A
HIPÓTESE LEXICALISTA
E AS
MARCAS DA
FLEXÃO
NOMINAL DO
PORTUGUÊS
Dimar Silva de Deus (UNISA)
INTRODUÇÃO
Neste texto, tecemos algumas
considerações a
respeito da
Hipótese Lexicalista,
que se tornou a
base
para os
estudos
em
Morfologia Gerativa, e
sua
relação
com a
marcação do
gênero dos
nomes
em português, procurando
evidenciar as
diferenças existentes no
trato dos
fenômenos derivacionais e flexionais, apontando
para
dois
tipos de
hipótese: a
Hipótese Lexicalista
Forte e a
Hipótese Lexicalista Fraca, esta tratando a
Morfologia Derivacional
como
um
processo
lexical e a
Morfologia Flexional
como
um
processo morfossintático, e aquela postulando
que
tanto a
Morfologia Derivacional
quanto a
Morfologia Flexional
são
processos
estritamente morfológicos, acreditando-se
que ambas sejam processadas no Léxico.
Analisamos
posições assumidas
por
lingüistas gerativistas atuais,
como Anderson (1982, 1992, 1997),
em
que temos os
fundamentos e os desdobramentos da discussão,
evidenciando-se
que a
interface
entre a
Morfologia e a
Sintaxe se faz
através dos
processos flexionais; e as
posições de
lingüistas
que trabalham
diretamente
com a
Morfologia Flexional portuguesa,
como
Rocha (1998),
Rosa (2000), Villalva (2000).
A
MORFOLOGIA FLEXIONAL
Em se tratando de
Morfologia Flexional, salientamos a
posição assumida
por Anderson (1982),
quando considera
que a
Morfologia Flexional é aquela
que é
relevante
para a Sintaxe.
Não
que a
Morfologia seja
dependente da Sintaxe,
tampouco
que
ela seja
um
domínio fragmentado e repartido
por
diversos
componentes da gramática,
sem
um
estatuto próprio. Mas,
porque essa
definição
que Anderson dá
para a
Morfologia Flexional tem
conexão
com o
trabalho
desenvolvido a
partir da
Hipótese Lexicalista.
Segundo o
próprio
lingüista (1982: 591),
A
essência da
Hipótese Lexicalista e da
maioria dos
mais
recentes
trabalhos
em
sintaxe se baseia na
hipótese de
que a
estrutura
interna das
palavras
não é estabelecida
por
princípios sintáticos,
nem
mesmo
acessível a
esses princípios. [...] Do
ponto de
vista da sintaxe, as
estruturas produzidas no
léxico
são
essencialmente opacas:
elas podem
ter
estrutura interna,
mas essa
estrutura
não está
sujeita à
manipulação
ou
competência das
regras de sintaxe,
que tratam os
itens
lexicais
como
unidades integrais, atômicas. A
essência da
Hipótese Lexicalista,
sob
esse aspecto, está representada
pela
separação
entre os
componentes
sintáticos e lexicais.
Para
que fiquem
claras as
visões
sobre a
Hipótese Lexicalista e a
autonomia
ou a
possível
interface
entre os
componentes
sintático e morfológico da gramática, é
importante
tecer algumas considerações, procurando
tornar
clara a
diferença
entre
Hipótese Lexicalista
Fraca e
Hipótese Lexicalista Forte.
AS DUAS
HIPÓTESES
A
distinção
entre
Hipóteses Lexicalistas
Fraca e
Forte se deu a
partir de
interpretações do
modelo
criado
por Halle (1973: 9-10),
quando o
autor considera as
seguintes
coordenadas
para o
estabelecimento do
componente morfológico:
A
Morfologia consiste
em
três
componentes
distintos: a. uma
lista de
morfemas; b.
regras de
formação de
palavras e c.
um
filtro contendo as
propriedades idiossincráticas da palavra. A
lista de morfemas,
juntamente
com as
regras de
formação de palavras, define o
potencial de
palavras na língua. A
série de
palavras
atuais é obtida
através das
palavras
potenciais ao
aplicar
às
palavras
as modificações indicadas no filtro.
No
modelo proposto
por Halle, há uma
interação
entre a
teoria de
formação de
palavras
com a
teoria da gramática, permitindo a
inserção da
Morfologia no
Léxico e passando a
Morfologia a se
relacionar
com os
demais
componentes gramaticais, notadamente a
Sintaxe e a Fonologia.
As
questões enunciadas
por Halle
ainda
hoje estão no
centro de diversas
discussões e é a
partir das várias
interpretações dadas a
sua
proposta
que surgiram duas
correntes de
opinião: os
defensores da
Hipótese Lexicalista Fraca,
que consideram
clara a
distinção
entre a
derivação e a flexão, assumindo
que a
flexão
não é processada
estritamente no Léxico,
mas na
interface
entre a
Sintaxe e a Morfologia,
enquanto a
derivação é uma
operação
lexical; e os
defensores da
Hipótese Lexicalista Forte,
que argumentam serem
processos
estritamente morfológicos a
flexão e a derivação,
pois
ambos
são processados no Léxico,
que precede
todos os
demais
componentes da gramática,
não podendo, pois, nenhuma transformação
sintática
afetar as
estruturas lexicais.
A
Hipótese Lexicalista Forte,
também
conhecida
por
Teoria da
Entrada
Lexical
Plena,
postula
que todas as palavras,
tanto as flexionadas,
como as derivadas e compostas, estão registradas no
Léxico e
são relacionadas
por idênticas
regras de
redundância lexical.
Rosa (2000: 124-125)
assim se refere à
Hipótese Lexicalista
Fraca:
Se a
estrutura
interna da
palavra é
opaca
para a sintaxe,
isto
não se aplica às
propriedades
que realizam
dada
categoria gramatical.
Segundo a
definição acima, a
flexão diz
respeito às
categorias que,
presentes numa
palavra morfossintática, terão de
ser levadas
em
conta
pela
sintaxe;
por
outro
lado, no
que
respeita
à
formação
do lexema, a
sintaxe
é cega.
Essa
visão esboçada
por
Rosa corrobora a
definição de Anderson
para a
Morfologia Flexional, de
que
só a
estrutura morfológica da
flexão é
visível na Sintaxe, sendo
isso
possível se considerarmos a
existência da
palavra morfossintática,
pois é
através dela
que se
torna
visível a
interface
entre a
Morfologia e a
Sintaxe no
âmbito da
Morfologia Flexional.
Neste estudo, é a
Hipótese Lexicalista
Fraca
que
nos interessa,
porque é a
partir dela
que é
possível
seguir a
esteira de Anderson e
seus
estatutos
para a
Morfologia Flexional.
Assim sendo, desenvolvemos, a seguir, o
modelo proposto
por Anderson
para a
Hipótese Lexicalista
Fraca.
O
MODELO DE ANDERSON
E AS
MARCAS FLEXIONAIS
NOMINAIS
Para Anderson (1997: 1), “a
morfologia flexional é basicamente o
domínio
em
que a
Morfologia e a
Sintaxe interagem
substantivamente e
onde a
forma
mais
forte da
Hipótese Lexicalista
não pode
ser mantida”.
Devido a
esse fato,
ele opta
pela
parte
mais
fraca da
teoria lexicalista, postulando
que a
Sintaxe
não manipula
elementos morfológicos,
mas
somente traços,
pois é
através deles
que a
Sintaxe
afeta o
que
ele
chama de
Representação Morfossintática (RMS) de uma palavra.
A RMS é uma
entidade
abstrata construída
pela Sintaxe,
cujos
nódulos
terminais
são
complexos
simples de
traços do
tipo [+1a.
pessoa], [+passado], [+feminino],
[+plural] etc.
As palavras, na verdade,
são derivadas
dentro do Léxico, e realizadas
como
formas flexionadas na sentença,
enquanto o
acesso da
Sintaxe à
estrutura
interna da
palavra é
somente
através da RMS,
com a
indicação dos
traços
que a
palavra carrega (1997: 17).
Assim, podemos
manter
que a
Sintaxe manipula
somente as
formas flexionadas das palavras.
Trazendo
isso
para
nosso
objeto de estudo, as
marcas flexionais
nominais do português, no
caso do gênero, vemos
que as
palavras no entorno de
um
nome (artigos e
adjetivos,
por
exemplo),
dentro de
um SN, concordam
com o
núcleo desse SN,
já
que postulamos
que o
gênero é uma
propriedade
inerente ao nome. Portanto, se o
núcleo do SN é
masculino
ou feminino,
todo o
seu entorno deverá concordar,
com
traços
somente
masculinos
ou
somente femininos,
com
esse núcleo.
Exemplificando: a
palavra
parede carrega o
gênero
inerente feminino. Se a circunscrevemos
dentro de
um SN,
juntamente
com
um
artigo e
um adjetivo,
tais
elementos deverão, obrigatoriamente,
assumir uma RMS
com
traços femininos,
através do acionamento da
regra
sintática de concordância. Teremos, então, [a
parede
clara]SN, [uma
parede
clara]SN.
A
palavra
dente carrega o
gênero
inerente masculino. Ao inserirmos essa
palavra
dentro de
um SN,
juntamente
com
um
artigo e
um adjetivo,
esses
elementos deverão, obrigatoriamente,
assumir a RMS
com
traços masculinos,
também
através do acionamento de uma
regra
sintática de concordância. Teremos, então, [o
dente
claro]SN, [um
dente
claro]SN.
Anderson trabalha, ainda,
com o
que
ele
chama de
palavra morfossintática,
que é uma
entidade
abstrata
que identifica uma
combinação
particular de
um lexema
com algumas
propriedades morfossintáticas.
Em se tratando de número, o
português realiza o
plural
através do
acréscimo da marca –s ao singular. Assim, o
plural de uma
palavra seria uma
palavra morfossintática,
devido à
combinação da marca –s
com
um lexema vindo do singular,
cuja significação
básica permanece a mesma,
entretanto acrescido da
propriedade
gramatical de número. Tomando-se o lexema menino,
é possível,
através dele,
formar a
palavra morfossintática meninos, e
assim
por diante.
Voltando ao
caso do gênero, é
possível
realizar o
feminino de
alguns
nomes
através de uma
marca morfológica; no caso, a marca -a. Se
tomarmos o
mesmo lexema menino, é possível,
através dele,
formar a
palavra morfossintática menina, e
assim
por diante. Entretanto,
como ressalta
Rocha (1998),
depois de
fazer
um
levantamento dos nomes, considerando o
quesito gênero,
nem
todos os
nomes do
português recebem uma
marca morfológica de gênero.
Segundo ele, “é
preciso
considerar
que
apenas uma
parte
insignificante dos
substantivos (aqueles
que se referem a
seres
sexuados) pode
receber uma
marca morfológica
distinta de
gênero (gato/gata,
abade/abadessa etc.)” (p. 196).
Para
chegar a essa conclusão,
Rocha cita
pesquisas realizadas
por
ele
em 1981,
quando se constatou
que 95, 5% dos
nomes referem-se a
seres não-sexuados, aos
quais vamos
nos referir, nesta pesquisa,
como
seres
inanimados e
que deverão receber, portanto, o
traço [-animado],
enquanto
apenas 4, 5% se referem a
seres sexuados,
aqui chamados de
seres animados,
com o
traço [+animado], os
quais podem
ou
não
receber uma
marca morfológica de gênero.
Observou-se, ainda,
que
nomes
como cônjuge, criança, homem, jacaré,
selvagem
e outros,
apesar de se referirem a
seres sexuados,
não comportam uma
marca morfológica.
A
quase
totalidade dos
substantivos
em
português
não apresenta, portanto, uma
marca morfológica de gênero,
ou seja,
pertence a
um
gênero único,
que é
assinalado
através de
expediente sintático.
Assim
ele conclui: “Como se
trata de uma
minoria absoluta,
não se pode
generalizar e
dizer
que o
substantivo se caracteriza
pelo
fato de
receber
flexão de
gênero” (p. 196).
CONCLUSÃO
Neste modelo, proposto
por Anderson, a
flexão é a
Morfologia
que é
acessível a/e
ou manipulada pelas
regras da Sintaxe, tratando-se de
domínios diferentes,
mas
que podem
interagir
em
alguns aspectos,
como no
caso da
concordância de gênero,
em
que as
palavras de
um entorno,
dentro de
um SN, concordam
com o
gênero do núcleo,
como vimos anteriormente.
Conclui-se, então,
que o
único
efeito
que
um
princípio
sintático pode
ter
sobre a RMS é
para acrescentar-lhe traços. No
que se refere ao
gênero dos nomes, a
Hipótese Lexicalista defendida
por Anderson é motivada
pelo
acréscimo de
traços ao SN,
através da
regra
sintática de concordância.
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Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
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