicionais (conforme evidencia o Quadro I antes apresentado). Dentre as 154, foram encontradas 47 (30,52%) orações subordinadas adverbiais condicionais na modalidade oral européia e 74 (48,05%) na modalidade oral brasileira. Na escrita, foram encontradas 12 (7,79%) orações no português europeu e 21 (13,64%) orações no português brasileiro.
Ao longo da análise destas orações, procurou-se investigar se haveria uma posição preferencial para as condicionais e que aspectos condicionariam tal posição. O quadro a seguir dá conta da distribuição das condicionais no corpus analisado:
Quadro II: distribuição das condicionais no corpus analisado
Posição |
||||
Corpus |
Anteposta |
Posposta |
Intercalada |
zotsl |
Oral brasileiro |
54 (75,68%) |
13 (17,57%) |
5 (6,75%) |
74 (48,05%) |
Oral europeu |
31 (65,96%) |
9 (19,15%) |
7 (14,89%) |
47 (30,52%) |
Escrito brasileiro |
15 (71,43%) |
5 (23,81%) |
1 (4,76%) |
21 (13,64%) |
Escrito europeu |
8 (69,23%) |
3 (23,08%) |
1 (7,69%) |
12 (7,79%) |
Observando-se o Quadro II, nota-se que, em todas as amostras analisadas, o maior número de orações condicionais encontra-se na posição anteposta.
Nos quadros a seguir são apresentados os conectores encontrados no corpus de língua oral e escrita, respectivamente:
Quadro III: distribuição dos conectores pelas condicionais
Posição |
|||||
Anteposta |
Anteposta |
Posposta |
Posposta |
Total |
|
Conector |
PB |
PE |
PB |
PE |
|
SE |
56 (55,45%) |
27 (26,73%) |
11 (10,89%) |
7 (6,93%) |
101 |
DESDE QUE |
*** *** |
*** *** |
1 (50%) |
1 (50%) |
2 |
QUANDO |
1 (100%) |
** *** |
*** *** |
*** *** |
1 |
SENÃO |
*** *** |
*** *** |
1 (100%) |
*** *** |
1 |
COMO |
*** *** |
1 (100%) |
*** *** |
*** *** |
1 |
Como se pode observar pelo Quadro III, o conector mais freqüente em todas as posições é o se.
Quadro IV: distribuição do conector se nas condicionais
Posição |
|||||
Anteposta |
Anteposta |
Posposta |
Posposta |
Total |
|
Conector |
PB |
PE |
PB |
PE |
|
SE |
13 (48,75%) |
7 (25,92%) |
5 (18,52%) |
2 (7,41%) |
27 |
DESDE QUE |
*** |
*** |
*** |
*** |
*** |
QUANDO |
*** *** |
1 (100%) |
*** *** |
*** *** |
1 |
SENÃO |
*** |
*** |
*** |
*** |
*** |
COMO |
*** |
*** |
*** |
*** |
*** |
PORQUE |
*** *** |
1 (100%) |
*** *** |
*** *** |
1 |
CASO |
*** *** |
*** *** |
*** *** |
1 (100%) |
1 |
CASO SE |
1 (100%) |
*** *** |
*** *** |
*** *** |
1 |
Tal como ocorreu no Quadro III, no Quadro IV, o conector mais freqüente foi o se. Vale destacar, no entanto, que os conectores desde que, senão e como não foram encontrados na modalidade escrita. Por sua vez, há nesta modalidade outros conectores que não apareceram na fala. São eles: porque, caso e caso se.
Além da posição da oração condicional e da vinculação ou não da sua mobilidade com o conector, investigou-se, também, a influência dos gêneros textuais nesse(s) uso(s) tanto no português brasileiro quanto no europeu.
Os quadros a seguir mostram a distribuição das condicionais relacionando gênero textual e posição das condicionais. Vale lembrar que, nesse caso, a análise restringe-se ao corpus escrito.
Quadro V: distribuição das condicionais e gênero textual
Português Brasileiro |
|||
Posição |
|||
Gênero Textual |
Anteposta |
Posposta |
Total |
Editorial |
6 (100%) |
0 |
6 |
Anúncio |
7 (77,78%) |
2 (22,22%) |
9 |
Notícia |
2 (33,33%) |
4 (66,67%) |
6 |
Por meio do Quadro V, observa-se que, no português brasileiro escrito, há maior incidência de conectores condicionais em posição anteposta em editoriais e anúncios. Nas notícias, a posição posposta apresentou maior ocorrência.
Deve-se ressaltar o fato de que não foram encontradas orações intercaladas nessa modalidade.
Quadro VI: distribuição das condicionais e gênero textual
Português Europeu |
|||
Posição |
|||
Gênero Textual |
Anteposta |
Posposta |
Total |
Editorial |
3 (75%) |
1 (25%) |
4 |
Anúncio |
4 (66,67%) |
2 (33,33%) |
6 |
Notícia |
2 (66,67%) |
1 (33,33%) |
3 |
Por meio do Quadro VI, observa-se o fato de que o número de ocorrências de anteposição não é tão significativo no português europeu quanto no português brasileiro. No entanto, é preciso destacar o número exíguo de dados encontrados, lembrando a necessidade de sua ampliação, para maior credibilidade da análise e de suas generalizações.
Com base nessa análise preliminar, chegou-se à conclusão de que a motivação para que uma oração condicional seja anteposta, posposta ou intercalada não é apenas sintática, mas também semântico/pragmática. A motivação semântico/pragmática para a anteposição das condicionais explica-se pela escolha/preferência do falante por um determinado assunto.
Segundo Neves (2000), quando se trata da organização da informação textual, percebe-se que há uma maior freqüência de orações condicionais antepostas, porque, nesse caso, as informações não tidas como novas pelo informante é que são normalmente colocadas na frente.
Para a autora, essa característica evidencia o “princípio de iconicidade”, pelo qual se organiza a seqüência lingüística fazendo com que primeiro seja enunciado o fato, já conhecido pelo informante, para, só depois, ser apontada a sua causa.
Na modalidade escrita, deve-se atentar para a construção semântica dos anúncios. A idéia de condicionalidade, expressa explicitamente pelo emprego dos conectores condicionais, parece estar ligada implicitamente ao valor semântico das estruturas lingüísticas que se encontram na situação “ SE p, ENTÃO q”, servindo como estratégia de persuasão e que será significada a partir da leitura do interlocutor. Isso pode ser observado nos exemplos abaixo:
Ex. 1: Faca sua inscrição no programa por apenas R$ 9,90 (taxa de adesão única) num local credenciado, ou ligue para a Central Smart Club: (021)297-6121. Se preferir, use a Internet:
www.smartclub.com.br.(L.E / P.B / ANU / E-B-94-Ja-003)
Esse anúncio semanticamente mostra que SE o interlocutor preferir ENTAO ele pode se inscrever no programa de vantagens por meio da Internet.
O próximo anúncio oferece ao interlocutor uma nova frota de veículos utilitários e afirma que SE este deseja qualidade ENTAO ele deve investir nestes veículos:
Ex. 2: O Vito e a Sprinter são o melhor investimento que você pode fazer na sua empresa. Esta gama de comerciais ligeiros da Mercedes – Benz esta pronta para qualquer tarefa em qualquer sector de atividade: distribuição, industria, comercio e serviços. E nunca o deixam ficar mal. Apresentam baixos custos de manutenção, um excelente consumo e performances muito superiores à media, graças à tecnologia CDI que dota os seus motores. Se procura fiabilidade, qualidade e economia nas suas viaturas de serviço, invista num Vito ou Springer da Mercedez – Benz.
(L.E / P.E./ ANU / E–P–95–Ja–038)
Também há incidência significativa de anteposição dos conectores condicionais nos editoriais. O uso da anteposição aqui, como já mencionado nos anúncios, visa também a persuasão. A intencionalidade do editorial e a forma de expor a opinião do jornal em relação a um determinado assunto faz com que seja revelado subjetivamente o perfil, a imagem do jornal, como se pode observar nos fragmentos de editoriais abaixo:
Ex. 3: Se continuarem a tentar esquecer casos como esse, o regime vai Ter que aprender a conviver com esses ‘fantasmas’ ou então chamar a policia para apurar tudo direitinho, como sugeriu o Ministro
(L.E. / P.B./ EDIT / E – B – 94 – Je – 004)
Ex. 4: E se tivermos em conta que o patamar em que nos situamos já ‘e, para o mercado português, altíssimo, estes números assumem ainda maior significado. (L.E. / P.E. / EDIT / E – P – 95 – Je – 008)
Os exemplos 3 e 4 permitem expor a opinião dos jornais; no caso, O Dia, publicado no Rio de Janeiro na data de 16 de outubro de 1988 e um outro, O Expresso, de Portugal, publicado em Lisboa na data de 07 de maio de 2000.
Já nas notícias há um foco mais imparcial e objetivo, podendo-se supor, desse modo, que a anteposição dos conectores condicionais não é recorrente, como foi confirmado a partir dos registros.
A diferença entre os gêneros textuais parece, portanto, fator relevante para o uso da anteposição das condicionais, uma vez que nos editoriais e anúncios, como já foi visto, há intenção de persuadir o outro.
Na modalidade oral, tanto no português brasileiro quanto no europeu, a anteposição também é um aspecto relevante como se pode observar por meio do quadro abaixo:
Quadro VII: posição das condicionais no PB e no PE
Posição |
||||
Corpus |
Anteposta |
Posposta |
Intercalada |
Total |
Oral brasileiro |
54 (75,68%) |
13 (17,57%) |
5 (6,75%) |
74 (48,05%) |
Oral europeu |
31 (65,96%) |
9 (19,15%) |
7 (14,89%) |
47 (30,52%) |
O Quadro VII evidencia que tanto no corpus oral brasileiro quanto no europeu a posição anteposta para as orações condicionais é a mais freqüente.
Nos diálogos, como afirma Santos (2003), os conectores condicionais exercem o mesmo papel que na modalidade escrita – o de orientar a argumentação no discurso. Os fragmentos de diálogos dados abaixo podem comprovar isso:
Ex. 5: Se você quiser uma coisa mais fina, ou, andar na moda, direitinho tudo, você tem que ir pra outro lugar pra procurar.
(L.O./ P.B./ DID/ Oc – B –9R – 3f – 002)
No exemplo 5, o interlocutor afirma que se a pessoa deseja andar na moda, ela deve procurar em outro lugar. O falante orienta sua argumentação usando o conector “se” na posição anteposta.
Já no exemplo a seguir o interlocutor utiliza a condicional para evidenciar que, se este usasse determinada palavra, a reação da mãe não seria agradável. Nesse caso, o falante usa a anteposição para dar destaque à sua ação e não à reação da sua mãe:
Ex. 6: # I – bem, por exemplo, se eu dissesse `a frente da minha mãe a palavra chatice, a minha mãe...
# D – morria, pois claro.
# I – matava-me, não e, quer dizer, mandava-me confessar.
(L.O / P.E./ DID / Oc – P – RE – 3f – 011)
O conector desde que tem um uso diferente dos demais encontrados no corpus. Segundo Azeredo (1990: 101), ele tem maior força argumentativa. Neves (2000: 843) associa a maior força argumentativa de desde que ao fato de este conector obedecer à “condição necessária e suficiente (= somente se)”. Tal condicional geralmente vem posposta, o que se pode confirmar por meio dos dados abaixo:
Ex. 7: “ I– dá pra pescar desde que não tenham pedras altas”
(L.O. / P.B./ DID/ Op – B – 90 – 3m – 002)
Ex.: 8: “I– isso é possível levar no carro desde que não tenha mais bagagem para transportar não é ? mas também é proibido”
(L.O / P.E. / DID / Op – P – 70 – 3m – 004)
Embora ainda não se tenha concluído a análise dos dados de todo o corpus, pode-se dizer que em relação à amostra da presente pesquisa:
(i) o uso das orações condicionais na posição anteposta, conforme descrito ao longo do trabalho, parece estar estritamente vinculada com a intenção do emissor de persuadir o interlocutor, levando-o, portanto, a optar pela posição inicial;
(ii) o uso de um determinado conector não parece determinar a preferência/escolha da posição anteposta, posposta e intercalada para as orações condicionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
MOTTA, Danielle Gomes Nunes da & FERREIRA, Vanessa Pernas. Mobilidade posicional das condicionais: o papel dos conectores. Rio de Janeiro, UFRJ/Faculdade de Letras, 2004/2. Trabalho apresentado na XXVI Jornada de Iniciação Científica da UFRJ.
NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.
RODRIGUES, Violeta Virginia. O uso das conjunções subordinativas na língua escrita padrão. In: BERNARDO, Sandra Pereira & CARDOSO, Vanda de (org.). Estudos da linguagem:Renovação e síntese. Anais do VIII congresso da ASSEL-RIO. Rio de Janeiro: Associação de Estudos da Linguagem do Rio de Janeiro, 1999. p. 761-769.
SANTOS, Marizeth Faria dos. O valor semântico–pragmático dos conectores condicionais. Monografia de final do curso de Mestrado – disciplina “A Sintaxe do Português”, apresentada à Profa. Dr. Violeta Virginia Rodrigues na Pós-Graduação de Letras Vernáculas da UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
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