USO DAS
EDITORIAIS,
Anderson Godinho Silva (UFRJ)
Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ)
Apresenta-se, neste trabalho, ainda em fase preliminar, uma descrição das orações subordinadas adverbiais modais em diferentes gêneros textuais. Tal descrição justifica-se pelo fato de a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não considerar as modais como um tipo de oração adverbial, apesar de citar os advérbios de modo. Ainda que alguns gramáticos mencionem essas orações, há divergência no que tange ao tratamento por eles dado a elas. Assim, foram consideradas, neste estudo, as visões tradicional, funcional e pragmático-discursiva para uma melhor descrição das modais.
A fim de detectar i) se as modais são usadas com freqüência em textos escritos; ii) se há uma posição privilegiada para elas na sentença, anteposta ou posposta; iii) se há uma forma privilegiada de se apresentarem; iv) se há diferenças de comportamento das modais entre os séculos XIX e XX; v) se há predomínio destas em um determinado gênero textual, estabeleceu-se um corpus constituído por anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX, e receitas encontradas em um livro atual.
Adotando-se uma visão funcional-discursiva, pretende-se confirmar a hipótese de Decat (2001) de que o aparecimento de certos tipos de proposições relacionais associa-se a certo tipo de discurso. Com isso, deseja-se comprovar que no gênero textual receita é possível encontrar um grande percentual de modais pelo fato de haver na receita uma explicação do modo, maneira de se preparar um determinado prato.
Os
Para analisar os dados, observaram-se os seguintes aspectos: 1) a quantidade de modais encontrada em cada gênero textual separadamente, com o objetivo de verificar se há o predomínio dessa estrutura em um determinado gênero; a posição que as orações modais ocupam na frase –anteposta ou posposta à principal–, tendo em vista que alguns autores consultados mencionam essa mobilidade posicional; 3) a forma de apresentação das modais, isto é, se estão reduzidas ou desenvolvidas, a fim de detectar se o número de orações em uma dessas formas vincula-se mais estritamente a um dos gêneros levados em consideração neste estudo; 4) a relação entre os gêneros tratados e o tipo de texto a que pertencem, partindo-se do pressuposto de que os anúncios, editoriais e notícias se inserem nos textos dissertativos e de que as receitas se inserem no texto injuntivo, com o propósito de averiguar o comportamento das modais em tipos textuais distintos; 5) a distribuição das modais pelos séculos XIX e XX, lembrando que somente textos dissertativos serão observados nessa análise, com o intuito de verificar se há alguma forma das modais se apresentarem no século XIX que não ocorre no século XX e vice-versa. Pelo fato de as receitas analisadas pertencerem a um único século, este gênero textual não foi considerado nessa etapa da pesquisa.
No que se refere à maneira das modais se apresentarem, autores como Luft (1978), Kury (1987) e Abreu (2003) consideram possíveis as desenvolvidas, reduzidas de infinitivo e reduzidas de gerúndio. Já Bechara (1994) mostra apenas um exemplo de desenvolvida. Para Rocha Lima (1998), a única possibilidade de uso das modais é na forma reduzida de gerúndio e Moura Neves (2000) menciona as modais desenvolvidas e reduzidas de infinitivo, deixando de lado as reduzidas de gerúndio.
Os gêneros textuais analisados diferem com relação ao tamanho, sendo os anúncios os menores textos e os editoriais os mais extensos. As notícias ora se assemelham aos anúncios ora aos editoriais, apresentando, portanto, um tamanho intermediário dentre os textos utilizados. Já as receitas se assemelham mais aos anúncios. Foram lidos, no total, 437 anúncios (277 do século XIX e 160 do século XX), 52 editoriais (29 do século XIX e 23 do século XX), 222 notícias (110 do século XIX e 112 do século XX) e 150 receitas. O total de ocorrências de modais foi de 240, sendo 78 ocorrências (32,5%) em anúncios, 76 (31,7%) em notícias, 65 (27,1%) em editoriais e 21 (8,7%) em receitas. Portanto, a porcentagem de modais está equilibrada, se comparados os três primeiros gêneros: os anúncios apresentam o maior número de modais, seguido das notícias e dos editoriais. Já nas receitas, gênero no qual se esperava um número considerável desse tipo de oração, foi encontrado um número muito pequeno de ocorrências em relação ao total. A justificativa para tal resultado será explicada mais adiante. O gênero editorial não apresentou tantas modais quanto os gêneros anúncio e notícia, pois geralmente, nesses gêneros, as relações de condição e concessão são mais características, o que foi observado por Decat (1995).
Quanto à posição, as modais apareceram tanto antepostas como pospostas à oração principal. Dentre os autores consultados, apenas Kury (1987) fornece exemplos de modais antepostas. Isto se dá provavelmente devido à facilidade de se encontrar modais pospostas, conforme mostra o ex. 1. No corpus analisado, no que diz respeito aos textos dissertativos escritos (anúncios, editoriais e notícias), houve uma preferência pela posposição (203 dados – 92,7%) contra 16 dados (7,3%) de anteposição, o que contraria o estudo feito por Decat (1995). Isto é possível pois, apesar de se tratarem de textos dissertativos, em alguns momentos apresentam seqüências narrativas, o que explica o fato destes resultados irem de encontro ao que foi observado por Decat (1995).
1. Um especialista federal de conservas ali se encontra [fazendo experiências, coroadas de êxito, de conservas de albacora (atum) e, azeite e tomate, de lagosta e de outros animais] que se prestam à industria. (E-B-92-JN-011)
No texto injuntivo analisado, a posposição também foi mais freqüente (20 dados – 95,2%), ocorrendo apenas 1 dado (4,8%) com anteposição. Pelos dados analisados, foi possível ver que modais pospostas são mais freqüentes tanto no texto dissertativo escrito como no texto injuntivo.
Em relação à forma das modais (se desenvolvidas ou reduzidas), já foi visto que há divergências entre alguns autores. Dentre os que mencionam as modais desenvolvidas, há tratamentos diferentes a respeito dos conectores que as encabeçam. Todos consideram a possibilidade das modais serem encabeçadas pela locução SEM QUE. No entanto, outros conectores ou locuções foram mencionados por alguns desses autores, mas não há consenso entre eles quanto a isso. Dentre os conectores/locuções mencionados tem-se: SEM com verbo no infinitivo, COMO, COM e verbo no infinitivo, (ASSIM) COMO, COMO SE e TAL QUAL. No corpus em questão, as modais apareceram nas duas formas, como pode ser visto na tabela abaixo, em que na vertical, encontra-se o número de ocorrências de cada forma da modal e na horizontal, encontra-se a distribuição delas pelos gêneros. À direita, tem-se o total de dados de cada gênero.
|
Gerúndio |
Como que |
Sem+ inf |
Sem que |
A + inf |
Como se |
Como |
Total |
|
64 (82%) |
0 (0%) |
10 (12,8%) |
2 (2,6%) |
0 (0%) |
2 (2,6%) |
0 (0%) |
78 (100%) |
|
46 (70,8%) |
1 (1,5%) |
13 (20%) |
2 (3,1%) |
1 (1,5%) |
2 (3,1%) |
0 (0%) |
65 (100%) |
|
58 (76,3%) |
0 (0%) |
10 (13,2%) |
3 (3,9%) |
0 (0%) |
1 (1,3%) |
4 (5,3%) |
76 (100%) |
|
15 (71,4%) |
0 (0%) |
5 (23,8%) |
0 (0%) |
0 (0%) |
1 (4,8%) |
0 (0%) |
21 (100%) |
Dos
2. Eu
A locução COMO QUE também apareceu apenas uma vez, e assim como o caso comentado anteriormente, ocorreu em um editorial.
3. A
Neste
O conector COMO SE é considerado por alguns autores como introdutor de orações comparativas-hipotéticas. Entretanto, há quem considere que esta locução é capaz de encabeçar as modais, como Gili Gaya (1967) e Rodrigues (1997). É esta última visão que foi adotada aqui.
No que se refere ao conector COMO, apenas o gênero notícia o apresentou encabeçando orações modais.
As formas de modais que mais ocorreram em todos os gêneros textuais estudados foram as reduzidas de gerúndio e as encabeçadas pela preposição SEM com verbo no infinitivo, respectivamente. Os anúncios apresentaram uma maior porcentagem de reduzidas de gerúndio (82%) e as receitas, uma maior porcentagem de modais encabeçadas por SEM com verbo no infinitivo (23,8%).
O gerúndio pode ser encontrado em orações subordinadas adverbiais modais, temporais, causais, condicionais, consecutivas e concessivas, orações subordinadas adjetivas e orações coordenadas. O gênero receita é composto por muitas orações reduzidas de gerúndio e, geralmente, neste gênero é encontrada uma explicação do modo de proceder para preparar um determinado prato. Por esse motivo, muitos casos possuem a idéia de modo, porém a estrutura é de coordenação e, como foi visto acima, o gerúndio é capaz de se comportar como uma oração coordenada. O exemplo 4 ilustra essa idéia.
4. Refogue
a
Uma outra estrutura que apareceu no corpus, tanto nos textos dissertativos como no texto injuntivo, foi a da preposição SEM com verbo no infinitivo. Essa estrutura permite mais de uma abordagem. Não se pode dizer que a oração é desenvolvida porque o verbo está no infinitivo, entretanto, há uma preposição ligando a oração principal à subordinada e alguns autores consideram a preposição um conector. Portanto, uma possível abordagem para essa estrutura é considerá-la um caso de justaposição. Com isso, pode-se dizer que as modais podem se apresentar com as seguintes formas: desenvolvida, reduzida de gerúndio e justaposta.
É possível perceber que há diferenças entre os tipos de texto analisados. Se os gêneros anúncio, editorial e notícia forem agrupados em textos dissertativos e a receita for tratada apenas como texto injuntivo, pode-se afirmar que aqueles apresentam uma maior variedade de modais: reduzidas de gerúndio, desenvolvidas com os conectores COMO QUE, SEM QUE, COMO SE e COMO, e encabeçadas pelas preposições SEM e A seguidas de verbo no infinitivo, enquanto que este só apresenta três formas diferentes: reduzidas de gerúndio, desenvolvidas com o conector COMO SE e encabeçadas pela preposição SEM e verbo no infinitivo.
Um outro aspecto relevante a ser considerado é o comportamento das modais referente a séculos diferentes. Fazendo-se uma comparação entre os séculos XIX e XX, é possível observar se i) há diferença no que diz respeito ao predomínio de uma das formas dessa oração e se ii) há alguma forma presente em um século e ausente em outro. A fim de detectar esses dois pontos, foi feita uma contagem de todos os dados, que foram separados de acordo com a forma de se apresentarem e separados por século. Os dados levados em consideração aqui pertencem apenas aos textos dissertativos escritos, ou seja, os gêneros anúncio, editorial e notícia.
Em ambos os séculos, a forma predominante foi a reduzida de gerúndio, encontrando-se 61 (69,3%) no século XIX e 107 (81,7%) no século XX. A segunda forma mais freqüente em ambos os séculos foi a justaposta (SEM + infinitivo), encontrando-se 20 (22,7%) no século XIX e 13 (9,9%) no século XX. As modais introduzidas por SEM QUE e por COMO não apresentam grande diferença no número de ocorrências no que se refere aos séculos. Em relação à locução mencionada foram encontradas 3 (3,4%) no século XIX e 4 (3,1%) no século XX, e em relação ao COMO foram encontrados 2 (2,4%) no século XIX e 2 (1,5%) no século XX. Há duas formas que apareceram no século XIX, mas não ocorreram no século XX: as introduzidas por COMO QUE e por A + infinitivo; há uma forma que aparece no século XX, mas não ocorre no século XIX: as introduzidas por COMO SE.
É possível dizer, em suma, que há uma forma privilegiada com que as modais podem se apresentar bem como uma posição privilegiada; que o texto injuntivo não apresenta tanta variedade de modais como o texto dissertativo e que há algumas diferenças no comportamento das modais entre o século XIX e XX.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Antônio Suárez.
AYORA, Antonio Moreno. Sintaxis y semántica de como. In: Cuadernos de Lingüística/12. Málaga: Editorial Librería Agora, 1991.
AZEREDO, José Carlos de.
BARRETO, Therezinha Maria Mello.
Gramaticalização das
BECHARA, Evanildo.
D’Ávila, Suzana.
DECAT, Maria Beatriz Nascimento.
DECAT, Maria Beatriz Nascimento.
KURY, Adriano da
LUFT, Celso Pedro. Gramática resumida. Porto Alegre: Globo, 1978.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade, [s.n.e.?], 2002.
MOURA NEVES, Maria Helena de. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.
SAID
WENNA, Gracia.
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