EMPRÉSTIMO LINGÜÍSTICO
UMA ATUALIZAÇÃO LEXICOGRÁFICA

Lilian Manes de Oliveira (UNESA)
Adriano André Vilas Boas Siqueira
(UNESA)
Carla Arreguy Conrado
(UNESA)
Fernando José Barbosa
(UNESA)
Isolina Caramalho Lyra da Silva
(UNESA)

Introdução

Em entrevista a Ricardo Boechat, no Jornal do Brasil de 3/07/05, o filólogo Evanildo Bechara “garante que o termo mensalão já pode ser dicionarizado: – Infelizmente com o conceito depreciativo que ganhou na política.”

Embora não dicionarizado, o vocábulo mensalão já existia na língua, nos anos 80, popularmente indicado para expressar a diferença que os contribuintes com mais de uma fonte de renda pagavam mensalmente à Receita Federal. Pagar o mensalão significava o cumprimento de um dever por parte do cidadão. Continua o professor: “Gramaticalmente correta e popularizada na mídia, essa palavra prova que uma língua nunca está pronta.”

Ao comentar os vocábulos em evidência nos meios de comunicação, em decorrência da situação política que envolve o país desde o final do primeiro semestre de 2005, Deonísio da Silva (2005) faz alusão a dois: acordão e pizza.

O primeiro, termo jurídico, é palavra que veio de ‘acórdão’, do verbo acordar, do latim accordare, acertar com o coração, mais do que com a cabeça. O rei português Dom Affonso V já fazia acórdão, então denominado acordam, ainda no século XVI.

O segundo aqui chegou por intermédio do italiano, “pedaço de pão cozido na brasa”. E acrescenta:

“Acabar em pizza” é expressão que nasceu do futebol. O jornalista Milton Peruzzi, já falecido, foi o primeiro a registrá-la como senha de armistício. A expressão, porém, mudou de sentido. No acordão que se seguia às brigas de torcedores do Palestra Itália (antigo nome do Palmeiras), a maioria de ascendência italiana, não havia ilícitos. Acabava em pizza porque o consenso entre os discordantes era obtido em pizzarias. “Acabar em pizza” adquiriu em política um sentido pejorativo, que não tinha antes, e os acordos passaram a ser celebrados em outros recintos, onde a pizza, ausente, permaneceu como símbolo.

Muitos são os caminhos trilhados pelo dinamismo das línguas. Palavras se criam dentro do próprio vernáculo, palavras ampliam ou restringem o seu significado, adquirem valores pejorativos ou meliorativos, palavras migram de uma língua para outra(s), formam ou não derivados e compostos, mantêm ou não a sua grafia de origem, dicionarizam-se ou não.

Afirma a professora Ieda Maria Alves (1984: 119), citando B. Quemada, que “Uma língua que não conhecesse nenhuma forma de neologia seria uma língua morta e, em suma, a história de todas as nossas línguas constitui a de sua neologia”.

A pesquisadora reconhece três tipos de neologia: formal – neologismos criados por meio de derivação; semântica – neologismos criados pela atribuição de um novo significado a um mesmo segmento fonológico; por empréstimo – neologismos que resultam da adoção de um lexema estrangeiro.

O primeiro passo para o enriquecimento do idioma diria respeito à modalidade oral; o derradeiro, à sua inclusão lexicográfica. Ao reproduzir as palavras de Court de Gébelin, em Monde primitif, escreve o dicionarista Antenor Nascentes (1955: XII):

Conhecer uma palavra é conhecer as causas que lhe fizeram atribuir o sentido de que se reveste, a língua donde é originária, a família a que pertence, as alterações que experimentou. Não são somente palavras que assim se aprendem; aprendem-se ao mesmo tempo coisas. Uma coleção de etimologias seria já um resumo de todas as ciências e um grande avanço para começar o estudo delas.

Assim, a etimologia e a lexicografia registram a história de um povo. Neste trabalho, procurou-se a partir do elenco fixado pela equipe do dicionário Houaiss (2001) estudar a distribuição dos vocábulos do português brasileiro pela língua de origem, destacando-se, então, a maior ou menor contribuição delas à língua receptora. O embaixador Corrêa da Costa, ao discorrer sobre a sua obra (2000), em entrevista a O Globo (11/03/2000), revelou que as quatro línguas que mais palavras têm espalhadas pelo mundo são: o inglês, o francês, o latim e o italiano. Sem priorizar uma ou outra língua, pois o presente trabalho se propõe apenas a constatar e levantar dados estatísticos, ressalte-se a posição da professora da UNICAMP, Eni Orlandi (1988: 33), ao analisar como corpus o tupi e a sua presença no português brasileiro: 1. O empréstimo tem uma interpretação ortodoxa simplificadora: é reduzido a mera contribuição de vocábulos ou de alguns afixos. 2. Tal visão se projeta redutora, porque, ao se falar em empréstimo somente ligado a línguas européias e asiáticas e não a línguas indígenas, não se concede a estas status de línguas. Orlandi denomina poder, apoiada em Mattoso (CÂMARA, 1977), que chamou vontade ao trabalho de adaptação progressiva do homem sobre os produtos culturais. A lingüista discute ainda a posição tomada por alguns filólogos de não se considerarem empréstimos os vocábulos tupis, por terem adquirido as flexões portuguesas. Rebate esse posicionamento, postulando como fato científico o caminho das regras de adaptação pelo qual passam os empréstimos de qualquer língua. Enfatiza, também, a necessidade de se atentar para processos discursivos, que extrapolem o nível do vocábulo isolado. Exemplifica com o sufixo tupi – rana, existente em várias formas do português: tatarana (como se fosse fogo), cajarana (como se fosse cajá), sagarana (como se fosse saga). A observação parte da constatação de que o sufixo em questão significa “como se fosse” e leva ao entendimento das relações entre os membros de uma tribo. No dialeto de Belém do Pará, encontrou a pesquisadora o termo netarana, que significa “como se fosse neta”. Afirma, então, que a modalização se insere num mecanismo discursivo e ultrapassa o sistema verbal. Conclui, asseverando que “uma obra crítica, discursiva, filológica (no sentido moderno) de estudar os ‘empréstimos’ é que estamos visando”. (id. ibid. 39)

O presente trabalho tem por objetivo também um cotejo com o Dicionário etimológico, de Antenor Nascentes.

Antenor de Veras Nascentes – filólogo carioca – (1886-1972) é, até hoje, o maior etimologista brasileiro. Seu dicionário, em dois volumes, um dedicado aos nomes próprios, representou a bíblia em que os lexicógrafos brasileiros da atualidade se basearam. Obra anterior ao impulso dos estudos lingüísticos, numa perspectiva como a atual – impulso esse motivado pela descrição estruturalista do português brasileiro feita por Mattoso Câmara, no final da década de 70, já ressalta na página XIII:

Mas a pesquisa etimológica não é uma aplicação passiva das leis da linguagem, conforme observa Dauzat. Uma parte muito grande ainda é deixada à imaginação lingüística, ao faro do sábio, para encontrar em época precedente da língua o antecedente da palavra cuja filiação se procura. O romanista se deterá no latim vulgar para passar – como os antigos corredores – o facho ao latinista. Mas nenhum deles se poderá gabar de descobrir a origem primeira das palavras, de remontar até uma primeira forma além da qual nada mais haveria. (1955)

Em seu Dicionário etimológico (1955) grupou os vocábulos segundo os seguintes idiomas de origem: latino, grego, abissínio, africano, albanês, alemão, algonquim, americano (sem distinção de língua), anglo-saxão, árabe, arameu, araucano, aruaque, australiano, bali, bengali, bérbere, boêmio, búlgaro, cafre, caribe, catalão, céltico, chinês, cigano, címbrio, cingalês, concani, copta, dinamarquês, dravídico, egípcio, escandinavo, esclavônio, escocês, eslavo, espanhol, fenício, flamengo, francês, franco, gaélico, galês, gaulês, genovês, germânico, gótico, groenlandês, hebraico, hindu, hindustani, holandês, húngaro, iacute-tunguz, ibérico, índico, inglês, irlandês, islandês, italiano, japonês, javanês, juma, lombardo, lundês, malabar, malaiala, malaio, malgaxe, mapuche, marata, moicano, mongol, napolitano, nauatle, neerlandês, neo-árico, norueguês, oriá, persa, polaco, polinésio, provençal, quiché, quíchua, quimbundo, romeno, russo, sânscrito, semítico, sérvio, siamês, siríaco, sueco, taino, taitiano, tamul, tibetano, toscano, tupi-guarani, turco, valào, vasconço, veneziano, zende.

A pesquisa se justifica por haver um hiato temporal de quase cinqüenta anos entre os dois dicionários que compõem o corpus, com objetivos e metodologias diferentes. Afirma Nascentes:

Destinando-se a pessoas cultas, um dicionário etimológico não precisa conter todas as palavras da língua. Cingi-me a vocábulos conhecidos em todos os domínios em que se fala a língua portuguesa. Neste pressuposto, excluí os arcaísmos, os provincialismos de Portugal, a gíria portuguesa e a brasileira… Igualmente ficaram de fora os africanismos, os asiaticismos e os americanismos. Releguei para um glossário à parte, o qual constituirá o segundo volume, o conjunto de africanismos, asiaticismos e americanismos, ou melhor, brasileirismos. (1955: XXIX-XXX)

Em contrapartida, o Dicionário Houaiss propõe unir passado e presente; e espaços variados ocupados pela lusofonia.

Cremos não ser impertinente reconhecer que, dentro da sua tradição lexicográfica própria, a lingua portuguesa – a nossa lingua e da lusofonia, na qual se inserem os usos lingüísticos dos brasileiros, portugueses, angolanos, moçambicanos, cabo-verdenses, bissanenses, santomenses e quantos aceitam falar à sua imagem, onde quer que estejam – vê-se carente de um esforço de atualização que honre os lexicógrafos do passado, não os abjurando, mas buscando corresponder às necessidades do seu presente. E a realidade desse presente é o de uma coletividade numerosa… (HOUAISS, 2001: XIV)

Nelly de Carvalho (1989: 6), em obra fundamental para os pesquisadores sobre empréstimo lingüístico, inicia a sua exposição recontando uma fábula em que a senhora protagonista Língua Portuguesa convocara todas as palavras da sua língua para uma assembléia, na qual solicitou “que quem não fosse completamente brasileiro se retirasse”. Diante do alvoroço formado, reformulou seu pedido, solicitando que se retirassem “as palavras que não fossem legitimamente vernáculas”. O novo distúrbio provocado a fez desistir de semelhante idéia.

Conclui Carvalho: “O empréstimo lingüístico é tão antigo quanto a história da língua, ou melhor, quanto a própria lingua” “ Em todo estado de língua há algo de diacrônico”. (1989:9)

O léxico português origina-se do latim vulgar ou latim popular (sermo vulgaris). Porém radicais do latim clássico (sermo urbanus) formaram derivados eruditos, contribuindo assim tal variedade do latim para o enriquecimento do português. Retornando ao mensalão, Nascentes (1955: 327), citando Adolfo Coelho, apresenta a forma mensal originária do “lat. mensuale, que a forma espanhola, a italiana e a francesa postulam”. Corominas (1998) a apresenta como cultismo, portanto originária do latim clássico.

Carvalho (1989:12) propõe dois mecanismos de ampliação do léxico: o processo de criação dentro da própria língua; e o processo de adoção e adaptação de um termo de língua estrangeira. No primeiro, inclui, entre outros, inovação no significado ou neologismo conceitual. Seria o caso do vocábulo analisado por Bechara, que recebeu um significado pejorativo, em virtude da situação política do país.

Neologismo e empréstimo se encontram, portanto. Segundo Ieda Maria Alves (1984: 120), apoiando-se em GUILBERT, L. La créativité lexicale. Paris: Larousse, 1975, o termo estrangeiro percorre uma fase neológica, a qual corresponde à sua instalação no sistema de uma língua: morfossintaticamente, pode originar derivados, compostos, vocábulos híbridos e, geralmente, se integra ao sistema flexional de número e gênero da língua receptora. A palavra pizza, que manteve a sua grafia original, derivou o vocábulo pizzaria; e incorporou-se ao sistema português na sua flexão de plural – pizzas. Paparazzi não é reconhecido como plural (sing.: paparazzo, do it.) e frequentemente aparece na mídia como um paparazzi ou os papparazzos. A palavra brócolis, já dicionarizada, perdeu seu traço de plural da língua de origem (it.) – broccoli – e ganhou a flexão da língua receptora (-s).

Desenvolvimento:
Empréstimos do latim e grego

Retomando a idéia de que a língua portuguesa descende do latim vulgar, pode-se dizer que “o idioma falado pelo povo romano não morreu [...], mas continua a viver transformado” (COUTINHO, 2005: 46). Facilmente justificam-se as palavras de origem latina usadas no idioma português. O mesmo se poderia dizer de palavras de origem grega, na medida em que vocábulos gregos também estariam presentes no léxico latino.

Entretanto ainda se utilizam palavras e expressões tais como eram usadas no latim clássico, isto é, sem ter sofrido mudanças em sua morfologia. É o caso de expressões usadas em jargões específicos. “Os vocábulos latinos entraram no portugês primeiro pela Igreja e por intermédio da Lei, depois pela obra dos eruditos e dos homens de letras e por fim pela ciência.” (WILLIAMS, 1973: 28). A título de exemplificação há habeas corpus (latim), telescópio (grego).

A maior parte dessas palavras data da época do Renascimento quando, além dos italianismos, palavras eruditas de derivação grega foram agregadas à língua. Há, também, muitas importações do grego e do latim vindas diretamente ou pelo castelhano.

Devido ao fato de uma língua pertencer a seus falantes, ela não pode permanecer estagnada, pois, dentre várias motivações, novas tecnologias sempre surgem e tais novidades precisam ser nomeadas; por esse motivo, acrescentam-se novos vocábulos. Dessa forma, usualmente se recorre ao grego ou latim para tal fim. No século XIX surgiu automóvel (híbrido de grego e latim), no XX televisão (grego), ambos híbridos de grego e latim. Com a expectativa da chegada do homem à Lua, recorre-se ao francês ‘alunissagem’, que por sua vez lançou mão do vocábulo luna (latim), e criam-se ‘alunar’ e ‘alunizar’, ambos dicionarizados (HOUAISS, 2001).

Podem-se destacar curiosidades como ‘fiar’ que possui dois significados, o que pode ser explicado por ter sua origem em duas palavras distintas do latim, fīlāre e fīdāre (WILLIAMS, 1973: 29); silêncio que deu origem, no português arcaico, a seenço, mas que regressa ao português mais tarde voltando a ser usado em lugar de seenço; há, do mesmo modo, palavras de origem latina que desapareceram e que por motivo de importação de tecnologia retornam ao idioma, no caso da palavra deletar. Hibridismos, a princípio improváveis e não existentes em suas línguas de origem, ocorrem ao se justaporem vocábulos criando, por exemplo, motoboy do grego e inglês.

Como um último exemplo, apresenta-se propinoduto – que foi cunhado graças à maleabilidade e engenhosidade, tão características de uma língua e seus falantes, para rotular um esquema de lavagem de dinheiro, no qual se encontram justapostos propina (originalmente taverna no latim medieval, segundo Houaiss, 2001) e duto (transporte, também do latim). O vocábulo, ainda não dicionarizado, foi formado já no século XXI, portanto dentro do idioma usando elementos do latim clássico e mostra que novos vocábulos continuarão a se criar e entrar em uso, pelo menos na oralidade.

Nesta parte do trabalho, ainda em curso, está sendo levantado o número de vocábulos de origem latina e grega encontrados no Dicionário Houaiss, contrastando com os resultados encontrados por Nascentes em seu Dicionário etimológico. Até o momento, dentre as 1935 palavras analisadas, 472 são de etimologia latina e 266, grega.

Empréstimos do árAbe

O árabe é o segundo contribuidor do léxico brasileiro; o latim foi o primeiro.

Observe-se o texto abaixo escrito na variante do português brasileiro do século XXI.

Oxalá fosse capaz de causar tamanho alarido que atraísse a atenção, até mesmo do menos interessado fulano de tal, na mais distante aldeia do planeta, para o quilate da importância dos empréstimos a uma determinada língua. Com eles não vem apenas o aumento do léxico, mas um arsenal de informações que enriquecem os falantes desse idioma.

Pode parecer puro alarde, mas não consigo deixar de afagar o sonho de abafar a algazarra que fazem os que, algemados à desculpa de estarem protegendo a língua pátria, combatem os estrangeirismos que cedo ou tarde acabar por a ela se incorporarem, expandindo seus limites e alargando os horizontes de seus falantes em lugar de mantê-los reféns de conceitos armazenados.

Todas as palavras grifadas no texto acima são de origem árabe.

Os árabes permaneceram na Península Ibérica por quase oito séculos (de 711 a 1492). Apesar de a sua civilização ser muito superior à da Península, inclusive com grande desenvolvimento da ciência, a influência do idioma restringe-se praticamente ao domínio do vocabulário.

Vale ressaltar que grande número das palavras oriundas do árabe iniciam por “al” que é o único artigo do idioma – invariável, tanto em gênero quanto em número (alazão, alcachofra, alcatra, alfândega, alcunha, alcaide, alcatifa, alcova, algodão...) Este artigo pode ainda aparecer reduzido à vogal “a” como em açougue, açúcar, azeite, azul etc.

Babucha (do árabe babuja) – sandália de couro ou de pano, sem salto, aberta no calcanhar é um dos itens da indumentária oriental, que veio para o Brasil acompanhando as variações da moda, quando essa temperou as influências européias e americanas inspirando-se em usos e costumes daquela parte do mundo. (SILVA, 2004: 89).

Empréstimos do inglês

Objeto da atual pesquisa, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) foi alvo de duras críticas por parte do jornalista Fernando Jorge. Em artigo publicado na Revista Imprensa na edição 166 de novembro de 2001, Fernando afirma que “o Houaiss não é um autêntico dicionário do nosso idioma”. O fato de encontrarem-se registradas nessa obra palavras da língua inglesa em sua grafia original é, por ele, considerado “vergonhoso”, sinal “de subserviência, de submissão, de desnacionalização”. Numa demonstração clara de desconhecimento dos caminhos trilhados pelos neologismos, sejam eles criados a partir de elementos já existentes na língua, ou a partir de empréstimos, ele acrescenta: “num dicionário do nosso idioma só devem ser aceitas as palavras inglesas que foram aportuguesadas”.

Não é nova a discussão sobre a legitimidade do uso dos estrangeirismos. De tempos em tempos a questão da incorporação de palavras estrangeiras ao léxico é motivo de acaloradas reações por parte de puristas que, preocupados em defender a língua, vêem os empréstimos como ameaça e não como enriquecimento.

Foi assim com o francês, no final do século XIX e início do século XX, período em que a cultura francesa influenciava o pensamento e o gosto das elites brasileiras. O uso dos galicismos avalanche – hoje com variante avalancha, banal, envelope, greve, entre tantos outros, foi, então, fortemente combatido. Defendia-se a substituição desses termos por outros equivalentes, já existentes no português. Cabe aqui uma observação: torna-se, muitas vezes, difícil, ou até mesmo impossível, a substituição de uma palavra estrangeira por outra já existente no léxico, devido ao simples fato de a palavra estrangeira expressar idéia, costume, ou mesmo designar objeto até então inexistente e, portanto, desconhecido dos usuários de tal léxico.

Atualmente a fúria dos puristas volta-se contra os anglicismos. O uso de vocábulos da língua inglesa, considerado indiscriminado e abusivo, levou até à criação de um projeto de lei que “objetiva promover, proteger e defender a língua portuguesa” (Projeto de Lei 1676 de 1999, de autoria do deputado Aldo Rebelo).

A influência da língua inglesa, não só na língua portuguesa como também em outras línguas, acompanhou o crescimento do poder econômico dos Estados Unidos da América, notadamente após o fim da 2ª guerra mundial em 1945. O contato com a cultura norte-americana espalhou-se, a princípio, por meio do cinema e da música, vindo a estreitar-se no mundo dos negócios. Com o desenvolvimento da tecnologia, a informática é, hoje, uma das principais responsáveis pela transferência de uma grande quantidade de anglicismos ao português do Brasil.

Antenor Nascentes registrou em seu Dicionário etimológico (1955) 164 palavras originadas do inglês, todas aportuguesadas. Uma breve comparação entre a obra de Nascentes e a de Houaiss permite a afirmação de que esse número aumentou significativamente.

Tomando-se como exemplo a inicial ‘s’, Nascentes registra apenas um anglicismo – sanduíche, enquanto se encontram registrados no “Houaiss”, entre as páginas 2. 617 e 2. 620, nada menos que 58 palavras, com significado e uso distribuído entre as áreas de economia, comércio e esportes.

A palavra surfe é exemplo de elemento que integrou-se gráfica e morfologicamente à língua portuguesa. Do inglês “surf”, recebeu o ‘e’ final na formação do substantivo; o sufixo verbal –ar, em surfar; o sufixo derivacional –ista, designando “adepto de”, em surfista, e o sufixo derivacional –vel, formador de adjetivo em surfável.

Tendo sido o Dicionário Houaiss publicado em 2001, já é grande a lista de anglicismos não dicionarizados, pois novos modismos, com seus termos e expressões próprios, aparecem e são divulgados pela mídia a cada dia: popstar, kitesurf, fashion, photoshop. O que permanecerá, isso é impossível afirmar.

Empréstimos do africano e indígena

É visível e incontestável a influência da raça negra no Brasil, não somente na etnia como também na cultura. Tal influência estende-se à língua portuguesa, especialmente no português do Brasil, conseqüência da vinda dos negros para trabalho escravo na época da colônia. A maioria dos africanismos na língua portuguesa são herdados do iorubá e do quimbundo.

Os vocábulos provenientes do iorubá tais como axé, acaçá, ebô, obi, ojá, egum, ori, orobô, axexê etc., trazidos com os negros da Nigéria, têm seu uso quase somente dentro de cultos afro-religiosos. Sendo assim, poucos são os termos de conhecimento popular, como Iemanjá – orixá das águas salgadas, considerada mãe de outros orixás e a rainha do mar –; acarajé – bolinho de feijão fradinho frito no azeite de dendê, popularizado na Bahia e apreciado por muitos brasileiros e estrangeiros atualmente considerado patrimônio público –; ou abadá, que significa originalmente uma espécie de vestido largo até o tornozelo utilizado por homens no candomblé, e recebe hoje o novo significado de camisetas coloridas usadas principalmente por foliões em blocos carnavalescos para se identificarem como um grupo, entre outros. Já os vocábulos provenientes do quimbundo, trazidos pelos negros de Angola, integram-se ao léxico mais geral; por exemplo, samba, bunda, moleque, miçanga, marimbondo, quilombo, senzala, cafuné, marimba, quenga. Este último, inicialmente, vasilha feita da metade de um coco, em sentido conotativo passou a ser mulher que perdeu o quengo, isto é, a cabeça, tornando-se prostituta – que aparece muito nos romances de Jorge Amado e foi difundido pela televisão já que muitos desses romances foram transformados em telenovelas.

É natural que muitas pessoas afirmem que a maioria dessas palavras de herança iorubana não fazem parte do idioma. Isso é preconceito, pois não é porque seu uso foge do léxico corrente que tais elementos não pertencem à língua. Se não o fossem, palavras como pátena, manutérgio, galheta e oblata, todas de origem latina, não deveriam também fazer parte dela, já que seu uso fica restrito às missas católicas.

Em relação aos empréstimos indígenas, pode-se encontrar um abundante vocabulário dentro de muitos textos produzidos nos séculos XVI e XVII, sendo a maior parte herdada da língua tupi. Esses vocábulos foram incorporados ao léxico da língua portuguesa também através da miscigenação, só que de forma diferente da que ocorreu com os negros, pois os índios, ao invés de trazidos e inseridos bruscamente na sociedade brasileira, foram os primeiros habitantes dessa terra tropical.

Um exemplo de vocábulo de herança indígena é a palavra babaca, que possui valor pejorativo no léxico brasileiro, é uma redução de babaquara, aquele que não sabe nada, por preconceito urbano contra gente do interior, passou a ser sinônimo de caipira, tido por tolo.

Os empréstimos indígenas estão relacionados principalmente à fauna brasileira: araponga, arara, capivara, jabuti, jibóia, piranha, sabiá, sagüi, sucuri, surucucu, urubu etc., e à flora: abacaxi, amendoim, caju, cipó, jabuticaba, jacarandá, mandioca, maracujá, peroba, pitanga etc.

Todos os vocábulos acima citados figuram no dicionário Houaiss (2001).

Conclusão

Pretendeu-se, neste trabalho, comprovar a presença do empréstimo e o seu recrudescimento, como elemento enriquecedor do léxico da língua portuguesa, na sua variante brasileira. Tal enriquecimento evidencia-se, também, na formação de derivados, compostos e vocábulos híbridos. Constatou-se que os vocábulos dicionarizados se apresentam, por vezes, grafados na sua língua de origem, por vezes na língua receptora; e ainda às vezes nas duas variantes gráficas. Em relação aos vocábulos não dicionarizados, muitos estão em vias de fazê-lo, pois já encontram espaço na mídia impressa.

A seguir, um quadro comparativo do registro dos empréstimos nos dois dicionários constituintes do corpus:

 

Total

Latim

Grego

Árabe

Inglês

Afr. /Ind.

Nascentes

100. 000

80. 000

16. 079

609

164

37

Houaiss

1. 935

472

261

5

120

11

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