Vogal
Temática
Nominal
Luiz Claudio
Valente Walker de Medeiros
INTRODUÇÃO
A
vogal
temática é
um
elemento morfológico
sobre o
qual
não restam
dúvidas
quando se analisa a
estrutura de
um
verbo,
já
que é praticamente unânime
entre os
estudiosos da
língua
que os lexemas
que constituem essa
classe
são dotados desse
elemento:
eles ocorrem
após os
radicais dos
verbos, constituindo
com
esses o
tema.
Assim, a
estrutura do
verbo “amar”,
por
exemplo, seria:
radical: am-;
vogal
temática: –a;
desinência de
infinitivo: –r.
Porém, o
mesmo
não acontece
com a
análise de
substantivos e de
adjetivos (nesse
trabalho, englobados
sob a designação “nomes”),
uma
vez
que
não
são
todos os
autores
que reconhecem
que
esse
elemento entra na
estrutura dessas
palavras. Pode-se
citar o
próprio Said
Ali,
que
em
sua
Gramática
Elementar da
Língua Portuguesa, de 1965, ao
tratar da classificação de
substantivos (p. 21-36) e dos
adjetivos (p. 38-41),
não cita a
vogal
temática. Acompanhando o
pensamento de Said
Ali estão Gladstone
Chaves de Melo (1988: 85) e
Cunha & Cintra (1985).
No
entanto, a
partir de Mattoso
Câmara Jr. (1970: §40), iniciou-se a
discussão de
que
nomes
também seriam dotados
em
sua
estrutura de
vogais
temáticas. A
proposta de Mattoso é
bastante
diferente da tradicional,
como salienta Cintra (2004), e
um
tanto
complexa.
Alguns
autores,
como Laroca (1994: 58-59), recusam
terminantemente essa
proposta,
enquanto
outros a aceitam
ou
parcialmente (como
Walter Kedhi [1990: 34-36], Cláudio Cezar Henriques [1988: 85-94] e José
Carlos de Azeredo [2000: § 138])
ou
totalmente (como
Evanildo Bechara [1999: 337-338]).
Por
isso, faz-se
necessário o
perfeito
entendimento do
que se entende
sob o
rótulo de
vogal
temática.
A
FUNÇÃO CLASSIFICATÓRIA DA
VOGAL
TEMÁTICA
A
vogal
temática tem uma
função
fundamental: a de
classificar as
palavras de uma
dada
classe.
É
por
ter essa
função classificatória
que se entende
que a
vogal
temática é uma
unidade do
plano do
conteúdo, e
não do
plano da
expressão;
ora, a
existência dessa
vogal
após o
radical
não é
apenas uma
questão de sonoridade,
mas
sim de
um
valor
que se
lhe confere.
Esse
valor,
como aponta Bechara (1999: 337) é “de significação
interna
ou
puramente
gramatical”,
em
oposição ao
valor conferido ao
radical das
palavras, o
qual “é o
núcleo
onde repousa a significação
externa da
palavra,
isto é, relacionada
com o
mundo
em
que vivemos” (id.
ibid., cf. nota 1).
Seguindo essa significação
puramente
gramatical, os
verbos podem
ser
classificados de
primeira, de
segunda
ou de
terceira
conjugação,
quando se segue ao
radical
verbal as
vogais –a (amar), –e
(meter) e –i (cair)
nas
sílabas
tônicas do
infinitivo,
respectivamente.
Analogamente, Mattoso (id.
ibid.) considera
que os
nomes
também podem
ser
classificados
por
elementos
vocálicos
que vêm
depois do
radical
nominal,
apenas salientando
que essas
vogais ocorrem
em
sílabas átonas.
Por essa
proposta, os
nomes podem
ser
classificados
por
temas
em –a (casa),
em –e (parede)
ou
em –o (teto);
opondo-se à
ocorrência de
radicais seguidos de
vogais
temáticas
nominais
em
sílabas átonas, Mattoso classifica os
nomes
que terminam
por
vogais
em
sílabas
tônicas (cajá,
café,
pavê,
caqui,
cipó,
avô,
tatu)
como atemáticos.
Assim, estipulam-se duas
grandes
classes
para os
nomes: atemáticos
r
temáticos; essa
última
classe apresenta a subclassificação de
temas
em –a, –e
ou –o,
como
visto
acima.
Vogal temática
elemento
diacrônico
ou
sincrônico?
Uma
primeira complicação na
proposta de Mattoso diz
respeito aos
nomes terminados
por
consoantes.
Para o
autor, essas
palavras teriam
tema
em –e,
que fica
latente no
singular
mas
patente no
plural.
Assim,
nomes
como “mar” e “rapaz”
teriam
tema
em –e,
já
que
nos
plurais “mares”
e “rapazes” apareceria a
vogal temática –e.
Como se
nota, Mattoso entende
que a
vogal
temática
não tem
necessidade de
aparecer
em
todos os
elementos
constituintes de
um
paradigma,
como se observa na
tabela abaixo.
|
PARADIGMAS
FLEXIONAIS DE
NOMES |
|
Radical |
Vogal
Temática |
Desinência
de
Gênero |
SINGULAR |
mar- |
-e (latente) |
Æ
(sing.) |
PLURAL |
mar- |
-e (patente) |
-s (plural) |
SINGULAR |
rapaz- |
-e (latente) |
Æ
(sing.) |
PLURAL |
rapaz- |
-e (patente) |
-s (plural) |
Essa
proposta é
mais
simples e
mais
pertinente do
que faz
parecer uma
primeira
leitura
desatenta, se se
pensar
em lexemas
verbais: a
vogal
temática
também
não está
patente
em
todos os
elementos
constituintes dos
paradigmas flexionais de
verbos:
por
exemplo, a
vogal
temática –a
também fica
latente nas
flexões “canto” (1ª p.
s. pres. ind.), “cantei” (1ªp. s. pret. perf. ind.) e “cantou” (3ª p. s. pret.
perf. ind.),
porém fica
patente
em outras,
como “cantas” (2ª p. s. pres. ind.) e
“cantavam” (3ª p. pl. pret. imperf. ind.).
Há
inclusive o
caso do
verbo “pôr”,
em
que
falta a
vogal
temática –e no
infinitivo,
mas
lá está
ela na 3ª p. pl. do
presente do
indicativo (eles põem)
e na 3ª p. pl. pret. perf. ind. (eles puseram),
entre outras
flexões.
Com
isso, comprova-se
que de
fato a
vogal
temática
não
precisa
estar
patente
em
todos os
elementos
constituintes de
um
paradigma
para
ela seja reconhecida. O
que é
necessário é
que a
língua forneça
dados
para
tal
reconhecimento, e de
fato a
Língua Portuguesa o faz: a
partir do
estabelecimento do
paradigma flexional de
um
nome terminado
em
consoante no
singular, consegue-se
recuperar a
sua
vogal
temática.
Uma
crítica
muito
comum a essa
proposta é
que
ela teria
um
cunho
diacrônico,
já
que
esse –e de
mares,
por
exemplo, é
fruto do
elemento
que se
encontra no
étimo
latino mare, maris.
Porém, essa
não é a
verdade,
pois,
como
já
visto, é a
Língua Portuguesa, e
não a
latina,
que fornece sincronicamente
dados, a
partir do
paradigma flexional,
para a
recuperação da
vogal
temática.
Existe uma
outra
informação
importante, apresentada
por Duarte (a.2004: § 8 do
tópico 2.1):
todos os
nomes da
língua portuguesa
com
temas terminados pelas
consoantes –R e –Z apresentam no
plural a
vogal
temática –e,
não
apenas os de
étimo
latino.
Assim,
por
exemplo, os
substantivos “cartaz”,
oriundo do
árabe, e “trator”, de
origem inglesa,
também apresentam a
vogal
temática –e no
plural: “cartazes”
e “tratores”. Soma-se a
isso o
fato de essa
vogal
não
ter a
mesma
função classificatória no
latim
que tem na
sincronia do
Português: na
língua
latina, as
vogais –a, –e e –o
são típicas do
acusativo das
conjugações do
acusativo
latino, e
não de
todos os
nomes.
Essas
informações apresentadas no
parágrafo
anterior
são interessantes,
porém
não definitivas
para
descartar
totalmente a
idéia de
que a
vogal
temática no
Português é
um
elemento
diacrônico;
como salienta Cintra (2004: §§ 1-5 do
tópico 1.1),
elas
não levam
em
conta o
fenômeno da
analogia:
nomes portugueses
não
latinos (ou seja,
originados
em outras
línguas
ou de
formação
vernácula) terminados
em
consoantes, acabariam apresentando a
vogal
temática –e,
por
um
esforço de regularização, de uniformização da
língua.
Assim, essas
informações apresentam
apenas
indícios de
que
não é
um
elemento
meramente
diacrônico a
vogal
temática –e
que segue
radicais
nominais terminados
por
consoantes. O
que de
fato comprova o
fato de a
vogal
temática
nominal
ser
um
elemento sincrônico é
que
ela é depreendida
através
do
atual
paradigma
flexional do
nome.
Vogal
temática
como
atualizador
léxico
Uma
função
que a
vogal
temática apresenta, e
que
já
fora reconhecida
por Herculano de
Carvalho
em 1973 (apud
CINTRA: 2004, § 8 do
tópico 1.1.), e retomado
por Bechara (1999: 337):
Aluno
pode desmembrar-se
em
alun– e –o. O
primeiro
elemento
(radical)
encerra
a significação da
palavra,
cabendo ao
elemento
fina
(sic) –o
primeiramente
atualizá-la
para
funcionar
como
palavra,
integrando-a no
léxico
[...] Muitas
vezes
o
radical
não
pode
funcionar
imediatamente
como
palavra;
completa-o uma
vogal
para
constituir
o
tema
da
palavra
e
por
isso
se
chama
vogal
temática
ou
atualizador
léxico,
isto
é, atualiza-o
para
funcionar
concretamente
no
discurso.
Esse
funcionamento
concreto no
discurso deve-se ao
fato de
que os
radicais de
nomes
que necessitam da
vogal
temática,
não estão
aptos a receberem as
desinências flexionais
que espelham as
relações morfossintáticas (gramaticais)
próprias de lexemas
nominais:
assim, o
radical menin–
não pode
receber
diretamente os morfes
que caracterizam a
flexão
nominal: os de
gênero (Æ
para o
masculino e –a de
feminino)
e os de
número (Æ
de
singular
ou o –s de
plural).
Para
que
aquele
radical possa
ocorrer no
discurso, estando
apto a
funcionar
com
esses morfes, é
necessário
que a
ele se some a
vogal
temática.
É interessante
notar essa
função
quando
um
mesmo
radical é utilizado
em
palavras de
mais de uma
classe,
como é o
caso de arquiv–, plan–, sentenç– e
banquet–,
por
exemplo,
que
não
são especificados
quando à classificação,
não estando
aptos,
assim, a receberem
diretamente as
desinências flexionais;
apenas
quando a
esses
radicais somam-se as
vogais
temáticas é
que se pode
fazer o
exercício de classificação.
Assim, se ao
radical arquiv– adjunge-se a
vogal
temática –o, há
como
resultado o
substantivo
arquivo,
que,
por
sua
vez, está
apto a
funcionar no
discurso, podendo
receber as
desinências de
gênero e de
número.
Mas se
após a
esse
mesmo
radical aparece a
vogal
temática –a, obtém-se
então o
tema
verbal arquiv–,
que no
discurso pode
passar a
receber as
marcas flexionais desse
verbo (como
por
exemplo o –r de
infinitivo, o –ndo de
gerúndio, o –do de
particípio e todas as
demais
desinências modo-temporais e número-pessoais).
Essa
análise estende-se a
todos os
demais
radicais utilizados
como
exemplos, alterando-se
apenas os
morfemas
que se somam ao
radical.
Em plan– pode-se
somar a
vogal –o, resultando no
substantivo
plano;
mas pode-se
também
somar o
sufixo derivacional –ejar, no
qual consta a
vogal
temática –a; ao
radical sentenç– podem-se
somar
ou a
vogal
temática –a, obtendo-se
então o
substantivo,
ou o
sufixo derivacional –iar, no
qual se observa a
vogal
temática –a, resultando
então no
verbo
sentenciar;
por
fim, o
radical banquet– pode
resultar no
substantivo
banquete, se se
soma a
vogal
temática –e,
ou no
verbo
banquetear, se se
soma o
sufixo derivacional –ear,
em
que há a
vogal
temática –a.
A
partir de todas essas análises, comprova-se
que
realmente a
vogal
temática tem uma
função de atualizador
lexical. É
importante
salientar
que essas
análises levam
em
conta a
hipótese lexicalista
fraca de Chomsky (1970),
que prevê uma
morfologia
baseada
em
morfemas cujas
bases
não recebem categorização
gramatical.
Para essa
função, a
existência de
nomes atemáticos
não é
nenhum
empecilho,
já
que aos
radicais de
nomes atemáticos podem-se
adjungir
diretamente os morfes das
flexões
nominais:
tatus,
cipós,
cajás etc.
Vogal
temática
como
seletor
de alomorfes
A
partir do
momento
em
que entra na
constituição do
tema, a
vogal
temática pode,
por
processo morfofonológicos,
acabar selecionando os alomorfes
que se
lhe seguem; é o
que acontece
com o
paradigma flexional dos
verbos portugueses,
em
relação à
expressão do
pretérito
imperfeito do
indicativo,
por
exemplo: os
verbos de
primeira
conjugação selecionam os morfe –va/-ve (amava,
cantavam, faláveis etc.),
enquanto os de
segunda e
terceira
conjugações elegem os morfes –ia/-ie (combatia,
remetíeis, existiam, consistíeis).
Nas
palavras de Duarte (a.2004, § 18 da
introdução), “[o
índice
temático] funciona
como
índice
seletor de alomorfes modo-temporais, classificando
os
verbos
em
três
conjugações”.
Como se observa, essa
função é
exclusiva da
vogal
temática
verbal,
até
mesmo
porque a
riqueza da
flexão
verbal é
muito
maior do
que a da
flexão
nominal.
Ora,
como a
flexão
nominal se reduz a duas
dicotomias (a de
gênero e a de
número,
como
visto
acima),
não há
nem
mesmo alomorfes
para serem
selecionados:
cada
um dos
significados (masculino
x
feminino, de
um
lado, e
singular x
plural, de
outro) se
expressa
por
um
único morfe (Æ
x –a,
para
gênero, e Æ
x –s,
para
número).
Por
isso
mesmo, essa
função,
que
não é fundamental da
vogal temática,
mas
apenas
subsidiária, deve
ser relativizada.
Além disso,
mesmo no
paradigma
verbal, a
seleção dos morfes
que representam a
noção de
pretérito
imperfeito do
indicativo,
não é
feita
exclusivamente
pela
vogal
temática;
como
visto, há
quatro alomorfes: –va/-ve, –ia/-ie. A
vogal
temática
só seleciona se o alomorfe
começa por –v–
ou por –i-; se
ele termina por –a– ou –e– é
conseqüência do
morfema
subseqüente, o número-pessoal. Se
este é de
segunda
pessoa do
plural (-is), o alomorfe é –ve/-ie;
nos
demais
casos, o alomorfe é
–va/-ia.
Portanto, percebe-se
que a
função de
selecionar os alomorfes
verbais
que entram no
jogo morfológico
não é de
domínio
exclusivo da
vogal
temática,
mas
também da
desinência número-pessoal;
isso
porque entram condicionamentos
fonológicos no
comportamento desses alomorfes.
Por
tudo
isso, essa
função deve
ser descartada da
análise morfológica.
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